Ensino científico no ensino fundamental: a curiosidade e o conhecimento

Vanilda de Deus Silva
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Juliana Cristina Rogerio dos Santos
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Maria Cristina Fagundes Correa Rosa
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Maria Leonice Monteiro
Licenciatura em Pedagogia. Licenciatura em Matematica. Especialista em Alfabetização e Letramento. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
Cristilene Franco da Cruz
Licenciatura em Pedagogia. Especialista em Psicopedagogia Clinica e Institucional. Primavera do Leste, MT.
O ensino científico no ensino fundamental representa uma das bases para a formação crítica e cidadã dos estudantes, promovendo a compreensão do mundo natural e social por meio da observação, da experimentação e da problematização da realidade. Nesse processo, a curiosidade assume papel central, funcionando como motor do desenvolvimento cognitivo e da construção de conhecimento. Assim, compreender a relação entre curiosidade e ensino de Ciências torna-se fundamental para consolidar práticas pedagógicas que favoreçam a autonomia intelectual e o pensamento crítico dos alunos.
Segundo Chassot (2014), o ensino de Ciências não deve restringir-se à transmissão de conteúdos prontos, mas possibilitar que os estudantes compreendam a ciência como uma atividade humana, histórica e cultural. Nessa perspectiva, o espaço escolar deve incentivar a curiosidade infantil, transformando perguntas em investigações e hipóteses em descobertas.
A curiosidade é um traço característico da infância. Desde cedo, as crianças buscam compreender o funcionamento dos fenômenos à sua volta, levantando questões como “por que chove?”, “como as plantas crescem?” ou “por que o céu muda de cor?”. De acordo com Piaget (1978), o desenvolvimento cognitivo das crianças ocorre por meio da ação sobre o ambiente, onde a curiosidade funciona como impulso natural para explorar, experimentar e construir novas estruturas de pensamento.
No contexto escolar, a curiosidade deve ser valorizada como ponto de partida para o ensino de Ciências. Vygotsky (2007) ressalta que a aprendizagem se dá em interação com o meio social e cultural, mediada pelo professor. Dessa forma, cabe ao docente acolher as indagações dos estudantes, estimulando a investigação científica e orientando a construção coletiva do conhecimento.
Além disso, Dewey (1959) já defendia que a curiosidade é a base para a experiência educativa, destacando que a escola deve manter vivo esse interesse natural da criança pelo mundo. Quando a curiosidade é reprimida ou negligenciada, corre-se o risco de transformar o ensino em mera memorização de conteúdos, esvaziando sua função formadora.
O ensino de Ciências no ensino fundamental, conforme orientações da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), deve possibilitar que os alunos desenvolvam competências relacionadas à investigação, ao pensamento crítico e à capacidade de tomar decisões fundamentadas. A BNCC destaca que a curiosidade e o interesse pelos fenômenos naturais são essenciais para que o estudante se engaje em processos de investigação, desenvolvendo habilidades de formular perguntas, propor hipóteses e buscar explicações fundamentadas em evidências.
Assim, o ensino de Ciências não se limita à transmissão de informações, mas envolve o estímulo à prática investigativa, com atividades de observação, experimentação e registro. Segundo Krasilchik (2004), a ciência deve ser ensinada como processo, e não apenas como produto acabado, de modo que os alunos compreendam não apenas os resultados, mas também os caminhos que levam às descobertas científicas.
A inserção de atividades práticas, como experimentos, jogos didáticos, projetos interdisciplinares e uso de recursos tecnológicos, contribui para a motivação dos estudantes, transformando a curiosidade em atitude investigativa.
O professor exerce papel essencial no processo de transformar a curiosidade infantil em conhecimento científico. Sua função vai além de transmitir conteúdos, abrangendo a mediação de aprendizagens significativas. Para Ausubel (2003), a aprendizagem será efetiva quando o novo conteúdo for relacionado com os conhecimentos prévios do aluno. Nesse sentido, as perguntas feitas pelas crianças tornam-se recursos valiosos para planejar estratégias de ensino que dialoguem com seus saberes iniciais.
Além disso, Paulo Freire (1996) enfatiza que o ato de ensinar exige escuta e diálogo, considerando a curiosidade como parte da “inquietação epistemológica” do sujeito em busca de compreender sua realidade. Um ensino científico inspirado nessa perspectiva deve encorajar o aluno a perguntar, refletir, criticar e propor soluções, fortalecendo a autonomia intelectual.
Portanto, o professor deve organizar situações de aprendizagem que possibilitem a exploração de fenômenos, a construção de hipóteses, o debate de ideias e a validação de explicações. Essa postura não apenas promove a aprendizagem científica, mas também desenvolve competências sociais, como o respeito à diversidade de opiniões e o trabalho em grupo.
Apesar dos avanços, o ensino de Ciências no ensino fundamental ainda enfrenta desafios significativos. Entre eles, destacam-se:
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Formação docente: muitos professores ainda se sentem inseguros diante de conteúdos científicos ou diante da necessidade de promover práticas investigativas (Carvalho, 2013).
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Estrutura escolar: a ausência de laboratórios, materiais adequados e tempo pedagógico dificultam a implementação de metodologias experimentais.
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Cultura escolar: a predominância de práticas tradicionais, centradas na memorização, limita a valorização da curiosidade e da investigação como fundamentos do ensino.
No entanto, há perspectivas promissoras. O avanço de metodologias ativas, como a aprendizagem baseada em projetos (ABP) e a investigação orientada, demonstra que é possível criar ambientes mais estimulantes e participativos. Além disso, o uso de tecnologias digitais oferece recursos interativos que podem potencializar a curiosidade e a experimentação, aproximando os estudantes do modo como a ciência é produzida na contemporaneidade.
O ensino científico no ensino fundamental deve ser compreendido como processo formativo que alia curiosidade e conhecimento, possibilitando que os estudantes desenvolvam competências investigativas, críticas e criativas. A curiosidade, motor natural da aprendizagem, precisa ser cultivada e direcionada pelo professor, transformando perguntas em oportunidades de construção do saber.
Dessa forma, ao invés de reduzir-se a um conjunto de conteúdos prontos, o ensino de Ciências deve ser vivenciado como prática social e cultural, que prepara os sujeitos para compreender, intervir e transformar a realidade. Investir em práticas pedagógicas que valorizem a curiosidade é, portanto, investir na formação de cidadãos mais críticos, autônomos e preparados para os desafios do mundo contemporâneo.
Referências
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AUSUBEL, D. P. Aquisição e retenção de conhecimentos: uma perspectiva cognitiva. Lisboa: Plátano, 2003.
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BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.
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CARVALHO, A. M. P. (Org.). Ensino de Ciências: unindo a pesquisa e a prática. São Paulo: Cengage Learning, 2013.
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CHASSOT, A. Alfabetização científica: questões e desafios para a educação. 6. ed. Porto Alegre: Penso, 2014.
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DEWEY, J. Experiência e educação. São Paulo: Nacional, 1959.
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FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
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KRASILCHIK, M. Prática de ensino de biologia. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2004.
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PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
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VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.