26/05/2017

Educação Física Escolar: carecemos ir muito além do esporte institucionalizado

Só 23% das escolas municipais de MG têm estruturas esportivas

Ao ler a matéria publicada na data de hoje, 25/05/2017, sobre a carência de espaços escolares para o desenvolvimento das atividades do componente curricular Educação Física, encontramos motivos para encaminhar posicionamentos sobre a especificidade da matéria: objetivos, signos e significados do componente curricular na educação básica nacional. A despeito de concordarmos com a ausência de recursos didáticos para o pleno desenvolvimento das propostas em cada instituição de ensino, não podemos concordar, integralmente, com os termos da matéria, em função dos pressupostos que estão presentes no texto que tivemos o prazer de ler.

Observamos, inicialmente, que não temos como preocupação a “educação do físico” de nossos alunos e alunas, aliás, não compreendemos como possível educar físicos mas sim, e prioritariamente, contribuir para a aquisição de conhecimentos relevantes sobre a corporeidade considerando aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos, políticos e, por que não, afetivos.

Parece-nos claro e indiscutível que faltam recursos didáticos para o desenvolvimento das aulas, no entanto, não é esta a carência prioritária ou determinante da limitação da mediação docente em todas as escolas, em todos os níveis de ensino.

A Educação Física Escolar, em diferentes âmbitos de socialização de saberes sobre a mediação docente discute, há anos, sobre os objetivos, significados, conteúdos e, especialmente, estratégias de mediação do conhecimento sobre a cultura corporal de movimento. Assim é que, pouco importará a construção de espaços para a apropriação de saberes sobre a cultura corporal de movimento se persistirem as mesmas e equivocadas práticas pedagógicas que, resumidamente: não considerem as diferenças individuais e não oferecem oportunidades adequadas à cada cidadão; perpetuem a exclusão dos menos hábeis; incluam os esportes, atividades físicas, esportivas, lutas, dança, circo e as múltiplas possibilidades da cultura corporal de movimento sem a devida adaptação à realidade do cotidiano escolar; a preocupação com a formação de equipes representativas da instituição durante as aulas (que deve ser para todos e todas) promovendo o afastamento dos mais necessitados; a preocupação centrada em aspectos meramente biológicos (capacidades físicas e motoras); a separação de alunos das alunas; o rendimento máximo em lugar do ótimo; as metodologias de perpetuação do imobilismo maciço nas aulas; ter como objetivo a formação esportiva de elite (preparar o esportista para o modelo representativo em substituição ao mediar conhecimento para a vida ativa ou lazer); a busca equivocada pelo talento esportivo na escola quando se reproduz o modelo do esporte institucionalizado como metodologia de ensino (mediação do conhecimento), e uma série de outras questões pertinentes.

Há que se considerar, ainda, que o docente que se encontra atuando na educação básica nacional pouco ou nada recebe quanto à necessidade de formação continuada.

Claro está nos termos da matéria que a preocupação final não é a adequação das metodologias, recursos didáticos para as pessoas na escola. A matéria confunde o vínculo do componente curricular com Secretarias Municipais de Esportes, deixando de considerar que o componente curricular está vinculado à Secretaria de Educação, pertence ao campo das Linguagens no seio da escola e, por fim, não tem como objetivo formar atletas para o esporte competitivo.

A matéria é coerente em apontar que o número de jovens que não aderem às práticas da cultura corporal de movimento, aqueles adolescentes que, também, não se encontram frequentes no Ensino Médio. Não se trata, apenas, de considerar este afastamento motivado pela Educação Física Escolar e a ausência de equipamentos e materiais. Claramente está que o país carece de políticas públicas para o esporte, lazer e cultura.

Desejamos chamar a atenção dos leitores para aspectos que, sistematicamente, deixam de ser considerados na análise:

- O componente curricular foi extinto na Educação de jovens e adultos;

- Suprimido no ensino noturno, com o argumento contraditório da sobrecarga;

- Componente colocado no contraturno escolar como forma de reduzir os “efeitos negativos” a ele atribuídos pelos dirigentes escolares;

- Consideram que uma bola é o suficiente para todos os alunos, e a mesma bola para todos, por todo o período da educação básica, insistindo na oferta bimestral de basquetebol, voleibol, handebol, futsal e queimada ao longo dos 12 anos de formação (quarteto hegemônico largamente combatido), desconsiderando a existência de inúmeras manifestações da cultura corporal de movimento que não são ofertadas;

- distanciamento dos alunos de temas transversais e multidisciplinares indispensáveis à formação crítica do cidadão sobre a cultura corporal de movimento.

Há muito por fazer, transformar e superar sobre a Educação Física Escolar, o cotidiano escolar e as pessoas carecem de olhares adequados e comprometidos com "pessoas e formação". O esporte que se propõe é o "Esporte para crianças e não as crianças para o Esporte", ou não?

 

Professor Doutor Daniel Carreira Filho

Editor da Revista Brasileira de Educação Física Escolar

Organizador da Coleção "Educação Física: formação para o cotidiano escolar"

Responsável pelo Blog Educação Física da Escola do site gazetaesportiva.com

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