05/11/2025

Educação Soterrada: Os Efeitos Duradouros da Tragédia de Mariana nos Processos Educacionais

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio, Gestor Escolar e Especialista em Gestão Pública.

Currículo Lattes: CV: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

 

A tragédia do rompimento da barragem de Fundão em Mariana - MG, em 2015, constitui um marco devastador que transcendeu a esfera ambiental para se instalar profundamente no tecido educacional da região. Passada uma década, observa-se que os impactos na educação se revelaram tão persistentes quanto os danos ecológicos, configurando um cenário de crise multifacetada que atinge desde a educação básica até o ensino superior.

Na educação básica, os efeitos manifestaram-se de forma imediata e catastrófica. Para além da destruição física das escolas, ocorreu uma ruptura do ecossistema educacional como um todo. Crianças e adolescentes não apenas perderam seus espaços de aprendizagem formal, mas todo um contexto comunitário que dava sentido ao processo educativo. O estudo pioneiro de Elodia Honse demonstra como o deslocamento compulsório para novas escolas em Mariana - MG, representou muito mais que uma simples mudança de endereço. Significou a perda de vínculos com professores que compreendiam suas histórias individuais, o abandono de metodologias adaptadas às realidades locais e o rompimento de uma cultura escolar construída coletivamente ao longo de gerações.

O ambiente escolar transformou-se em palco de estigmatização sistemática, onde apelidos como "Pé de Lama" e "Sem Casa" criaram barreiras emocionais intransponíveis para a aprendizagem. Crianças e adolescentes passaram a temer a própria expressão, receosos de serem identificados como "atingidos". Esta dinâmica perversa associou-se a quadros psicológicos graves, tais como: insônia, ansiedade generalizada e medo constante, comprometeram funções cognitivas essenciais como memória, atenção e concentração. O cortisol elevado pelo estresse pós-traumático tornou-se um obstáculo fisiológico ao processo de aprendizagem, criando uma barreira invisível, porém intransponível, para o desenvolvimento educacional.

No ensino médio e superior, os impactos mostraram-se igualmente devastadores, no entanto, de natureza distinta. Jovens, experimentaram o que se pode denominar de "interrupção brutal de projetos de vida". A tragédia impôs um amadurecimento forçado, onde preocupações com reparação e sobrevivência familiar substituíram os sonhos profissionais e acadêmicos. A sobrecarga de responsabilidades, combinada com quadros de depressão e ansiedade, criou obstáculos adicionais para o ingresso e permanência no ensino superior, adiando indefinidamente aspirações profissionais que demandam continuidade formativa.

Paradoxalmente, a tragédia gerou um novo campo de produção de conhecimento. Pesquisas acadêmicas engajadas, como a desenvolvida com a população local por Elodia Honse, valendo citar novamente, representam significativa inovação metodológica ao dar voz aos jovens atingidos e construir conhecimento a partir de suas experiências vividas. Esta produção constitui um importante contra-discurso ao conhecimento técnico que dominou as avaliações oficiais do desastre. Simultaneamente, as próprias assembleias e reuniões da Comissão de Atingidos transformaram-se em espaços informais de educação política e jurídica, onde jovens adquiriram saberes especializados que dificilmente fariam parte de sua formação regular.

A experiência de Mariana - MG, evidencia a premente necessidade de desenvolvimento de abordagens pedagógicas específicas para contextos pós-traumáticos. Tornou-se flagrante a carência de capacitação de educadores para identificar e trabalhar com sintomas de estresse pós-traumático em estudantes. A ausência de adaptações curriculares sensíveis ao contexto traumático mostrou-se uma falha crucial no processo de reinserção educacional, assim como a desconexão entre sistemas educacionais e de saúde mental agravou significativamente os impactos do trauma na aprendizagem.

As políticas de reparação demonstraram profunda insuficiência na dimensão educacional. O foco excessivo na reconstrução de infraestrutura física mostrou-se necessário, porém insuficiente para abordar os danos psicossociais que afetam o aprendizado. A falta de um programa educacional integral para lidar com o trauma coletivo, as interrupções nas trajetórias escolares e os problemas de reintegração social representa grave omissão nas estratégias de reparação. Nota-se ainda que os prejuízos na esfera educacional permanecem pouco visíveis nas negociações, ofuscados por questões materiais e ambientais mais imediatas.

Decorrida uma década, torna-se evidente que a reconstrução do tecido educacional em Mariana - MG, exigirá muito mais que aportes financeiros. Requer, fundamentalmente, o reconhecimento da especificidade dos danos educacionais como dimensão autônoma do desastre. Impõe-se o desenvolvimento de metodologias pedagógicas adequadas a contextos pós-traumáticos e a formação de educadores para atuar em ambientes marcados por trauma coletivo. É premente a criação de programas de apoio psicopedagógico de longa duração e a garantia de continuidade dos projetos educacionais interrompidos.

A experiência de Mariana - MG, serve como alerta contundente sobre a necessidade de incorporar a dimensão educacional nos planos de resposta a desastres de grande magnitude. Demonstra, de forma crua, que enquanto a lama pode ser removida e novas construções erguidas, a reconstrução dos processos educativos e dos projetos de vida interrompidos exigem compromissos muito mais profundos e duradouros com a reparação integral. A educação soterrada pela tragédia de Mariana - MG permanece como clamor silencioso por resposta à altura de sua complexidade e urgência histórica.

 

Texto base:

https://bhaz.com.br/noticias/tragedia-mariana-jovens-peso-rompimento-barragem/

Isabella Guasti: Email: isabella.guasti@bhaz.com.br - Jornalista

 

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