23/03/2006

Experiência internacional: um diferencial

Por Carlos Brazil

No mundo acadêmico - como nas demais instâncias de nossa sociedade -, uma experiência internacional é quase sempre garantia de valorização do currículo na carreira escolhida. Assim, o interesse por oportunidades de estudo, formação, pesquisa ou docência em outros países vem crescendo, como atestam as instituições de ensino e pesquisa ou as agências de fomento.

O problema é que as oportunidades são limitadas diante da crescente procura. Os recursos disponíveis para viabilizar a mobilidade internacional são reduzidos; a capacidade pessoal de investimento dos próprios interessados, em geral, é limitada; as instituições de ensino e de pesquisa, por mais que se esforcem, não conseguem contribuir muito mais do que já fazem nesse setor; e as próprias oportunidades internacionais, apesar de terem avançado nos últimos anos, são poucas.

Para a professora Suzana Queiroz de Melo Monteiro, coordenadora de Cooperação Internacional da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), vice-presidente do Faubai (Fórum de Assessorias das Universidades Brasileiras para Assuntos Internacionais) e delegada do Programa de Bolsas Alban, "o que precisamos é de um apoio maior, seja por parte de uma agência de fomento nacional (como Capes ou CNPq) ou patrocínios privados. O que a gente consegue para os alunos (no exemplo da UFPE) é a isenção da taxa da universidade estrangeira parceira, nos programas de intercâmbio. Então, eles precisam de recursos para se manter lá fora. Bolsas há só quando o intercâmbio se dá por um projeto bilateral em que o próprio projeto assume os custos. Seria necessário, por exemplo, que a Capes, em projetos bilaterais, tivesse mais recursos para poder beneficiar mais projetos envolvendo mais países".

O problema é que agências de fomento nacionais têm recursos escassos, vinculados a orçamentos fixados pelo governo federal que têm crescido nos últimos tempos, mas não no ritmo que seria ideal diante da procura crescente.

"Nós estamos no caminho certo, sim, principalmente quando diversificamos as cooperações internacionais", afirma José Fernandes Lima, diretor de Programas da Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). "O que está faltando é apenas uma questão de tempo e de ampliação da quantidade. Podemos dizer hoje que sabemos fazer esse tipo de cooperação, já temos uma massa crítica aqui no Brasil capaz de interagir com os mais diversos países e estamos no caminho certo, necessitando, apenas, ampliar nosso volume de mobilidade e nosso número de estudantes, tanto para um lado como para outro."

Crescimento da demanda

Lima lembra que a Capes mantém hoje 2.093 pessoas fora do país em todas as modalidades de programas de fomento à formação e à pesquisa no exterior da agência. "Um dado interessante é que esse número vem crescendo, por conta de uma demanda espontânea da própria comunidade e porque nós estamos também melhorando os processos e conseguindo aumentar, ainda não na proporção desejada, os recursos orçamentários para esta destinação", diz o diretor da Capes, lembrando que entre 2001 e 2002 havia, em média, algo em torno de 1.000 beneficiários nos programas de mobilidade internacional.

Ele destaca, ainda, que um fato novo e positivo é a presença cada vez maior no fomento à formação internacional das fundações de amparo à pesquisa estaduais, "coisa que era restrita à Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) e a algumas outras agências estaduais. Hoje, está se estendendo por todos os estados do país".

Modalidades

Oportunidades para viabilizar a mobilidade internacional:

* Programas de bolsas e apoio financeiro oferecidos pelas agências de fomento (Capes, CNPq, FAPs...);
* Acordos de cooperação internacional firmados entre agências de fomento nacionais e instituições estrangeiras;
* Acordos de cooperação internacional firmados entre instituições de ensino e de pesquisa nacionais e estrangeiras;
* Bolsas e apoios oferecidos para estudos e pesquisa por agências de fomento estrangeiras (DAAD, Comissão Fulbright, Programa Alban, Fundação Carolina...)
* Bolsas e apoios oferecidos pelas instituições de ensino e de pesquisa estrangeiras
* Autofinanciamento

Basicamente, os programas de estímulo à mobilidade internacional são relacionados a algumas poucas oportunidades. Entre elas estão as bolsas para estudos, pesquisas ou estágios acadêmicos no exterior oferecidas pelas agências de fomento nacionais (como Capes, CNPq e as fundação de amparo à pesquisa estaduais). Outra modalidade bastante difundida são os acordos de cooperação bilateral, que podem ser viabilizados pelas próprias agências de fomento ou pelas instituições de ensino e de pesquisa. Os acordos bilaterais entre instituições, apesar de oferecerem certos benefícios aos estudantes, geralmente exigem contrapartidas destes, como o pagamento do transporte e recursos para alojamento e manutenção pessoal no país estrangeiro.

Há também os programas oferecidos por agências estrangeiras de fomento à cooperação internacional ou oportunidades de bolsas de estudos concedidas por instituições dos outros países.

Para ilustrar, podemos citar o exemplo da experiência da UFPE: "Temos a dupla titulação, em parceria com a britânica Middlesexx University, para as áreas de Economia e Administração, em que os alunos ficam com dois diplomas no mesmo curso, um de cada instituição". Neste caso, a parceria isenta o aluno das mensalidades escolares, mas ele tem de arcar com passagens, hospedagem e manutenção pessoal na Inglaterra ou no Brasil, dependendo da origem do beneficiado.

"O outro programa, que é mais acessível e faz mais sucesso, é com a francesa UTC (Université de Technologie de Compiègne), onde eles estudam seis meses e têm a possibilidade de fazer um estágio remunerado. Isso ajuda financeiramente. É assim também com a alemã Universidade Hochschule Bremen." Para esta modalidade, apesar de arcarem com as despesas de traslado, hospedagem e manutenção, a possibilidade de estágio remunerado equilibra um pouco a falta de recursos. "Temos também a dupla titulação que foi lançada este ano com a Universidade de Valladolid, da Espanha, em que os primeiros alunos irão agora, na área de Engenharia Química", acrescenta Suzana.

Estrangeiros no Brasil

Dados da UFPE mostram que a mobilidade naquela instituição tem sido proporcionalmente equilibrada nos dois sentido. Isto é, há praticamente o mesmo número de brasileiros que vão para o exterior em relação aos estrangeiros que vêm para a universidade pernambucana. Em 2004 (últimos dados consolidados), foram mandados ao exterior 77 estudantes da UFPE, contra 65 estrangeiros recebidos naquela universidade.

Um ponto positivo lembrado pela professora Suzana é o fato de que cada vez mais novas oportunidades de convênios ou de ofertas de bolsas internacionais têm surgido para os setores de relações internacionais das universidades brasileiras. "Em relação às universidades estrangeiras, hoje em dia temos um contato muito mais próximo. Agora, das agências de fomento têm chegado oportunidades constantemente, inclusive de países que antigamente a gente não recebia com tanta freqüência, como Nova Zelândia, Austrália, Israel...", destaca.

Desafio

Para ela, o que falta melhorar é a organização da maioria das universidades brasileiras na área de relações internacionais e sua divulgação. "Um problema, não em todas as universidades, mas naquelas que já têm um trabalho maior, é iniciar a institucionalização da cooperação internacional. No caso, fazer uma divulgação interna maior, um trabalho de conscientização. Esse trabalho da institucionalização da cooperação é o grande desafio no momento."

A UCS (Universidade de Caxias do Sul) é outra instituição que investe forte na mobilidade internacional. Para se ter uma idéia da evolução desse segmento naquela universidade, em 2002, 95 alunos da instituição foram enviados ao exterior dentro das iniciativas ali disponíveis, sendo que o carro chefe é o Programa Mobilidade Acadêmica Internacional, voltado à graduação. Ano passado, esse número chegou a 391 estudantes. Em relação aos estrangeiros recebidos pela UCS, há uma menor proporção, mas que não é desprezível: foram 27 em 2002, contra 65 ano passado. A expectativa é de que em 2006, estes sejam 110.

Segundo Fabíola Sartori Flores, coordenadora do Escritório de Intercâmbios da UCS, o principal impulso para o sucesso dos programas de mobilidade da universidade é o fato de que ela isenta os estudantes das mensalidades e taxas acadêmicas, tanto da própria UCS, quanto da instituição estrangeira que recebe o aluno. Em geral, os alunos passam seis meses estudando nas instituições estrangeiras parceiras (ou no máximo um ano), e arcam com as despesas de transporte, estadia e manutenção pessoal. "No retorno, há aproveitamento oficial das disciplinas cursadas no exterior, sendo que não se cobra nada por isso", explica.

Os principais cursos que promovem a mobilidade de alunos na UCS são os de Hotelaria, Turismo, Administração, Comércio Exterior e Direito. Mas Fabíola já identifica um boom relacionado aos cursos de Medicina, Arquitetura, Fisioterapia e Moda & Estilo.

Por outro lado, Fabíola identifica alguns problemas. Segundo ela, muitas vezes os alunos não estão preparados para estudar no exterior devido à falta de domínio da língua estrangeira. Esse problema afeta, inclusive, professores, que muitas vezes perdem oportunidades de mobilidade em razão de não dominarem outro idioma específico. Além disso, a barreira financeira é um obstáculo complicado, já que as no exterior não são as mais baixas.

No caso da mobilidade de professores, os programas são, em geral, voltados ao desenvolvimento de pesquisas, segundo explica Patrícia Cesa, técnica em assuntos internacionais da Assessoria de Relações Internacionais da UCS. Uma das principais parceiras da universidade gaúcha neste segmento é a Universidade de Padova (Itália), para onde vão de quatro a cinco professores ao ano para intercâmbios. Em alguns casos, a própria UCS concede auxílio econômico aos professores.

Diferencial indispensável

Apesar dos empecilhos e limitações, a recomendação geral é para que aqueles que tenham a oportunidade de uma experiência acadêmica internacional e podem arcar com ela invistam. "Acho que é essencial conhecer uma outra realidade. Ali (fora do país de origem) ele põe em teste tudo aquilo que teve aqui, e sempre quando volta, a tendência é querer melhorar tudo o que possui. Ou, então, se a gente tem o melhor aqui, podemos contribuir também com outra instituição. Acho que essa troca de experiências é aliada da experiência pessoal de vida de cada um, porque é nessa hora que a pessoa cresce muito", destaca a professora Suzana.

A tendência da Capes, por exemplo, é buscar ampliar o número de brasileiros que têm uma experiência internacional, em detrimento de programas mais caros, que privilegiam oportunidades a poucos, como as bolsas para doutorado no exterior. "Nós estamos, hoje, incentivando um número maior de bolsas de doutorado no país com estágio no exterior, o chamado doutorado sanduíche. Por que isso? Porque já temos grupos de pesquisa e programas de pós-graduação no Brasil do mais alto nível. Por isso, não é necessário enviar o estudante para fazer o doutorado lá fora. Mas como nós temos interesse que nossos estudantes tenham uma vivência internacional, nós possibilitamos que ele passe um período do seu estudo fora, porque ali eles não vão só aprender, o que conseguem fazer aqui no Brasil, mas vão abrir espaço para uma cooperação futura. É um período mais curto, mas aí, também, mandamos mais gente. Essa é a idéia", explica José Lima.

A diversificação de destinos também é outro objetivo da agência de fomento. "Hoje, nossos estudantes estão colocados em mais de 30 diferentes países, com um maior número nos Estados Unidos, seguidos pela França, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Portugal. Mas a situação política e do desenvolvimento tecnológico é dinâmica. Nós temos alguns países que estão se tornando cada vez mais importantes do ponto de vista da Ciência & Tecnologia, e, por isso, temos interesse em manter contato com eles: por exemplo, a Índia, Coréia, a própria China, África do Sul... Agora, além dessa motivação, temos também outro interesse para a ampliação da cooperação internacional com aqueles países com os quais o Brasil está interessado em aumentar seu relacionamento político, comercial, ou mesmo com o intuito de ajudar. É o caso dos países da África e do Mercosul, por exemplo, e alguns países com os quais nunca tivemos cooperação, porque nós partimos do princípio de que quanto maior a diversidade da cooperação, maior o leque de possibilidades para nossos estudantes, e, obviamente, maior vai ser o crescimento científico e tecnológico de nossa comunidade", indica o diretor da Capes.

O estímulo à chegada de estrangeiros para a pesquisa, formação e docência também não foi esquecido pela Capes. "Nós temos dentro da nossa Cooperação Internacional o Programa Professor Visitante. Com ele, nós recebemos professores que vêm passar algum tempo aqui vinculados a grupos de pesquisa e programas de pós-graduação. Temos também cooperação que recebe estudantes estrangeiros e grupos de pesquisa, pelo PEC-PG (Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação). Existe essa mobilidade tanto na direção Brasil-exterior, quanto no sentido contrário", conclui Lima.

Para finalizar, a professora Luciane Stallivieri, assessora de Assuntos Internacionais da UCS e presidente do Faubai, indica que a experiência internacional tem um valor importantíssimo para o brasileiro. "Está na história da Universidade que o aluno não deve ficar apenas vinculado a sua própria instituição. Essa característica, trazida da Idade Média, se torna muito mais forte, principalmente em um momento em que se fala de globalização, mundialização, desterritorialização. Se nós estamos em um momento de globalização, de queda de fronteiras, de queda de barreiras, esse desejo de conhecer o que o outro está fazendo se torna muito mais forte, porque você não pode mais ficar fechadinho na sua tribo sem saber o que a tribo ao lado está fazendo. Então, eu vou até lá aprender com eles, trazer informações e poder qualificar a minha própria comunidade. Pegando desde as coisas mais básicas até as mais complexas, a proposta é, exatamente, transferência do conhecimento. E, com isso tudo, faz-se com que os professores e os alunos tenham esse desejo de busca pelo desconhecido, pelo novo, a solução dentro de sua própria comunidade, saber o que o outro está fazendo para poder qualificar a minha própria região e, obviamente, aquele desejo da experiência, da aventura."

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