13/11/2025

Financiamento Climático e Justiça Ambiental: Perspectivas para os Países em Desenvolvimento na COP30

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

1. Introdução

O financiamento climático é um dos pilares centrais da governança global do clima e um dos maiores desafios para garantir uma transição justa e sustentável rumo a uma economia de baixo carbono. O termo se refere ao conjunto de mecanismos e fluxos financeiros voltados para apoiar países na mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) e na adaptação aos impactos das mudanças climáticas. Esses recursos provêm de fontes públicas, privadas e híbridas, incluindo o Fundo Verde para o Clima, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da ONU e o emergente Mercado Global de Carbono (UNFCCC, 2023).

No contexto da COP30, que será realizada em Belém do Pará, em 2025, o tema ganha destaque renovado, especialmente para os países em desenvolvimento. A crise climática, marcada por secas, enchentes, elevação do nível do mar e perda de biodiversidade, exige soluções urgentes e equitativas. Como aponta Maziviero (2025), a adaptação climática requer não apenas mais investimentos, mas uma nova lógica financeira que não reproduza relações coloniais de dependência.

Desde a Eco-92, no Rio de Janeiro, e a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), o debate sobre financiamento climático se consolidou como um dos eixos centrais das negociações internacionais. O Protocolo de Kyoto (1997) e o Acordo de Paris (2015) avançaram nesse sentido, estabelecendo mecanismos de transferência financeira e tecnológica para países vulneráveis. No entanto, Pallemaerts & Armstrong (2009), relatam que ainda há uma lacuna significativa entre os compromissos assumidos e os recursos efetivamente mobilizados,.

2. Contexto Histórico e Estrutura do Financiamento Climático

Os primeiros mecanismos de financiamento climático surgiram com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), criado pelo Protocolo de Kyoto. O MDL permitia que países industrializados compensassem suas emissões investindo em projetos de mitigação em países em desenvolvimento. Embora inovador, o modelo recebeu críticas por não gerar reduções reais de emissões e por privilegiar grandes empresas, em detrimento de comunidades locais (KEOHANE & LEVY, 1996).

A partir da COP15, em Copenhague (2009), a comunidade internacional estabeleceu a meta de mobilizar US$ 100 bilhões anuais até 2020 para apoiar ações climáticas nos países em desenvolvimento. Contudo, esse valor nunca foi integralmente alcançado, e estimativas recentes indicam que o déficit pode ultrapassar US$ 300 bilhões anuais até 2035 (PNUMA, 2025).

O Acordo de Paris (2015) redefiniu o financiamento climático, ampliando o escopo para incluir investimentos privados e instrumentos financeiros inovadores, como títulos verdes e fundos de blended finance. Essa abordagem busca equilibrar responsabilidade e capacidade entre países desenvolvidos e emergentes, incentivando fluxos financeiros sustentáveis (HICKS et al., 2008).

No entanto, segundo o relatório Adaptation Gap Report (PNUMA, 2025), o ritmo de mobilização de recursos permanece insuficiente. Em 2023, o financiamento internacional para adaptação caiu de US$ 28 bilhões para US$ 26 bilhões, enquanto a necessidade anual estimada para os países em desenvolvimento ultrapassa US$ 310 bilhões. Essa disparidade revela a urgência de reestruturar os mecanismos de financiamento para garantir equidade e efetividade.

3. Desafios e Limites do Financiamento Climático

Os principais desafios do financiamento climático residem em quatro dimensões: escala, acesso, transparência e justiça social. Primeiramente, o volume de recursos disponíveis está aquém das necessidades globais. Mesmo considerando os compromissos multilaterais e a participação de bancos de desenvolvimento, como o Banco Mundial e o BID, as demandas para mitigação e adaptação são crescentes (CHIAVARI, 2025a).

Além disso, muitos países em desenvolvimento enfrentam dificuldades técnicas e burocráticas para acessar fundos climáticos internacionais, por falta de estrutura institucional e garantias financeiras. Segundo Chiavari (2025b), essa limitação reforça desigualdades históricas e impede a efetiva implementação de políticas locais de resiliência e sustentabilidade.

Outro ponto crítico é a falta de transparência na gestão dos recursos. Em diversos casos, os fundos climáticos têm priorizado empréstimos com juros de mercado, o que aumenta o endividamento das nações mais vulneráveis e perpetua a lógica de dependência financeira. Essa tendência contraria os princípios da justiça climática, segundo os quais os países menos responsáveis pelas emissões históricas devem ser apoiados na transição energética.

Por fim, há desafios políticos. Em muitos países, a oposição a mudanças estruturais nos sistemas energéticos e produtivos dificulta a implementação de estratégias de baixo carbono. A mobilização de recursos privados também permanece limitada, exigindo incentivos fiscais e garantias de retorno que tornem os investimentos climáticos atrativos e seguros (SACHS, 2023).

4. Novas Perspectivas e a Agenda da COP30

A COP27, realizada no Egito em 2022, introduziu o conceito de “perdas e danos” como um novo eixo de financiamento climático, voltado a compensar países afetados por eventos climáticos extremos. Esse avanço abre caminho para a COP30 consolidar instrumentos de financiamento setorial inovador, incluindo fundos de adaptação, regimes de dívida climática e o fortalecimento de mercados de carbono regulados (MAZIVIERO, 2025).

O Brasil, como país anfitrião da COP30, pretende lançar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), uma iniciativa inédita de financiamento misto que combina capital público, privado e filantrópico. O fundo prevê US$ 125 bilhões em aportes, com pagamentos baseados em resultados de conservação florestal e distribuição de lucros entre investidores e comunidades locais. Parte significativa dos recursos será destinada a povos indígenas e projetos de restauração, assegurando transparência e inclusão social (GOV.AMB, 2025).

O TFFF representa uma alternativa aos modelos tradicionais, pois substitui o financiamento não reembolsável por um sistema de reinvestimento sustentável. A expectativa é que o fundo promova a economia de conservação, valorizando serviços ecossistêmicos e estimulando mercados de títulos verdes e azuis. O monitoramento será feito por satélite, garantindo rastreabilidade e eficiência.

Essas medidas dialogam com o esforço global por adaptação produtiva, conceito que visa integrar a resiliência climática à competitividade econômica. Como destaca Hicks et al. (2008), a inovação financeira é essencial para converter compromissos ambientais em oportunidades de desenvolvimento, especialmente em países do Sul Global.

5. Conclusão

O financiamento climático é, ao mesmo tempo, uma ferramenta de mitigação e um instrumento de justiça internacional. Sua consolidação depende da articulação entre governos, instituições financeiras e sociedade civil, com foco na transparência e na redistribuição equitativa dos recursos. O desafio central é assegurar que o acesso aos fundos climáticos seja efetivamente democrático, contemplando países com menor capacidade institucional e comunidades que sofrem os impactos diretos da crise climática.

A COP30, ao ser sediada na Amazônia, simboliza a urgência de conciliar conservação ambiental e desenvolvimento econômico. O evento representa uma oportunidade singular para o Brasil reafirmar seu papel de liderança ambiental e propor uma diplomacia climática voltada à justiça ecológica. O país possui vantagens estratégicas, matriz energética renovável, biodiversidade e experiência na gestão de políticas socioambientais que o qualificam para liderar novas formas de cooperação internacional voltadas à sustentabilidade.

O desafio, contudo, vai além das negociações internacionais. É necessário traduzir compromissos em políticas públicas concretas, com mecanismos de monitoramento, transparência e participação social. O fortalecimento de instrumentos financeiros sustentáveis, como fundos climáticos descentralizados e parcerias público-privadas, é essencial para garantir que os recursos cheguem a quem realmente precisa. Além disso, é indispensável promover a capacitação técnica de comunidades locais, para que possam gerir de forma autônoma os projetos e ampliar seus benefícios sociais e ambientais.

O futuro do planeta depende não apenas do volume de recursos mobilizados, mas da forma como eles serão aplicados em prol das populações mais vulneráveis. A construção de uma economia verde justa passa por reconhecer que a mudança climática não é apenas um problema ambiental, mas também um reflexo das desigualdades históricas e econômicas que estruturam o mundo contemporâneo.

A transição climática precisa ser entendida como um processo coletivo, baseado na solidariedade entre as nações e na responsabilidade compartilhada. Mais do que uma meta técnica, ela representa um novo pacto social e ético, no qual o desenvolvimento sustentável é reconhecido como um direito humano fundamental. Somente por meio de uma governança global inclusiva, participativa e equitativa será possível garantir um futuro em que prosperidade e preservação caminhem lado a lado, assegurando às próximas gerações um planeta equilibrado, resiliente e sustentável.

Referências Bibliográficas

CHIAVARI, J. et al. Mapping International Climate Finance for Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2025a.

CHIAVARI, J. et al. International Climate Finance Tracking for Brazil. Rio de Janeiro: Climate Policy Initiative, 2025b.

HICKS, R.; PARKS, B.; ROBERTS, J. & TIERNEY, M. (2008). Greening Aid? Understanding the Environmental Impact of Development Assistance. Oxford University Press.

KEOHANE, R.; LEVY, M. (1996). Institutions for Environmental Aid. MIT Press.

MAZIVIERO, M. C. (2025). Transição Verde e Justiça Climática no Sul Global. UFPR.

PALLEMAERTS, M.; ARMSTRONG, J. (2009). Climate Change and the Role of Global Finance. Earthscan.

PNUMA. Adaptation Gap Report 2025. United Nations Environment Programme, 2025.

SACHS, J. (2023). The Age of Sustainable Development. Columbia University Press.

UNFCCC. United Nations Framework Convention on Climate Change. New York, 1992.

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