Gênero Masculino: O tabu da docência masculina na Educação Infantil
Douglas Santos Simoes da Silva1
Profª. Me.Priscila Cerqueira2
RESUMO
Este artigo realizou uma pesquisa exploratória acerca da dificuldade e desafios da inserção do pedagogo, homem, na Educação Infantil. O intuito foi investigar a percepção do pedagogo sobre a inserção e atuação de docentes homens na classe de Educação Infantil. A partir da abordagem qualitativa foi realizada uma pesquisa exploratória. Para coleta dos dados foi realizada a entrevista com dois pedagogos. Como suporte teórico foram utilizados autores como: Louro (1997) no que se refere a feminização do magistério. Scott (1995) para se analisar o conceito de gênero. Aries (1982) como cunho teórico para a concepção de infância, Carvalho (1999), Badinter (1995) e Silva (2014) no que se refere ao conceito de cuidar e maternagem como características também masculinas. Os dados analisados evidenciaram o quanto é difícil para os pedagogos se inserirem nos espaços educativos quando os discentes são crianças, demonstram as dificuldades não só de entrar mas também de permanecer, evidenciam como o pedagogo, por escolha consciente ou inconsciente, acaba exercendo sua profissão em espaços educativos que não é a Educação infantil, se especializando e construindo suas áreas de atuação em outros setores educacionais.
Palavras-chave: 1. Pedagogia. 2.Gênero 3. Educação Infantil. 4.Cuidado
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho discute a inserção e permanência dos pedagogos do sexo masculino na Educação Infantil. O interesse pelo tema surgiu a partir da observação da predominância das pedagogas nas classes da Educação Infantil e também da resistência dos gestores, desse nível de ensino, em incorporar o pedagogo homem no seu quadro de funcionários ou estagiários.
No curso de Pedagogia a presença feminina é majoritária, enquanto que a presença masculina se resume, na maioria das vezes, a um ou dois alunos. Daí a necessidade de refletir sobre como as questões de gênero estão presentes nos espaços de atuação do pedagogo, ao determinar, exclusivamente, a mulher como a mais adequada para cuidar, na Educação Infantil.
A pesquisa traz como problematização: qual a percepção do pedagogo sobre a inserção e atuação de docentes homens na classe de Educação Infantil? Para tanto, foi elaborado como objetivo geral investigar a percepção do pedagogo sobre a inserção e atuação de professores homens na educação infantil. Já os objetivos específicos visam discutir sobre o processo de feminização do magistério na história da educação; discorrer sobre a concepção da infância e transformações ao longo do tempo; e evidenciar como as questões de gênero influenciam a ausência de homem na classe da Educação Infantil.
Para alcançar os objetivos traçados a pesquisa exploratória foi desenvolvida numa abordagem qualitativa. Para coleta dos dados foi realizada a entrevista com 02 pedagogos. O referencial teórico contou pesquisa de autores como: Louro (1997), Scott (1995), Ariés (1982), Carvalho (1999), Badinter (1995) e Silva (2014).
O artigo está estruturado da seguinte maneira: segundo tópico foi discutido sobre como a construção do que é ser homem e mulher impacta no exercício da profissão escolhida, além de abordar sobre a feminização do magistério como um fator crucial para que as mulheres sejam maioria nos espaços acadêmicos, em especial a Educação Infantil. O terceiro tópico apresentou a concepção de infância como uma construção social, que se modifica no decorrer dos tempos. O quarto tópico abordou sobre o cuidar e o educar e como estão vinculadas apenas ao sexo feminino, sendo assim, um dos impeditivo para que os homens possam exercer a docência na Educação Infantil. Em seguida, apresento a análise das entrevistas realizadas com dois pedagogos, que atuam em espaços formais e não formais com públicos adolescentes e crianças com mais de 7 anos de idade. Por fim, apresento as considerações finais.
2 O PROCESSO DE FEMINIZAÇÃO DO MAGISTÉRIO NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
A dificuldade de inserção de pedagogos, especialmente da Educação Infantil, é uma realidade enfrentada por muitos estudantes que optam em fazer este curso de graduação, que é essencialmente feminino. Esse fato traz consigo o peso histórico do processo de feminização do magistério, assim como a questão de gênero socialmente construída na e pela sociedade, que impactam diretamente na inserção do homem na Educação Infantil.
Historicamente a aparição do termo gênero surge, segundo Scott (1995), entre as feministas americanas, que queriam enfatizar o caráter social das distinções baseadas no sexo. Esses aspectos sofrem influência direta de cada época, pois
O termo "gênero" torna-se uma forma de indicar "construções culturais" - a criação inteiramente social de ideias sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. Tratase de uma forma de se referir às origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas de homens e de mulheres. "Gênero" é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos estudos sobre sexo e sexualidade, "gênero" tornou-se uma palavra particularmente útil, pois oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis sexuais atribuídos às mulheres e aos homens (Scott, 1994 p. 5).
Podemos afirmar que gênero está relacionado ao papel que o indivíduo exerce na sociedade, logo, nascer com o órgão genital masculino ou feminino não determina esse conceito. Vale ressaltar que os conceitos de homem/mulher, ou melhor dizendo, do que um homem e uma mulher podem ou não fazer, vestir, trabalhar, ou viver, pode mudar de acordo com o tempo e o contexto social vivido.
Scott (1994 p. 16/17) explica que gênero implica em quatro elementos que estão interrelacionados, são eles: os símbolos culturalmente disponíveis que evocam representação simbólica, os conceitos normativos e as interpretações dos significados dos símbolos, a noção de fixidez sobre a permanência intemporal na representação binária de gênero e por fim a identidade subjetiva. De acordo com os objetivos deste trabalho iremos nos ater aos conceitos normativos e as interpretações dos significados dos símbolos que apontam o homem e a mulher como figuras simbólicas socialmente construídas e retratadas nas doutrinas religiosas, científicas, políticas e judiciais. Sendo assim, em cada espaço social os papeis e a representação assumida mudam a depender do sexo e de como ele está simbolicamente conceituado.
A representação binária de gênero traz à luz o questionamento de que o termo gênero implica uma visão ampla, que ao ser retratada no mercado de trabalho, nos espaços acadêmicos, nos sistemas políticos etc, possa desmistificar a representação binária de gênero fixada nesses espaços. Nas relações de trabalho, como quando um professor é discriminado por escolher exercer a pedagogia na Educação Infantil, o gênero socialmente aceito para exercer esse trabalho é o feminino.
Sendo assim, falar sobre o pedagogo e professor da Educação Infantil é um processo de desconstrução do que é determinado socialmente, pois há uma imposição sobre as identidades biológicas, condutas sociais, trabalhistas e políticas as quais se deve seguir. Abordar esse assunto é importante para desmistificar o papel social imposto ao homem e a mulher, para que se possa promover mudanças nas questões profissionais, familiares, políticas e sociais. Porém, de acordo com os objetivos desta pesquisa vamos abordar o viés educacional, afinal, como o magistério acabou se tornando um espaço exclusivamente feminino?
O magistério era uma profissão essencialmente masculina, pois como afirma Louro (1997, p. 4)
A atividade docente, no Brasil, como em muitas outras sociedades, havia sido iniciada por homens - aqui, por religiosos, especialmente jesuítas, no período compreendido entre 1549 e 1759. Posteriormente, foram homens que se ocuparam do magistério com mais frequência, tanto como responsáveis pelas "aulas régias" – oficiais – quanto como professores que se estabeleciam por conta própria.
Vale destacar que os espaços públicos eram frequentados exclusivamente pelos homens, pois a sociedade designava para as mulheres os espaços privados, a vida doméstica, o cuidar da casa, filhos e marido. Esse papel designado para as mulheres tinha influência da doutrina cristã católica, que exigia boa conduta e moral impecável.
Por meados do século XIX o Brasil vivia um período de evasão acadêmica por parte dos alunos. O ensino oferecido na época não era qualitativo o suficiente para manter o interesse discente, resultando no esvaziamento dos espaços acadêmicos. Louro (1997 p.1) contextualiza o ocorrido quando diz que:
As críticas ao abandono educacional em que se encontrava a maioria das províncias estavam presentes nos debates do Parlamento, dos jornais e até mesmo dos saraus. Esse problema se dava devido à falta de mestres com boa formação. Partindo desse princípio surge então a necessidade de se especializar o saber docente da época (Louro, 1997, p.1)
Surgem então as escolas normais com a função de capacitar o corpo docente, qualificandoo para exercer a profissão e reestruturar o cenário educativo.
Ao serem criadas as escolas normais, a pretensão era formar professores e professoras que pudessem atender a um esperado aumento na demanda escolar. Mas tal objetivo não foi alcançado exatamente como se imaginava: pouco a pouco, os relatórios iam indicando que, curiosamente, as escolas normais estavam recebendo e formando mais mulheres que homens (Louro, 1997 p. 4)
O esperado promover a capacitação docente, do sexo masculino, uma vez que eram predominantes, em todos os espaços profissionais, entretanto, as mulheres estavam se inserindo nessas formações. Tem início um novo ciclo educacional no qual a mulher torna-se mais presente que os homens na área educacional.
Por outro lado, a falta de interesse masculino as escolas normais não foi por acaso, pois com o processo de industrialização, vinculado a urbanização e ao comércio, outras opções de trabalho surgiram, ocorrendo assim a migração masculina para os setores industriais e comerciais, eis o fator de maior incentivo a inserção das mulheres na sala de aula.
Nesse processo de feminização do magistério os cuidados domésticos começaram a ser estendidos aos espaços educativos, o que contribuiu para que se assumisse a atividade docente a partir de uma visão de sacerdócio e vocação:
Afirmavam que as mulheres tinham, "por natureza", uma inclinação para o trato com as crianças, que elas eram as primeiras e "naturais educadoras", portanto nada mais adequado do que lhes confiar a educação escolar dos pequenos. Se o destino primordial da mulher era a maternidade, bastaria pensar que o magistério representava, de certa forma, "a extensão da maternidade", cada aluno ou aluna vistos como um filho ou uma filha "espiritual" (Louro, 1997, p.4).
Essa “natureza” inata vinculada a profissão do magistério fez com que os setores sociais vissem no sexo feminino uma educadora apta para o trabalho, pois enxergavam na mulher uma profissional com atributos maternais, que cuidará das crianças enquanto os pais exercem seus ofícios. Tal visão, contribuiu para a ideia assistencialista das primeiras instituições voltadas para a infância.
A partir de então passam a ser associadas ao magistério características tidas como "tipicamente femininas": paciência, minuciosidade, afetividade, doação. Características que, por sua vez, vão se articular à tradição religiosa da atividade docente, reforçando ainda a ideia de que a docência deve ser percebida mais como um "sacerdócio" do que como uma profissão. (Louro 1997 p.4)
Dessa forma, começa a se enraizar na sociedade a visão do magistério como algo feminino e vocacional. Todavia, essa perspectiva passou a atribuir ao exercício da docência a ideia de “vocação". Ademais, as mulheres deveriam se restringir aos afazeres domésticos, e sua renda deveria servir para complementar a do seu marido, logo não precisava de um salário muito alto. O fato de ser apenas meio turno de “extensão doméstica” contribuiu para a redução salarial da profissão, sendo conveniente, na época, para que as mulheres pudessem tomar conta de seus lares.
Entender o contexto histórico de como as coisas aconteceram nos faz perceber que o magistério foi se modificando à medida que o sexo feminino foi assumindo de maneira majoritária a profissão. Vê-se assim, que as características atribuídas ao magistério são, por razões aqui já descritas, socialmente femininas, o que dificulta, atualmente, a prática do homem nesse espaço.
3 CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA
Assim como o conceito de gênero, o conceito de infância também passou por um processo de construção social até chegarmos na concepção estabelecida. Segundo Áries (1982 p.39)
No mundo das fórmulas românicas, e até o fim do século XIII, não existem crianças caracterizadas por uma expressão particular, e sim homens de tamanho reduzido. Essa recusa em aceitar na arte a morfologia infantil é encontrada, aliás, na maioria das civilizações arcaicas.
Áries ao falar sobre o conceito de infância retrata que as crianças eram consideradas adultos em miniatura. O autor evidencia que nos séculos X, XI e XII as crianças eram representadas nas pinturas como "mini adultos" com músculos abdominais e peitorais de um homem. Tais representações partiam do desconhecimento da importância e peculiaridades da fase infantil:
Isso sem dúvida significa que os homens dos séculos X-XI não se detinham diante da imagem da infância, que esta não tinha para eles interesse, nem mesmo realidade. Isso faz pensar também que no domínio da vida real, e não mais apenas no de uma transposição estética, a infância era um período de transição, logo ultrapassado, e cuja lembrança também era logo perdida (Aries, 1982 p. 40).
Por outro lado, a partir do século XIII percebe-se uma mudança na concepção do ser criança. Aries (1982) retrata que, nas pinturas começam a aparecer imagens de crianças um pouco mais próximas da representação moderna, com feições e traços mais angelicais e infantis.
Porém, o sentimento de infância, segundo Aries (1982), aparece pela primeira vez, no ambiente familiar, caracterizado como "paparicação" no qual as crianças, com toda a sua ingenuidade, gentileza e graça eram fonte de distração e de relaxamento para os adultos. Fora do âmbito familiar são os eclesiásticos ou homens da lei, que preocupados com a disciplina e a racionalidade dos costumes passam a ver as crianças como frágeis criaturas de Deus no qual é preciso preservar e disciplinar (Aries, 1982 p. 163). Essa concepção moralista passou a fazer parte da vida familiar e social persistindo até os dias atuais.
A partir do século XIII a preocupação com a higiene e a saúde física começa a ser considerada, estabelecendo assim uma concepção de cuidado (Aries, 1982 p. 164). Essa concepção de cuidado vigorou nas primeiras instituições criadas para acolher as crianças, as quais nasceram com uma perspectiva assistencialista e posteriormente incluíram o educar.
4 CUIDAR E EDUCAR, FUNÇÕES FEMINIZADAS
A Política Nacional de Educação Infantil (BRASIL, 1993) afirma que o cuidar e o educar são aspectos indissociáveis da educação infantil. Segundo (Carvalho 1999 p. 51) o termo cuidar tem seu significado associado a prestação de serviços pessoais a outro, mas o termo também pode ser empregado no sentido de empatia, carinho, respeito, atenção, proteção, compaixão e compromisso com a comunidade. Ainda segundo a autora:
As palavras “cuidado” e “cuidar” tradução mais frequente para os termos caring e to care for do inglês, têm sido empregadas em uma multiplicidade de significados, em diversas áreas do conhecimento e campos profissionais que variam da Enfermagem à Filosofia, da Educação Infantil à Assistência Social, da Psicologia à Sociologia do Trabalho (Carvalho 1999 p. 51)
Trabalhar com a Educação Infantil exige do docente ações que envolvem o cuidado, principalmente em relação a segurança e higiene, tendo em vista que ajudará a criança a ir ao banheiro, limpar as partes íntimas e tomar banho. Nessa perspectiva o educar e o cuidar exigem a prática da maternagem. Sobre a maternagem Badinter (1985) relata que:
Por maternagem compreende-se a capacidade de cuidar de uma criança, educá-la moralmente para que possa viver em sociedade, esta capacidade está ligada ao cuidado geral desempenhado pela mulher, uma vez que ela pode exercer esta capacidade socialmente apreendida em outras esferas de sua vida, como por exemplo cuidar de familiares em momentos de doença, por exemplo. A maternagem é uma construção sócio histórica, pode ser exercida por homens e mulheres, embora o estigma continue no campo feminino. A maternidade é a capacidade de parir uma criança, condição que só as mulheres possuem.
A citação evidencia que a capacidade de cuidar é uma construção sócio-histórica a qual o homem também pode realizar, mas ainda é associada predominantemente à mulher. Partindo desse suposto, não se concebe que o homem possa atuar no espaço de Educação Infantil, uma vez que a representação atribuída a ele é de poder e autoridade.
Badinter (1993 p. 183) menciona à resistência das mães à divisão da maternagem, pois em algumas situações o envolvimento paterno depende também da boa vontade materna:
Para explicar sua atitude de recusa, muitas mulheres invocam a incompetência do marido, que lhes dá mais trabalho do que as alivia. Mas, bem no fundo, elas sentem sua preeminência materna como um poder que não querem dividir, mesmo que seja à custa de seu esgotamento físico e psíquico.
Vê-se assim, que o cuidar pode ser exercido por qualquer pessoa que se disponha a praticálo. O cuidar na Educação Infantil concebe a mulher como a mais apta a exercer tal função, mesmo que a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) ou qualquer outro documento legal não faça qualquer menção do gênero para a execução desse ofício. Essa dicotomia gera a divisão sexual do trabalho e das relações sociais.
Portanto, a dificuldade de exercer o magistério na Educação Infantil é a realidade para os homens formados em pedagogia. Kergoat (2000) afirma que as condições que vivem os homens e as mulheres são, antes de tudo, construções sociais e não o produto de um destino biológico. Para ele, homens e mulheres formam dois grupos que estão engajados "e se exprimem através da divisão social do trabalho entre os sexos, chamada de maneira concisa de divisão sexual do trabalho".
Está atrelada a essa divisão sexual do trabalho o fato do homem e da mulher serem figuras com características socialmente preestabelecidas, conforme afirma Izquierdo (1992):
Quando dizemos que alguém é uma mulher estamos supondo um sexo, mas também supomos muitas outras coisas: dona de casa, passiva, mãe, má motorista, afetiva etc. Quando dizemos homem, junto ao sexo, estamos também atribuindo qualidades como: investigador, profissional, agressividade, racionalidade, pouco detalhista etc.
Ser homem, no contexto social que vivemos, significa não demonstrar sensibilidade, ser pouco afetuoso e não saber cuidar de uma criança, mas, deve ser o provedor, aquele que “fala grosso” que é a figura de poder e comando nas interações sociais. Se para o homem são atribuídas tais características, para a mulher há uma construção simbólica diferente, atribuindo passividade, cuidado, maternagem, aquela que sempre está envolta de sentimentos e emoções.
Essa construção do que é masculino e feminino impacta diretamente nas relações sociais e estende-se à divisão sexual do trabalho, tendo em vista que o papel de cuidar não é atribuído ao masculino, logo, a Educação Infantil não é o seu lugar de atuação. Ter um professor homem na Educação Infantil traz estranheza e desconforto, para o corpo escolar e a família. Na Educação Infantil a divisão sexual do trabalho baliza a quem pode e a quem não pode exercê-la.
Para Kergoat (2000 p.1) a divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o Princípio de separação, no qual existem trabalhos de homens e de mulheres; e o princípio de hierarquização, em que o trabalho de um gênero “vale” mais do que o trabalho de outro. Partindo desse conceito podemos dizer que essas divisões marcam as fronteiras entre quem está sendo incluído ou excluído em determinados espaços sociais.
Nessa concepção, o pedagogo, do sexo masculino, fica de fora do processo educativo na primeira infância, uma vez que não corresponde ao perfil apto de cuidado e sentimento na execução da profissão. Por outro lado, podemos dizer que por se tratar de algo socialmente construído, que depende também do contexto cultural e temporal da sociedade, do conceito de gênero e das relações sexuais no trabalho. Para Silva (2014) “A incapacidade de conviver com a diferença é fruto de sentimentos de discriminação, de preconceitos de crenças distorcidas e de estereótipos, isto é, de imagens do outro que são fundamentalmente errôneas.” Naturalizar os homens nesses espaços é também função do corpo escolar.
A cobrança e a vigilância em cima do homem que entra na Educação Infantil são muito maiores, pois a sua presença tende a gerar desconfiança quanto a atitudes de violência e abuso sexual. Para Felipe (2006) os pedagogos homens na Educação Infantil evitam ficar sozinhos com as crianças como uma medida protetiva por estar ocupando um lugar de desconfiança, por atuar em uma área construída como feminina.
Sendo assim, o contato com o professor homem na primeira infância se faz necessário, pois a convivência com a figura masculina trará referência positiva para as crianças, pois quanto mais diversificadas forem as linguagens, as relações e as convivências, maior é o ganho das crianças, em termos de relações humanas, equilíbrio emocional e referências. Além disso, a ausência da afetividade paterna de muitas crianças, é um fator para que a presença masculina seja o referencial positivo e benéfico para esses alunos.
ANÁLISE DE DADOS
A intenção inicial desse artigo era realizar a entrevista com pedagogos que estivessem atuando na Educação Infantil como docentes, entretanto, isso não foi possível, pois não encontramos um professor do sexo masculino trabalhando nesse espaço. Todos os pedagogos do sexo masculino estavam atuando em uma área diferente da Educação Infantil, ou em espaços não escolares. Depois de muita procura, foi necessário mudar o foco para: pedagogos do sexo masculino, que já tenham ou não, atuado na Educação Infantil.
Ao entrar em contato com uma professora da universidade em busca de contatos, encontramos o primeiro sujeito da nossa pesquisa. Cláudio é pedagogo, homem preto de 39 anos, pós-graduado em metodologia e docência do ensino superior, mestre em enfermagem e saúde, além de está se especializando em alfabetização e letramento. Sobre sua experiência profissional afirma: “Eu comecei a fazer parte da docência em 2022 quando eu fui selecionado no concurso REDA, foi aí que entrei na escola. Tinha feito o concurso em 2019. Hoje eu atuo no quinto ano como professor regente "
Entretanto, sua carreira profissional sempre esteve voltada para outra especialidade.
“Toda a minha atuação sempre foi na perspectiva de formar professores. Minha atuação como pedagogo, inicialmente eu comecei dentro de um programa de educação do Estado no qual coordenava o programa Mais Educação, que é um programa do Governo Federal cujo objetivo era preparar os Estados e Municípios para a implantação da educação integral. Passei 5 anos trabalhando nisso.”
Alan, nosso segundo entrevistado, é pedagogo, homem preto de 43 anos, pósgraduando em gênero, raça, etnia e qualidade para a educação, afirma que: "Sempre atuei como educador social, antes mesmo de começar a graduação no terceiro setor. Mesmo depois da graduação, eu continuo atuando no terceiro setor, como educador social”. Alan atua em um programa oferecido pelo Instituto Aliança no município de Simões Filho-BA, intitulado Refazendo Sonhos. O projeto trabalha com adolescentes do município abordando diversos assuntos, dentre eles o abuso sexual, projeto de vida, comunicação, desenvolvimento pessoal e social, educação sexual, saúde e gênero.
Para a elaboração das perguntas que compõem a entrevista foi estabelecida como categorias o perfil do entrevistado, a formação em pedagogia e a atuação como pedagogo na Educação Infantil. Das 26 perguntas elaboradas, nem todas foram utilizadas para análise, pois as respostas eram curtas ou se assemelhavam a outras já dadas.
Quando indagados sobre quais eram os objetivos na carreira e se a educação sempre fez parte desse objetivo, as respostas foram muito semelhantes, pois enquanto Cláudio afirma “Sim! Quando criança eu sempre dizia que queria ser professor. Eu fico muito feliz que consegui esse objetivo e hoje eu sou professor na unidade escolar em que fui aluno, eu sou nascido e criado nesse bairro”. Alan compartilha que:
“Sempre foi meu objetivo. Eu trabalhava com a educação, mesmo antes da formalização, pois trabalhava em setores da educação não formal. No primeiro momento eu ingressei no curso de psicologia, mas por causa do setor social eu tranquei, parei com a psicologia e depois resolvi que queria trabalhar com educação mesmo”.
A fala dos entrevistados demonstra que a educação sempre foi uma escolha consciente. Uma pesquisa descrita pela CNN Brasil mostra que:
Enquanto 20% dos universitários estão em cursos como Licenciatura e Pedagogia, apenas 5% dos jovens brasileiros dizem querer ser professores quando estão no ensino médio. O Brasil é um dos países com maior proporção de alunos matriculados em cursos para formar professores, mas com um dos mais baixos índices de interesse na profissão. Para especialistas, isso mostra que a docência se torna opção pela facilidade em ingressar no ensino superior, baixas mensalidades e alternativa de cursos a distância – e não pela vocação (Cafardo, 2023)
Diferente da escolha da profissão pela facilidade de ingresso no nível superior ou baixas mensalidades, podemos perceber, na fala dos entrevistados, que a docência, para eles, sempre foi um objetivo de vida desde a infância, ou, tentaram se “encontrar” em outra área profissional, como a psicologia, acontecimento percebido na fala de Alan, que acabou voltando para a formação docente.
Para trabalhar na área de educação é preciso mais do que vocação, é necessário estudo, experiência e competência, assim como qualquer outra profissão. Contudo, a trajetória de Alan está voltada para espaços educativos não convencionais, o que demonstra que tem crescido a atuação do pedagogo em diferentes setores sociais.
Os currículos dos cursos de Pedagogia devem trabalhar os saberes e habilidade para que o egresso possa atuar em diferentes instâncias, pois como afirma Libâneo (2001, p.4) “a sociedade 14 atual é eminentemente pedagógica, ao ponto de ser chamada de sociedade do conhecimento” solicitando assim a presença do pedagogo. A resposta dos entrevistados demonstra que estão exatamente onde querem e que se orgulham da área na qual trabalham.
Ao perguntar se o fato de não estar/querer trabalhar na Educação Infantil tem relação a esse nível de ensino estar atrelado a alguém que cuida e o homem, socialmente falando, não pode exercer esse papel Cláudio afirmou que “Com certeza! Sem sombra de dúvidas, essa construção social influenciou na minha decisão inconscientemente.” e para Alan “Claro que isso tem que ser levado em consideração, existe sim essa carga social.”
A ideia de cuidado atrelada, principalmente, a figura feminina é algo enraizado na sociedade e no seio familiar, pois Segundo Badinter (1993 p.65):
A teoria do instinto materno postula que a mãe é a única capaz de cuidar do recém-nascido e da criança porque foi determinada biologicamente para isso. A pai/mãe/criança formaria uma unidade ideal que ninguém pode e nem deve perturbar. Ao sustentar a ideia de uma ligação exclusiva da criança com a mãe, e de uma predisposição natural desta a ocupar-se com aquela, legitima-se a exclusão do pai e com isto reforça-se a simbiose mãe/filho.
Essa convicção de que homem não pode cuidar de uma criança é algo enraizado na sociedade e no seio familiar. A autora destaca, ainda, que desde a antiguidade a família é considerada um grupo sagrado no qual o homem se constituiu como chefe, exercendo uma função judiciária sobre a família ao assumir o papel de julgar e punir, pois é ele que apresenta a família (mulher e criança) frente a sociedade. A ele está atrelado o papel de autoridade, dureza e rispidez (Badinter 1985 p.27). Esse pensamento se faz presente nos dias de hoje e estende-se às instituições de ensino, quando é visto com maus olhos a permanência do pedagogo nesse espaço, principalmente da Educação Infantil.
Para Zanello
O dispositivo materno diz respeito, assim, a um lugar de subjetivação no qual as mulheres são constituídas como cuidadoras ‘natas’. (...) esse dispositivo se construiu historicamente, sobretudo a partir do século XVIII, momento esse no qual a capacidade de maternagem foi compreendida como desdobramento da capacidade de procriação (ZANELLO, 2016, p.113-114)
A ideia de cuidar como atribuição feminina é legitimada pelo discurso biológico e o trabalho na área de educação passa a ser visto como uma extensão do lar, logo o homem passa a ser aquele que pune e exerce poder, aquele que não lhe cabe o papel de cuidado e educação, apenas de autoridade. O entrevistado Cláudio reforça essa verdade ao trazer em sua fala que:
“No Brasil e na história da educação o espaço escolar sempre foi regido por homens, e quando a gente vai estudar o processo de feminização, percebe que a educação passa a ser vista como um sacerdócio, então o processo de educação escolar, no Brasil, acaba se confundindo com a educação familiar. Esse papel de ser docente acaba se tornando o espaço feminino, como se educar fosse uma obrigação da mulher.”
Tal perspectiva também foi abordada por Allan ao mencionar o acesso à Educação Infantil: "Eu iria ter dificuldade de inserção no mercado de trabalho pelas poucas oportunidades de trabalho; porque esse é um campo de mulheres, então eu não ia conseguir trabalhar.” Essa fala evidencia a constatação da dificuldade que o pedagogo do sexo masculino vivencia ao optar em atuar em espaços de Educação Infantil. Mas de acordo aos estudos realizados pela sociologia do trabalho a presença masculina em espaços femininos, como a pedagogia, deve ser estimulada, pois
quanto maior o envolvimento de homens na Educação Infantil, aumentaria a opção de carreira para eles contribuindo para que se desfizesse a imagem de que esta etapa da educação básica é um trabalho apenas para as mulheres, alterando, dessa maneira, a imagem da profissão e, quem sabe, melhorando significativamente os salários e o status da carreira (SAYÃO, 2005, p. 16)
Na sociedade atual os homens são desmotivados a trabalhar na Educação Infantil pelo discurso social que interfere no espaço do trabalho pedagógico e na graduação, por conta do preconceito, quando na verdade deveriam ser estimulados a atuar nesse nível de ensino.
Na área de psicologia a presença masculina na Educação Infantil é bem vista, pois há casos em que a mulher cria a criança sozinha, portanto, não há uma figura masculina em casa e o contato da criança com esse pedagogo seria uma maneira de compensar, pois o professor homem pode exercer essa influência positiva de forma a contribuir na formação da personalidade da criança, mediante o convívio e fortalecimento de vínculo, que a relação professor-aluno possibilita (RAMOS, 2011).
A L.D.B (Lei de Diretrizes e Bases), no seu artigo 61 inciso IV, diz que: “Considera-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: Profissionais com notório saber reconhecido pelo respectivo sistema de ensino.” Não se faz qualquer menção a sexo, cor, raça ou gênero. Todavia a construção dos papeis que devem ser desempenhados pelo homem e pela mulher é algo presente nessa divisão sexual do trabalho pedagógico. O professor Cláudio relata durante a entrevista que teve dificuldade em ter acesso às instituições de Educação Infantil para estagiar:
“Tive dificuldade no estágio de Educação Infantil porque as instituições não abrem espaço, ficam receosas. A sorte é que a instituição que fiz era muito comprometida, além disso, tive a sorte de encontrar/estudar em uma instituição séria, mesmo sendo privada; os professores estavam muito comprometidos. Eu tinha uma colega de turma, que a professora de estágio já conhecia, que tinha uma escola parceira para atuar com os estágios na Educação Infantil. Não foi tão difícil porque o estágio era em dupla, talvez se eu estivesse sozinho eu teria mais dificuldade, como fiz a dupla com uma menina, que trabalhava dentro da instituição. Eu acho que isso facilitou bastante.”
Nos estágios curriculares a ida a campo coloca o pedagogo homem diante de uma realidade que não ver com bons olhos a entrada desse profissional para o exercício da profissão. É necessário discutir nos cursos de pedagogia sobre a entrada dos homens nos campos de estágio, principalmente o infantil, além de discutir as questões de gênero que estão presentes. Quando questionado se sofreu preconceito na época que estava cursando pedagogia, Cláudio respondeu: “Sim. porque já vem aquela ideia, ne? “rum, é professor. é gay” sempre está atrelado.” declara o professor.
A associação a figura feminina quando um homem se envolve com atividades supostamente de mulheres, é algo presente no discurso preconceituoso da sociedade. Educar tem relação com o cuidar, independente que seja na Educação Infantil ou não. A chegada de um homem em um ambiente considerado feminino gera incômodo e um dos conflitos que os homens se deparam ao optar pela carreira docente é a questão da sexualidade, pois, pensar a Pedagogia como um curso de mulher é também pensar na sexualidade. Muitas vezes, a sexualidade é questionada, posta sob suspeita. (Cirqueira 2023 p. 4)
Badinter (1993 p.156) descreve que a masculinidade e heterossexualidade estão intrinsecamente vinculadas ao fato de negar tudo aquilo que não é, tradicionalmente, atribuído ao homem, nesse caso, ser homem é:
não ser homossexual; não ser dócil, dependente ou submisso; não ser efeminado na aparência física ou nos gestos; não ter relações sexuais nem relações muito íntimas com outros homens; não ser impotente com as mulheres.
Portanto, quando se percebe o homem nessa função de cuidar e educar é atribuído a ele, de forma preconceituosa, termos como gay na intenção de inferiorizar tanto uma minoria, quanto um profissional, homem, na educação.
O depoimento de Alan evidencia o preconceito que o homem sofre no espaço pedagógico:
“Sim, sofri. Não foi diretamente no curso, mas quando fui fazer o estágio obrigatório na Educação Infantil. Embora eu estivesse em um espaço comunitário, conveniado pela prefeitura que oferece a Educação Infantil. Eu tinha que sair da sala em alguns momentos: quando as crianças iam se trocar, não podia levar as crianças no banheiro; em vários 17 momentos eu tinha que sair da sala e todas as práticas de cuidado sempre eram restritas às mulheres, como se o homem, não pudesse exercer cuidado com criança. o fato de ser homem era como se fosse uma ameaça iminente. Essa ameaça, inclusive, era na relação com os pais, então sempre foi delicado fazer essa mediação. Trabalhei também, em um breve momento, em uma escola particular e um pai disse, explicitamente, que não queria que eu ficasse na sala porque ele me viu com uma criança no colo, que não era a filha dele. Eu a peguei no colo porque ela estava chorando muito, então eu peguei e ela parou de chorar. A coordenadora conversou comigo pra tomar cuidado e não pegar no colo.”
A resposta confirma o quanto a escola perpetua o preconceito ao ver um homem exercendo um papel de cuidado. Ainda são muitos os preconceitos e as hostilidades que recaem sobre os homens que ingressam em profissões que não são socialmente atribuídas a ele, principalmente, aquelas dedicadas ao cuidado e educação da pequena infância, como a Pedagogia (Cirqueira 2023). Todos esses fatos estão atrelados ao senso de maternagem:
Ao contrário do que reza a tradição cultural e linguística, a “maternagem” não tem sexo. Para evitar as armadilhas da linguagem, os anglo-americanos preferem usar a palavra mais neutra nurturing, que significa “alimentar física e afetivamente”, ou parenting. Ambos os termos têm a vantagem de apagar as distinções sexuais. A maternagem se aprende fazendo. O homem e a mulher aprendem mais depressa se eles próprios tiveram pais maternais. (Badinter 1993 p.178)
Como afirma Alan, os homens são excluídos dessa função:
“Minha figura como homem, sempre esteve atrelada ao exercício da ordem e da organização e nunca como a pessoa que podia dar afetividade para essas crianças, carinho para essas crianças ou cuidar delas. Isso é uma reprodução de como a sociedade vê o papel do homem e o papel da mulher. A mulher é aquela que cuida e o homem que exerce a ordem e o curso de pedagogia reproduz isso.”
Essa fala evidencia que o conceito de gênero interfere na relação sexual do trabalho do professor homem na educação, uma vez que ao homem cabe o papel de autoritarismo, pouco afetivo, incapaz de cuidar. É natural delegar ao sexo masculino papeis de autoridade, mesmo nos espaços escolares, como: diretor ou coordenador, funções que estão atreladas a um poder de chefia, que é visto como rígido, aquele que mantem a ordem e é temido. Cirqueira (2023) ao referenciar Borrillo (2010) afirma que a sociedade ao longo dos séculos definiu os padrões e funções destinada a homens e mulheres em diferentes áreas sociais.
“Assim, diante das representações construídas sobre mulheres, resultantes do patriarcado, do sexismo, elas portavam certas capacidades maternas e, por serem mais altruístas, mais amorosas, mais dóceis, sensíveis, menos ambiciosas e em comparação aos homens, estariam mais aptas a exercerem funções que tendem para o cuidado, os afazeres domésticos, por sua vez, os homens, de personalidade mais agressiva, marcante, racional, estariam bem mais aptos para a vida fora de casa, como o comércio e a política (Borrillo, 2010, apud, Ciqueira 2023)”
A construção histórica do ser homem e ser mulher influencia diretamente nas relações sexuais do trabalho, fator que impede, de forma direta, o professor Alan, ou qualquer outro 18 pedagogo, ser visto com bons olhos quando exerce um papel de cuidado e afetividade para com uma discente na Educação Infantil.
Scott afirma que "Gênero é, segundo esta definição, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado”(1994, p. 75), então podemos dizer que esta imposto ao ser masculino determinadas características, que por sua vez, limita a visão social de o enxergar em um lugar que, supostamente, pertence ao sexo feminino.
Quando interrogados se há alguma diferença no trabalho desenvolvido por um pedagogo homem do trabalho de uma pedagoga na Educação Infantil, a resposta de Cláudio foi: “Eu acho que cada professor, independente do seu gênero, ele tem o seu modo de ser. A práxis pedagógica ela é individual, o que vai diferenciar de um para o outro, não é o gênero, é o comprometimento, o compromisso com o seu trabalho.” Já Alan diz que: “Eu não conheci nem um pedagogo homem que trabalhasse na Educação Infantil. Mas acho que tem diferença de como a sociedade estabelece o papel dessas pessoas. O homem está atrelado ao lugar de ordem e autoridade e a mulher nesse lugar do cuidado.”
Para exercer a docência na Educação Infantil é necessário ter competência e dominar teorias voltadas para a infância. Claudio menciona que não se sente seguro para trabalhar na Educação Infantil, pois construiu sua atuação profissional voltada para a formação de professores e não especializada em crianças. Podemos considerar essa visão como um divisor de águas para a sociedade, uma vez que ele não atribui sua falta de competência/habilidade na Educação Infantil a seu sexo e sim a sua construção acadêmica e profissional.
De acordo com Werner:
Crianças precisam ser criadas com amor por adultos significativos, que consigam afetálas, positivamente, e encorajá-las a desbravar o mundo que as cerca, fazendo as mediações sociais necessárias nesta transição de total dependência para a interdependência e autonomia. Neste aspecto, tanto homens como mulheres podem desempenhar estas funções, independentemente de sua orientação sexual. Praticamente todas as tarefas que foram designadas para serem exercidas por um determinado gênero podem ser igualmente exercidas pelo outro (Werner, 2017, 164).
Alan menciona que o fato de não ter conhecido um pedagogo homem que atuasse na Educação Infantil, não é um fator capaz de desmotivar os homens a estarem nesse espaço. Para além dos aspectos da citação supracitada, mesmo sabendo que o homem e a mulher podem desenvolver a função pedagógica, ter a referência de profissão ou inspiração profissional em uma figura masculina, nesse espaço, seria de grande motivação para os homens buscarem essa área.
Com base no princípio de cuidar, os pedagogos foram indagados se sentiriam dificuldades em cuidar das crianças na Educação Infantil: “Eu não fui construindo meu campo de atuação dentro da Educação Infantil, então hoje eu seria um péssimo professor de Educação Infantil, além de nunca ter sido minha área de interesse, para mim seria um desafio (Cláudio)”. Já para Alan:
“Eu descobri no estágio, daí a importância da prática e da disciplina estágio na formação, porque foi nessa disciplina que eu descobri que, ao contrário do que eu pensava, eu posso sim trabalhar com crianças então o estágio que eu tive mais aprendizado foi no da educação infantil, porque era o lugar que eu não conhecia e pude colocar em prática o que eu aprendia na faculdade durante o exercício do estágio. Foi aí que ouvi uma pessoa da instituição dizer assim "Alan, você pode trabalhar com criança" e eu não sabia disso.”
O estágio obrigatório do curso de pedagogia, em especial o que é exercido na Educação Infantil, é citado pelos entrevistados como um divisor de águas de suas decisões para atuação futura. Segundo Cláudio “O estágio do curso de pedagogia na área da Educação Infantil é o ponto de decisão se você de fato quer ser pedagogo.” A importância de colocar em prática toda a teoria aprendida no curso de pedagogia, através dos estágios obrigatórios, pode permitir ao educador ter uma ampla visão de onde deseja exercer a pedagogia, explorar novas áreas de atuação, além da Educação Infantil.
Quando questionado se o fato de ser homem interfere na relação com os alunos, o educador Cláudio narra sobre uma de suas dificuldades:
“Minha relação com meus alunos é uma relação bacana, mas não foi fácil. Eu percebi que eu consegui conquistar meus alunos, a turma que eu acompanho desde o ano passado, de maio, desse ano, pra cá. Quando eu retorno pra escola como professor, primeiro eu tive o "choque" das crianças, porque eles estão acostumados a ter professora. Eles têm os professores que são especialistas de artes e educação física, e quando tem essa figura masculina dentro destes componentes para eles é uma coisa comum, mas não é um professor que está com eles todos os dias alfabetizando e trabalhando todas as habilidades e competências.”
Podemos considerar a estranheza dos discentes como algo natural, tendo em vista que não estão habituados a ter um professor homem como regente de turma. Se inserir nesse espaço educativo já é difícil para o homem, permanecer torna-se um desafio diário. Infelizmente o homem na Educação Infantil precisa evitar certos gestos afetivos, como abraçar demais os alunos e pegar no colo, para não ser confundido com um possível abusador. A docência, nesse sentido, acaba sendo complexa para o professor, pois trabalhar com educação infantil exige demandas de afeto e cuidado e não poder exercê-las, por motivos preconceituosos, torna a docência um espaço difícil.
Na docência, a partir do 6º ano, a presença do professor homem se torna mais comum, por ser licenciaturas mais específicas. Acredita-se que o homem em todo seu papel social de poder e autoridade é capaz de impor respeito aos pré-adolescentes e adolescentes que, por diversas questões hormonais, dessa fase da vida, se tornam mais difíceis de lidar. Fatidicamente essa visão contribui para um cenário ruim do homem na Educação Infantil, pois reforça ao homem esse lugar de autoritarismo e insensibilidade.
Sobre a relação com os alunos Alan diz “nossa relação é boa, de forma geral ela é muito boa. Eu tenho boa relação com os adolescentes e me esforço para que isso aconteça.” Nesse sentido, os adolescentes estão mais acostumados com a presença do homem nas escolas, já têm componente orientado por diversos docentes no qual a presença masculina se faz presente. Sobre o relacionamento dos educadores com os pais dos alunos:
” Só com uma mãe que eu percebi na fala, um pouco dessa resistência. O incrível que é uma pessoa que eu conheço, vejo todos os dias, é uma pessoa que eu tenho uma relação, indiretamente, de convivência, pois moramos na mesma rua. Eu acredito que a questão com essa mãe é que ela nunca me viu atuando nesse espaço, acho que gerou dúvidas do tipo “será que ele é professor mesmo” será que ele tem competência” mesmo ela sabendo toda a minha trajetória, você entende? Hoje os pais me respeitam, mas foi um lugar que eu precisei conquistar, não foi fácil (Claudio).”
Essa fala evidencia a dúvida quanto a competência para atuar com crianças, mesmo tendo uma familiaridade com o bairro e conhecimento dessa família, ainda é alvo do preconceito e da dúvida sobre sua competência para estar naquele lugar. O professor afirma ainda que sua cor também foi um fator marcante em sua carreira, o fato de ser homem e negro fez com que a luta se tornasse duplamente mais difícil.
Alan descreve sua relação com os pais dos adolescentes como complicada:
“Com os pais eu já tenho mais dificuldade. Eu tenho menos tolerância com eles, eu aprendi nesses anos trabalhando com adolescentes, que muito dos comportamentos que eles têm, eles aprenderam com a família, então o jeito que eles se relacionam com o mundo reflete a forma que o seio familiar se relaciona, ou não, com eles. Então geralmente nas reuniões com os familiares dá pra entender o porquê eles agem de determinada forma.”
Como as atitudes dos pais refletem nas ações dos filhos, seus costumes, crenças, preconceitos e visão, do que é ser homem e ser mulher, influenciará nas concepções de mundo dos futuros adultos que estão criando. Vale lembrar que o pai também pode exercer a maternagem, o cuidado e o carinho e isso refletirá em uma geração menos preconceituosa.
Diante do exposto concluímos que a dificuldade de inserção do homem na Educação Infantil está atrelada a acontecimentos históricos e sociais que padronizam a imagem do homem e 21 da mulher a determinadas posturas e ocupações, além disso, associam o ato de cuidar como essencialmente feminino. Vê-se assim, que as imposições sociais e culturais afetam de forma direta, seja na escolha da atuação na área pedagógica ou na dificuldade de exercer sua profissão na Educação Infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da abordagem qualit