29/05/2016

Estudo de Caso como metodologia de pesquisa aplicada

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O Estudo de Caso – enquanto método de investigação qualitativa – tem sua aplicação quando o pesquisador busca uma compreensão extensiva e com mais objetividade e validade conceitual, do que propriamente estatística, acerca da visão de mundo de setores populares. Interessa ainda as perspectivas que apontem para um projeto de civilização identificado com a história desses grupos, mas também fruto de sonhos e utopias. (ROCHA,2008).

 

Dentre as metodologias de investigação científica o estudo de caso tem sido um método bastante utilizado nas universidades brasileiras e estrangeiras, o mesmo ocorrendo com nossos grupos de pesquisa na Universidade do Estado da Bahia[1]. Isso tem acontecido por uma série de razões como, por exemplo, ser esta uma metodologia aplicada a diversas áreas do conhecimento, como educação, direito, administração, economia, serviço social, psicologia, medicina, com algumas variações; ter sua utilização tanto em programas de pós-graduação acadêmicos como profissionais[2]; e ser uma metodologia que permite a realização de pesquisas aplicadas a casos concretos, problemas sociais e políticas públicas.

Concorre, no entanto, contra o bom desenvolvimento desse tipo de metodologia o fato de que nossos pesquisadores (as) na pós-graduação detêm pouca experiência com pesquisa: o princípio educativo de ensinar pela pesquisa no ensino superior não é levado a sério pelas universidades e faculdades brasileiras; a experiência com pesquisa na graduação fica limitada aos Programas de Iniciação Cientifica; os recursos para custeio e investimento em pesquisa são escassos e de difícil acesso; não existem estímulos para que crianças e jovens se tornem cientistas, apesar dos programas de popularização das ciências do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTi).

Ainda temos, nos últimos anos, situações como o fetichismo com as normas propostas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que induz a professores(as) de metodologia científica com pouca experiência a ficar reproduzindo essa regra em sala de aula; a necessidade de apresentação dos projetos de pesquisa ao Comitê de Ética em uma fase onde as informações ainda não são suficientes para determinação dos roteiros da pesquisa[3]; as pressões de prazo na pós-graduação em razão da avaliação dos Programas de Pós-Graduação (PPG); os custos da pesquisa e a falta de tempo dos alunos na graduação e pós-graduação. Diante desse quadro, as discussões epistemológicas e metodológicas acabam ficando em segundo plano, comprometendo a formação técnica, ética e política dos jovens pesquisadores e a qualidade de suas pesquisas.

Por outro lado, vivemos um momento de transição no Sistema Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação (SNPPG), o Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG 2011 a 2020) fala na redução das assimetrias e na democratização da pesquisa e pós-graduação no país. Para tanto, o governo brasileiro alterou o marco legal para Ciência, Tecnologia e Inovação através da Lei 13.243 de janeiro de 2016 que estabelece medidas de incentivo e estimulo a inovação e a pesquisa no Brasil como fator de desenvolvimento. Em síntese, acredito que estamos em um novo momento de consolidação de nosso sistema nacional de pesquisa.

A primeira vista pode parecer uma situação paradoxal, mas o fato é de que não basta termos normas de incentivo a pesquisa e inovação no país. É preciso que se tenha recursos humanos qualificados para levar adiante esse projeto e aproveitar as oportunidades que o sistema oferece. Partindo do pressuposto de que isso está sendo feito, cabe as Instituições de Ensino Superior (IES) investir tempo e recursos materiais e humanos para a formação de talentos humanos que possam fazer uso desse sistema. Diante disso, partindo da contribuição que nossos grupos de pesquisa podem dar para superação deste cenário, decidimos incluir em nosso projeto de pesquisa e iniciação cientifica intitulado Marcos Legais: Colocando a Mão na Massa[4], edital 2016-2017, a produção de artigos sobre métodos de pesquisa cientifica e assuntos correlatos, visando ampliar a massa crítica sobre esses temas e tornar conhecimento tácito (fruto da experiência) em conhecimento expresso, na forma de relatos de pesquisa, artigos científicos e livros.

O primeiro artigo dessa série é este em que tratamos da metodologia estudo de caso, com base na obra da pesquisadora Marli Eliza Dalmazo Afonso de André, professora titular aposentada da FEAUSP. Outros autores como Bernardete Gatti e Robert Yin também serão estudados. Não há trabalho científico sem uma metodologia que lhe sirva de fio condutor, mas esta não pode ser reduzida a simples a escolha de ferramentas mais apropriadas para o desenvolvimento de um respectivo trabalho (ROCHA,2013).

Esse trabalho destina-se, portanto, a estudantes da graduação, bolsista de iniciação científica, estudantes de pós-graduação, pesquisadores, docentes, profissionais e todos aqueles que têm interesse em realizar estudo de caso, qualquer que seja a sua modalidade, com maior rigor cientifico.

 

  1. SOBRE A AUTORA E SUA OBRA

 

A autora Mali André tem experiência com a metodologia de estudos de caso, licenciada em letras e pedagogia, completou o mestrado em educação na Pontifícia Universidade Católica (PUC), Rio de Janeiro, e o doutorado em psicologia da educação na Universidade de Illinois, em Urbana-Campaign (USA), de 1975 a 1978, onde conheceu Robert Stake[5] em uma disciplina intitulada “Estudo de caso em Currículo”. Participou também do projeto “Estudo de caso em Ciências”, coordenados por Stake e Easley, em contextos escolares diversificados, situados em diferentes estados dos EUA (p. 08).

Esses estudos, segundo a autora, foram realizados em uma época em que essa metodologia era vista com desconfiança por parte de alguns pesquisadores(as), que os considerava estudos exploratórios sem muita credibilidade científica. Revela que o referenciado artigo de Stake chamado “O Método de Estudo de Caso em Pesquisa Social”, ficou muito tempo aguardando publicação por causa das críticas que eram feitas pelos pesquisadores da área de educação a este tipo de pesquisa. Mas foi durante a publicação dos resultados do projeto “Estudo de caso em Ciências”, que a situação começou a mudar, pelos elogios conquistados, principalmente, pelo rigor científico empregado na condução dos estudos de caso e suas importantes contribuições (p.08)[6].

Destacamos também a passagem da autora pelo pós-doutorado no Centro de Pesquisa em Ensino e Avaliação de Currículos, tendo como supervisor, mais  uma vez, o professor Robert Stake, com quem desenvolveu cursos e participou de pesquisas sobre essa metodologia. Em 1983, segundo a autora, em um Simpósio no Brasil sobre “Pesquisa qualitativa e estudo da escola”, apresentou pela primeira vez um estudo em português com clareza e abrangência sobre os aspectos e particularidades da metodologia de estudo de caso (p.09)[7].

A autora participou ainda da organização de obras que tratam sobre metodologia de investigação cientifica com o tema do estudo de caso, a exemplo da obra Pesquisa em Educação: Abordagens Qualitativas de Ludke, M. e André M.E.D.A, bem como defendeu tese de Livre Docência na FEUSP, onde incluiu um capítulo sobre o estudo de caso, em que discutiu as vantagens e desvantagens do emprego do estudo de caso com método de investigação.

 

  1. CARACTERÍSTICAS DO PESQUISADOR (A)

 

O uso da metodologia de estudo de caso requer uma reflexão sobre o perfil do pesquisador. É preciso considerar de antemão se o pesquisador possui as características e habilidades exigidas e, caso contrário, se está disposto a desenvolvê-las. No estudo de caso, o pesquisador é o principal instrumento de coleta e análise de dados, quando não é o único, como isso haverá momentos em que sua condição humana será altamente vantajosa, permitindo reagir imediatamente, fazer correções, descobrir novos horizontes, bem como, terá situações em que essa condição pode levar a cometer erros, perder oportunidades, envolver-se demais com certos casos e menos com outros. Saber lidar de forma consciente e ativa com sua condição humana é o desafio principal que o pesquisador deverá enfrentar (ANDRÉ, 2008,p. 38-39).

Sobre este ponto, André (2008,p.37) afirma que alguns podem pensar que o estudo de caso é um tipo de pesquisa mais simples e mais fácil do que outros, mas na verdade pode exatamente ser o contrário. Robert Yin(2007,p.56) afirma que “as demandas do estudo de caso sob o ponto de vista intelectual, pessoal e emocional são maiores do que as de qualquer outra estratégia de pesquisa.” Pessoas que se sentem mais a vontade com esquemas flexíveis em relação a esquemas mais estruturados, se adaptarão melhor ao estudo de caso.

Para André (2008, p.38) diferentes autores destacam qualidade e habilidades para um pesquisador que quer realizar um estudo de caso. Citando Merriam (1998), André seleciona três características:

  • Tolerância à ambiguidade – para desenvolver um estudo de caso ‘qualitativo’ o pesquisador precisa antes de tudo ter uma enorme tolerância à ambiguidade, isto é, saber conviver com dúvidas e incertezas que são inerentes a essa abordagem de pesquisa. Ele tem que aceitar um esquema de trabalho aberto e flexível, em que as decisões são tomadas na medida e no momento em que se fazem necessárias. Não existem normas prontas sobre como proceder em cada situação específica e os critérios para seguir essa ou aquela direção são geralmente muito pouco óbvios;
  • Sensibilidade – É preciso usar a sensibilidade especialmente na coleta de dados quando deve estar atento as variáveis relacionadas a todo contexto que está sendo estudado. Além disso, ele vai ter que recorrer a sua intuição, percepção e emoção para explorar o tanto quanto possível, os dados que vão sendo colhidos. Como no estudo de caso o instrumento principal é o pesquisador, um ser humano, as observações e análises estarão sendo filtradas pelos seus pontos de vista filosóficos, políticos, ideológicos.
  • Ser comunicativo – Uma pessoa comunicativa é empática com os informantes, estabelece “rapport”, faz boas perguntas e ouve atentamente. A empatia vem sendo apontada há muito tempo como uma característica essencial dos pesquisadores que realizam trabalhos de campo. Ela se constitui  num dos princípios básicos da fenomenologia, que está nas raízes das abordagens qualitativas. Segundo esse princípio o observador deve tentar se colocar no lugar do outro, para tentar entender melhor o que está dizendo, sentindo e pensando.

 

Essas três são as habilidades destacadas por Merriam (1988) e descritas aqui de forma sintética. Para André (p.43) existe uma quarta habilidade que não foi enfatizada que é a habilidade de expressão escrita. Muitas vezes, o trabalho de campo é feito com todo o cuidado, os dados obtidos são ricos, significativos, mas o pesquisador não consegue montar o caso, ou seja, não consegue expressar, pela escrita, aquilo que ele observou, ouviu, sentiu. As conclusões dos trabalhos, normalmente, não resgatam todo o conteúdo do trabalho, esse é um problema que pode significar maior ou menor aceitação do estudo de caso.

Às características destacadas por Merriam (1988) e André (2008) temos a ousadia de adicionar mais três que consideramos fundamentais para os pesquisadores qualitativos com interesse na metodologia de estudo de caso.

Humildade científica – a humildade perante o conhecimento é fundamental à aprendizagem, costumo dizer aos orientandos que em “copos cheios” não há como adicionar mais nada. Um pesquisador não pode se deixar levar pela vaidade acadêmica ou pela ambição do conhecimento, deve agir com humildade, aprendendo as lições não só com os doutores da academia, mas com os sujeitos investigados, permitindo que sua consciência se expanda perante as novas informações que estão sendo reconhecidas. Deve ele agir numa perspectiva de ecologia de saberes.

Criatividade – A criatividade sempre esteve presente na pesquisa, em verdade todo ser humano é criativo e a superação dos obstáculos no desenvolvimento de um projeto requer criatividade do pesquisador. Mas indiscutivelmente a criatividade vem crescendo em importância no século XXI e cada vez mais o conhecimento depende dessa qualidade humana, ou seja, se o conhecimento científico até o século XX caracterizou-se pelo tecnicismo e uso instrumental da tecnologia, com o novo século uso criativo das ferramentas da tecnologia e dos métodos de produção do conhecimento está cada vez na ordem do dia.

Inovação – A realidade tem mudado numa velocidade crescente, com isso os métodos de investigação cientifica não conseguem mais se adequar totalmente aos objetos de pesquisa, exigindo do pesquisador tanto a criatividade quanto a inovação em relação aos métodos de pesquisa e aos resultados apresentados.

 

Figura 01 – Características e Habilidades dos Pesquisadores

Figura 1 - Fonte - Criada pelo autor

 

Claro que essas características podem variar ante o olhar de cada pesquisador. Um quadro como esse serve de orientação, no entanto, para os pesquisadores sobre características e habilidades necessárias ao desenvolvimento de pesquisas nesse campo. Sobre este ponto ainda cabe avaliar em que medida essas habilidades podem ser desenvolvidas pelos pesquisadores. Para Robert Yin (2007) a realização de um período de treinamento para jovens pesquisadores. Merriam (1988), apud André (2008, p.44), afirma que quando as características estão presentes de alguma forma na personalidade do indivíduo elas podem ser desenvolvidas, ela acredita que quase todo mundo pode aperfeiçoar as suas habilidades de comunicação. Guba e Lincoln (1981), apud, André (p.45) afirmam que o pesquisador pode aperfeiçoar sua habilidade expondo se a situações que lhe permitam ganhar experiência e principalmente trabalhando com um pesquisador mais experiente.

Por sua vez, André (p.45), a partir de sua experiência, acredita que as dificuldades com a expressão escrita são um grande condicionante a escolha da metodologia do estudo de caso, mas que existe uma forma muito efetiva de superar esse problema que é o trabalho coletivo de pesquisa. Ressalta sua experiência de trabalho como na formação e grupos de pesquisa para estimular e desenvolver habilidades e atitudes necessárias ao trabalho de investigação.

Sobre essa questão, temos a pontuar o seguinte: a pesquisa não pode ser mais vista de forma romântica como a atividade isolada de um pesquisador, a pesquisa deve ser desenvolvida de forma pública, coletiva e como foco na resolução de problemas sociais, que por sua natureza favorece a estudos interdisciplinares e transdisciplinares. A Infraestrutura cientifica e tecnológica com laboratórios, equipamentos, livros é fundamental na formação de um pesquisador, não falo em pesados investimentos, mas deve existir um lugar, um espaço, um ponto de encontro entre esses pesquisadores, onde cada um possa aprender com a experiência do outro.

A formação e discussão de temas relacionados a pesquisa são importantes, nossos seminários de estatística aplicada a pesquisa na UNEB recebem dezenas de interessados, artigos como este sobre aspectos metodológicos, quando disponíveis circulam entre os pesquisadores. A (in) formação é essencial a formação da massa crítica necessária a que a pesquisa aconteça. Por fim, destacaria a formação de grupos e redes de pesquisa, a manutenção de grupos de pesquisa é essencial para que as trocas aconteçam, a formação de redes de pesquisa, centros, núcleos são essenciais para que essas habilidades sejam desenvolvidas. Em última análise, é preciso criar um ambiente cientifico e tecnológico, onde ethos da pesquisa ocorra. Essa é uma questão cada vez mais difícil na media em que as pessoas deixam o espaço universitário.

 

  1. ESTUDO DE CASO:CONCEITO E FUNDAMENTOS

 

A origem do estudo de caso pode ser encontrada, inicialmente, na sociologia e antropologia no final do século XIX e início do século XX, com Frédéric Le Llay, na França, Bronislaw Malinowski e membros da Escola de Chicago, nos Estados Unidos[8]. Estes estudos, nas diversas áreas do conhecimento, buscavam estudar a vida em sociedade, a partir do estudo de um caso, geralmente problemático, para fins de diagnose, tratamento ou acompanhamento. Foram utilizados em seguida para os cursos de direito, administração e ciências da saúde (medicina, enfermagem, etc.), não só para a pesquisa, mas como recurso didático com o fim de ilustrar uma situação ou estimular situações de ensino a partir da leitura e estudo de caso (ANDRÉ,2008,p.13).

Vale a pena dizer que também no campo dos projetos sociais o estudo de caso se tornou uma metodologia para aprimoramento do trabalho das Organizações Não Governamentais (ONG) e levantamento sobre novas propostas de intervenção social. Tornou-se comum nos anos 90 a realização de estudos de caso exemplares, seja do ponto de vista de seu aspecto político ou social. Nas atividades de planejamento dos programas e projetos de cooperação internacional, nos encontros das redes, ou até no diálogo com o Poder Público para construção de políticas sociais, a apresentação de estudos de caso pelas ONGs se tornou uma atividade comum, onde normalmente uma situação exitosa era apresentada a outras instituições com a expectativa de uma aprendizagem organizacional coletiva.

O Estado também adotou essa estratégia, um exemplo disso pode ser retirado do Programa de Proteção e Apoio à Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVITA) da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Neste programa existe uma câmara técnica onde são apresentados estudos de casos exemplares onde as ONGs e  SDH/PR apresentam situações que são consideradas exemplares e que podem interessar a todos. A partir desses casos, podem ser criadas diretrizes, orientações para todos os participantes do projeto.

Participamos muitas vezes de atividades desse tipo com o Programa de Formação e Assessoria de Juristas leigos, programa de educação jurídica popular da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), que tem por finalidade capacitar lideranças populares em conhecimentos jurídicos básicos que permitem a atuação destes líderes em situações de conflito. Em seminários realizados nas cidades de Brasília, Recife, Rio de janeiro, São Paulo, João Pessoa, Fortaleza, entre outras, tivemos a oportunidade de apresentar a experiência da AATR na formação com juristas leigos para outras entidades do movimento social, com o fim especial de socializar metodologia visando que outros grupos pudessem desenvolver seus próprios projetos.

Vale a pena dizer que pelo menos uma vez essa estratégia deu certo, depois de uma apresentação em um dos encontros do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), a Fundação Margarida Maria Alves decidiu desenvolver seu próprio programa de educação jurídica popular, criando o projeto Juristas populares que depois veio a ser premiado diversas vezes, inclusive, pelo Banco do Brasil como  tecnologia social. A experiência dos Juristas Leigos veio também a ser investigada através de um estudo de caso, por um programa de pós-graduação acadêmico, através da dissertação de mestrado intitulada “Formação e Monitoramento de Juristas Leigos: A Experiência de uma ONG com Educação Popular na Região Sisaleira da Bahia”, defendida por Denise A.B.F. Rocha no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFBA (ROCHA,2004). Como visto, essa metodologia se emprega em diferentes situações.

Ao tratar o estudo de caso em educação, André critica a postura de alguns pesquisadores em educação em ver o estudo de caso em um sentido estrito, com um estudo descritivo de uma unidade seja ela escola, um professor, um grupo de alunos, uma sala de aula, na forma de modelos pré-experimentais[9] de pesquisa, com o objetivo de exploração inicial de uma temática, levantando informações e hipóteses para futuros estudos. Segundo ela, esses pesquisadores em educação acabam fazendo “estudos de um caso” e “não estudo de caso”, ao revelar conhecimentos pontuais, que tomam porções reduzidas da realidade. Muitos utilizam instrumentos de coleta e apresentam dados empíricos, mas há pouca exploração dos dados em termos de suas relações como o contexto e o significado para os sujeitos (ANDRÉ, 2008,p.14).

Segundo André (2008,p.15) essas visões reducionistas do alcance e características do estudo de caso são prejudiciais ao desenvolvimento desse método entre os pesquisadores em educação e áreas afins, além de não atenderem aos princípios das abordagens qualitativas, que constituem os fundamentos do estudo de caso que se consolidou na área da educação nos últimos anos.

Concordamos quanto à visão negativa que alguns pesquisadores têm com relação a esse método, fruto de uma falsa noção da realidade que enxerga facilidades na aplicação do estudo de caso e confundindo esse método com estudos exploratórios e de pouco profundidade. Defendemos sempre o rigor na pesquisa qualitativa como no estudo de caso. Em que pese a pesquisa ser uma atividade criativa e, como afirma Goldemberg (2012) sabermos como uma pesquisa começa, mas não como ela termina dada a imprevisibilidade desse processo, deve o pesquisador agir de forma ética e honesta, com si mesmo e com a comunidade cientifica, respeitando todas as fases da investigação, considerando a flexibilidade que são naturais a uma realidade social extremamente dinâmica. A busca pelo rigor na pesquisa é uma obrigação do pesquisador qualitativo.

Também é verdade que os problemas não estão só nos estudo de caso, a metodologia assim com a tecnologia não funciona sem a presença e ação do ser humano. É o ser humano que está no controle tanto da tecnologia como das metodologias de iniciação cientifica e dele depende o controle e adaptação das situações para extrair da realidade um conhecimento o mais pertinente possível. Em outras palavras, em qualquer método de investigação, seja ele qual for, se não houver compromisso ético do pesquisador em realizar os procedimentos necessários e analisar a fundo as informações apresentadas, nenhuma pesquisa será de qualidade. Talvez sirva apenas garantir mais um título acadêmico para o currículo do pesquisador. Deste modo, deve o pesquisador estar comprometido com o seu trabalho, caso contrário ninguém poderá ajuda-lo nessa tarefa.

A opção pelo estudo de caso deve ser uma opção consciente, quando se busca investigar uma situação que não pode ser compreendida apartir de métodos quantitativos. Entendemos os estudos de caso como uma metodologia útil e complementar aos métodos quantitativos quando nos permite conhecer mais sobre uma realidade complexa e subjetiva. A história também mostra a importância e utilidade do estudo de caso em diversas situações.

Sobre o conceito do Estudo de Caso, André revela que no documento final da Conferência de Cambridge, Inglaterra, no ano de 1975, sobre “Métodos de Estudo de Caso em Pesquisa e Avaliação Educacional”, evento que teve como propósito abordar os princípios, procedimentos e métodos de estudo de caso em educação, um ponto comum sobre o debate que restou compartilhado entre os pesquisadores (as) é o de que o Estudo de Caso “envolve sempre uma instância em ação[10]”. Com isso, não se quer dizer que eles possam ou devam ser confundidos com estudos de “observação participante” (ANDRÉ, 2008,p.15 e 16).

Por outro lado, o conceito de estudo de caso não permite que este seja confundido com modelos pré-experimentais ou com uma etapa de pesquisa, pois embora possam indicar variáveis que serão manipuladas e controladas posteriormente em estudos experimentais (principalmente na área da saúde), o conhecimento gerado pelo estudo de caso tem um valor em si mesmo, com significado próprio. Ele é uma forma particular de estudo, em geral, recorre a técnicas de coleta de dados comuns a outras metodologias como: observação, entrevista, análise de documentos, gravações, anotações de campo, mas, segundo André (2008,p.16): “não são as técnicas que definem o tipo de estudo, e sim o conhecimento que dele advém”.

Stake (1994,p.236) apud André (2008, p.16) leciona que o estudo de caso tem como características não ser um método especifico mas um tipo de conhecimento: “...Estudo de Caso não é uma escolha metodológica, mas uma escolha do objeto a ser estudado...”, revelando uma questão fundamental quanto “o conhecimento derivado do caso”, ou melhor, o que se aprende com o estudo de caso. Por sua vez, Merriam (1998, p.14-15) apud André (2008,p.16) explica que para Stake o conhecimento gerado a partir de um estudo de caso é diferente do conhecimento derivado de outras pesquisas, porque o conhecimento gerado pelo estudo de caso é:

Mais concreto – configura-se como um conhecimento que encontra em nossa experiência porque é mais vivo, concreto e sensório do que abstrato.

Mais contextualizado – nossas experiências estão enraizadas num contexto, assim também o conhecimento nos estudos de caso. Esse conhecimento se distingue do conhecimento abstrato e forma derivado de outros tipos de pesquisa.

Mais voltado para a interpretação do leitor – os leitores trazem para os estudos de caso as suas experiências e compreensões, as quais levam a generalizações quando novos dados do caso são adicionados aos velhos.

Baseado em populações de referência determinadas pelo leitor – ao generalizar, os leitores têm certa população em mente. Assim, diferente da pesquisa tradicional o leitor participa ao estender a generalização para populações de referência (ANDRÉ, 2008, p.17).

 

Citando Merriam (1998, p.14-15) André (2008, p.18) destaca características essenciais num estudo de caso qualitativo:

“Particularidade – Significa que o estudo de caso focaliza uma situação, um programa, um fenômeno particular. O caso em si tem importância, seja pelo que representa. É, pois, um tipo de estudo adequado para investigar problemas práticos, questões, questões que emergem do dia-a-dia.

Descrição – significa que o produto final de um estudo de caso é uma descrição “densa” do fenômeno em estudo. Por descrição densa entende-se uma descrição completa e literal da situação investigada. Também significa, segundo Guba e Lincoln (1985,p.119) ‘interpretar o sentido de dados demográficos e descritivos em termos de normas e costumes culturais, valores da comunidade, atitudes e noções profundamente estabelecidas e assim por diante.’ O estudo de caso engloba um grande número de variáveis e retrata suas interações ao longo do tempo. Os dados são expressos em palavras, imagens, citações literais, figuras literárias.

Heurística – significa que os estudo de caso iluminam a compreensão do leitor sobre o fenômeno estudado. Podem revelar a descoberta de novos significados, estender a experiência do leitor ou confirmar o já conhecido. ‘Espera-se que relações e variáveis desconhecidas emerjam dos estudo de caso, levando a repensar o fenômeno investigado, como afirma Stake (apud Merriam, 1998).

Indução – significa que em grande parte, os estudo de caso se baseiam na lógica indutiva: “descoberta de novas relações, conceitos, compreensão, mas do que verificação ou hipótese pré-definida caracteriza o estudo de caso qualitativo (Merriam, 1998, p.13)

 

FIGURA 02 – CARACTERÍSTICAS ESSENCIAIS DE UM ESTUDO QUALITATIVO

 

Figura 2 - Fonte Autor

 

Segundo André (2008,p.18 e 19) na concepção de Stake o estudo de caso é uma investigação da particularidade e da complexidade de um caso singular, levando a entender sua atividade dentro de importantes circunstâncias. Stake define-se por uma concepção de estudo de caso qualitativo fundamentada nos métodos de pesquisa naturalístico, holístico, etnográfico, fenomenológico e biográfico. André, concordando com as opções de Stake, define seu trabalho como sendo um estudo de caso etnográfico, ou seja, um estudo em profundidade de um fenômeno educacional com ênfase na sua singularidade e levando em conta os princípios da etnografia.

 

  1. TIPOS DE ESTUDO DE CASO

 

Segundo André (2008,p.19) Stake distingue três tipos de estudo de caso que atendem a interesses diferenciados e orientações metodológicas. O primeiro tipo é o chamado “Estudo de Caso Intrínseco”, quando o pesquisador tem um interesse intrínseco naquele caso particular. Quando o interesse está em conhecer melhor aquela unidade caso, indivíduo, grupos de indivíduos, organizações etc. O interesse é conhecer as características daquele caso. O segundo tipo, é chamado de “estudo de caso instrumental”, ocorre quando o interesse do pesquisador pode ser uma questão que um caso particular vai ajudar a elucidar. Um exemplo é estudar os resultados de uma política pública a partir do exame do caso de uma escola. O “estudo de caso coletivo” é o terceiro tipo retirado por André das lições de Stake, nesse tipo o pesquisador não se concentra num só caso, mas em vários, com a finalidade intrínseca e instrumental, um exemplo disso, é a análise de uma determinada política pública tendo como base múltiplos sujeitos ou unidades casos, é o que Yin chama de estudo de caso múltiplos (Yin,2007).

Segundo André (2008,p.20) essa distinção é necessária tendo em vista a aplicação adequada dos métodos de coleta de dados, que podem variar conforme a situação. Ainda em relação a classificação de tipos de Estudo de Caso, André (2008,p.21) revela que outros autores têm outras classificações, como Stenhouse que os reúne em quatro grandes grupos: Etnográfico, Avaliativo, Educacional e Ação.

Stenhouse apud Amado (2014, p.132) diz que o Estudo de Caso etnográfico é o estudo em profundidade de um único caso, através da observação participante, apoiada pelas entrevistas: e geral não se foca diretamente nas necessidades práticas dos atores, mas preocupa-se com interpretações e significados que estes atribuem aos contextos em que participam isso pode ser motor do desenvolvimento.

Nos Estudo de caso Avaliativos, nesse tipo de avaliação um único caso, ou múltiplos casos são estudados em profundidade, no sentido de facultar informação útil aos educadores ou aos gestores políticos que permita ajuizar do valor de políticas, programas e instituições.

O Estudo de caso de Investigação-Ação, a preocupação do investigador é a de contribuir para o desenvolvimento do caso ou dos casos em estudo “através do feedback de informação que pode guiar a revisão e refinamento da ação. Segue os princípios da pesquisa-ação com tratados por Barbier (2007) e Thiollent (2011).

Por fim os estudos de caso educacionais não estão preocupados com a teoria social nem com o juízo avaliativo, mas com a compreensão com a ação educativa e nesse sentido adotam uma estratégia muito próxima do estudo de caso etnográfico (André,2008).

 

  1. QUANDO REALIZAR UM ESTUDO DE CASO

 

Para André (2008,p. 29) a escolha do estudo de caso depende naturalmente daquilo que o pesquisador quer saber, isto é,  do seu propósito, do problema formulado e das questões a serem respondidas. Para esta autora, citando Stake (1985), a decisão de realizar, ou não, um estudo de caso é muito mais epistemológica do que metodológica. Por sua vez, Rocha (2008) nos diz que a escolha de um determinado método de investigação decorre da escolha do objeto e não da vontade do pesquisador. A escolha do Estudo de Caso, portanto, deve partir da reflexão do objeto estudado.

Para Kenny e Grotelueschen (1980), apud André (2008,p.29), alguns critérios são necessários para um estudo de caso. Primeiramente, eles afirmam que “deve se verificar se os objetivos desejados ou planejados focalizam resultados humanistas ou diferenças culturais e não resultados comportamentais ou diferenças individuais” (p.03). Em segundo lugar, defendem o estudo de caso “quando as informações dadas pelos participantes não forem julgadas pela sua veracidade ou falsidade, mas forem sujeitas ao escrutínio com base na credibilidade” (p.04). O terceiro critério, arrolado pelos autores, é a singularidade da situação: a unidade vai ser escolhida porque representa por si só um caso digno de ser estudado, seja por que é representativo de muitos outros casos seja porque é completamente distinto de outros casos.

Para Robert Yin (2007) deve-se dar preferência ao Estudo de Caso quando: as perguntas da pesquisa forem do tipo ‘como’ e ‘por que’; o pesquisador tiver pouco controle sobre aquilo que acontece ou que pode acontecer; quando o foco do interesse for um fenômeno contemporâneo que esteja ocorrendo numa situação de vida real.

A reconstrução do Estudo de Caso em educação – afirma Basey (2003) apud Andrè (2008,p.30) – é uma questão importante para que se corrija a ideia de que qualquer micro estudo, que normalmente abrange uma parte pequena da realidade e um pequeno número de observações ou e sujeitos, seja confundido com a pesquisa do tipo estudo de caso. Segundo Basey (2003,p.58) um estudo de caso educacional é uma investigação empírica que é:

Conduzida dentro dos limites localizados no tempo e no espaço (isto é uma singularidade);

Versando sobre aspectos interessantes de uma atividade educacional, programa, instituição ou sistema;

Geralmente num contexto natural e dentro de uma ética de respeito às pessoas;

Para subsidiar julgamentos e decisões de  práticos ou de gestores de políticas;

Ou teóricos que investigam como essa perspectiva;

De tal maneira que dados suficientes são coletados pelo pesquisador para que possa:

  1. Explorar aspectos significativos do caso;
  2. Criar interpretações plausíveis do que foi obtido;
  3. Testar a confiabilidade das interpretações;
  4. Construir uma estória ou narrativa que tenha valor;
  5. Relacionar a estória ou narrativa às pesquisas relevantes da literatura;
  6. Comunicar, de forma convicente, essa estória ou narrativa;
  7. Fornecer pistas de modo que outros pesquisadores possam validar, ou contestar os resultados ou construir interpretações alternativas.

 

Sintetizando as lições de vários autores, André (2008, p.31) afirma que o estudo de caso deve ser usado quando: Há interesse em conhecer uma instância em particular; pretende-se compreender profundamente essa instância particular em sua complexidade e totalidade; Busca-se retratar o dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecimento natural.

 

7) VANTAGENS E DESVANTAGENS DO ESTUDO DE CASO

 

Para André (2008,p.33) e Rocha (2008) é evidente que a escolha de uma determinada forma de pesquisa depende antes de tudo da natureza do problema que se quer investigar e das questões específicas que estão sendo formuladas. No entanto, é útil ponderar seus limites e possibilidades para que se saiba com clareza o que se ganha ou o que se perde quando se faz essa opção. Para a autora, uma das vantagens do estudo de caso é a possibilidade de fornecer uma visão profunda e ao mesmo tempo ampla e integrada de uma unidade social, complexa, composta de múltiplas variáveis. No entanto, para conseguir esse resultado, o pesquisador (a) necessita investir muito tempo e muitos recursos, seja no planejamento da pesquisa, seja na realização do campo, seja na interpretação e no relato de dados (p.33).

Outra vantagem associada ao estudo de caso é a sua capacidade de retratar situações da vida real sem prejuízo de sua complexidade e de sua dinâmica natural. Isso vai exigir uma boa aceitação do pesquisador pelos participantes, o que requer muita sensibilidade no contato e nas relações de campo. Mesmo se atendida tais condições, há ainda o risco de que o pesquisador se deixe fascinar pelo pitoresco e inusitado, se prenda mais naquilo que mais parece, se perca nas minúcias do dia-a-dia e deixe de lado o que é verdadeiramente significativo ou as questões mais amplas, que pode comprometer a validade do relato (P.34).

Os estudos de caso também são valorizados pela sua capacidade heurística, isto é, por jogarem luz sobre os fenômenos estudados, de modo que o leitor possa descobrir novos sentidos, expandir suas experiências ou confirmar o que já sabia. Espera-se que o estudo de caso ajude a compreender a situação investigada e possibilite a emersão de novas relações e variáveis, ou seja, que leva o leitor a ampliar suas experiências. Espera-se também que revele pistas para aprofundamento ou para futuros estudos (p.34). Nesse sentido, alerta a autora que:

Se por um lado é extremamente positivo que o Estudo de Caso tenha uma preocupação especial com o leitor, dando elementos para que use sua experiência vicária, ampliando ou confirmando sua compreensão do fenômeno estudado, por outro lado num caso extremo pode levar o pesquisador a eximir-se de um posicionamento sobre a problemática estudada. Há certos autores que defendem essa postura, mas no meu ponto de vista seria uma falta de responsabilidade e de compromisso imperdoáveis, já que o pesquisador detém as informações coletadas que lhe possibilitam sem dúvida, tornar um posicionamento sobre o caso, ele tem obrigação de declará-los, sob pena de não se comprometer com a problemática da pesquisa nem com os resultados, o que seria lamentável (p.34).

 

Outra vantagem atribuída ao estudo de caso – muito importante para os nossos dias – é de que o pesquisador não parte de um esquema teórico fechado, que limite suas interpretações e impeça a descoberta de novas relações, mas faça novas descobertas e acrescente aspectos novos à problemática. No entanto, cabe aqui também uma ressalva quanto ao seu rigor científico:

“Muitas vezes os estudos de caso têm sido conduzidos dentro de uma linha essencialmente descritiva, ou a-teórica, como afirma Lijphart (1971). Segundo esse autor eles são ‘vacuum’ teórico, não são nem guiados por hipóteses nem motivados por um desejo de formular hipóteses gerais (p.691). Essa questão é muito grave porque nenhum pesquisador começa sua pesquisa sem um suporte teórico que lhe permita formular o problema e as questões que orientarão seu olhar. É importante, portanto, que explicite os fundamentos de sua pesquisa e que os assuma na sua análise e interpretação dos dados, sob pena de ficar na constatação do óbvio ou no esforço do senso comum (André, 2008, p.35).

 

Outra qualidade atribuída ao estudo de caso é o seu potencial de contribuição aos problemas da prática educacional. Focalizando uma instância em particular e iluminando sua múltiplas dimensões assim como seu movimento natural, os estudos de caso podem fornecer informações valiosas  para medidas de natureza prática e para decisões políticas. Isso significa que tanto a coleta  quanto a divulgação dos dados devem ser pautados por princípios éticos, por respeito aos sujeitos, de modo que sejam evitados prejuízos aos participantes. Um outro ponto importante quando se trata das contribuições do estudo de caso é sua “forte dependência da capacidade, sensibilidade e preparo do pesquisador” (grifos nossos). Para André (2008, p. 36):

 

Ser o principal instrumento da coleta e análise dos dados tem suas vantagens porque quanto maior a experiência e quanto mais aguçada sua sensibilidade, mais bem elaborado será o estudo. No entanto, há que se considerar que nem sempre o pesquisador domina de forma razoável o instrumental teórico-metodológico necessário para o desenvolvimento do trabalho. Além disso, as formas de análise dos dados são e de elaboração do relatório final não estão absolutamente prontos em roteiros para serem seguidos, havendo necessidade de que o pesquisador se baseie em seus próprios talentos, sua criatividade e suas habilidades pessoais (2008, p.36).

 

Em síntese, o estudo de caso é um método de investigação para nossos dias, acolhendo a diversidade de fontes de pesquisa, a interdisciplinaridade e a multirreferencialidade, sem deixar escapar a complexidade da realidade social.

 

8) A PRÁTICA DO ESTUDO DE CASO

 

Em relação ao percurso metodológico do estudo de caso, ou como fazer um estudo de caso, André (p.47), citando Nisbett e Watts (1978), preleciona que, via de regra, essa metodologia cumpre três fases distintas: fase exploratória, fase de coleta de dados e fase de análise dos dados.

Fase exploratória ou de definição dos focos de estudo. Para André, as abordagens qualitativas de pesquisa se fundamentam numa perspectiva que valoriza o papel ativo do sujeito no processo de produção de conhecimento e que concebe a realidade como uma construção social. Sem a menor dúvida, todo processo de investigação começa com uma fase exploratória onde o pesquisador deve reunir o maior número de informações possíveis com o fim de delimitar com maior precisão seu objeto de pesquisa, as fontes de coleta de dados, as formas de análise dos resultados, enfim, o percurso metodológico como um todo. Segundo André (2008, p.48) o estudo de caso começa com um plano muito incipiente, que vai se delineando mais claramente a medida que o estudo avança.

Fase de coleta de dados. Uma vez identificado os elementos-chaves e os contornos do estudo, o pesquisador procederá à coleta sistemática de dados, utilizando fontes variadas, instrumentos – mais ou menos – estruturados, em diferentes momentos e em situações diversificadas. Todas as fases são fundamentais e uma não é mais importante do que a outra, o sucesso de cada fase concorre para um bom resultado de pesquisa. A definição do foco na fase de exploratória decorre do fato de que não é possível explorar todas as dimensões de um objeto num tempo limitado. A seleção dos aspectos mais relevantes, às vezes, de um único aspecto, é decisivo para atingir o propósito do estudo (André, 2008,p.51). A utilização de um cronograma, mais do que um exigência dos projetos é uma ferramenta indispensável para o sucesso dos projetos de pesquisa. Citando Basey (2003, p.81-83), André (2008,p.51)considera que há três grandes métodos de coleta de dados nos estudos de caso.

  • Entrevista - No estudo de caso a entrevista cumpre um papel fundamental é através dela que o pesquisador vai conhecer a visão de mundo e/ou a representação que os sujeitos têm de determinado objeto ou de sua condição. Ela deve ser planejada de forma muito clara e objetiva, pois corre-se o risco do material coletado não atingir o resultado esperado. É muito fácil fazer perguntas e obter respostas, de certo modo, o entrevistado tem uma tendência a dar ao seu interlocutor a resposta que ele deseja, só o planejamento da entrevista é que irá permitir a superação desses obstáculos. A recomendação nesses casos é sempre recorrer a manuais específicos que tratam da entrevista como técnica de coleta de dados.
  • Observação – Segundo Stake (1995,p.60) apud Andre´(2008, p.52) as observações dirigem o pesquisador para a compreensão do caso, é preciso registra de forma muito acurada os eventos para uma descrição incontestável que sirva a análise e o relatório final. Na observação de campo deve ser dada atenção ao contexto, plantas, mapas, fotos, desenhos. Deve o pesquisador contar a história de seu objeto de pesquisa, deve revelar uma história que estão, normalmente, invisível ao grande público.
  • Análise de documentos – Um dos pontos mais importantes de um estudo de caso segundo Yin (2007) é a análise dos documentos, para tanto Yin recomenda a criação de um banco de dados para a pesquisa. Documentos podem ser pessoais, legais, administrativos, formais e informais. Como nas situações de entrevista e de observação, o pesquisador deve ter um plano de coleta e análise de documentos, embora não de deixe de considerar elementos novos.

 

Fase de análise de dados – a análise está presente nas várias fases da pesquisa, tornando-se sistemática e mais formal após o encerramento da coleta de dados. Desde o início do estudo são adotados os procedimentos analíticos, quando se procura verificar a pertinência das questões selecionadas frente as características específicas da situação estudada e são tomadas decisões nas áreas a serem mais exploradas. Nesse momento, a triangulação das fontes de pesquisa é recomendado por yin (2007).

 

9) VALIDADE, FIDEDIGNIDADE E GENERALIZAÇÃO DOS RESULTADOS

 

Uma questão importante sobre o estudo de caso é a sua validade cientifica, fidedignidade e possibilidade de generalização dos resultados. Em relação a validade e fidedignidade, André (2008,p.59) leciona que um dos graves problemas é a quantidade de atividade que um pesquisador brasileiro tem o que lhe permite ficar pouco tempo no campo, o que poderia levar ater falsas noções da realidade.

Uma das alternativas colocada pela autora para resolver a questão da validade dos resultados, é que o estudo de caso seja desenvolvido por um grupo de pesquisadores, que atuem ao mesmo tempo como autores e avaliadores críticos do processo. Diminuindo chances de reforçar posições e concepções pré-concebidas.

Além disso, em relação a validade ela recomenda a utilização de vários métodos de coleta de dados, obtidos através de uma variedade de informantes, em diversidade de situações e a subsequente triangulação das informações obtidas. Sugere também a focalização progressiva do estudo, isto é, de uma base bem aberta no início da pesquisa, o pesquisador vai progressivamente concentrando a atenção naqueles aspectos que se mostram mais significativos.

O sigilo das entrevista é também um elemento que garante uma maior confiança nos resultados da pesquisa.A possibilidade de acesso e controle do conteúdo por parte dos informantes é uma questão colocada em discussão, pois se de um lado pode garantir que o resultado seja mais próximo do real, por outro, pode significar cortes e mutilações das ideias, coisa que deve ser resolvida num processo de negociação com os participantes da pesquisa.

Com relação à generalização, citando Stake (1978), André (2008,p.62) considera que os estudos de caso podem fornecer experiência vicária e se tornam assim uma fonte de generalização naturalística. Por experiência vicária Bruner diz ser aquela advinda do pensamento, experimentações, simulações, um conhecimento não obtido de uma experiência efetiva. O conhecimento em profundidade de um caso, segundo ele, pode ajudar-nos a entender outros casos. A generalização naturalística se dá no âmbito do leitor que, com base nas descrições feitas pelo autor do estudo e na sua própria experiência, fará associações e relações com outros casos, generalizando seus conhecimentos.

Outro posicionamento é apresentado por André (p.63) citando Lincoln e Guba (1985), estes autores parte do princípio de que os resultados da pesquisa são sempre hipóteses provisórias e afirmam que a transferência é uma função direta da similaridade entre dois contextos. Se o contexto A e B são suficientemente congruentes, dizem eles, então as hipóteses de um contexto podem se aplicar ao outro. Não se pode falar em generalização de um único estudo. O que o pesquisador pode fazer é fornecer informações detalhadas do contexto em estudo de modo que o leitor tenha base suficiente de informações para fazer julgamento de possibilidades de transferência para seu contexto. Essa base suficiente de informações os autores identificam como a “descrição densa”.

Outros autores sugerem a agregação de dados de diferentes estudos, realização de múltiplos estudos em diferentes contextos e posterior comparação de seus resultados. Em relação a generalização a uma concordância entre os autores em relação aos seguintes aspectos: A generalização no sentido de leis que se aplicam universalmente não é um objetivo das abordagens qualitativas de pesquisa e talvez não seja um objetivo útil a qualquer tipo de pesquisa. A ideia de generalização é aceita por todos no sentido de que os dados de um estudo possam ser úteis para compreender os dados de outros estudos.

A descrição densa é considerada vital quando se pretende fazer comparações ou transferência de uma situação para outra. A análise de similaridades e diferenças torna possível julgar em que medida os resultados de um estudo podem ser considerados hipóteses sobre o que pode ocorrer ou não em outras situações.

10) CONCLUSÃO

 

Chegamos ao final desse texto convictos de que o estudo de caso é uma metodologia apropriada para os dias atuais, principalmente, em relação a estudos qualitativos e pesquisa aplicada para programas acadêmicos e profissionais. É um equívoco enxergar o estudo de caso como um método mais fácil, ou pré-experimental. O estudo de caso é uma forma de investigação que se aplica a situações específicas e pode ser usada pela educação, direito, administração, psicologia, medicina, economia, serviço social entre outras áreas do conhecimento.

Sua utilização cresce na medida em que as áreas do conhecimento vão descobrindo seu potencial para revelar situações subjetivas e complexas que envolvem os seres humanos em suas relações sociais. A dificuldade em relação ao estudo de caso revela-se no rigor científico e na ética do pesquisador em realizar as etapas dentro do que preleciona os propositores desse método de pesquisa.

Para realizar um estudo de caso é preciso muito tempo a observação e análise dos dados, não só dos documentos e situações do dia-a-dia, mas de livros de metodologia que possam nos ajudar a realizar a pesquisa.

Desejamos que esse texto sirva para despertar o interesse de pesquisadores para essa metodologia.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

AMADO, João (org.). Manual de Investigação Qualitativa em Educação. Universidade de Coimbra – Portugal, 2014.

ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional: Editora Liber Livros: Brasília, 2008. 68 p. (Série Pesquisa: Vol. 13)

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Liber livros: Brasília, 2007.

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GRAY, David E. e COSTA, Robert C. Pesquisa no Mundo Real. Editora Penso-Armed: Porto Alegre, 2011.

GUBA, EG e LINCOLN, Y. Effective Evaluation. San Francisco: Jossey Bass, 1981.

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MERRIAM, S.B. Case study research in education. San Francisco: Jossey Bass, 1988.

ROCHA, Denise A.B. F. Formação e Monitoramento de Juristas leigos. A Experiência de uma ONG com a Educação Popular na Região Sisaleira da Bahia. De

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