22/04/2021

Educação e invisibilidade social e cultural

                                                                  Educação e invisibilidade social e cultural

 

                                                             Edilma Cotrim da Silva

UNEB /BAHIA/BRASIL

edilmacdas@gmail.com

 

 

 

Resumo:

 

A Educação do Campo foi historicamente pensada a partir da relação entre educação e trabalho, ou seja, o trabalho (ontológico) do homem do campo vinha como condição primeira para a construção de uma formação humana que tenha como objetivo dar uma visibilidade social ao sujeito. A primeira parte do presente estudo foi realizado na década de 1990, no momento em que o contexto nacional era provocativo e sem ações significativas que apontassem ações para minimizar as mazelas que assolavam a educação Rural Brasileira, atualmente refletida conceitualmente e em práticas pontuais em educação no/do campo. Pretende-se aqui fazer um paralelo entre a década passada com os dias atuais, sem perder de vista atores e espaços. Utilizou-se como fundamentação o teórico Miguel Arroyo acrescido com estudos de Molina & Caldart. O abordado trata da representação da escola para o aluno trabalhador rural. A pesquisa foi feita na comunidade de Ceraíma, distrito de Guanambi-BA, com 30 alunos do Ensino Fundamental, utilizando a investigação etnometodológica e estudos bibliográficos a fim de problematizar as temáticas pesquisadas. Naquele momento a escola significava mobilidade em torno de subempregos no mundo urbano e visibilidade social. Aproximando-se duas décadas os resultados permanecem e apontam outras mazelas produzidas nos centros urbanos e importado para o espaço rural.

 

Palavra chave: Escola. Educação no/do Campo. Visibilidade Social. Inclusão. Aluno trabalhador.

 

 

  1. INTRODUÇÃO – A estrada

 

 A presente tessitura é resultado de um estudo realizado com alunos trabalhadores rurais da comunidade de Ceraíma, distrito do município de Guanambi, estado da Bahia. O pano de fundo dessa investigação é a representação social na perspectiva de Serge Moscovici, onde se evidencia uma forma de conhecimento própria às sociedades contemporâneas marcadas pelas diversidades e adversidades do contexto de vida de cada grupo.

Nesse sentido esta investigação procura mostrar como o aluno trabalhador campesino se apropria das funções da escola segundo a sua posição social, suas visões religiosas e políticas e seu nível sócio cultural, saindo da situação de excluído. E nessa perspectiva abre uma porta para pensar a escola levando em conta sua contextualização histórica, social e política. Foge, portanto, da escola geral, universal, o que desponta nesse estudo é uma escola multifacetária, plural, englobando redes de significados nem tão visíveis, nem tão fáceis de explorar.

A partir dessa premissa que temos como objetivo analisar questões em torno da relação entre educação e formação humana dando ao sujeito uma visibilidade social. Pensando, principalmente, qual a formação humana e social, que as políticas de reformas educacionais para as áreas rurais vêm implementando no campo no Brasil.

Para compreendê-la, cabe ir além do que salta aos olhos, requer sensibilidade, boa vontade e desprendimento na busca de ouvir, sentir os atores desse espaço. Não cabe julgar, é preciso entender os motivos que levam o aluno trabalhador rural a adotar esse ou aquele comportamento, que na maioria das vezes causam descontentamento para a instituição escolar.

Mediante a efetivação deste trabalho e de outros já realizados, fica evidente que a escola no campo existente é limitada e precária, porém essa instituição tem importante papel social, especialmente no que concerne à divulgação do saber universal para a população camponesa, devendo, por isso, ser avaliada e, sobretudo, ter sua função redefinida para que de fato venha atender aos interesses daqueles que compõem o cenário social em que ela está inserida.

Compreendendo que a educação na realidade camponesa se expressa não apenas no espaço da sala de aula, mas nas diversas formas de manifestação do movimento camponês, é necessário considerar o conjunto do saber historicamente produzido, saber esse gerado pelo campesinato na sua prática produtiva e política.

Assim, o ato de pensar a educação campesina deve necessariamente ser medido pelos interesses dos camponeses. Isso significa um esforço para se buscar formas de integração entre o saber acadêmico, sistematizado, e o saber historicamente elaborado pelos atores nas suas práticas produtivas e políticas, para que de fato venha atender aos interesses daqueles que compõem o cenário social em que ela está inserida.

 

 

  1. O caminho

 

"Tudo flui, nada permanece. Não se pode entrar duas vezes num mesmo rio".

 (Heráclito de Efeso)

 

O conceito de representação social utilizado aqui é trazido da linha de Mocovici e entendido como uma forma de interpretar nossa realidade cotidiana, atividade mental desenvolvida por indivíduos e grupos para fixar suas posições em relação a situações, acontecimentos e comunicações da vida cotidiana, enfim, a representação é um conhecimento prático que ajuda a construir nossa realidade.

Além das dimensões da representação, aplicam-se às análises desta pesquisa a discussão de suas concepções, a indissociabilidade entre conceito e imagem e os seus mecanismos (objetivação e ancoragem) de formação e consolidação, elementos abordados por Moscovici (1978).

A análise dos dados foi feita utilizando a concepção da representação social como categorias de pensamento que expressam a realidade, que a explicam, justificando-a, ou questionando-a. Sabe-se que o modo de sua produção se encontra nas instituições, nas ruas, nos meios de comunicação de massa, nos movimentos sociais, nas relações de comunidade e nos demais lugares sociais. Apoiada no que diz Moscovici:

As representações sociais devem ser estudadas articulando elementos efetivos, mentais, sociais, integrando a cognição, a linguagem e a comunicação às relações sociais que afetam as representações sociais e à realidade material social e ideativa sobre a qual elas intervêm. (1978, p. 41)

 

A representação social é  uma  matriz  de  conhecimento  prático,  não  é simplesmente reprodução, é também construção. Por a escola ser um grande campo de relações, é preciso re-construir-se. Lá se projetam expectativas, desejos, fantasias, a escola precisa se rever, enfrentando todas as ordens de conflitos, buscando que as experiências de vida tenham ressonância no interior das pessoas e de suas realidades.

Para a efetivação desta pesquisa utilizou-se a abordagem qualitativa, por não admitir visões isoladas, parceladas e estanques. Ao optar pela abordagem qualitativa, fica evidente que se torna necessária uma maior flexibilidade e criatividade no momento da coleta e análise dos dados, pois o que vemos não é expresso na totalidade; para caracterizar uma expressão, torna-se necessário encontrar uma forma.

Para essa busca concentra-se nos termos da etnometodologia, no sentido de que é preciso verificar como as experiências das pessoas são produzidas, recusadas, ou aceitas dentro do cotidiano de sala de aula ou nos mais diversos espaços sociais. Como coloca Coulon,

 

A observação atenciosa e a análise dos processos aplicados nas ações permitiriam pôr em evidência os modos de proceder pelos quais os atores sociais, inventam a vida em uma permanente bricolagem. Será portanto de importância capital observar como os atores de senso comum o produzem e tratam a informação nos seus contatos e como utilizam a linguagem como recurso. Em suma, como fabricam um mundo racional "a fim de nele poderem viver. (1995.p.32)

               Dentre os procedimentos de coleta de dados utilizados pelas investigações foi utilizado a observação direta na sala de aula e na comunidade, com registros no diário de campo, na perspectiva de descrever os movimentos que constituem a rotina da comunidade a partir das falas dos alunos no espaço escolar, buscando posteriormente a confirmação e dados complementares no cotidiano rural do aluno. Outro instrumento utilizado para a coleta dos dados foi a entrevista semi-estruturada com trinta alunos do ensino fundamental. Assevera Lüdke (1986. p. 34): "A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da informação desejada, praticamente com qualquer tipo de informante e sobre os mais variados tipos."

Analisar os dados admiti a linguagem como produção de sentidos, que não só forma como também transforma, procurando compreender os processos de significações a que os alunos entrevistados foram submetidos ao longo de suas vivências. Nos discursos estão sempre presentes as noções do sujeito e da situação em que ele está, ocorrendo, assim, a produção daquilo que ele fala. Na oralidade aparece a imagem que o ator social tem do outro.

Nesse segundo momento, que se denomina confrontamento, foi utilizado a mesma metodologia, mudou-se apenas os atores, constando a totalidade de trinta alunos. Sendo a série, a comunidade e a escola preservados nas suas origens.

 

  1. O achado

 

  1. Caminhos percorridos

 

Pensar a educação do/no campo no Brasil requer também pensar em trabalho infantil. Existe atualmente, uma preocupação constante com o trabalho infantil. Diversas medidas foram tomadas, no sentido de evitar a ocupação da criança em atividades que certamente a afastarão da experiência escolar, sendo mais relevantes as de natureza jurídico institucional, de caráter pretensamente duradouro e reformista, como o Estatuto da Criança e do Adolescente[1], que normaliza, entre outras questões, as condições para o trabalho infantil e a responsabilidade, inerente ao pátrio-poder, na escolarização mínima do menor, além de outras, mais específicas e de atitude assistencialista, como o programa "bolsa-escola"[2] cuja proposta é a complementação da renda bruta das famílias nas quais os filhos participam na geração dos rendimentos, em detrimento da frequência à escola.

Tratam-se de iniciativas governamentais propostas tanto como opção ética, a construção de uma modernidade ética, pela minimização da segregação social, quanto alternativa econômica, construção de um modelo econômico ajustado às exigências atuais do mercado, que demanda maior competência produtiva de sua mão-de-obra.

Nenhuma dessas medidas surtiu os efeitos desejados, conforme pretenderam os sucessivos Planos Nacionais de Educação (PNE) (2001-2011/2014-2024) e suas reformas, ponderando a não reversão, senão pontualmente, dos crescentes registros de evasão e repetência escolares.  Na conjuntura rural brasileira, jovens e crianças continuam a dividir o seu tempo entre o trabalho e a escola. E, em grande quantidade, deparamos com aqueles que nunca frequentaram o ensino ou abandonaram definitivamente a escola.

A conjuntura camponesa brasileira, jovens e crianças continuam a dividir o seu tempo entre o trabalho e a escola. E, em grande quantidade, deparamos com aqueles que nunca frequentaram o ensino ou abandonaram definitivamente a escola.

Em todo o país é fato a baixa escolarização dos trabalhadores rurais ou urbanos, entretanto, no caso da região nordeste, a gravidade da situação é maior quando verificamos que quase 50% (IBGE 2000) da população economicamente ocupada não chegaram a completar o ciclo do ensino fundamental.

O descaso com essa relação trabalhador rural e escola tem contribuído de modo premente para o desolador cenário de banimento de milhões de estudantes brasileiros que têm de trabalhar prematuramente, gerando incalculáveis danos de ordem econômica e social ao país, que compromete sua competitividade econômica, quando nega ao seu povo, reiteradas vezes, o acesso à educação.

Exposto à escassez de recursos tangíveis: água, dinheiro, estradas, o homem do campo, nordestino, arca ainda com a própria penúria de conhecimentos tecnológicos para atuar sob as condições requisitadas pelas novas demandas produtivas. Pesa, ao campesino, sua inabilidade para enfrentar as adversidades que permeiam e caracterizam seu universo, pois ele, tendo de fazer tudo com as próprias mãos, por dominar tecnologias agrícolas rudimentares, sendo hostilizado por intempéries, finda por comprometer sua produção, já de subsistência e que consome os esforços da esposa e dos filhos, acabando por circunscrever todo o grupo familiar aos limites da pobreza.

Frente a esse panorama, fica intricado imaginar que crianças e adolescentes sejam desobrigados do trabalho precoce, vez que o trabalho ocupa posição central na ritualística de auto identificação e culturação de cada indivíduo, na vida do grupo familiar. Quando deparamos com uma escola no meio rural, sabemos que os seus alunos também são trabalhadores rurais e que, a despeito da menoridade, assumem alguma atividade no campo.

Quando o Estado se faz presente e se instala no seio da comunidade rural, sob a forma de uma sala de aula, gera expectativas de mudanças no sentido de outros acessos a informação, da formação e do seu cumprimento social, pois é esperado que a escola gerencie a construção de um conhecimento que seja capaz de propiciar condições ao educando para transformação da sua realidade.

Houve tentativas, por parte do Governo Federal, de ajustamento do modelo geral escolar brasileiro - historicamente urbano e, por concepção, priorizador das demandas sócio-produtivas urbanas, para as escolas sujeitas à multifacetária realidade rural do país, momento em que foram adaptados desenhos educacionais com tecnologia importada, negando as escolaridades sócio econômicas das realidades campesinas brasileiras.

Em nenhum momento aparece a preocupação em atender às expectativas dos atores envolvidos. A escola não considera o saber produzido nas relações rurais, saberes esses que traduzem a realidade camponesa e, diante da realidade em que se apresentam, são imediatamente negados. Muitas propostas são elaboradas e até postas em prática na busca de solucionar as contradições geradas no núcleo que compõe a escola rural, porém elas não têm apresentado um resultado satisfatório. Sabemos que são elaboradas sem a participação dos que são partes do quadro social em questão. 

As forças que compõem o universo rural precisam ser explicadas na busca da compreensão e da singularidade de seu povo. E a grande tarefa do coletivo de intelectuais, pesquisadores e docentes é ajudar a construir, a interpretar a história das sociedades, levando em consideração as percepções e interesses daqueles que ficaram à margem e sofreram a consequência da história.

Em nada se diferenciando do contexto apresentado e por estar localizada no polígono da seca nordestina, a comunidade de Ceraíma retrata fielmente todo o descompasso sofrido entre a escola e o campo. O que nos levou a escolher esta comunidade como objeto de estudo nesta pesquisa é o fato de ser ela a comunidade de origem de uma das pesquisadoras, despertando, portanto, o desejo de compreender essa realidade.

E com isso, vemos que em um canto qualquer, numa casa abandonada, num quarto na casa da professora, ou na Igreja alojam-se os alunos e institui-se que ali é a escola. Numa prática ritualizada, todos têm que permanecer nesse espaço durante quatro horas diariamente. Inspirando-se em Arroyo (1991. p.41) quando ele diz que "[...] uma escola possível para o povo tem que começar por criar condições para sua existência material, sem a qual será romântico reprogramar alternativas pedagógicas inovadoras.

Cabe dizer que escola, nesse espaço de estudo, é concebida como uma organização que detém, em sua estrutura física, itens pedagógicos e filosóficos como: a sua finalidade, que é a de adequar as necessidades individuais ao meio, e para isso a vida é a atriz principal; os conteúdos de ensino, que deverão ser estabelecidos em função de experiências que os atores sociais vivenciam; os métodos de ensino onde se priorize o "aprender fazer fazendo" e as relações entre professor e aluno, ressaltando que o papel do professor é auxiliar na construção do conhecimento, priorizando as decisões do grupo.

Dado o exposto cabem estudos e reflexões pertinentes ao mundo campensino sem desconhecer suas reais verdades sócio, econômico e político trazendo-os para o orçamento público de uma nação. Ignorar uma fatia demográfica e geográfica circunscreverá o futuro civilizatório do Brasil.

 

3.2 Um novo olhar

 

No percurso do revisitado no último semestre do ano de 2019 além da confirmação e continuidade da mesma releitura foi agregado melhoras físicas e estruturais. Foi construída uma nova escola, maior número de salas, na fala dos atores aparece repetidas vezes que “a maioria desses alunos são da roça”. Cabe destacar aqui. Que o termo da roça define os moradores de fora do vilarejo de Ceraíma, ou seja, dos sítios.

O sintoma da queixa e do desanimo se repete em frases ditas na década de 1990 reafirmando  a cultura da descrença. O olhar distante, o abandono, a inércia vai fazendo parte da realidade vivida. Aos poucos, vão gerando afirmações finalísticas como: Não tem jeito, não adianta, temos que ir embora. Inviabiliza-se assim, qualquer tentativa de transformação. Nenhuma mudança no fazer pedagógico é visível, há melhorias nos transportes escolares e em todas as casas existem motocicletas e bicicletas.  Ao perguntar se alguém usava cavalo para transporte, unanimemente, disseram que não, pois o pai ou a mãe os conduziam até o ponto do ônibus,  não falta carteira escolar e nem merenda. Reafirmam o desejo de ir embora em busca de outro trabalho, “trabalho na roça é duro” reaparece a demanda de falta de instrumentos e de uma lida braçal e primitiva.

Outro ponto que ganhou destaque foi as denuncias de colegas sobre o uso de álcool e drogas, falam de criminalidade no campo e muita violência nos festejos, vaquejadas, futebol e botecos, “ a senhora acredita que aqui na redondeza tem até boca de fumo?”. “O pior, ninguém faz nada”.

Diferente da década passada foi mais recorrente, através das falas, o desejo de conciliar trabalho e escola mais tarde. Outros, capturados pelo discurso de melhorar as condições econômicas, reafirmam que “eu quero mesmo é ganhar meu dinheiro e me divertir na cidade”.

A pergunta que fica no ar é o que a escola, enquanto materialidade do ato de educar está construindo? Entende-se que a educação pública é algo a ser tecida no âmbito das relações contraditórias que impulsionam as sociedades e, portanto, os homens, para a superação qualitativa do modo autofágico do consumismo implantado pela produção capitalista alimentam e perpetuam essas ações excludentes.

Essa premissa é básica na missão educativa do Movimento Social dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, particularmente, na luta pela educação, expressa sinais e forças na conflituosa e contraditória relação com o Estado, na construção de uma política pública de educação do campo. O acúmulo de conhecimentos no movimento social demonstra a necessidade e a possibilidade de transformar e criar processos de formação de profissionais da educação objetivando o interesse público, do povo trabalhador do campo.

É possível afirmar que hoje estão presentes mais inquietações do que antes, mas não há como negar uma população ainda marcada por contínua e sistemática usurpação do direito de crianças, dos jovens e adultos brasileiros de acesso e de permanência na escola.

Ao olhar para o que se produziu nas academias e nas legislações brasileiras, no percurso dos últimos vinte anos torna-se claro que houve avanços e grandes mobilizações no tangente a educação do/no campo, tanto no aspecto pedagógico quanto ao acesso à escola. Cabe registrar Terra Livre – N. 45 (2): 62-97, 2015 73, métodos e formas ficaram ainda mais evidentes, no Brasil, a partir do final dos anos 1980, com o fortalecimento do processo de democratização, a Assembleia Constituinte, a emergência do MST e de outros movimentos sociais do campo, e também, nos anos 1990, com o debate e a disputa pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394/96. Pela primeira vez na história do Brasil. Foi neste contexto que o MST passou a exigir, propor e construir modos de educação dos povos do campo, respeitando-se suas especificidades e demandas sendo esse o protagonista em ocupar fóruns, nacionalmente, defendendo uma luta por uma educação do e no campo, desde a perspectiva dos sujeitos que nele habitam e/ou trabalham.

Inspirados nesses embates nasceram uma série de marcos institucionais, políticas e programas  reivindicando processos de construção populares. Destacando: I Encontro Nacional dos Educadores da Reforma Agrária (Brasília, 1997, organização: MST); I Conferência Nacional por uma Educação Básica do Campo (Parceria MST, Universidade de Brasília); Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF); Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO); Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); Diretrizes para a Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB n° 1, de 03 de abril de 2002/MEC-SECAD); 4 Resolução CNE/CEB nº 02, de 28 de abril de 2008, (que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da educação básica do campo); Decreto nº 7.352/2010 da Presidência da República (que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA). 

São movimentos consideráveis e apontam para novas possibilidades, porém não há concretude e nem totalidade nas dimensões territoriais brasileiras. Faz-se necessário lembrar que urge muitas demandas e necessárias conquistas lembrando que:

 

Para isto precisamos ter presente e reafirmar três idéias-força que nos acompanham desde a Conferência Nacional Por Uma Educação Básica do Campo, realizada em julho de 1998. As idéias são as seguintes: 1. O campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que estão mudando o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos. 2. A Educação Básica do Campo está sendo produzida neste movimento, nesta dinâmica social, que é também um movimento sociocultural de humanização das pessoas que dele participam. 3. Existe uma nova prática de Escola que está sendo gestada neste movimento. Nossa sensibilidade de educadores já nos permitiu perceber que existe algo diferente e que pode ser uma alternativa em nosso horizonte de trabalhador da educação, de ser humano. Precisamos aprender a potencializar os elementos presentes nas diversas experiências, e transformá-los em um movimento consciente de construção das escolas do campo como escolas que ajudem neste processo mais amplo de humanização, e de reafirmação dos povos do campo como sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história.(CALDART, 2003, p.5)

 

A luta e a labuta para estar em uma escola permanecem, destaca-se aqui a nucleação. Hoje a escola Colônia de Ceraima recebe todos os alunos da região, as chamadas escolas isoladas foram fechadas e os alunos transportados para essa. Crianças e jovens acordam às cinco horas da manhã para não perder o ônibus. Atualmente registra-se oito pequenas comunidades matriculadas nessa instituição bem como camponeses e agregados de fazendas diversas. Totalizam quinhentas (500) crianças e jovens nessa escola, sendo a região campesina composta por aproximadamente (seis mil) 6.000 moradores, cabe perguntar quantas não estudam? Por que não? Quantos analfabetos existem nessa região, tendo apenas uma escola?

Questionados sobre a Educação de Jovens e adultos, afirmaram que existe uma turma com dezessete alunos funcionando à tarde. Os que não podem deixar o trabalho durante o dia pegam o ônibus e vão estudar em Guanambi à noite. Confirma-se aqui mais uma labuta para acessar a escola. Ao conversar com a diretora ela afirmou que há dois anos pede aos poderes locais a implantação da EJA no turno noturno, incessantemente negado. Então esse espaço Institucional fica fechado à noite, enquanto grupo de jovens e adultos percorrem caminhos, tortuosos, em busca do saber escolarizado.

Está impresso aqui a ausência histórica de políticas e de ações governamentais em nossa sociedade, em favor da garantia das crianças, jovens e adultos ao direito à educação. A educação do campo tem sido tratada, no discurso governamental, como uma modalidade de educação temporária pois, não existe a continuidade tornando-se cada vez mais alinhada às políticas neoliberais de contenção dos gastos públicos com as questões sociais.

Aliado a isto, os estudos também evidenciam que a formação de educadores para uma atuação na realidade da educação no campo não tem sido uma prioridade, visto a ausência de instituições formadoras e de políticas públicas orientadas para uma formação específica de seus educadores. Temos, assim, um cenário marcado por dívidas, lacunas e silenciamentos diversos que, no conjunto, contribuem para que o ensino destinado aos camponeses se torne pouco atrativo, confirmado no desanimo dos alunos. A escola não está na vida desses alunos, como esses alunos não se percebem vivificados nessa escola.

 

  1. O antes e  o depois

 

        Para se estar na escola, precisa-se chegar até ela. Quando se fala em escola rural, dificilmente nos preocupamos com este item: Como chegar até a escola? Nesta pesquisa o item não só se fez presente, como ganhou destaque diante de alguns porquês na relação escola rural e aluno trabalhador rural.

        Considerar a novas nomenclaturas para o espaço escola, ainda não fez sentido no plano concreto. A escola pode ser chamada de rural, no campo ou simplesmente escola, nada diferencia nem na estrutura física ou imaterial, até a tinta da parede é da mesma cor nas últimas décadas. Sabemos que a escola é pública, portanto imaginamos que não há gastos para os pais e alunos. Não é bem assim. As distâncias são consideráveis é necessário utilizar cavalos, bicicletas, charretes para chegar até ela. Isso dentro do contexto rural gera transtornos enormes. Em 1990 já havia o transporte escolar, mas este tem um itinerário, quem está afastado dessa rota precisa se deslocar para o ponto de espera do ônibus. Isso não é exceção, é o caso da maioria.  “Lá em casa tem pouco animal de transporte. Tem dia que nós num vem pra escola proque pai pricisa (sic!) do cavalo.” (Ator da pesquisa).

Quando deparamos com a distância e as dificuldades para percorrê-la, fica mais fácil entender a queda na frequência e a evasão escolar, realidade marcadamente presente na educação rural. Não que a distância seja totalmente responsável por isso, mas não podemos subestimar a sua participação nessa decisão.

Os alunos trabalhadores rurais desta investigação são filhos de camponeses, sendo estes arrendatários ou lavradores parceiros de pequenos proprietários. Atêm-se apenas à agricultura; economicamente são impedidos de trabalharem com a pecuária, pois esta requer maior recurso financeiro. Em outras palavras, passam a ser conhecidos como roceiros, matutos, boias-frias, caipira, etc. Já o proprietário de terras onde se estabelecem as atividades agropastoris é conhecido por fazendeiro ou sitiante.

Diferentemente, os filhos dos fazendeiros podem ter acesso à escola nas cidades. Os pais têm condição financeira para alugar uma casa e dispensar a ajuda dos filhos na lavoura, uma vez que podem pagar a um caipira, ou a um roceiro pelo dia de serviço que foi subtraído pela saída do filho. Isso não quer dizer que é constante essa prática, ocorre às vezes com um ou outro.  

Os alunos trabalhadores rurais conceituam a escola da forma já instituída. Percebem-na como instrumento de mobilidade social, de transmissão de saber, instrumento de formação técnico-científica, ou seja, é responsável pela construção do cidadão pleno para uma sociedade justa.  “A escola vai me ajudar a viver melhor, ter um emprego bom... ter uma vida digna.” (Ator da pesquisa).

Quando dizem isso, falam em tom de discurso e procuram confirmar isso na fala do pai, da mãe ou de um parente próximo, como se não estivessem muito certos disso, ou que alguém com mais experiência do que eles tivessem mais propriedade para afirmar essa verdade. Utilizam também exemplos de amigos ou parentes que continuaram estudando e conseguiram um bom emprego na cidade.  “Meu pai disse que quem não estuda não é ninguém na vida.”

Poderia dizer que a representação social do que é escola para esses atores está presa a ideia de acesso a um bom emprego na cidade. Esse elemento é o mais frequente, mais comum, no conjunto dos discursos. Isso faz com que, no imaginário social, a escola apareça como redentora dos sofrimentos do homem do campo e assim ela passa a fazer parte de um cenário imaginativo. Algo muito desejado, porém muito difícil de conseguir.

O imaginário nesse processo situa-se na polarização igualdade x diferenciação: “estudar para ser alguém na vida” (ator da pesquisa). Numa sociedade de privilégios como a em que vivemos, “ser alguém” significa diferenciar-se, distinguir-se da massa de “ninguéns” que vivem em busca de mínimas condições de sobrevivência. Se, durante décadas, os privilégios sociais puderam ser justificados pela posse de um diploma, mesmo sabendo que não é o diploma que garante as vantagens, mas certamente o inverso, a associação diploma/privilégio acaba contribuindo para uma distorção no sentido de escolarização.

De certa forma, apesar de não se reduzir a isso, a manutenção da crença na escolarização como forma de ascensão social contribui para uma visão distorcida do trabalho que as escolas deveriam realizar, agravando o descaso pela instituição. Além de tudo, mesmo que os discursos já tenham assumido a fala de escolarização para todos, ainda não se constata, no plano das representações, a convicção de que isso deva significar uma igualdade entre a escolarização oferecida aos “seus” e a escolarização para os “outros”.

A falta de confiança na escola está notadamente expresso nas falas dos alunos quando afirmam que frequentar a "escola da roça" é bom para aprender a ler, escrever, fazer contas e fazer amigos. E manifestam intensamente o desejo de ir para uma cidade em busca de uma escola que seja capaz de conduzi-los a uma profissão ou emprego melhor. “Eu quero ir pra Guanambi, porque lá eu trabalho e estudo numa escola melhor. Eu quero ser secretária e aqui não tem computador.” (Atriz da pesquisa).

No contexto estudado, a escola limita-se a isso mesmo. Parece que aquele espaço, além de propiciar o “descanso dos braços” (ator da pesquisa), se limita a ensinar a leitura e a escrita e para "aqueles que têm cabeça melhor" (ator da pesquisa) dá para aprender a fazer contas. Fica difícil imaginar que a promessa da escola formadora de cidadão e igualitária se concretize, pois, há um distanciamento considerável entre o desejado e o vivido. O que se torna curioso é que parece que os alunos sabem que ela não vai provocar grandes mudanças nas suas vidas, mas eles dizem acreditar nisso.

Na fala dos entrevistados, a escola aparece com sentidos diferentes, todos com seu grau de importância. É lá que se aprende ler o mundo, que se aprende a escrever cartas e a comunicar, é o desenvolvimento da vida, a escola é muito importante, pois ensina a ler e a escrever, "a escola me dá educação e respeito", "a escola me faz ficar mais inteligente", "vai me ajudar a encontrar um emprego melhor", "me ajuda a não perder o ônibus quando eu for viajar", "me ajuda a entender os meus pais" (atores pesquisados).

Aqui eles tentam justificar a função da escola e por que a buscam. Algumas representações das escolas são povoadas não só de imagens produzidas pela capacidade criativa do grupo, como também pelas imagens produzidas pela sociedade. Isto é, imagens coletivas comuns a todo o contexto social onde a escola também funciona como um instrumento de mobilidade social; de transmissão do saber ilustrado próprio da escola; como instrumento de formação para o mercado de trabalho e preparação do cidadão.

Esta é sem dúvida a referência para a maioria e que se reproduz no interior da escola. Mas não é só isso. No movimento coletivo a escola se torna uma instituição social vivificada e, a partir dos desejos dos sujeitos que nela transitam, o sentido da escola vai além das funções socialmente dadas para esta instituição.

Dotados de subjetividade e singularidade, de necessidades tanto coletivas quanto individuais, parece-lhes que a escola, ao tempo em que lhes nega tecnicamente condições para o mercado de trabalho pode agir como um dos elementos de constituição de autoestima, seja na forma de participação no mercado de trabalho formal, seja no sentimento de pertencer a um grupo social letrado, seja o orgulho de ser instituído estar matriculado, pois isso parece, ser uma grande diferença nessa comunidade. Portanto, matricular-se na escola e frequentar as aulas representa bem mais do que é instituído.

Dessa forma o discurso acerca da qualidade da escola rural encontra-se atrelado à dimensão funcional da instituição “escola”, com sua mensagem simbólica de sucesso social. O resultado dessa visão contribui para a autoimagem depreciativa e desmobilizaste dos atores que a compõem. Desenvolve-se a cultura da descrença. O olhar distante, o abandono, a inércia vai fazendo parte da realidade vivida. Aos poucos, vai gerando afirmações finalísticas como: Não tem jeito, não adianta, temos que ir embora. Inviabiliza-se assim, qualquer tentativa de transformação.

A permanência na escola é uma dúvida presente entre todos, pois afirmam precisar trabalhar na cidade em busca de sustento e melhor condição de vida. Poucos conhecem a cidade mais próxima, que é Guanambi, afirmam que não gostariam de ter que migrar, mas não vêem outro jeito de melhorar a condição financeira. Têm planos para irem embora logo que tiverem mais idade, não a maioridade e sim, pelas suas falas, quando tiverem maior porte físico para enfrentar o trabalho braçal da cidade, ou seja, de empregada doméstica, servente de pedreiro, pedreiro, carregador, entre outros empregos citados pelos atores. Sem a escola nóis né (sic!) nada, ...O que a gente faz se não sabe nem ler e nem escrever?”

Portanto, agradecem muito as oportunidades que têm na escola, pois é através dela que será possível conseguir esses futuros empregos. Sem ela não poderiam ler uma receita de bolo, tirar uma carteira de motorista, ler bilhetes, recibos, ou seja, evitar que sejam enganados na vida cotidiana do comércio.

Percebe-se que o poder das classes dominantes precisa se sustentar na própria sociedade, em seus desejos e crenças. Trata-se de uma força extremamente eficaz, que produz submissão, gera inércia e legitima a hierarquia “natural” entre os homens. A “magia” da dominação que se opera nas sociedades de classe apoia-se especialmente no poder simbólico, em particular nos mitos produzidos. A análise de sua “penetração”, influência e permanência na realidade contemporânea, como mecanismo de sustentação da fala ideológica despolitizante, representa uma atividade essencialmente política.

É percebida com clareza a posição de dominado do aluno trabalhador rural, ele em nenhum momento questiona por que razão aquela escola que está ali não atende as suas expectativas. Ele toca na sua ineficiência em ampliar seus conhecimentos, mas nas suas falas está presente a acomodação com o fato. Ele passa a sonhar com um bom emprego, com condições de vida melhores, isto é, mistificam uma realidade possível.

Os mitos artificialmente produzidos são criações do mundo moderno e são largamente utilizados pela mídia na busca da transformação de tudo em mercadoria: saber, informações, objetos, pessoas. O homem passa a ser apenas um consumidor. Assim como consome uma nova moda, comprando roupas que não necessita vestir, precisa ser convencido a consumir uma "vida de qualidade", uma vida diferente da que ele possui.

A escola nesse espaço assume muito bem o papel de aparelho ideológico do estado, pois em nenhum momento está presente no seu trabalho qualquer forma de posicionamento crítico capaz de desenvolver a conscientização do indivíduo. A presença da escola na comunidade é sutil, ela não se insere nos festejos, nas comemorações, nas associações, enfim, se limita a apenas existir dentro de quatro paredes. A sutileza da escola produz contraditoriamente um efeito devastador: quando apresentado o camponês ao mundo da leitura e da escrita, cresce-lhe o desejo de ir embora do campo.

Inconscientemente, ele acredita que ler e escrever é o passaporte para o mundo civilizado, e mundo civilizado é o urbano, pois já lhe foi dito, muitas vezes, pela própria escola, que o camponês é um ignorante, truculento e rude. E também que na cidade ele vai ter melhores condições de vida e mais oportunidade de trabalho. Confirma-se isso em todas as falas dos atores quando dizem: (...) “eu preciso ir embora daqui, preciso arrumar um trabalho melhor, preciso estudar numa escola melhor, ter uma vida melhor.”

Quando indagados sobre o que seria um trabalho melhor, sempre diziam ser um trabalho que lhes garantiria um salário mínimo. Ora, é bem sabido por todos os brasileiros que se torna impossível manter boas condições de vida com um salário mínimo na cidade. Eles não percebem que suas afirmativas embutem, ao mesmo tempo, uma descrença no próprio trabalho que desenvolvem e uma desmobilização com relação à possibilidade de transformação da sua própria realidade.

Dessa forma, pode-se afirmar que a representação social de "uma escola melhor" não se resume a um conjunto de evidências explícitas ou um currículo bem montado; para atingi-la, é necessário um esforço de busca do sentido de tais exterioridades para o grupo social. Sua valorização, revelada pelo desejo comum por uma “escola melhor”, está atrelada à identificação pela sociedade de elementos simbólicos representativos do sentido que a escola guarda (na articulação funcional/simbólica) e que possivelmente determinam um padrão de qualidade.

Tal esforço remete para os principais processos formadores das representações sociais segundo Moscovici (1978): a objetivação e a ancoragem. A objetivação tem como característica a “concretização”, isto é, a atribuição de formas, físicas ou não, mas claras, delimitadas, facilitadoras da “materialização”, da “visualização’ do novo conceito. Esses elementos identificadores são selecionados e aglutinados com a mediação de valores, crenças, preconceitos etc, vividos em determinado grupo social e que contribuem para que seu aproveitamento ou descarte não seja um processo individualizado e exclusivamente pessoal.

No caso de “uma vida melhor”, sua representação se “ancora”, ou seja, insere-se no campo ocupado pelos “modelos de vida urbano” adotados como representativos da sociedade desejada, relacionando a vida que cada um gostaria de ter, aos modelos de vida de sua comunidade. Ao identificá-lo a esse campo, ao "ancorá-lo", é oferecido a esse novo conceito uma “funcionalidade” que o neutraliza, assumindo-o como se sempre tivesse existido, ou como se não fosse possível a vida sem essas condições de vida urbana.

Está atrelada a ideia de escola melhor com a possibilidade, através dela, de um emprego melhor. No caso das representações da escola, que é o objeto de estudo, as distorções se apresentam pela acentuação ou minimização das características das escolas urbanas, com relação àquelas situada no referencial mítico. (As ‘boas escolas são as urbanas porque elas formam a gente para uma profissão, para uma vida melhor’- ator da pesquisa).

Ao representar o real, isto é, ao traduzir para si mesmo os objetos e fatos que o afetam, o grupo satisfaz as suas próprias exigências pela manutenção de sua harmonia lógica, mesmo que isso implique, interferências e deformações no nível dos conteúdos representados. O grupo nega, assim, a profissão de agricultor e a possibilidade de essa escola se inserir e ajudar nesse contexto e não consegue enxergar uma possibilidade de qualidade de vida inserida no mundo rural.

Às escolas rurais resta uma espécie de enquadramento generalizador, que acaba distribuindo entre elas a imagem de inoperância, de carência, de falta. A elas faltaria tudo: professores, currículos, recursos materiais e outros. Nessa imagem que certamente perpassa a prática de seus profissionais, faltaria também competência a seus professores.

Nesta pesquisa, a popularização do uso da expressão "uma escola melhor" permitiu falar em representação social, remetendo a processos de objetivação e ancoragem aos quais foi possível chegar por meio de "pistas" recolhidas em depoimentos de alunos. Essas pistas, fragmentos de evidências da própria prática social, são geralmente ignoradas, como se fossem detalhes isolados comportando sentidos em si mesmos. Porém elas representam os elos entre os homens e suas existências. Percebê-las requer atenção ao não dito das relações, aos silêncios e aos ritos, símbolos, enfim, num processo que supera, crítica e profundamente, a mera descrição factual.

Todas as informações contidas nos dados não nos trazem muita novidade sobre a escola rural, porém, além de confirmar outros estudos, nos remetem a uma reflexão sobre a escola que está sendo oferecida para esses atores, não apenas como instituição responsável pela promoção social do indivíduo como também nos aspectos que ela assume como importante para o coletivo e o individual desse contingente de pessoas, que são construídos socialmente dentro da comunidade.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

(...) A Liberdade da Terra não é assunto de lavradores. A Liberdade da Terra é assunto de todos. Quantos não se alimentam do fruto da terra. Do que vive, sobrevive do salário. Do que é impedido de ir à escola. Dos meninos e meninas de rua. Das prostitutas. Dos ameaçados pelo Cólera. Dos que amargam o desemprego. Dos que recusam a morte do sonho. A liberdade da Terra e a Paz do campo tem um nome. Hoje viemos cantar no coração da cidade para que ela ouça nossas canções... (TIERRA. 1978 )

 

Na realização desta pesquisa, consegui identificar, na representação dos alunos trabalhadores rurais, o desejo de aprenderem a 1er e escrever fundamentados em funções já instituídas pela escola, como: ter um trabalho melhor, ter autonomia como sujeito capaz de decifrar o código da leitura e da escrita, ter a sua imagem desvinculada de um preconceito dispensado pelos letrados àqueles que não o são.

Foge da compreensão dos alunos que o fazer campensino é edificante e o faz cidadão do mundo como outro qualquer, a escola não conseguiu no exercício da construção do conhecimento transmitir formas de pensar elaborativas para a construção da identidade camponesa. Não está presente fundamentos propostos pela pedagogia freiriana que é o a construção do sujeito como ator do seu espaço.

Além desses parecem ainda outro sentido para a escola que foge ao instituído e que anima os alunos trabalhadores rurais a frequentarem a escola que é fazer parte de um grupo privilegiado aos olhos do coletivo, acham que a escola os faz mais educados, mais cidadãos, melhora a autoestima. Há um brilho no olhar que revela o orgulho de estar num grupo que para eles é o mais forte, o que tem maior destaque naquele espaço. Aqui está claro que a imagem negativa do cidadão campesino é reafirmada numa escola que trás o desenho urbano para as comunidades rurais e dentro dela esse cidadão inverte sua imagem de homem do campo, buscando a proximidade do cidadão urbano, esse já eleito, através das inversões de valores, como o bem apresentável, o bem vestido, o mais sucedido e com mais destaque social.

Há uma acomodação presente na aceitação do papel da escola. Sua condição física e pedagógica parece não representar muita coisa. A escola não revela eficácia e eficiência nos ensinamentos, politicamente pouco convincente, perde constantemente grande parte para a evasão. Dentre os que permanecem, boa parte fica repetindo consecutivas vezes a mesma série até que, um dia, também desiste. É presente nos seus discursos a vontade de ir para a cidade procurar uma escola melhor, que seja capaz de lhes conferir uma profissão.

Contraditoriamente ao proposto pela escola, que é inserção social, habilitação profissional, preparação plena do ser humano para o exercício da cidadania, encontramos uma escola que, em nenhum momento e sob nenhum aspecto, intenciona a fixação do campesino à terra, no seu nível mais baixo ela fornece uma educação elementar para o trabalhador rural, e este a utiliza em pequenas aplicações no cotidiano que em nada contribuem para melhorar suas condições de existência no contexto rural.

Ao que parece, a escola desenvolve muito bem o papel de estimular os ânimos e auxiliar a saída do jovem rural para as cidades em busca de trabalho. Consequentemente pela ausência de conhecimentos, esse trabalho se configurará em subempregos. A exemplo os que já foram citados pelos atores desta pesquisa.

A escola, que deveria assumir a posição de mantenedora de referenciais para a vida, cabe agora o tributo de fomentar o desencontro do homem camponês com a sua realidade, o tributo da massificação, da circulação instantânea e pasteurização de significados, desejos e modelos. É na própria prática cotidiana, nas lutas pelo poder no interior das sociedades, na ação dos homens, enfim, que tais referenciais vão se estabelecendo e solidificando, instituindo e sendo instituídos.

Não podemos negar o carisma ou magia que a escola desperta. Para os alunos trabalhadores rurais aprender a ler e escrever com a ajuda de outros é muito diferente do que se dá com aqueles que passam pelo banco da escola em busca do mesmo resultado. Para o homem do campo “Ter escola é muito importante”, isso faz uma grande diferença e se torna um divisor entre o homem “bronco”, “ignorante” (definição dada por eles para aqueles que nunca frequentaram a escola) e o letrado, ou seja, aquele que frequentou um ou dois anos uma escola.

Não adiantam propostas de mudanças isoladas para a escola do campo. Para viabilização de uma intervenção, torna-se necessária a adesão popular local em projetos políticos pedagógicos cuja consistência seja comprovada pelos atores envolvidos no contexto.  Ouso dizer que, diante do exposto, a escola é um espaço privilegiado, pois no seu chão é possível estabelecer um campo de lutas, porém é urgente a necessidade de reconstruir-se numa perspectiva de desenvolvimento local, sustentável e sobretudo de edificação na construção da identidade do homem campesino.

Como um grande cenário onde se expõem expectativas, desejos e fantasias, a escola precisa rever-se, enfrentando os conflitos de todas as ordens: formação de professor, currículos e programas vazios, o desafio da mídia televisiva impregnando de discurso alienante a mente de cada ator escolar, processos e formas de avaliação, realidades mutantes, fracasso escolar. Alguns desses problemas tornam-se verdadeiros estigmas, atributos extremamente depreciativos, que tornam a escola desacreditada e reprodutora da visão urbana, destituindo os atores do campo do seu protagonismo como sujeitos sociais e com identidade própria.

 

   6. Bibliografia:

ARROYO, Miguel Gonsalez; CALDART, Roseli; CASTAGNA, Mônica (organizadores). FERNANDES, Bernado M.; CERIOLI; Paulo R.; CALDART, Roseli S. Primeira. Por uma Educação básica do Campo.  Petrópolis, RJ:Vozes, 2004.

BRASIL, Ministério da Educação. Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo: Resolução CNE/CEB, n. 1, de 3 de abril de 2002. Brasília. Disponível em: Acesso em: 20 jun. 2015.

BENJAMIM, César, ALBERTI, José A., SADER, Emir et ai. A opção brasileira. Rio de Janeiro. Contraponto, 1998.

CALDART, Roseli. Currículo sem Fronteiras, v.3, n.1, pp.60-81, Jan/Jun 2003

 

COULON, Alain. Etnometodologia e educação. Petrópolis. Vozes, 1995.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 1987.

 

GATTI, Angelina B., DAVIS, Cláudia, ALENCAR, José F. et al. Coordenada por Jackques Therrien, & Maria Nobre Damascene. Escola e educação no campo. Campinas. Papirus, 1993.

 

GRAMSCI, Antônio. Concepção dialética da história. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1978.

LÜDKE, Menga & ANDRÉ, Marli. E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo. EPU, 1986.

 

MOSCOVICI, S. A representação social da psicanálise. Rio de Janeiro. Zahar, 1978.

 

PAIXÃO, L. Pinheiro, CAMPOS, Rogério C, BRANDÃO, Carlos R. et al. Da escola carente a escola possível. Organizada por Miguel G. Arroyo. São Paulo. Loyola, 1991.

 

PARECER CNE/ EEB 36/2001. Diário Oficial da União 133/2002, seção 1, p. 11.

 

SILVA, Edilma Cotrim da. Representação da Escola para o Aluno  Trabalhador Rural. Disponível. Dissertação de Mestrado. Disponível em  https://constellation.uqac.ca/709/1/17905598.pdf. Acessado em 08/05/2018.

 

TIERRA, Pedro.  A fala da terra. https://www.cartamaior.com.br. Acessado em 10/06/2018.

 

 

[1]  1. Lei Federal n° 8.069, de 13 de julho de 1990.

[2] 2. Lei Federal n° 10.219, de 11 de abril de 2001, regulamentada pelo Decreto Federal n2 3.823, de 28de maio de 2001.

 

 

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