25/02/2014

GESTÃO E DOCUMENTAÇÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: O EXEMPLO UTILIZADO NO LAP/UNEB

GESTÃO E DOCUMENTAÇÃO DE ACERVOS ARQUEOLÓGICOS: O EXEMPLO UTILIZADO NO LAP/UNEB

 

Cristiana de Cerqueira Silva Santana – Professora Adjunta da UNEB e Coordenadora do Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da UNEB-Campus VII.

Joyce Avelino Bezerra Santana – Doutoranda em Arqueologia pela UFS, Colaboradora Externa do LAP/UNEB.

Gilmar D’Oliveira Silva – Especialista em Educação Ambiental, Licenciado em Biologia, Colaborador Externo do LAP/UNEB.

Noelia Souza Vieira – Licenciada em Biologia e Pesquisadora de Arqueologia. Gerente de P & D da HAS Consultoria Arqueológica, Colaboradora Externa do LAP/UNEB.

Fernanda da Silva Lima - Licenciada em Biologia e Pesquisadora de Arqueologia. Colaboradora Externa do LAP/UNEB.

Hélio Augusto de Santana - Especialista em Educação Ambiental, Colaborador Externo do LAP/UNEB.

 

INTRODUÇÃO

Partindo-se da definição proposta por Funari (2003) a Arqueologia estuda as culturas humanas, sejam estas pré-coloniais ou pós-coloniais, sob a ótica da estrutura, funcionamento e transformações no tempo a partir de objetos concretos.

Esses objetos concretos, ou restos materiais, são vestígios resultantes das atividades humanas e produtos da sua cultura que, em conjunto com o ambiente compõem os sítios arqueológicos.

Para se referir a tais restos deixados pelas sociedades pretéritas, os arqueólogos utilizam o termo “cultura material”. O estudo da cultura material permite o entendimento a respeito dos grupos que habitaram determinados sítios arqueológicos, podendo possibilitar a identificação de técnicas, usos, estratégias, dentre outras particularidades (Prous, 2006).

Dentro desse princípio Prous (2006) salienta que a Arqueologia, assim como as demais ciências humanas, tem os mesmo objetivos, pois estudam restos de corpos, instrumentos, atividades, moradia, tudo dentro do contexto ambiental da época, diferenciando-se ao utilizarem métodos e técnicas variados, e dependentes sempre do estudo de vestígios materiais. Portanto, conforme reforça Trigger (1992) o principal objetivo da arqueologia é compreender o comportamento do homem e sua cultura através das evidências indiretas, obtidas por meio dos vestígios materiais.

Mas, para a interpretação e compreensão dos grupos estudados pela Arqueologia, a cultura material recuperada nas escavações tem que ser detalhadamente documentada e sua curatela eficiente e rápida o suficiente para que não se percam informações. Conforme salientam Lima & Rabelo (2007) apenas as escavações detalhadamente e cientificamente documentadas e a curadoria completa da cultura material coletada em campo é capaz de possibilitar a recuperação das informações e proporcionar algum significado acerca do funcionamento dos sistemas socioculturais de comunidades extintas.

A curadoria abarca diversas etapas e atividades que se iniciam com a coleta, passando pela preservação, armazenamento e catalogação do material científico. Além dessas tarefas, o curador deve tratar para que a coleção seja bem cuidada; tomando decisões de manejo, empréstimo, procedimentos e adoção de métodos de catalogação; levantamento ou tombamento, doações e permutas, ou seja, tudo que diz respeito ao manuseio e a prática científica de lidar com as coleções (Martins, 2004). O autor destaca ainda a importância de manter indefinidamente as coleções em boas condições de preservação, como a utilização de produtos repelentes e defensivos como naftalina, evitar a incidência de luz, umidade e pó e realizar exames periódicos buscando a prevenção quanto à degradação e à decomposição.

Nesse sentido a documentação e a curadoria dos acervos arqueológicos com manutenção do bom estado de conservação desses é condição primária para a pesquisa arqueológica. Sem essas ações os vestígios recuperados em campo tornam-se desprovidos de sentido.

 

TÉCNICAS GERAIS DE DOCUMENTAÇÃO E CURADORIA UTILIZADAS PELO LAP/UNEB

As dependências do LAP/UNEB

O Laboratório de Arqueologia e Paleontologia da Universidade do Estado da Bahia – Campus VII, em Senhor do Bonfim, foi fundado no ano de 2001. Na época funcionava em uma pequena sala juntamente com o Laboratório de Geologia, e contava com um reduzido acervo oriundo de doações. Em 2006 o Laboratório passou a ter sede própria, uma sala de 5m x 8m onde se dividia a reserva técnica e área de análises.

A partir de 2009, com o desenvolvimento de Projetos apoiados financeiramente pelo Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB), e por empresas, o LAP passou a demandar de mais espaço, já que as coleções arqueológicas começaram a aumentar.

Atualmente o Laboratório apresenta-se assim dividido: uma sala de lavagem e codificação com duas pias, bancadas laterais para secagem, e bancadas centrais em granito onde se realiza a codificação das peças. Nessa sala ainda encontra-se a estufa e estantes em metal para o acondicionamento provisório dos vestígios.

A essa área se interliga a reserva técnica que consiste em uma sala seca, climatizada, com estantes em metal e dois grandes armários em madeira. A reserva técnica interliga-se à sala de análises e de equipamentos como lupas e computadores. O LAP ainda conta com gabinete onde se localizam os arquivos documentais, uma pequena biblioteca e o computador em que está instalado o Banco de Dados.

 

Documentação

A documentação básica dos sítios e vestígios se inicia antes mesmo da escavação, quando se traça a malha de escavação e estabelece o Marco para amarração do sítio e verificações de cota topográfica.

Durante a escavação de um sítio todas as informações são documentadas levando-se em consideração uma organização de referência tridimensional (X – Y – Z), onde se localizam objetos no espaço das quadras ou quadrículas e entre estas e a malha geral do sítio.

Todo vestígio e/ou marca identificada em campo passa por documentação escrita e fotográfica. Os objetos recolhidos são ensacados e protegidos, recebem etiqueta de campo e acondicionamento para transporte. A etiqueta de campo contém informações sobre o sítio, município, quadra, nível ou camada, cota, vestígio, pesquisador, data, bem como espaço para observações. Essa etiqueta é envolvida em um pequeno saco plástico e lacrada para não molhar e não se correr o risco de perder as informações contidas na mesma. Todo o processo de escavação é detalhadamente documentado em caderno de campo.

Em laboratório seguem-se métodos simplificados, até porque as coleções arqueológicas trabalhadas no LAP são coleções basicamente secas. A seguir estão descritas as técnicas mais usadas e adotadas.

 

Triagem, limpeza e acondicionamento prévio

O tratamento que se dá na preparação de uma coleção dependerá do tipo de material do qual os objetos são feitos. Assim, os vestígios podem ser lavados ou então limpos a seco, segundo sua natureza e fragilidade.

Após a chegada dos vestígios de campo os mesmos são triados por quadras e por tipo de vestígio. No caso específico dos restos faunísticos, dos carvões e demais componentes botânicos, bem como dos sedimentos, estes são guardados em caixas-arquivo, devidamente identificados para futuramente se proceder às análises acadêmicas necessárias. As amostras de sedimento para análises polínicas são direcionadas ao Laboratório de Palinologia da UNEB onde ficam congeladas até o processamento.

Os materiais líticos, cerâmicos em vidros e louças são separados para se proceder a lavagem e triagem. Só são destinados a lavagem os vestígios muito impregnados de sedimento e que não serão objeto de estudos físicos, químicos e biológicos, como, por exemplo, palinológicos.

A lavagem é totalmente realizada em cubas ou baldes de plástico para que não se perca nenhum vestígio. Após a lavagem os vestígios são colocados sobre papel metro em ambiente protegido do sol no interior do laboratório, para que sequem naturalmente, ou então colocados em estufa.

Os metais são escovados e aplicadas quantas camadas forem necessárias de resina para impedir a oxidação das peças.

Após a secagem os vestígios limpos são transferidos para novos sacos plásticos identificados com etiqueta e acondicionados em caixas-arquivo de papelão até as atividades de codificação e análises.

 

Codificação e acondicionamento pré-análises

A codificação se refere ao registro permanente (cadastro) das peças para tombamento do espólio, essencial para a musealização e estudos futuros das mesmas. Consiste na colocação de letras e números que identificam cada vestígio individualmente em sua posição horizontal e vertical dentro do sítio arqueológico a que pertence.

A codificação de cada peça se inicia colocando-se uma base em esmalte em superfície de pouca ou nenhuma atividade da peça; após secagem do esmalte se escreve o código por meio de caneta nanquim descartável (nº 0,1), após secagem do código nova camada de esmalte incolor é colocada para proteção do código. Após a codificação as peças secam ao ar livre e são destinadas ao acondicionamento definitivo em sacos plásticos e caixas-arquivo de polionda.

A codificação dos vestígios é feita usando-se letras que identificam o Projeto, seguida do número do sítio; seguem-se o código da quadrícula (identificados em campo por letras e números), e por fim a numeração crescente das peças por nível de escavação.

Cada bloco de informações codificadas se separa por ponto, por exemplo: a peça de codificação PX.1.E17.001 se refere a uma peça do Projeto X, Sítio 1, Quadrícula E-17, primeira peça da superfície.

Após a enumeração os códigos são lançados em livro de tombo sendo descrita a sua localização no sítio, as características de cada vestígio e dimensões. Todos os livros de tombo são posteriormente digitados.

Depois dessas etapas os vestígios passam então ao acondicionamento definitivo até que as atividades de análises de detalhe sejam realizadas.

Apesar de se codificar os objetos, as etiquetas (novas etiquetas) permanecem nos sacos, mas, com as informações originais de campo, pois, considera-se esta uma forma de se garantir que mesmo acontecendo alguma escoriação sobre o código da peça, a mesma continua com sua documentação preservada.

Sete cores diferentes (cinza, preta, branca, vermelha, verde, azul, amarela) são utilizadas nas caixas-arquivo de polionda do LAP. Cada cor representa um lote relacionado a uma das sete mesorregiões do estado da Bahia; assim, as coleções são inseridas por lotes gerais referentes às mesorregiões, esses lotes se subdividem em lotes microrregionais, que por sua vez se dividem por municípios, e por fim, por sítios. Todas as caixas apresentam etiquetas externas com informações sobre o conteúdo interno de cada volume.

As coleções bioarqueológicas são acondicionadas em caixas plásticas. Nos armários que contém as coleções bioarqueológicas se colocam antifúngicos e naftalina para impedir a proliferação de agentes biológicos degradantes.

Para as coleções arqueobotânicas está em estudo à possibilidade de se utilizar as técnicas de conservação empregadas na herborização e que consistem em realizar a desidratação dos vestígios em estufa (já que os mesmos chegam úmidos do campo devido às condições dos sedimentos) e manutenção em constante refrigeração para inibir a proliferação de agentes biológicos indesejados.

Os procedimentos de documentação e curadoria geral são realizados tanto em vestígios oriundos de escavações quanto nos adquiridos por doações ou achados fortuitos.

O estado de conservação dos vestígios é monitorado constantemente e se observam periodicamente as condições dos sacos e das caixas.

A inserção dos vestígios no Banco de Dados (BD) virtual ainda está em fase de implantação e até o momento conta-se com o BANCOC que se refere ao banco Conquiliológico. Prevê-se a inserção futura de todas as coleções do Laboratório no Banco de Dados.

 

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os estagiários e ex-estagiários do Laboratório que com seu apoio tornaram e torna a gestão do Acervo Arqueológico do LAP/UNEB uma realidade.

 

REFERÊNCIAS

FUNARI, P. P. O que é Arqueologia? In: FUNARI, P. P. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2003.

LIMA, T. A.; RABELLO, A. M. C. Coleções arqueológicas em perigo: o caso do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, v. 33, p. 244-273, 2007.

MARTINS, A. L. G. Implementação e organização da coleção malacológica da seção de invertebrados do museu oceanográfico do vale do Itajaí. Santa Catarina, 2004.

PROUS, A. O Brasil antes dos brasileiros a pré-história do nosso país. Ed. Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 2006.

TRIGGER, B. G. História del Pensamento Arqueologico. Barcelona, Editorial Crítica, 457 p., 1992.

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