Ensino e Aprendizagem dos Saberes Regionais da Cultura Mato-grossense

Vanilda de Deus Silva
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Juliana Cristina Rogerio dos Santos
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Maria Cristina Fagundes Correa Rosa
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Maria Leonice Monteiro
Licenciatura em Pedagogia. Licenciatura em Matematica. Especialista em Alfabetização e Letramento. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Cristilene Franco da Cruz
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
A escola é, por excelência, um espaço de produção e circulação de conhecimentos. No entanto, para além do conhecimento universal, é fundamental que a instituição escolar reconheça e valorize os saberes regionais, como expressão da identidade cultural dos povos. No estado de Mato Grosso, essa valorização assume papel estratégico, visto que a região apresenta uma diversidade cultural única, marcada pela presença de populações indígenas, afrodescendentes, ribeirinhas e migrantes de diferentes partes do Brasil. O ensino e aprendizagem dos saberes regionais da cultura mato-grossense constitui, portanto, um instrumento de preservação da memória coletiva e de fortalecimento da cidadania (Cavalcanti, 2013).
Ao considerar os desafios da globalização e a necessidade de manter viva a pluralidade cultural, discutir a inserção dos saberes regionais no currículo escolar significa, antes de tudo, promover o direito à identidade cultural e formar sujeitos críticos e conscientes de sua realidade.
Mato Grosso é um estado de dimensões continentais e de grande diversidade étnica e cultural. Segundo Arruda (2000), sua formação histórica está ligada à presença de diferentes povos indígenas – como os Xavante, Bororo, Terena e Karajá –, à influência da colonização portuguesa, ao ciclo do ouro no século XVIII e, posteriormente, aos fluxos migratórios oriundos do Sul e Sudeste. Essa diversidade produziu um mosaico cultural, visível nas festas populares, na culinária, no artesanato, nas danças e na religiosidade.
Entre as manifestações culturais mais significativas, destacam-se a dança do Siriri e do Cururu, os festejos de São Benedito, a culinária marcada pelo uso do peixe e da farinha de mandioca, além do artesanato indígena e quilombola. Esses elementos não são apenas manifestações folclóricas, mas sim expressões de resistência e identidade, que precisam ser reconhecidas pela escola como saberes legítimos (Silva, 2014).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996) estabelece a obrigatoriedade de valorização das manifestações culturais regionais no currículo escolar. Do mesmo modo, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017) reconhece a importância de integrar conhecimentos locais, considerando a diversidade cultural brasileira como eixo estruturante da educação.
De acordo com Candau (2008), a educação intercultural pressupõe a articulação entre saberes universais e saberes locais, possibilitando que o aluno se reconheça como sujeito histórico e cultural. Assim, ao ensinar e aprender os saberes regionais mato-grossenses, a escola contribui para a preservação da memória coletiva e para o desenvolvimento do sentimento de pertencimento.
Além disso, trabalhar com os saberes regionais favorece a aprendizagem significativa (Ausubel, 2003), pois aproxima os conteúdos escolares da realidade dos estudantes, possibilitando que o conhecimento se torne mais concreto e conectado ao cotidiano.
Estratégias pedagógicas para a valorização da cultura mato-grossense
A inserção dos saberes regionais no processo de ensino-aprendizagem exige práticas pedagógicas criativas e contextualizadas. Entre as possibilidades, destacam-se:
1. Projetos interdisciplinares
A cultura mato-grossense pode ser explorada por meio de projetos que envolvam diferentes disciplinas, como História, Geografia, Artes e Língua Portuguesa. Um exemplo é o estudo das festas de São Benedito, que pode integrar pesquisa histórica, análise de músicas e danças, além de produções textuais dos alunos.
2. Oficinas culturais
A realização de oficinas de artesanato, culinária ou música regional possibilita o contato direto dos alunos com os saberes locais. Essas práticas aproximam a escola da comunidade, valorizando mestres populares e detentores de saberes tradicionais.
3. Uso da literatura e da música regional
Autores mato-grossenses como Silvano Santiago, Lélia Almeida e Manoel de Barros (embora este seja sul-mato-grossense, sua obra dialoga com o Pantanal) oferecem material rico para trabalhar a identidade cultural. Da mesma forma, músicas regionais de grupos de Siriri e Cururu podem ser utilizadas em sala de aula como recursos pedagógicos.
4. Parcerias com comunidades tradicionais
A escola pode estabelecer parcerias com comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, promovendo vivências que ampliem o repertório cultural dos alunos. Essa aproximação contribui para quebrar estereótipos e combater o preconceito.
Apesar da relevância do tema, a prática ainda encontra obstáculos significativos. Entre os principais desafios, destacam-se:
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Formação docente: muitos professores não possuem formação específica sobre a cultura regional, o que limita a exploração didática desses conteúdos (Cavalcanti, 2013).
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Currículo engessado: a ênfase nos conteúdos universais e na preparação para avaliações externas acaba reduzindo o espaço para o estudo da cultura local.
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Desvalorização social: em alguns contextos, os saberes regionais são considerados inferiores ou meramente folclóricos, o que dificulta sua legitimação no ambiente escolar (Silva, 2014).
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Falta de materiais didáticos: ainda são escassos os livros e recursos pedagógicos que tratam de forma sistemática a cultura mato-grossense
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Superar os desafios exige um conjunto de ações articuladas. Em primeiro lugar, é necessário investir na formação inicial e continuada de professores, garantindo que conheçam e valorizem a cultura local. Em segundo lugar, o currículo escolar deve ser mais flexível, incorporando conteúdos regionais de forma transversal.
Outro caminho é a produção de materiais didáticos contextualizados, elaborados em parceria com pesquisadores locais e mestres da cultura. Além disso, é fundamental que a escola atue como espaço de diálogo intercultural, reconhecendo e respeitando as diferenças, em consonância com as orientações da BNCC (Brasil, 2017).
A valorização da cultura mato-grossense no ambiente escolar não deve ser vista apenas como preservação do passado, mas como estratégia de fortalecimento da identidade coletiva e de construção de cidadania ativa em um mundo globalizado.
Considerações finais
O ensino e a aprendizagem dos saberes regionais da cultura mato-grossense representam um compromisso da escola com a valorização da diversidade cultural e com a formação integral dos estudantes. Trata-se de um processo que aproxima os conteúdos escolares da realidade vivida, fortalece laços de pertencimento e combate visões preconceituosas.
Ao inserir a cultura mato-grossense no currículo, a escola contribui não apenas para a preservação da memória histórica, mas também para a formação de sujeitos críticos, capazes de compreender e transformar a realidade. Assim, a educação se torna um espaço de resistência e de promoção da cidadania multicultural.
Referências
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ARRUDA, R. Os povos indígenas no Brasil contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2000.
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AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 2003.
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BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996). Brasília: MEC, 1996.
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BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
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CANDAU, V. M. Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2008.
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CAVALCANTI, M. L. V. C. Cultura, escola e ensino de história local. Cuiabá: EdUFMT, 2013.
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SILVA, J. P. Cultura popular e identidade regional em Mato Grosso. Cuiabá: Entrelinhas, 2014.