06/06/2016

ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM E O DESEMPENHO ESCOLAR

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo rever criticamente a literatura sobre a relação entre as estratégias de aprendizagem e o desempenho escolar de alunos, tendo como referencial diferentes bibliografias. Com o intuito de contribuir para uma reflexão, tanto sobre a possibilidade de se fortalecer a capacidade de aprender de alunos em risco de repetência e/ou evasão escolar, quanto sobre a necessidade de melhorar os cursos de formação de professores do ensino fundamental.

Palavras-chave: Estratégias de aprendizagem; desempenho escolar; ensino fundamental.

ABSTRACT

The present work has as objective to review critically literature on the relation it enters the strategies of learning and the pertaining to school performance of pupils, having as referential different bibliographies. With intention to contribute for a reflection, as much on the possibility of it fortifying the capacity to at risk learn of pupils of repetition and/or pertaining to school evasion, how much on the necessity to improve the courses of formation of professors of basic education.

keywords: Strategies of learning: pertaining to school performance: basic education

 1 INTRODUÇÃO

            Segundo Costa Ribeiro (1991), o problema mais sério no ensino do país não é a evasão escolar e sim o alto índice de repetência caracterizado, ora por excessivas reprovações brancas (em que os alunos passam da primeira série B para a primeira série A), ora por critérios inapropriados de registro de alunos repetentes de uma unidade de ensino matriculados como alunos novos em outra unidade. Costa Ribeiro (1991) demonstra ainda que o tempo que muitos alunos permanecem na escola seria suficiente para que eles se formassem no ensino fundamental, mas que devido à repetência, eles acabam saindo da escola tendo conseguido completar apenas duas ou três séries escolares.

            Ao repetirem séries escolares, inúmeros alunos brasileiros experimentaram um sentimento de desesperança e acabam também por abandonar a escola. Na realidade, tanto as taxas de repetência como as de evasão têm sido altíssimas nos últimos cinquenta anos (PATTO, 1993). Enquanto alguns estudos revelam que o mero acesso à educação básica seria suficiente para desobstruir o processo psicogenético e possibilitar que alunos atinjam patamares cognitivos mais elevados (FREITAG, 1986), existe evidência que a repetência e a evasão escolar reduzem o nível de escolaridade total que pode ser alcançado em um país (SCHIEFELBEIN & WOLFF, 1992).

            As investigações de Mello (1983) indica que, quando indagados sobre as possíveis causas do fracasso escolar, educadores apontam como fatores principais certas características do aluno, tais como: o QI baixo, a subnutrição, a imaturidade, os problemas emocionais, o abandono dos pais, a falta de condições econômicas, a desorganização familiar, entre outros.

            Entretanto, alguns pesquisadores enfatizam que não existem evidências de que problemas físicos, biológicos e psicológicos sejam os responsáveis pela reprovação nas primeiras séries, derrubando-se assim os mitos das deficiências físicas, da desintegração dos lares, do retardo intelectual e da falta de prontidão (ALMEIDA et al., 1979; GATTI et al., 1981).

Collares (1995) chama a atenção para o quanto a visão medicalizada da sociedade e da escola tem contribuído para transformar um número grande de crianças normais em doentes.

Os estudos de Souza (1997), também demonstram que professores, no início do processo de alfabetização de seus alunos, já tendem a considerar que esses apresentam dificuldades de aprendizagem, fazendo um pré-diagnóstico que não acredita na capacidade das crianças para aprender, além de responsabilizá-las por suas dificuldades na escola.

Na realidade, como apontam Rosenthal e Jacobson (1968) existe um ciclo vicioso entre professor e aluno que precisa ser rompido: o professor tende a entrar na sala de aula, cheio de expectativas e preconceitos, não acreditando que aquele aluno, daquela camada social mais desfavorecida, seja capaz de aprender.

Lamentavelmente, como menciona Collares (1995), se o processo de ensino-aprendizagem não se efetiva, é o aluno que se culpa, é o aluno que não aprendeu, é nele que se acaba buscando as causas do fracasso.

Mas, localizar o fracasso no aluno, como descreve Ryan (1976), estigmatiza alunos sadios, afetando o autoconceito e a autoestima dos mesmos, além de perpetuar a situação. O aluno, por sua vez, com um acúmulo de fracassos escolares, acaba por usar estratégias ego-defensivas para cada vez mais se distanciar do seu próprio processo de aprender.

Cabe enfatizar que, se por um lado, nas explicações tradicionais do fracasso escolar a culpa recai no aluno, sem que se leve em conta o papel da escola e das demais condições de vida do mesmo, por outro, existem evidências sólidas de que os alunos que “fracassam” na escola não são, de modo algum, incapazes de raciocinar e aprender (CARRAHER, CARRAHER & SCHLIEMANN, 1989).

Mais precisamente, estudiosos consideram que o fracasso escolar é um fenômeno complexo, causado tanto por fatores intra como extraescolares (COLLARES, 1995; MELLO, 1983).

Cabe-nos, portanto, como educadores, repensar sobre a nossa situação, rever criticamente a nossa forma de ensinar, refletir sobre nossos preconceitos e sermos capazes de, sem negarmos que uma mudança social se faz necessária, tentarmos introduzir atividades práticas que possam fazer alguma diferença dentro da sala de aula e que possam atenuar e aliviar o sentimento de fracasso de nossos alunos.

Nesse sentido, propõe-se que, sem que em momento nenhum se reduza o fracasso da escola pública brasileira e meras inabilidades técnicas ou a certas características de alunos desfavorecidos, tente-se se resgatar o compromisso e a responsabilidade da escola para com os seus alunos, tornando a instrução mais poderosa para se ensinar aos alunos a aprender e, levando-se em conta as variáveis psicológicas e cognitivas que afetam o processo de ensino-aprendizagem, sobretudo a díade professor-aluno (BORUCHOVITCH, 1993).

2 DESEMPENHO ESCOLAR E APRENDIZAGEM: A PRÁTICA EDUCACIONAL E SUAS CONSIDERAÇÕES

            Recentemente as teorias de aprendizagem têm se preocupado com a interação entre o material a de aprendido e os processos psicológicos necessários para aprender, enfatizando o estudo sobre o modo pelo qual o aprendiz obtém, seleciona, interpreta e transforma a informação (POZO 1996).

            Pesquisas têm sugerido que é possível ajudar os alunos a exercer mais controle e refletir sobre o seu próprio processo de aprendizagem, através do ensino de estratégias de aprendizagem (CLARK, 1990; PRESSLEY & LEVIN, 1983). Consequentemente, o papel que as estratégias de aprendizagem desempenham, tanto para uma aprendizagem efetiva quanto para a auto-regulação, tem sido cada vez mais reconhecido pelos educadores.

            Investigações atuais têm se concentrado na identificação das estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos espontaneamente ou como conseqüência de treinamentos sistemáticos, na busca dos processos cognitivos utilizados por aprendizes bem sucedidos, bem como na análise dos fatores que impedem os alunos de se engajarem no uso de estratégias de aprendizagem (PURDIE & HATTIE, 1996; ZIMMERMAN, 1986).

            De acordo com Holt (1982), para ser um aluno de bom rendimento escolar é preciso, entre outras coisas, que se tenha consciência dos seus próprios processos mentais e do seu próprio grau de compreensão. Um aluno com desempenho escolar satisfatório, além de ser mais eficaz no uso e na seleção de estratégias de aprendizagem, é sempre capaz de dizer que não entendeu algo, pois ele está constantemente monitorado a sua compreensão.

                        Sendo assim, o objetivo desse trabalho é rever criticamente a literatura sobe a relação entre as estratégias de aprendizagem e o desempenho escolar de alunos. Tendo em vista contribuir para uma reflexão, tanto sobre a possibilidade de se fortalecer a capacidade de aprendizagem de alunos em risco de repetência e/ou evasão escolar.

2.1 Conceitos de Estratégias de Aprendizagem

            As estratégias de Aprendizagem são técnicas ou métodos que os alunos usam para adquirir a Informação. Como aponta Schucksmith e Dansereau (apud POZO, 1996), as estratégias de aprendizagem vêm sendo definidas como sequência de procedimentos ou atividades que se escolhem com o propósito de facilitar a aquisição, o armazenamento e/ou a utilização da informação. Em nível mais específico, as estratégias de aprendizagem podem ser consideradas como qualquer procedimento adotado para a realização de uma determinada tarefa (DA SILVA & SÁ, 1997).

            Alguns teóricos distinguem as estratégias cognitivas das metacognitivas. Para Dembo (1994), enquanto as estratégias cognitivas se referem a comportamentos e pensamentos que influenciam o processo de aprendizagem de maneira que a informação possa ser armazenada mais eficientemente, as estratégias metacognitivas são procedimentos que o indivíduo usa para planejar, monitorar e regular o seu próprio pensamento. Dansereau et al. (1979) julgam necessário diferenciar estratégias primárias das estratégias de apoio. Para esses pesquisadores, as estratégias primárias são as destinadas a ajudar o aluno a organizar, elaborar e integrar a informação (DANSEREAU et al., 1979).

            As estratégias de apoio, por sua vez, são responsáveis pela manutenção de um estado interno satisfatório que favoreça a aprendizagem. Apesar das distinções mencionadas, o termo estratégias de aprendizagem vem sendo amplamente utilizado num sentido que inclui todos os tipos de estratégias (cognitivas, matacognitivas, primárias e de apoio).

            Cinco tipos de estratégias de aprendizagem são indicadas e posteriormente organizadas por Good e Brophy (1986): estratégias de ensaio, elaboração, organização, monitoramento e estratégias afetivas. Como descrito em Boruchovitch (1993), as estratégias de ensaio envolvem repetir ativamente tanto pela fala como pela escrita o material a ser aprendido. As estratégias de elaboração implicam na realização de conexões entre o material novo a ser aprendido e o material antigo e familiar (por exemplo, reescrever, resumir, criar analogias, tomar notas que vão além de simples repetição, criar e responder perguntas sobre o material a ser aprendido).

            As estratégias de organização referem-se à imposição de estrutura ao material a ser aprendido, seja subdividindo-o em partes, seja identificando relações subordinadas ou superordinadas (por exemplo, topificar um texto, criar uma hierarquia ou rede de conceitos, elaborar diagramas mostrando relações entre conceitos).

            As estratégias de monitoramento da compreensão implicam que o indivíduo esteja constantemente com a consciência realista do quanto ele está sendo capaz de captar a absorver do conteúdo que está sendo ensinado (por exemplo, tomar alguma providência quando se percebe que não entendeu, auto-questionamento para investigar se houve compreensão, usar os objetivos a serem aprendidos como uma forma de guia de estudo, estabelecer metas e acompanhar o progresso em direção à realização dos mesmos, modificar estratégia utilizadas, se necessário).

            As estratégias afetivas referem-se à eliminação de sentimentos desagradáveis, que não condizem com à aprendizagem (por exemplo, estabelecimento e manutenção da motivação, manutenção da atenção e concentração, controle de ansiedade, planejamento apropriado do tempo e do desempenho).

            Investigando o que os alunos fazem quando aprendem, Zimmerman (1986) também encontraram 14 tipos de estratégias; auto-avaliação, organização e transformação, estabelecimento de metas e planejamento, busca de informação, registro de informação, auto-monitoramento, organização do ambiente, busca de ajuda e revisão.

            Mckeachie, Pintrich, Lin, Smith e Sharma (apud Dembo, 1994) acreditam que as estratégias de aprendizagem anteriormente mencionadas podem ser organizadas em três grandes grupos: 1) estratégias cognitivas (estratégias de ensaio, elaboração e organização), 2) estratégias meta-cognitivas (estratégias de planejamento, monitoramento e regulação) e 3) estratégias de administração de recursos (administração do tempo, organização do ambiente de estudo, administração do esforço e busca de apoio a terceiros).

            Da Silva e de Sá (1997) apontam que a instrução em estratégias de aprendizagem abre novas perspectivas para uma potencialização da aprendizagem permitindo aos estudantes ultrapassar dificuldades pessoais e ambientais de forma a conseguir obter um maior sucesso escolar.

2.2 Estratégias de Aprendizagem e processamento da informação

            Os seres humanos assimilam a transformam as informações que recebem do meio ambiente. O processamento da informação no ser humano é um processo dinâmico e complexo (PFROM NETTO, 1987). Dembo (1994) menciona que os psicólogos cognitivos desenvolveram modelos de processamento da informação não só para identificar como os seres humanos obtêm, transformam, armazenam e aplicam essa informação, mas também para explicar o papel das estratégias de aprendizagem na aquisição, na retenção e na utilização do conhecimento.

            As estratégias de regulação ajudam o aluno a modificar seu comportamento de estudo e permitem que esse melhore seus déficits de compreensão (exemplo: voltar e reler uma parte do texto que o aluno percebe que não entendeu: responder primeiro as questões mais fáceis de uma prova e depois retornar para as difíceis; Dembo, 1994).

            A Memória de Curta Duração tem condições de guardar mais informações quando a informação é organizada em unidades maiores: a organização reduz a carga da memória. As estratégias de ensaio (repetir ou ensaiar a informação) podem ser ensinadas e usadas para organizar e reter a informação por períodos mais longos.

            A Memória de Longa Duração, por sua vez, tem como função armazenar toda a informação que nós possuímos e não estamos usando (GAGNÉ et al., 1993). A informação entra na Memória de Longo Prazo através da Memória de Curto Prazo ou em Funcionamento.

            As informações armazenadas na Memória de Longa Duração são permanentes. Para Gagné et al., (1993), a sensação de não lembrar alguma coisa está mais associada à falta de uma boa pista de recuperação da informação do que à perda da informação propriamente dita.

            Enquanto a informação precisa ser ensaiada para se manter na Memória de Curta Duração, ela precisa ser elaborada para ir para a Memória de Longa Duração, isto é, precisa ser classificada, organizada, conectada e armazenada com a informação que já existe na Memória de Longa Duração. Como aponta Dembo (1994), o propósito das estratégias de aprendizagem é de ajudar o aluno a controlar o processamento da informação de modo que ele possa melhor armazenar e recuperar a informação na Memória de Longa Duração.

2.3 Psicologia Cognitiva e Melhoria de Rendimento Escolar

            A Psicologia Cognitiva baseada na Teoria de Processamento da Informação preocupa-se com a aquisição e organização do conhecimento, enfatizando a promoção de mudanças nos processos internos dos estudantes. Essa perspectiva teórica afirma a existência de um controle executivo, que é um processador central capaz de planejar a atividade intelectual e controlar sua execução. Surge assim uma nova concepção de inteligência, sendo esta considerada como não mais estável e fixa, mais composta de processos passíveis de serem desenvolvidos e modificados pela intervenção educacional (ALMEIDA, 1992).

            Como apontam Mettrau e Mathias (1998), níveis de menor realização deixam então de ser entendidos como deficiências de capacidade ou de conhecimento e passam a ser considerados como decorrentes do uso inapropriado dos mecanismos do processamento da informação.

            Clark (1990) esclarece que é possível se prescrever métodos instrucionais para apoiar cada um desses processos que compõem a inteligência e enfatiza que a instrução precisa ir além de prover única e exclusivamente a informação e fornecer o apoio necessário para o processamento cognitivo, sendo a quantidade de apoio aos processos cognitivos a ser inserida na instrução uma variável chave para a efetividade da mesma.

            Para alunos com facilidade de aprender, inserir muito apoio aos processos cognitivos na instrução resulta na redução da eficiência da capacidade de aprendizagem dos mesmos. Já alunos com muita dificuldade de aprendizagem necessitam que a instrução contenha a máximo de apoio possível aos processos cognitivos.

            A crença de que todo aluno, em princípio, tem o potencial de se tornar um aprendiz bem sucedido e auto-regulado (ZIMMERMAN, 1986), a consciência de que “ensinar a aprender” e “aprender a aprender”, embora sejam investimentos a longo prazo, são possíveis e estão totalmente dentro dos limites educacionais (PRESSLEY & LEVIN, 1983), e a importância concedida ao ensino de estratégias de aprendizagem para a melhoria do desempenho escolar de alunos (PURDIE & HATTIE, 1996) constituem-se nas principais contribuições da Psicologia Cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação para a educação.

            Estratégias de aprendizagem podem ser ensinadas para alunos de baixo rendimento escolar. È possível ensinar a todos os alunos a expandir notas de aulas, a sublinhar pontos importantes de um texto, a monitorar a compreensão na hora da leitura, usar técnicas de memorização, fazer resumos, entre outras estratégias.

            Resultados de pesquisas revelam que o treinamento em estratégias de aprendizagem tem sido bem sucedido de modo geral, pois é capaz de produzir tanto um melhora imediata no uso das estratégias envolvidas, quanto no rendimento escolar geral dos alunos (PRESSLEY & LEVIN, 1983; WWEINSTEIN & MAYER, 1985).

            Ressaltam os teóricos nessa área que conhecer as estratégias não é suficiente para melhorar o rendimento escolar dos estudantes. Faz-se necessário que os alunos compreendam como e quando usá-las. Além disso, se por um lado, o ensino de estratégias de aprendizagem é capaz de melhorar significativamente o rendimento escolar dos alunos, por outro lado, não há duvidas de que o mero treinamento em estratégias é infrutífero para se desenvolver a capacidade do aluno para aprender a aprender, se ao ensino de estratégias não forem acopladas de estratégias de apoio afetivo destinadas a modificar variáveis psicológicas, tais como: Ansiedade, auto eficácia, autoconceito, atribuição de causalidade, muitas vezes incompatíveis ao uso apropriado das estratégias (HATTIE & PURDIE 1996).

3 DESMISTIFICANDO O FRACASSO ESCOLAR

            O fracasso escolar é, sem dúvida, um dos mais graves problemas com o qual a realidade educacional brasileira vem convivendo há muitos anos. Sabe-se que tal ocorrência se evidencia praticamente em todos os níveis de ensino do País.

            Todavia, incide com maior freqüência nos primeiros anos da escolarização.

Estatísticas atestam que há árias décadas a taxa de perda da primeira para a segunda série do primeiro grau manteve-se alta e inalterada.

            Dentre os inúmeros fatores correlacionados com o fracasso escolar, aparecem tanto os extraescolares como os intra-escolares. Os extraescolares dizem respeito às más condições de vida e subsistência de grande parte da população escolar brasileira. Assim, as péssimas condições econômicas, responsáveis dentre outros fatores pela fome e desnutrição; a falta de moradias adequadas e de saneamento básico, enfim, todo o conjunto de privações como qual convivem as classes sociais menos privilegiadas surge como o elemento explicativo fundamental.

            Dentre os fatores intra-escolares são salientados o currículo, os programas, o trabalho desenvolvido pelos professores e especialistas, e as avaliações do desempenho dos alunos que são hoje, segundo Guiomar Namo de Mello (1983), os mecanismos de seletividade intensos. São tão importantes que colaboram para o fracasso escolar das crianças menos desfavorecida, social e econômica, apesar de que o fracasso se deva sem dúvida em grande parte pela pobreza material da qual essas crianças são vítimas. Por esse motivo a desigualdade social se reproduz de duas formas: a exclusão dos mais pobres da escola e a legitimação dessa exclusão na proporção em que o despontar exclusivamente técnico da maneira de atuar da escola mascara sua definição política.

            Atual trabalho de pesquisa, A Produção do Fracasso Escolar. Histórias de Submissão e Rebeldia, produzido por Patto (1993), dentre muitas e relevantes questões levantadas e analisadas, demonstra com clareza que a demanda social de produção do fracasso escolar se desenvolve no dia-a-dia da escola.

            “É nas tramas do fazer e do viver o pedagógico quotidianamente nas escolas, que se pode perceber as reais razões do fracasso escolar das crianças advindas de meios socioculturais mais pobres” (COLLARES, 1983, p. 1).

            Entretanto, mesmo após constatações tão sérias e evidentes, que chegam a nós desde o final da década de 70, e que constituem os avanços teóricos fundamentais a respeito do assunto, quando são questionados professores, diretores especialistas que diretamente atuam nas Redes de Ensino, ouve-se outra interpretação para o fracasso dessas crianças, ou seja, o mesmo é sempre imputado a causas extra-escolares.

            Mesmo com os aprofundamentos teóricos mais recentes que aqui foi levantado, com breves pinceladas, se quer salientar tanto na pesquisa apontada que o objetivo primordial é o de desmistificar a questão da medicalização do fracasso escolar, considerada como uma das maiores desculpas utilizadas para escamotear tal problema.

            Dentro do enfoque “medicalização”, privilegia-se aqui a desnutrição por entender ser ela a mais disseminada para rotular de “deficientes mentais” as crianças oriundas dos segmentos mais pobres da população, que não apresentam desempenho escolar desejável.

            A medicalização é uma questão que consiste na busca de causas e soluções médicas a nível organicista e individual, para problemas de origem eminentemente social (COLLARES & MOYSÉS, 1985).

            No desenrolar de nossa pesquisa de campo, o que temos ouvido e observado nas escolas visitadas reforça a afirmação anterior de que se imputa o fracasso dessas crianças, oriundas das classes trabalhadoras, à desnutrição, às verminoses, enfim, a uma condição adversa de saúde.

            Ignora-se o fato de que estas estudam em escolas de periferia, onde se concentram todos os vícios e distorções do sistema social e, especificamente, do educacional, e tenta-se encontrar nestas crianças uma causa orgânica, inerente a elas, que justifique seu mau rendimento.

            Geralmente, estas crianças são encaminhadas a um serviço médico ou a um serviço de saúde mental, onde são atendidas por médicos ou psicólogos imbuídos dos mesmos preconceitos da professora – são profissionais que, embora na maioria dos casos sem formação adequada, não hesitam em atribuir às crianças, sem avaliação aprofundada, um retardo mental, que justificam ser conseqüência do estado de desnutrição. Para as crianças pobres, assim, fracasso escolar é sinônimo de deficiência intelectual.

            Quais são as crianças desnutridas que estão hoje freqüentando nossas escolas?

            São aquelas portadoras de desnutrição leve, a chamada pelos especialistas de desnutrição de primeiro grau. Não estamos aqui afirmando que este tipo de desnutrição não tem importância, ela a tem tanto que constantemente é apontada como forte indicador da situação de penúria e miséria em que vive grande segmento de nossa população. È a fome a principal causa da incidência de desnutrição em crianças, e esta fome é conseqüência direta da má distribuição de renda existente em nossa sociedade, resultado direto do modelo econômico imposto ao País nos últimos anos.

            Entretanto, o que estamos querendo enfatizar é que este grau de desnutrição não afeta o desenvolvimento do sistema nervoso central, não o lesa irreversivelmente e, portanto, não lhe torna a criança deficiente mental, incapaz de aprender o que a escola tem a lhe ensinar.

            A criança portadora de desnutrição leve apenas sacrifica a seu crescimento físico para manter o seu metabolismo. Exames clínicos e laboratoriais indicam que a criança é normal, com exceção de um déficit de peso e estatura em relação à sua idade.

            Não existe controvérsia na literatura médica a respeito de que somente a desnutrição grave (terceiro grau), no período em que a o cérebro está se desenvolvendo (no homem, do terceiro mês de gestação até os primeiros seis meses de vida) e durante longo tempo, neste período, é que lesa a estrutura do sistema nervoso central.

            Vê-se então que o fracasso escolar é uma dura realidade com a qual convivemos há muitas décadas, porém, é um mito, muito bem engendrado, o fato de não conseguirmos dar conta dele.

            È necessário que desmistifiquemos as “famosas” causas externas desse fracasso escolar, pela articulação destas àquelas existentes no próprio âmbito escolar, e que tenhamos clareza dos fatores que as determinam e as articulam.

            Essa trajetória nos conduziria, por vezes, a relativizar e até mesmo a inverter muitas das formas de se compreender este fracasso, dentre as quais poderíamos exemplificar a atual caracterização do fracasso escolar como “problemas de aprendizagem” e que deveria, nesta perspectiva, se configurar também e talvez, principalmente, como “problemas de ensinagem”, que não se produzem exclusivamente dentro da sala de aula. Devemos continuar falando em fracasso escolar como até hoje se tem feito ou assumi-lo como problema social e politicamente produzido?

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Segundo afirma Almeida (1992), a generalidade do ensino escolar ainda se situa muito na transmissão da informação. Pouca atenção é prestada ao ensino das competências de resolução de problemas. Embora professores reconheçam a importância de se desenvolver a compreensão e o raciocínio dos alunos, na realidade esses aspectos não parecem fazer parte do conjunto de objetivos principais a serem atingidos pela educação, já que na prática a escola não tem valorizado o pensar e o transformar (METTRAU & MATHIAS, 1998).

            Quase nada tem sido feito no sentido de desenvolver no aluno a capacidade de aprender a aprender. È fundamental, pois, que se abram espaços para o “aprender a aprender” e o “aprender a pensar”. È sem dúvida a possibilidade de discriminação inteligente da informação que funciona como defesa contra o sensacionalismo e a superficialidade e tipos de comunicação interpessoais não confiáveis permitindo o desenvolvimento de uma consciência crítica.

            Os professores precisam conscientizar-se de que suas metas educacionais não se resumem na transmissão de conhecimentos e que devem portanto atual no sentido de promover o desenvolvimento dos processos psicológicos pelos quais o conhecimento é adquirido, ensinando aos alunos a aprender a aprender (POZO, 1996).

            Entretanto, Mettrau e Mathias (1998) mencionam que os professores possuem pouco conhecimento não só a respeito de como se expressa a inteligência humana, mas também sobre o papel das estratégias de aprendizagem, de auto-reflexão e dos processos metacognitivos na aprendizagem. È essencial que professores se beneficiem das contribuições da psicologia cognitiva baseada na Teoria do Processamento da Informação e que aprendam a ensinar para o “aprender a aprender”.

            De fato, professores podem ensinar alunos quando e como usar estratégias de aprendizagem específicas por meio da demonstração e da modelagem de diversas técnicas. Além disso, professores podem aprender a auto-administrar e a orientar o uso dos processos metacognitivos provendo estudantes de atividades em que a necessidade de monitoramento externo possa gradativamente ser substituída pelo desenvolvimento da capacidade de auto-monitoramento e auto-reflexão nos alunos. Dada a escassez de investigações relativas ao impacto das estratégias de aprendizagem no desempenho escolar de alunos brasileiros e tendo-se em vista os resultados positivos de alguns estudos já realizados, pesquisas mais sistemáticas nessa área com amostras brasileiras de alunos e professores precisam ser conduzidas.

            Esforços, por parte de educadores, devem também ser direcionados no sentido de uma reflexão crítica sobre a maneira preconceituosa e estereotipada, a que alunos brasileiros com rendimento escolar insatisfatório vêm sendo alvos, para que se possa transformar o discurso do aluno “culpado pelo seu próprio fracasso escolar” numa atitude de confiança e credibilidade na capacidade do mesmo para “aprender a aprender” e se tornar um aprendiz e auto-regulado.

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