Gustavo Capanema, Abgar Renault e Drummond de Andrade: Centenário de Um Encontro
Dênio Mágno da Cunha*
RESUMO
Neste trabalho é abordado o encontro entre o Ministro da Educação Gustavo Capanema e seu Chefe de Gabinete Carlos Drummond de Andrade, no ano de 1916, quando foram colegas de estudo no internato do Colégio Arnaldo Jansen em Belo Horizonte. Descreve a evolução da amizade iniciada no colégio e a atuação que tiveram á frente do Ministério da Educação e Saúde entre 1934 e 1945, momento decisivo para a estruturação do sistema educacional e cultural brasileiro.
Palavras-chave: Gustavo Capanema. Drummond de Andrade. Educação Brasileira.
ABSTRACT
This paper discussed the historical moment of the meeting between the Minister of Education Gustavo Capanema and his Chief of Staff Carlos Drummond de Andrade, in 1916 , when they were classmates at boarding College Arnaldo Jansen in Belo Horizonte . Describes the evolution of friendship started in high school and the activities that were in front of the Ministry of Education and Health between 1934 and 1945, turning point for the structuring of the Brazilian educational and cultural system.
Keywords: Gustavo Capanema. Drummond de Andrade. Brazilian education.
*Doutorando em Educação na Universidade de Sorocaba-UNISO.
1. Introdução
Neste ano de 2016 deveríamos comemorar o centenário do encontro de dois mineiros, nomes ilustres da vida nacional, que juntos trabalharam pela evolução do sistema educacional brasileiro: os ministros Gustavo Capanema e Abgar Renault e o poeta Carlos Drummond de Andrade.
Em 1916, Capanema, Abgar e Drummond encontraram-se pela primeira vez no Colégio Arnaldo Jansen, recém-chegados do interior do Estado para realizarem seus estudos na capital mineira. Capanema vinha de Pitangui, Abgar de Barbacena e Drummond, de Itabira.
O Colégio Arnaldo, também um jovem, fora inaugurado numa pequena casa na Rua Timbiras, em 1912 por padres da Congregação do Verbo Divino. Ainda em construção, o Colégio começava naquele tempo a ocupar o local onde funciona até os dias atuais: o quarteirão formado pela confluência das Avenidas Brasil, Bernardo Monteiro e das ruas Timbiras e Ceará, na Praça João Pessoa.
É curioso como o olhar histórico nos permite vislumbrar determinadas situações que só no passar do tempo farão sentido. Quando deixou Itabira em busca de uma melhor educação, com certeza Carlos Drummond de Andrade não imaginava o quanto este gesto tão comum seria marcante em sua vida. A passagem, curta, pelo Colégio Arnaldo Jansen foi o início de amizades duradouras que definiriam, no futuro, o seu caminho como funcionário público. Da mesma forma Gustavo Capanema não deveria imaginar que ali no pátio do Colégio encontraria o seu, provável, mais fiel amigo, com o qual teria uma amizade “para a vida inteira”. E Abgar idem. Iignorantes do futuro, os três firmariam de forma natural uma aliança de amizade que os levaria a seguirem juntos nos caminhos da educação.
Neste texto abordaremos as circunstâncias deste encontro e, de forma sintética, a trajetória destes dois amigos pela história de Minas Gerais e do Brasil.
2. O Colégio
A convivência no Colégio Arnaldo Jansen e o sentimento que esses jovens, vindos do interior, tinham ao adentrarem na vida escolar da capital foram descritas na biografia de Carlos Drummond de Andrade, Cançado (1993), nas poesias, quase crônicas, escritas por Drummond (2011) e nos registros do Annuário do Collegio Arnaldo, publicado a partir de 1920. Quando Drummond entrou no Colégio eram 74 internos e outros 136 que moravam com suas famílias em Belo Horizonte. “Nunca mais acordo individualmente, soberano”, teria dito o poeta referindo-se a esse momento de transformação. Referindo-se a este momento como o “despertar em série”. (CANÇADO, 1993)
A vida era de fato bem diferente daquela vivida nas cidades do interior, na liberdade da casa materna, da fazenda. Só o tempo poderia mostrar ao aluno os benefícios que o Colégio traria para sua vida. No colégio o que havia era “ordem”: “Muitas coisas não havia (...) mas o que havia não era para desprezar: Ordem em tudo, ordem na hora de se levantar, ordem no modo de formar a fila, ordem na aula, no estudo, nas refeições, ordem nos recreios”. (ARNALDO, 1920 p. 5).
No Colégio,
não estava ai a mãe, sempre solicita e circunspecta, mas estava o prefeito, cuja vigilância, desvelo e carinho acompanhavam ao pequeno dia e noite. Fosse o que fosse, estava aberto o coração do bom Padre para receber as duvidas dificuldades, queixas e reclamações do seu aluno. Mestres dedicados os esperavam quando era hora de estudo ou de aula e sob sua regência era leve trabalhar Oh! Sala de estudo, quantas recordações agradáveis não despertas! Faltavam os irmãozinhos, mas quando se abriam as portas do recreio, lá estavam os companheiros a dezenas, convidando-nos para o criquet, a barra, ao football e outros divertimentos. E que dizer das festas, festas tão encantadoras, que só a vida colegial os conhece? [...] Benditos muros que encerram tanta felicidade, tanta alegria, tanta virtude! (ARNALDO, 1920 p. 5-6)
Possivelmente em função desse estranhamento repetido, houvesse por parte dos Padres Verbitas a preocupação de construírem uma rotina que privilegiasse o convívio, a criação de laços de amizade, através de atividades esportivas e culturais diversas. O Colégio sob a sua origem germânica guardava uma forma peculiar de educar. Em seu espaço físico portentoso, possuía e possui ainda um pátio rodeado de mangueiras onde se jogava futebol e onde havia a convivência fraterna entre padres, professores e alunos. Ambiente mais que propício para que laços de amizade se formassem entre jovens estudantes, adolescentes em busca de uma formação que lhes permitissem o ingresso no ensino superior, naquela época restrita.
No quadro a seguir temos ideia quanto aos horários. Havia uma rotina de estudos permeada por intervalos de lazer e momentos culturais, onde se destacavam as sessões cinematográficas nos fins de semana.
Quadro 1 – Horário de atividades Colégio Arnaldo (Internato)
Horário |
Dia de semana |
Horário |
Fim de Semana |
5h30 |
Levantar |
6 horas |
Levantar |
6 horas |
Missa na capela |
6h30 |
Café e recreio |
6h30 |
Café e recreio |
8 horas |
Missa |
7 às 8 horas |
Estudo |
9 às 10 horas |
Estudo livre |
8 às 8h30 |
Recreio |
10 horas |
Almoço e recreio |
8h30 às 9h30 |
Estudo e aulas |
11h30 às 12h30 |
Estudo livre |
9h30 às 11 horas |
Almoço e recreio |
12h30 |
Café e recreio |
11 às 13h30 |
Aulas |
15h30 |
Jantar e recreio |
13h30 às 14 horas |
Merenda e recreio |
17h30 às 19 horas |
Estudo |
14 às 15h30 |
Aulas |
19 horas |
Sessão cinematográfica, chá e repouso |
15h30 às 16 horas |
Banho |
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16 às 17h30 |
Jantar e recreio |
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17h30 às 19h45 |
Estudo |
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19h45 |
Chá |
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20 horas |
Repouso |
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Adaptado pelo autor de Chagas (2014. P.37)
O poeta demonstraria o significado dos momentos vividos ali em seus poemas, tornando-se o cronista de uma época e de seu estilo de educação.
Sobre a disciplina e a ordem:
A NORMA E O DOMINGO
Comportei-me mal,
Perdi o domingo.
posso saber tudo
das ciências todas,
dar quinau em aula,
espantar a sábios
professores mil:
comportei-me mal,
não saio domingo.
[..] Abomino a ordem
que confisca tempo,
que confisca vida
e ensaia tão cedo
a prisão perpétua
do comportamento.
(ANDRADE, 2011, p. 243):
Sobre seus colegas e suas características:
FIGURAS
O Meirinho, o Meirão. Um é craque na bola,
o outro, caricaturista. A vontade que sinto
de ter nascido J. Carlos e vencê-lo.
Dos três irmãos Lins, Ivan ainda não conhece
Augusto Comte e já se mostra sábio.
Capanema, o estudante
três vezes estudante, e completo.
O completo vadio,
ignoro se sou. Sei que não sei
estudar, e isto é grave. Jamais aprenderei.
Vou rasgando papéis pelo pátio varrido.
Todos riem baixinho. Volto-me,
pressentimento.
Atrás de mim Padre Piquet vem, passo a passo,
pousa em meu ombro a punição.
(ANDRADE, 2011, p. 239).
Em “Craque” o poeta-cronista destaca seu amigo Abgar Renault, que além de esportista já se aventurava na poesia:
CRAQUE
Segundo half-time
Declina a tarde sobre o match
Indefinido.
O Instituto Fundamental envolve o adversário.
A taça já é sua, questão de minutos.
Mas Abgar, certeiro, irrompe
de cabeçada,
conquista o triunfo par ao deprimido
team confuso do Colégio Arnaldo.
Olha aí o Instituto siderado!
Despe Abgar o atlético uniforme,
simples recolhe-se ao salão de estudo
para burilar um dolorido
soneto quinhentista:
Em vão apuro a minha fortitude,
Senhora, por vencer o meu amor...
(ANDRADE, 2011, p. 238)
Este grupo manteve sua amizade e um relacionamento frequente, apesar das distâncias e as características da comunicação da época. Sempre que lhes foi possível estavam juntos na vida. A biografia de Carlos, Abgar e Capanema por não pode ser contada sem a menção um do outro,
Após a convivência no Colégio Arnaldo, Drummond e Capanema se separaram. Drummond adoecido voltou a Itabira, depois iria continuar os estudos em Nova Friburgo (RJ), no Colégio Anchieta, de padres Jesuítas, de onde seria expulso. Volta a Belo Horizonte, inicia sua carreira no jornalismo e cursa Farmácia.
Capanema e Abgard cursam Direito. Capanema retorna a Pitangui. Torna-se professor, advoga e inicia a sua carreira política.
Os três voltam a se encontrar em Belo Horizonte na década de 1920. Mantém seus laços de amizade, frequentam os mesmos lugares – o mais famoso deles o Café Estrela. Ficam conhecidos como o Grupo do Estrela em função do hábito de ali encontrarem-se rotirineiramente. Em 1924, Drummond, jornalista, já escrevendo e publicando poemas, participa do célebre encontro entre o Grupo do Estrela e modernistas paulistas, realizado no Grande Hotel. Nesse encontro estavam os modernistas Oswald de Andrade, Tarsila de Amaral, Blaise Cendras, Mário de Andrade e também Capanema e Abgar Renaut.
Inicia-se ai outra amizade histórica, entre Carlos Drummond, Mário de Andrade e Capanema: os três seriam missivistas até o final de suas vidas, atuariam juntos na definição de políticas culturais e educacionais para o País, seriam responsáveis pela fundação de diversos órgãos e estruturas de apoio à cultura nacional. Mário, no entanto, se negaria a compor a estrutura do Ministério onde atuaram seus amigos. Atuaria à distância[1].
Carlos Drummond acompanha Gustavo Capanema quando este foi nomeado Secretário do Interior do Estado de Minas Gerais, (1930) como seu Chefe de Gabinete. Mesmo período em que Abgar era Secretário do Ministro da Educação e Saúde Pública, o também mineiro Francisco Campos.
Francisco Campos, Abgar Renault e Gustavo Capanema eram conhecidos da Faculdade de Direito da UFMG onde estudaram. Quando da formatura dos dois últimos, (1924) Abgar foi o orador da turma e Capanema o aluno homenageado pelo desempenho escolar - medalha Barão do Rio Branco.
Na década de 1930, com a criação do Ministério da Educação e Saúde Pùblica, Getúlio Vargas como forma de compensação ao apoio dado à Revolução pelo Governo de Minas, nomeia Francisco Campos como seu primeiro Ministro. Francisco Campos já possuía larga experiência na área desde a década de 1920, sendo responsável pela reforma do ensino em Minas. Seu secretário é Abgar Renault.
Após sua saída do Ministério em 1932, assume no seu lugar Washington Pires, que permaneceria à frente da educação por dois anos.
Em 1934 Capanema substitui Washington Pires no Ministério da Educação e Saúde, levando Drummond como seu Chefe de Gabinete. Abgar seguiu Francisco Campos que fora ser Ministro da Educação do Distrito Federal. Dessa forma, os quatro mineiros estavam juntos na cidade do Rio de Janeiro nessa época.
Em 1938, Abgard Renault vem trabalhar com Capanema nomeado que fora como torna Diretor do Departamento Nacional da Educação (1938-1946).
Figura 1 – Abgar Renault, Gustavo Capanema e Drummond.
Abgar Renaul e Capanema – Posse de Abgar no Depto. Nacional de Educação – 1938. (1) |
Drummond e Capanema. Entre eles Rodrigo M.F. Andrade – 1942 (2) |
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Fonte: (1) UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais - Inventário Abgar Renault (2016)
(2) IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2012)
Durante o período em que estiveram à frente do Ministério da Educação foram inúmeras as alterações realizadas na estrutura da cultura e da educação no País. Capanema foi o Ministro que mais tempo permaneceu à frente de uma única pasta do Governo brasileiro – 11 anos.
Candido (1987, p. 181) faz uma análise do que significou esse período para a história da cultura brasileira:
“Quem viveu nos anos 30 sabe qual foi a atmosfera de fervor que os caracterizou no plano da cultura, sem falar de outros. O movimento de outubro não foi um começo absoluto nem uma causa primeira e mecânica, porque na história não há dessas coisas. Mas foi um eixo e um catalisador: um eixo em torno do qual girou de certo modo a cultura brasileira, catalisando elementos dispersos para dispô-los numa configuração nova. Neste sentido foi um marco histórico, daqueles que fazem sentir vivamente que houve um “antes” diferente de um “depois”. Em grande parte porque gerou um movimento de unificação cultural, projetando na escala da nação fatos que antes ocorriam no âmbito das regiões”.
Na área da cultura, entre outras:
1936 Funda o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). Indica Rodrigo de Mello Franco de Andrade como diretor.
1937 Cria o Instituto Nacional do Livro. Nomeia Augusto Meyer para Diretor.
Cria a Universidade do Brasil (antiga Universidade do Rio de Janeiro).
Cria o Serviço Nacional de Teatro.
Cria o Serviço de Radiodifusão Educativa. Apoiado por Roquete Pinto.
Cria o Instituto Nacional do Cinema Educativo. Apoiado por Humberto Mauro.
1938 Cria o Museu da Inconfidência em Ouro Preto.
1941 Cria o Conselho Nacional de Desportos.
1942 Cria o Conservatório Nacional de Canto Orfeônico. Nomeia Villa-Lobo para a Direção.
1945 Cria o Museu o Ouro em Sabará (MG)
Na Educação, entre outros:
1938 Funda o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP). Nomeia Lourenço Filho para a Direção
1942 Nacionaliza cerca de 2000 escolas em núcleos de colonização no Sul do País.
Cria o Fundo Nacional do Ensino Primário.
Cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI).
Organiza o ensino industrial (Decreto-lei n. 4.048, de 22 de janeiro de 1942).
Organiza o ensino secundário (Decreto-lei n.4.244 de 9 de abril de 1942).
1943 Assina o acordo da Convenção Ortográfica com Portugal.
Reforma o ensino comercial (Decreto-lei n.6.141, de 28 de dezembro de 1943).
Houve também reformas gestadas no período Capanema e efetivadas após a sua saída do Ministério:
- Decreto-lei n. 8.529, de 02 de janeiro de 1946, que organizou o ensino primário a nível nacional;
- Decreto-lei 8.530, de 02 de janeiro de 1946, que organizou o ensino normal;
- Decretos-lei n 8.621 e 8.622, de 10 de janeiro de 1946, que criaram o SENAC;
- Decreto-lei n. 9.613 de 20 de agosto de 1946, que organizou o ensino agrícola.
Essas medidas lançaram as bases sobre as quais puderam se desenvolver ações culturais e uma nova estrutura educacional no País. A partir delas, havia algo para ser avaliado, discutido, aprimorado e principalmente gerido.
Os números de alunos nos diversos níveis escolares também sofreu evolução no longo período de Capanema à frente do Ministério, com destaque para o ensino secundário. Em 1933 havia 417 cursos no país; em 1945 esse número saltara para 1.282. Em número de alunos: 66.420 para 256.664.
Tabela 1 – Evolução do Sistema Educacional Brasileiro - 1933-1945
|
1933 |
1945 |
Variação |
|||
Níveis |
Cursos |
Alunos |
Cursos |
Alunos |
Cursos |
Alunos |
Nível Primário |
29.553 |
2.221.904 |
35.561 |
3.496.664 |
20% |
57% |
Secundário |
417 |
66.420 |
1.282 |
256.664 |
207% |
286% |
Outros de Nivel Médio |
1.534 |
101.221 |
3.801 |
209.145 |
148% |
107% |
Superior |
248 |
24.166 |
325 |
26.757 |
31% |
11% |
Outros |
678 |
52.391 |
1.936 |
192.384 |
186% |
267% |
Há uma outra ação, no campo do simbólico, de alta relevância para a educação brasileira: a construção de uma sede própria para o Ministério
Capanema ao iniciar seu trabalho no Ministério da Educação decide pela construção de uma sede exclusiva, já que seus departamentos ocupavam estavam espalhados pela cidade do Rio de Janeiro. Em 1935 institui concurso do qual sai vencedor Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A pedido do primeiro, Capanema convida o famoso arquiteto francês Le Corbusier para analisar o projeto vencedor. Dessa consulta resulta a construção do prédio, que em 1968, viria se tornar o Palácio Capanema.
O prédio em estilo moderno destaca-se na paisagem da Capital Federal a dizer que a cultura e a educação são significativas para o povo brasileiro. O prédio tem no seu hall, painéis de Cândico Portinari denominados “Jogos Infantis”, além de pinturas de Alberto Guignard e Pancetti e esculturas de Bruno Giorgi, Jacques Lipchitz e Celso Antônio Silveira de Menezes.
Não se pode afirmar com certeza, mas o impacto causado pelo prédio no cenário nacional e sua função de consolidação para o Ministério da Cultura, nos remete ao mesmo impacto que o Colégio Arnaldo teve (tem) sobre a cidade de Belo Horizonte. Assim como remete àquela menção feita no Anuário sobre como os novos alunos se sentem ao entrar no prédio do Colégio: “Muitos de vós, quando passaram pela primeira vez os umbrais do Colégio, deste edifício colosso, cujas formas gigantescas vivamente impressionam, se sentiram oprimidos” (ARNALDO, 1920, p. 5).
Figura 2 – Prédio sede do MEC e sua inauguração
Prédio do MEC – (1950) – (1) |
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Inauguração 1945 (2) |
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Fonte: (1) Marcel Gautherot (2) Acervo Capanema - CPDOC - FGV
A construção do edifício do Ministério da Educação é destacada por Nava (Apud, Bomeny, 2001, p.15) pelo seu significado. O memorialista também destaca a presença do coletivo na obra de Capanema: “Capanema e seus auxiliares próximos”
(. . .) As consequências do que ele [Capanema} fez são incalculáveis, Siga você o meu raciocínio, sem o prédio do Ministério da Educação (recebido na ocasião como obra de um mentecapto) não teríamos a projeção que tiveram na época Lúcio Costa, Niemeyer, Carlos Leão e Cândido Portinari. Foram entendidos por Capanema e seus auxiliares próximos (Drummond, Rodrigo, Mário de Andrade e outros). Sem essa compreensão não teríamos tido a Pampulha, concepção paisagística e arquitetônica prestigiada pelo imenso Kubit5chek. Sem Pampulha não teríamos tido Brasília, do mesmo Juscelino Kubitschek, que desviou nosso curso histórico - levando o Brasil para o seu Oeste. A raiz de tudo isto, a semente geradora, o adubo nutridor estão na inteligência de Capanema e de seus auxiliares de gabinete.
Após a saída do Ministério (1945), Capanema continuará a sua atuação na área da educação como membro da Comissão de Educação na Câmara e no Senado. Drummond integrará o quadro de funcionários do SPHAN - Superintendência do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Quando desliga-se do SPHAN, em 1962, terá completado 35 anos de Serviço Público. Abgar continuará no Conselho Federal de Educação e integrará diversas comissões no âmbito da UNESCO, recebendo várias condecorações por serviços prestados à educação. Em 1968 é eleito para a Academia Brasileira de Letras. Drummond sempre recusou premiações e não quis candidatar-se à Academia, mesmo sendo um dos maiores escritores que o Brasil já teve. Capanema foi eleito Senador várias vezes, por Minas Gerais.
Abgar Renault também seria, por um curto período de tempo, Ministro da Educação, entre 1955 e 1956. À frente do ministério, Abgar criou no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Já como Secretário da Educação em Minas Gerais (1956-1959) criou o Serviço de Orientação e Seleção Profissional (SOSP); a Campanha de Reparos e Restauração de Prédios Escolares (CARRPE); o serviço de Ensino Primário em Zonas Rurais, entregue a Helena Antipoff; os cursos de férias na capital do Estado, para os professores dos ginásios e das escolas normais oficiais; e promoveu o convênio de que resultou o Programa de Assistência Brasileiro-Americana ao Ensino Elementar (PABAEE).
Uma das maiores habilidades de Gustavo Capanema e de Drummond de Andrade, exercida à frente do Ministério da Cultura, foi a de construírem o que Bomeny (2001) denominou de “Constelação Capanema”. Moreira (2000) fala desse relacionamento entre Drummond e Capanema na construção dos relacionamentos e cita alguns dos principais integrantes da constelação.
Assessorado por seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade, cercou-se de uma equipe diversificada, integrada, entre outros, por Mário de Andrade, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos, CecIlia Meireles, Lúcio Costa, Vinícius de Morais, Afonso Arinos de Melo Franco e Rodrigo Melo Franco de Andrade".
Além desses, ao observarmos fotos e correspondências de época, transitaram ao redor do Ministério Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Alceu Amoroso Lima, Otto Maria Carpeaux e tantos outros ideólogos da educação e cultura, aos quais, Capanema recebia com o seu jeito mineiro.
No momento em que a política nacional se rende aos interesses pessoais, a amizade que reuniu Capanema, Drummond e Abgar desde os bancos escolares e os uniu na tarefa de remodelar a educação e a cultura no Brasil é exemplar.
Certamente, quando naquele distante 1916 os assustados meninos do interior encontraram-se no pátio do Colégio Arnaldo, tinham planos de retornarem às suas origens, herdarem talvez a gestão dos negócios de família; ou seguirem caminhos como advogados, jornalistas, escritores, professores. Não saberemos. O que sabemos é que se mantiveram fieis aos laços construídos no pátio da escola, embaixo das mangueiras, naquela pacata Belo Horizonte de um século atrás.
Em 1975, Drummond escreveria depoimento sobre o tempo em que passaram à frente do Ministério, enaltecendo a postura e a persistência de Capanema na realização na “longa batalha de reforma do Ministério da Educação” (BADARÓ, 2000, p. 488-490)
... invariavelmente discreto e generoso, calava muitas vezes os incidentes, as mortificações, os sacrifícios de amor próprio que teve de suportar, em favor da impessoalidade dos seus objetivos.
[...] Se hoje dispomos de um aparelho de proteção ao acervo histórico e artístico nacional, devemo-lo a Capanema, assessorado por Mário de Andrade e Rodrigo de M.F. Andrade. Instituto Nacional do Livro, Serviço Nacional de Teatro, Museu Nacional de Belas Artes, Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos são outras tantas criações suas.
A primeira Faculdade Federal de Filosofia, Ciências e Letras deve-se à sua visão do problema universitário, quando o leque de opções oferecidas ao estudante brasileiro não ia além dos cursos de tradição colonial, salvo a solitária exceção de São Paulo. As ciências econômicas, a arquitetura, o canto orfeônico, a educação física e os desportos passaram a ser objeto de cursos regulares e de alto nível, por sua iniciativa. O ensino industrial foi totalmente reformulado e atualizado, com escolas-padrão disseminadas de norte a sul do pais.
Finalmente, Gustavo Capanema deu ao Rio de Janeiro e ao Brasil a bela e sofrida sede do Ministério da Educação, exemplar típico e fecundante da evolução da arquitetura brasileira, erigido sabe Deus a que duro preço de remoques, picuinhas, sofrimentos e agressões morais e políticas [...]
Essa elegia do amigo deve ser complementada com o depoimento da filha de Drummond, Maria Julieta, ao jornal O Globo, quando do falecimento do Ministro, em 1985:
[..] Posso afirmar, sem exagero, que sempre conheci Capanema, pois desde que me entendo, ele fez parte dessa família singular, que não é a de sangue, mas que às vezes herdamos, como raro privilégio. (BADARÓ, 2000, p. 494).
Mário de Andrade, de saúde frágil, faleceu em 1945; Capanema em 1985; Drummond em 1987 e Abgar Renault em 1995
3. Considerações
Em política discute-se intensamente as relações entre seus atores. Gustavo Capanema, Drummond e Abgar Renault estabeleceram desde cedo em suas vida, laços de amizade que os mantivem unidos por toda a vida. Esses laços não fizeram sucumbir as diferenças individuais ou as interpretações que cada um deles tinha a respeito do fato político. Acima de tudo, sabiam distinguir as relações pessoais de suas posições e pensamentos, mesmo que esta distinção seja difícil. A base da política, um ambiente em que a luta pelo poder predomina, é a confiança e Capanema soube construir essas alianças, gerenciando de forma coordenada ideias e pensamentos diversos. Dentre os três amigos, foi àquele que coube conduzí-los nos caminhos do jogo político. Criar alianças, estabelecer redes de contatos, alinhavar acordos, essa era a sua habilidade maior.
Comprava-se essa afirmação pelo tempo em que esteve á frente do Ministério, 11 anos; no período mais controverso da política brasileira. Momento em que, se por um lado tivemos o desenvolvimento econômico industrial, aliado a conquistas sociais, por outro tivemos um Estado autoritário, marcado por repressões políticas. Período da história que até os dias atuais carece de discussões.
Ao final, vemos que para a educação e cultura nacional foi um período fértil, produtivo e fundador. Para a gestão da educação, período de regulação e de edificação de uma estrutura que pouca modificação teve desde então. Não que modificações e aperfeiçoamentos não tenham existido, mas sim que o feito durante o período Capanema permanece.
Neste aspecto, ressalta-se mais uma vez, a construção da sede do Ministério como símbolo maior da relevância que se desejava dar à educação e cultura. Obra que ainda é motivo de culto por arquitetos e estudiosos da arquitetura. Símbolo também do quanto o pensamento modernista esteve presente no Ministério.
Finalmente, cabe aqui reafirmar os motivos deste texto: comemorar o centenário do encontro de Capanema, Drummond e Abgar no Colégio Arnaldo Jansen. Jamais saberemos, esse momento pode ter tido maiores consequências do que o estabelecimento de uma amizade duradoura entre adolescentes. A atenção dada pelo Ministro Capanema ao Ensino Médio e a construção do imponente edifício sede nos aviva a curiosidade sobre como esse período da vida pode tê-lo marcado e como a grandeza do prédio escolar pode ter ficado em sua memória. Como está escrito no Annuário do Colégio Arnaldo (1920): "Muitos de vós, quando passaram pela primeira vez os humbraes do Colégio, deste edifício colosso, cujas formas gigantescas vivamente impressionam..."
REFERÊNCIAS:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 3ª. edição – Rio de Janeiro: BestBolso, 2011.
BADARÓ, Murilo. Gustavo Capanema: a revolução na cultura. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
BOMENY, Helena (Org.). Constelação Capanema: intelectuais e políticos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
CANÇADO, José Maria. Os sapatos de Orfeu. Biografia de Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: Ed. Página Aberta Ltda. 1993.
CANDIDO, Antonio. A Revolução de 1930 e a cultura. In: A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987. p. 181.
CHAGAS, Carmo. Colégio Arnaldo: 100 anos: patrimônio educacional e cultural de Belo Horizonte. São Paulo: SMS Editora, 2014.
COLÉGIO ARNALDO. Anuário de 1921. Acervo Histórico do Colégio Arnaldo Jansen.
COLÉGIO ARNALDO. Anuário de 1920. Acervo Histórico do Colégio Arnaldo Jansen.
FGV – Fundação Getúlio Vargas. Inauguração do Palácio Capanema. Acervo Capanema. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC).
GAUTHEROT, Marcel. Ministério da Educação e Saúde Pública (Rio de Janeiro, RJ) – 1950. Disponível em http://enciclopedia.itaucultural.org.br/en/termo8816/ escola-carioca. Acesso em 28.03.2016.
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional. Palácio Gustavo Capanema: Patrimônio Nacional. Disponível em https://www.youtube.com/ watch?v=p2DUgFmOo0E. Acessado em 28.03.2016.
MOREIRA, Regina da Luz (org.). Arquivo Gustavo Capanema. Inventário analítico. Rio de Janeiro, CPDOC, 2000.
SCHWARTZMAN. Simon. BOMENY, Helena Maria Bousquet, COSTA, Vanda Maria Ribeiro. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra: Fundação Getúlio Vargas, 2000.
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais. Inventário Abgar Renault. Disponível em https://www.ufmg.br/aem/Inventario_abgar/bio/38b.htm. Acesso em 20.03.2016.
[1] A atestar essa relação, inúmeras correspondências. Por exemplo, em maio de 1943 Mário escreve a Capanema e termina dizendo: “Mas, como sempre, estou sempre ao seu dispor. Sei que você está ocupado com a reforma do ensino. Se acaso desejar alguma coisa de mim, peça ao Carlos que me explique o que você quer, para que eu cumpra o meu dever. Sempre, devotamente seu, Mário de Andrade” (SCHWARTZMAN, 2000, p. 395).