Educação Especial e a Zooterapia: Parceria Estratégica entre Educação e Medicina Veterinária
Pedro Henrique Simões Ramalho;
Marriete Vasconcelos Costa Lima;
Ronaldo Camilo Ramalho;
Elza Maria Simões;
Marcia dos Santos;
Ivan Carlos Zampin;
Resumo
Este artigo analisa a integração interdisciplinar entre Educação Especial e Medicina Veterinária através da Zooterapia, examinando suas bases científicas, aplicações práticas e eficácia no desenvolvimento de pessoas com necessidades educacionais especiais. A Zooterapia, enquanto prática mediada por animais, demonstra potencial significativo para promover avanços nas dimensões cognitiva, emocional, social e motora de estudantes com deficiências. A investigação revela que o sucesso desta intervenção depende criticamente da colaboração sistemática entre educadores e profissionais veterinários, garantindo simultaneamente o bem-estar animal e humano. Por meio de revisão bibliográfica abrangente, identificam-se evidências consistentes sobre os benefícios desta abordagem, destacando a necessidade de protocolos padronizados e formação especializada para os profissionais envolvidos.
Palavras-chave: Educação Especial, Zooterapia, Medicina Veterinária, Terapia Assistida por Animais, Inclusão Educacional, Desenvolvimento Integral
1. Introdução
A educação especial contemporânea tem experimentado transformações paradigmáticas significativas, evoluindo de modelos medicalizantes e segregacionistas para abordagens inclusivas que reconhecem a diversidade humana como elemento constitutivo do processo educativo. Neste contexto, as práticas interdisciplinares emergem como respostas eficazes às complexas necessidades educacionais, particularmente aquelas que integram saberes tradicionalmente distantes. A zooterapia, também denominada Terapia Assistida por Animais (TAA), configura-se como campo privilegiado para esta integração, estabelecendo pontes entre a educação especial e a medicina veterinária.
A confluência entre estas áreas do conhecimento representa não apenas uma parceria técnica, mas uma verdadeira simbiose epistemológica que enriquece ambas as práticas profissionais. Enquanto os educadores especializados concentram-se nos aspectos pedagógicos, psicológicos e sociais do desenvolvimento humano, os médicos veterinários contribuem com conhecimentos especializados sobre etologia, saúde animal, bem-estar e prevenção de zoonoses. Esta colaboração permite criar ambientes terapêuticos seguros e eficazes, onde os benefícios da interação humano-animal são maximizados enquanto os riscos são minimizados.
A relevância desta temática torna-se particularmente evidente quando consideramos o caráter multidimensional do desenvolvimento humano e a necessidade de abordagens educacionais que transcendam os métodos tradicionais. Como observa Mantoan (2015), "a educação inclusiva exige que repensemos nossas práticas e estejamos abertos a inovações que reconheçam e valorizem as diferentes formas de aprender e se desenvolver". A zooterapia representa precisamente este tipo de inovação, oferecendo vias alternativas de acesso ao conhecimento e ao desenvolvimento de habilidades.
Este artigo tem como objetivo analisar criticamente os fundamentos teóricos e práticos desta parceria interdisciplinar, examinando suas aplicações específicas na educação especial, benefícios documentados, desafios de implementação e perspectivas futuras. A análise baseia-se em revisão bibliográfica abrangente, incluindo pesquisas empíricas, relatos de experiência e documentos normativos que orientam a prática da zooterapia em contextos educacionais.
2. Referenciais Teóricos
2.1. Fundamentos Epistemológicos da Educação Especial Inclusiva
A educação especial na perspectiva inclusiva fundamenta-se no reconhecimento da diversidade como característica intrínseca da condição humana. Segundo Sassaki (2009), a inclusão "não se limita à mera inserção de pessoas com deficiência em ambientes comuns, mas implica na transformação destes ambientes para acolher e valorizar todas as diferenças". Esta transformação exige abordagens pedagógicas flexíveis e criativas, capazes de responder às necessidades específicas de cada educando.
O paradigma inclusivo contrapõe-se às visões deficitárias da deficiência, propondo em seu lugar uma compreensão ecológica que considera as barreiras contextuais como fatores limitantes do desenvolvimento e participação. Neste sentido, a Zooterapia alinha-se perfeitamente aos princípios da educação inclusiva, pois oferece alternativas para superar barreiras atitudinais, metodológicas e comunicacionais que frequentemente impedem o pleno desenvolvimento de estudantes com deficiência.
2.2. Bases Científicas da Interação Humano-Animal
As bases científicas da Zooterapia encontram sustentação em diversas correntes teóricas e evidências empíricas. A Hipótese da Biofilia, proposta por Wilson (1984), postula que os seres humanos possuem uma predisposição genética para buscar conexões com outras formas de vida. Esta predisposição explicaria os efeitos positivos observados nas interações entre humanos e animais, que parecem ativar sistemas neurofisiológicos associados ao bem-estar e à vinculação social.
Pesquisas recentes em neurociência têm demonstrado que a interação com animais pode estimular a liberação de ocitocina, reduzir os níveis de cortisol e regular a pressão arterial. Beetz et al. (2012) comprovaram que "o contato positivo com cães produz aumento significativo nos níveis de ocitocina em crianças, concomitantemente à redução de marcadores de estresse". Estas respostas neurofisiológicas criam condições favoráveis para a aprendizagem e o desenvolvimento emocional.
A Teoria da Vinculação, originalmente desenvolvida por Bowlby, ou seja, (segura, evitante, ambivalente e desorganizada), para explicar as relações entre crianças e seus cuidadores, tem sido adaptada para compreender os vínculos entre humanos e animais. Esta perspectiva teórica ajuda a explicar por que os animais podem servir como figuras de apego seguras, particularmente para indivíduos que experimentaram dificuldades em relações interpessoais.
2.3. Interface Educação-Medicina Veterinária: Perspectiva One Health
A colaboração entre educação especial e medicina veterinária na zooterapia alinha-se com a abordagem "One Health" (Uma Só Saúde), que reconhece a interconexão fundamental entre a saúde humana, animal e ambiental. Conforme definido pela American Veterinary Medical Association (2019), "One Health é a integração colaborativa de múltiplas disciplinas trabalhando local, nacional e globalmente para alcançar saúde ideal para pessoas, animais e nosso ambiente".
Esta perspectiva integradora permite superar visões fragmentadas do desenvolvimento humano e do bem-estar animal, promovendo intervenções mais holísticas e eficazes. O médico veterinário contribui com conhecimentos especializados sobre comportamento animal, nutrição, doenças transmissíveis e bem-estar, enquanto o educador especializado compreende as necessidades específicas dos estudantes e os objetivos terapêuticos e educacionais a serem alcançados.
3. Aplicações Práticas na Educação Especial
3.1. Intervenções com Estudantes do Espectro Autista
As aplicações da Zooterapia junto a estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm demonstrado resultados particularmente promissores. As características específicas do TEA, que incluem dificuldades na interação social, comunicação e flexibilidade comportamental, parecem responder favoravelmente às intervenções mediadas por animais. O'Connor (2019) observa que "crianças com autismo que participam de sessões regulares de Zooterapia mostram melhoras significativas no contato visual, iniciação de interações sociais e reciprocidade emocional".
Os cavalos, utilizados na hipoterapia, oferecem estímulos sensoriais únicos através de seu movimento tridimensional, que simula o padrão de marcha humana. Esta estimulação vestibular e proprioceptiva pode melhorar não apenas o tônus muscular e o equilíbrio, mas também a regulação sensorial, frequentemente alterada no autismo. Além dos benefícios motores, a interação com cavalos tem demonstrado promover avanços na comunicação e na autorregulação emocional.
Os cães, por sua vez, parecem particularmente eficazes no trabalho com habilidades sociais e comunicativas. Sua natureza não julgadora e sua capacidade de responder a comportamentos não-verbais criam oportunidades únicas para o desenvolvimento de competências sociais. Grandin (2011) destaca que "animais podem servir como ponte para o mundo social, ajudando pessoas com autismo a desenvolverem confiança e habilidades para interagir com outros seres humanos".
3.2. Atuação com Deficiência Intelectual
Para estudantes com deficiência intelectual, os animais podem funcionar como poderosos motivadores para a aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades adaptativas. Atividades como escovar um cavalo, alimentar um coelho ou conduzir um cão através de um percurso podem ser estrategicamente planejadas para trabalhar conceitos acadêmicos básicos, seguimento de instruções, resolução de problemas e habilidades de vida independente.
A natureza concreta e multissensorial das interações com animais facilita a compreensão e retenção de conceitos abstratos. Por exemplo, trabalhar com medidas de ração para animais pode tornar o aprendizado de matemática mais significativo e contextualizado. Da mesma forma, a sequência de ações necessária para preparar um cavalo para montaria pode reforçar habilidades de planejamento e execução de tarefas.
O desenvolvimento da autonomia e do senso de responsabilidade constitui outro benefício significativo. Conforme observa Martins (2019), "o cuidado com animais proporciona oportunidades tangíveis para que pessoas com deficiência intelectual experimentem competência e autoeficácia, elementos fundamentais para a construção da identidade e autoestima".
3.3. Benefícios para Deficiências Físicas e Motoras
A Zooterapia oferece contribuições valiosas para o desenvolvimento de estudantes com deficiências físicas e motoras. A equoterapia, em particular, tem demonstrado eficácia na melhora do controle postural, equilíbrio, coordenação e força muscular. O movimento do cavalo transmite impulsos rítmicos para a pélvis e tronco do praticante, promovendo ajustes posturais automáticos e melhorando a simetria corporal.
Borges (2018) explica que "o passo do cavalo produz movimentos pélvicos tridimensionais similares aos da marcha humana, oferecendo uma base única para a reeducação do padrão de marcha em indivíduos com disfunções motoras". Além dos benefícios físicos diretos, a experiência de montar e controlar um animal de grande porte como o cavalo pode gerar significativos ganhos em autoconfiança e autoestima.
Para estudantes com limitações motoras severas, o contato com animais menores pode proporcionar estímulos sensoriais importantes e oportunidades de interação que não dependem de habilidades motoras complexas. O simples ato de acariciar um animal pode representar uma conquista significativa para indivíduos com movimentos limitados.
3.4. Intervenções com Transtornos Emocionais e Comportamentais
Estudantes com transtornos emocionais e comportamentais frequentemente encontram na Zooterapia um canal para expressão emocional e desenvolvimento de autorregulação. A interação com animais tem demonstrado reduzir sintomas de ansiedade, agressividade e comportamentos opositores, enquanto promove habilidades de reconhecimento e manejo emocional.
Fine (2019) relata que "o contato com animais pode induzir estados de calma e relaxamento, reduzindo a frequência cardíaca e a pressão arterial, criando condições fisiológicas favoráveis para a aprendizagem e o desenvolvimento socioemocional". Esta base fisiológica de regulação emocional constitui um alicerce fundamental para intervenções psicopedagógicas mais amplas.
A relação com animais também oferece oportunidades para o desenvolvimento de empatia e responsabilidade. O cuidado com outro ser vivo requer sensibilidade às suas necessidades e estados emocionais, competências que podem ser transferidas para as relações interpessoais. Kruger (2018) observa que "crianças com histórico de problemas comportamentais frequentemente demonstram maior capacidade de considerar perspectivas alheias após participarem de programas de zooterapia".
4. Protocolos e Metodologias de Intervenção
4.1. Avaliação Inicial e Planejamento Individualizado
A implementação bem-sucedida da Zooterapia na educação especial requer processos sistemáticos de avaliação e planejamento. Cada programa deve iniciar com uma avaliação abrangente do estudante, considerando suas necessidades educacionais específicas, capacidades físicas e cognitivas, interesses pessoais, histórico de interações com animais e possíveis contraindicações, como alergias ou fobias.
Paralelamente, realiza-se uma avaliação minuciosa do animal, considerando seu temperamento, estado de saúde, histórico vacinal, aptidão comportamental para a atividade proposta e compatibilidade com o perfil do estudante. Esta avaliação dupla assegura que a intervenção seja segura e adequada para todos os envolvidos.
Com base nas avaliações, estabelecem-se objetivos específicos, mensuráveis e temporalmente definidos. Estes objetivos devem articular-se com o Plano de Desenvolvimento Individual (PDI) do estudante, garantindo que a zooterapia constitua um elemento integrado de seu processo educativo global.
4.2. Seleção e Preparação dos Animais
A seleção adequada dos animais é crucial para o sucesso da intervenção. Diferentes espécies oferecem benefícios distintos e devem ser escolhidas considerando os objetivos terapêuticos e as características dos estudantes. Os cães destacam-se pelo trabalho com afetividade, responsabilidade e habilidades sociais, enquanto os cavalos são particularmente eficazes para desenvolvimento motor e autoconfiança. Pequenos animais como coelhos e porquinhos-da-índia são úteis para desenvolvimento de habilidades motoras finas e controle de impulsos, e animais de fazenda promovem conexão com a natureza e senso de responsabilidade.
A preparação dos animais envolve não apenas cuidados veterinários e nutricionais, mas também um processo sistemático de habituação às condições específicas do trabalho terapêutico. Silva (2021) enfatiza que "o bem-estar animal deve ser prioritário em qualquer programa de Zooterapia, pois animais estressados ou desconfortáveis não podem contribuir efetivamente para processos terapêuticos".
4.3. Estruturação das Sessões
As sessões de Zooterapia devem ser cuidadosamente planejadas e estruturadas, com atividades progressivamente mais complexas. Cada sessão tipicamente inclui fases distintas: saudação e reconexão com o animal, atividade principal relacionada aos objetivos estabelecidos, processamento da experiência e despedida do animal. Esta estrutura proporciona segurança e previsibilidade, elementos particularmente importantes para estudantes com necessidades especiais.
A duração e frequência das sessões variam conforme as características dos estudantes e os objetivos terapêuticos. Sessões muito longas podem causar fadiga tanto nos estudantes quanto nos animais, enquanto sessões muito curtas podem não permitir o estabelecimento de vínculos significativos.
5. Aspectos Éticos e de Segurança
5.1. Bem-estar Animal como Imperativo Ético
O bem-estar dos animais envolvidos em programas de zooterapia constitui uma preocupação ética central. É fundamental garantir condições adequadas de alojamento, alimentação, cuidados veterinários e descanso, respeitando os limites físicos e emocionais de cada animal. A International Association of Human-Animal Interaction Organizations (2018) estabelece diretrizes específicas para assegurar que "os animais participem voluntariamente das interações e tenham oportunidades regulares para expressar comportamentos espécie-específicos".
O monitoramento contínuo de sinais de estresse ou desconforto nos animais é essencial para intervenções éticas e eficazes. Animais que demonstram sinais de sofrimento devem ser imediatamente afastados das atividades e receber os cuidados necessários.
5.2. Segurança dos Participantes
A segurança dos estudantes, profissionais e animais envolve múltiplas dimensões. O ambiente físico deve ser projetado para minimizar riscos de acidentes, com áreas adequadas para as diferentes atividades e equipamentos de segurança quando necessário. Protocolos rigorosos de higiene e prevenção de zoonoses devem ser estabelecidos e seguidos consistentemente.
A supervisão constante por profissionais qualificados é fundamental para antecipar e prevenir situações de risco. Estes profissionais devem possuir treinamento específico em primeiros socorros e manejo de emergências envolvendo animais.
5.3. Formação de Profissionais
A eficácia da Zooterapia depende criticamente da qualificação dos profissionais envolvidos. Idealmente, a equipe deve incluir educadores especializados com formação em zooterapia, médicos veterinários com conhecimento em comportamento e bem-estar animal, e outros terapeutas conforme as necessidades específicas (terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos).
A formação destes profissionais deve abranger tanto aspectos teóricos quanto práticos, incluindo conhecimentos sobre desenvolvimento humano, teorias de aprendizagem, etologia, saúde animal e técnicas específicas de intervenção assistida por animais. A educação continuada é essencial para manter e atualizar estas competências.
6. Resultados e Discussão
6.1. Benefícios Documentados e Mecanismos Subjacentes
A análise da literatura especializada revela benefícios consistentes da Zooterapia em múltiplas dimensões do desenvolvimento. No âmbito socioemocional, observam-se melhorias significativas na autoestima, autoconfiança, empatia e habilidades sociais. Estes avanços parecem derivar de múltiplos mecanismos, incluindo a capacidade dos animais de servir como catalisadores sociais, a experiência de aceitação incondicional e as oportunidades para experimentar competência e autoeficácia.
No domínio cognitivo, a Zooterapia demonstra potencial para melhorar a atenção, a motivação para aprendizagem e a resolução de problemas. A natureza concreta e contextualizada das atividades com animais facilita a compreensão e aplicação de conceitos acadêmicos, particularmente para estudantes que apresentam dificuldades com abordagens mais abstratas.
Os benefícios motores são particularmente evidentes nas intervenções com cavalos, onde se observam melhoras no controle postural, equilíbrio, coordenação e planejamento motor. Estes ganhos estendem-se para além das sessões de terapia, impactando positivamente a funcionalidade nas atividades diárias.
6.2. Desafios na Implementação e Sustentabilidade
Apesar dos benefícios documentados, a implementação da zooterapia enfrenta desafios significativos. Os aspectos logísticos e financeiros constituem barreiras importantes, uma vez que programas de qualidade exigem infraestrutura especializada, manutenção de animais e equipe multiprofissional. Estes custos frequentemente limitam o acesso a instituições com maiores recursos, criando desigualdades no acesso a esta intervenção.
A falta de padronização nos protocolos e critérios de avaliação representa outro desafio substancial. Delgado (2020) observa que "a heterogeneidade metodológica nos estudos sobre Zooterapia dificulta a comparação de resultados e a realização de sínteses conclusivas sobre sua eficácia". Esta falta de padronização também complica a replicação de intervenções bem-sucedidas em diferentes contextos.
Os riscos à saúde e segurança, embora manejáveis com protocolos adequados, exigem vigilância constante e podem gerar resistência por parte de administradores educacionais e famílias. A preocupação com possíveis acidentes, alergias e transmissão de zoonoses precisa ser abordada de forma proativa através de medidas preventivas robustas e comunicação transparente.
A sustentabilidade a longo prazo dos programas de zooterapia depende criticamente do compromisso institucional e da alocação adequada de recursos. A manutenção do bem-estar animal representa um desafio particular, exigindo não apenas recursos financeiros, mas também conhecimentos especializados e dedicação constante.
6.3. Fatores Críticos de Sucesso
A análise de programas bem-sucedidos identifica fatores comuns que contribuem para sua eficácia. A integração genuína entre profissionais da educação e saúde animal emerge como elemento central, permitindo que conhecimentos especializados sejam compartilhados e aplicados sinergicamente. A definição clara de objetivos individualizados, articulados com os planos educacionais mais amplos, assegura que a zooterapia não constitua uma intervenção isolada, mas parte integrante do processo educativo.
A avaliação contínua e o ajuste das intervenções com base nos progressos observados são igualmente importantes. Esta abordagem reflexiva e adaptativa permite responder às necessidades em evolução dos estudantes e maximizar os benefícios da intervenção.
O compromisso com o bem-estar de todos os envolvidos, ou seja, estudantes, profissionais e animais, constitui outro fator crítico. Programas que negligenciam o bem-estar animal não apenas enfrentam questões éticas, mas também comprometem sua eficácia a longo prazo, uma vez que animais estressados ou doentes não podem contribuir adequadamente para processos terapêuticos.
6.4. Discussão Crítica e Perspectivas Futuras
A Zooterapia na educação especial representa mais que uma técnica terapêutica adicional; configura-se como uma abordagem educacional que reconhece a multidimensionalidade do desenvolvimento humano e a importância das conexões com o mundo natural. Sua eficácia parece derivar não apenas dos benefícios específicos de cada interação, mas da criação de contextos educacionais mais significativos e engajadores.
A parceria entre educação e medicina veterinária nesta área exemplifica a tendência contemporânea de superação das barreiras disciplinares em prol de abordagens mais integradas e holísticas. Esta colaboração permite que saberes tradicionalmente separados se complementem, criando sinergias que beneficiam tanto os estudantes quanto os animais envolvidos.
No entanto, é crucial evitar visões idealizadas ou simplistas sobre a zooterapia. Seu sucesso depende de implementação criteriosa, baseada em evidências e atenta às particularidades de cada contexto. Mais que uma moda passageira, a zooterapia representa uma ferramenta valiosa quando integrada a programas educacionais abrangentes e personalizados.
As perspectivas futuras para esta área incluem o desenvolvimento de protocolos padronizados baseados em evidências, a criação de indicadores mais refinados de avaliação, a investigação dos mecanismos neurofisiológicos subjacentes aos benefícios observados e a elaboração de modelos sustentáveis que ampliem o acesso a esta intervenção. A formação de profissionais constitui outro eixo fundamental para o avanço da área. Programas de formação especializada, que integrem conhecimentos da educação especial e da medicina veterinária, são essenciais para garantir a qualidade e a segurança das intervenções.
7. Conclusão
Em última análise, a integração estratégica entre Educação Especial e Medicina Veterinária por meio da Zooterapia transcende o caráter de intervenção complementar, posicionando-se como um paradigma educativo inovador que reconceitualiza o próprio processo de desenvolvimento humano. Esta abordagem não se limita a instrumentalizar os animais como ferramentas terapêuticas, mas os reconhece como agentes ativos de transformação capazes de mobilizar dimensões afetivas, cognitivas e sociais frequentemente inacessíveis em contextos educacionais convencionais. A riqueza desta prática reside precisamente em sua natureza biocêntrica, que desloca o eixo antropocêntrico tradicional para uma perspectiva ecossistêmica de desenvolvimento, onde todas as formas de vida coexistem em relações mutualmente benéficas.
Os benefícios documentados desde ganhos nas competências socioemocionais até avanços na autorregulação e autoeficácia, revelam o potencial único dessas interações espécie-cruzadas em ativar mecanismos neurobiológicos de vinculação e engajamento que fundamentam processos profundos de aprendizagem. A presença animal funciona como um catalisador relacional que favorece a expressão emocional, reduz ansiedades e fortalece vínculos interpessoais, criando condições ótimas para o desenvolvimento integral. Contudo, o pleno desenvolvimento desta abordagem exige a superação de dicotomias disciplinares historicamente consolidadas, demandando a construção de espaços interprofissionais genuínos onde educadores e veterinários criem linguagens comuns em conjunto e frameworks éticos compartilhados que orientem práticas responsáveis e eficazes.
O futuro desta prática promissora dependerá criticamente da institucionalização de modelos híbridos de formação profissional que preparem os diferentes atores para navegar competentemente na interface entre saúde animal, bem-estar humano e processos educativos. Paralelamente, torna-se imperativo avançar na construção de sistemas robustos de avaliação que capturem não apenas resultados, mas principalmente os processos relacionais e mecanismos de mudança envolvidos nessas intervenções. Além disso, políticas públicas específicas voltadas à regulamentação, financiamento e incentivo à pesquisa em Zooterapia poderão favorecer sua consolidação como prática estruturada nos sistemas educacionais, garantindo acesso equitativo e implementação qualificada.
Observa-se também a necessidade de ampliar a produção científica que explore variáveis moderadoras e mediadoras, ou seja, como tipo de animal, frequência das atividades, perfil dos estudantes e contexto institucional de modo a construir protocolos mais precisos e replicáveis. A articulação entre universidades, escolas, centros terapêuticos e instituições veterinárias emerge como caminho essencial para difundir práticas responsáveis, garantindo a inserção de intervenções fundamentadas em evidências e orientadas por princípios éticos de respeito à vida.
É fundamental ainda considerar a dimensão cultural desta prática, reconhecendo que diferentes comunidades podem estabelecer relações particulares com os animais, o que exige adaptações sensíveis aos contextos locais. A criação de comitês multidisciplinares de acompanhamento pode assegurar que as intervenções respeitem tanto as particularidades culturais quanto os mais altos padrões de bem-estar animal. A documentação sistemática de casos e a construção de bancos de dados nacionais sobre Zooterapia permitiriam o refinamento contínuo das metodologias aplicadas.
De tal modo, a Zooterapia firma-se como uma via de humanização da educação, reafirmando que processos de aprendizagem e cuidado podem e devem ser compartilhados entre espécies, contribuindo para uma sociedade mais inclusiva, sensível e comprometida com a interdependência que sustenta toda forma de existência. Esta perspectiva representa não apenas um avanço técnico-pedagógico, mas uma verdadeira revolução paradigmática na forma como concebemos a educação, a terapia e nossa relação com o mundo natural, apontando para futuros mais integradores e compassivos para todas as formas de vida.
8. Referências Bibliográficas
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Pedro Henrique Simões Ramalho: Graduação em Medicina Veterinária / Ciências Agrárias; Atuante em Clínica de Animais Domésticos e Silvestres.
Marriete Vasconcelos Costa Lima: Terapeuta Integrativa e Massoterapeuta, Professora Especialista em Acupuntura Bioenergética, Laserterapia, Laseracupuntura, Auriculoterapia e Método dos Biorreguladores (acupuntura sem agulhas).
Ronaldo Camilo Ramalho: Graduação em Gestão Ambiental, Especialização em Engenharia Ambiental, Especialização em Política e Gestão em Segurança Pública, Especialização em Direito, Segurança Pública e Organismo Policial, Especialização em andamento em Teologia, Especialização em andamento em Enfermagem de Urgência e Emergência.
Elza Maria Simões: Graduada em Pedagogia e em Educação Especial, Especialista em Educação Especial, Bacharel em Administração de Empresas, Professora de Matemática, Matemática Financeira.
Márcia dos Santos: Graduada em Licenciatura Plena em Geografia, Pedagoga, Coordenadora de Gestão Pedagógica, Especialista em Gestão Escolar.
Ivan Carlos Zampin: Bacharel em Sistemas de Informação, Professor Doutor em Geografia, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio, Especialista em Gestão Escolar e Gestão Pública.