04/05/2017

Educação: desafios presentes, olhar no futuro

Enquanto o robozinho andava pelo palco do EdTechClass, evento realizado em São Paulo por uma série de startups brasileiras da área de educação, a plateia suspirava. Os movimentos doces e a forma como respondia ao palestrante poderiam nos confundir sobre a natureza daquela criatura, a mesma que, tempos atrás, arrancou um sorriso da rainha Elizabeth durante uma visita real à Alemanha. A reação diante daquela máquina diz algumas coisas sobre como o ser humano vivencia a tecnologia em suas relações sociais e de trabalho. Mais do que um artefato à parte, o robô carregaria em si uma projeção do seu criador. Pensando assim, a tecnologia não estaria além de nós, mas seria uma extensão humana. No centro desta relação, estão questões como a separação entre virtual e real e os seus impactos na educação de ontem e do futuro -  reflexões que há anos vêm sendo feitas por pesquisadores da educação. Esses e outros temas foram lembrados no evento, que reuniu mais de mil pessoas. 

ENSINO

Em uma das palestras que ocuparam o dia, a fundadora da Rhyzos, Maria Cláudia Amaro, compartilhou com os participantes as experiências de suas viagens a diferentes instituições de ensino pelo mundo. Para ela, o desafio das escolas, mais do que lidarem com novas tecnologias, é serem relevantes nos espaços que ocupam, sejam eles locais ou globais. Na Índia, por exemplo, Maria Cláudia visitou uma escola privada que abria seus parques e bibliotecas para a vizinhança. “Se não trouxer benefícios para toda a comunidade, a escola não está cumprindo seu papel, seja pública ou privada”, reflete ela, que deixou um cargo de executiva para se dedicar à educação.  

Maria Cláudia contou que foi numa escola pública no Capão Redondo, região periférica do município de São Paulo, que encontrou o acolhimento que não via nas instituições particulares onde estudava a sua filha, na zona sul da cidade. “Na periferia, a escola priorizava a arte e a troca de experiências e afetos, em detrimento de disciplinas muito engessadas”, contou ela. O modelo escolar que privilegia a multiplicidade foi visto por Maria Cláudia em outros lugares do mundo. Nos Estados Unidos, uma escola que usa a dança e o rap em suas metodologias foi uma das que mais chamou a sua atenção. 

As rápidas mudanças sociais e tecnológicas que temos vivido podem ser uma das razões da ampliação dos ambientes possíveis para a relação ensino-aprendizagem. Se há alguns anos a educação se dava principalmente em sala e por meio da leitura da palavra escrita, num processo bastante racional, hoje, o contato com diversas mídias implicaria na mistura de saberes que não se organizam de forma rígida. Com o acesso ampliado, os estímulos são plurais, muitas vezes afetivos, e não possuem, à priori, ordem de importância. Eles podem também se conectar ou desconectar a diferentes interlocutores, a qualquer tempo. 

TECNOLOGIA

Internet, celular, avião - geralmente são itens assim que nos vêm à cabeça quando pensamos em tecnologia. No entanto, todas as vezes que o ser humano usou recursos da natureza para lidar melhor com os desafios da vida, novas tecnologias foram desenvolvidas. Refletindo por esta perspectiva, poderíamos ficar um pouco mais tranquilos sobre as mudanças trazidas pela tecnologia, já que ela sempre nos acompanhou durante a evolução da espécie. Mas, se existe uma diferença entre o nosso tempo e o dos homens que desenvolveram a agricultura, é a velocidade das mudanças. As novidades dos últimos anos são diárias e globais e isso parece ter consequências diretas na forma como entendemos e nos relacionamos com o mundo. 

É interessante lembrar que, ao longo da história, estivemos sempre inseridos em um contexto econômico e social, por isso a análise dos modelos educacionais não pode ser descolada de um olhar sobre as formas de produção e distribuição de riqueza. Já pensou em como o capitalismo impacta as novas tecnologias, e em como estas impactam a educação? E se pensarmos o caminho inverso, os impactos da educação em nosso sistema? Esse é um bom exercício para refletir sobre o papel da inovação na educação, bem como sobre o papel da educação na inovação. Qual a importância da universidade nos dias de hoje, quando a informação está a um clique? Pensar isso pode nos ajudar a vislumbrar como as tecnologias devem estar consonantes com a missão e a proposta pedagógica e social de cada IES, ampliando-as. 

Mais atento ao desenvolvimento individual, o co-fundador da Multiversidade, uma comunidade de aprendizes autônomos que se encontram virtualmente através de uma plataforma digital, Alex Bretas, acredita que é necessário criar um novo modelo de aprender.  Em sua apresentação, ele falou sobre um estudo de 2013 da Universidade de Oxford que aponta que até 47% dos empregos nos Estados Unidos serão extintos nos próximos 25 anos em função da tecnologia. A proposta da Multiversidade é que cada pessoa possa trilhar de forma autônoma seus próprios caminhos contínuos para o aprendizado, através da interação com conteúdos e outras pessoas interessadas pelo mesmo tema. 

INOVAÇÃO 

Se a realidade se mostra desafiadora para as instituições de ensino, Gustavo Caetano, CEO da Sambatech, empresa de soluções para vídeos online, argumenta que, hoje, a experimentação e o erro podem ser bons caminhos para o reposicionamento do setor educacional. Para ele, atualmente, o sucesso de todo empreendimento está diretamente ligado à possibilidade de testar, por isso, as universidades precisariam voltar a sua cultura para a inovação. “Mudanças sempre geram incômodo, mas são fundamentais para nos desenvolvermos em um mundo cheio de novidades”, aponta ele, com indefectível sotaque mineiro. 

A história do rapaz nascido em Araguari, interior de Minas Gerais, que fala com desenvoltura com a presidente da Microsoft no Brasil, Paula Bellizia, também presente no evento, e que já foi convidado para palestrar sobre inovação na Nasdaq, associação do mercado de ações norte americano, diz muito sobre as novas possibilidades que se abrem para as gerações conectadas. Espaços que antes eram quase inalcançáveis para determinados públicos, hoje seriam mais democráticos, segundo ele. 

Nos últimos anos, o homem se libertou “de uma coincidência histórica entre espaço e tempo”, e pôde estar em quase todos os lugares. É o que fala a pesquisadora brasileira VaniKenski, em seu livro “Educação e tecnologias: o novo ritmo da informação”. Ela cita Deleuze e Guattari para dizer que, se, tradicionalmente, uma metáfora interessante para o modelo de ensino era o de uma árvore, em que o tronco é o conhecimento central e os galhos são as divisões das áreas e suas respectivas especializações, hoje um modelo mais realista seria um rizoma, espécie de haste subterrânea que não possui ponto central e se interconecta de forma livre. A heterogeneidade do rizoma nos faz pensar sobre esse novo formato estrutural da nossa relação com o conhecimento, especialmente quando lembramos da internet e seus textos que remetem a outros, que nos levam a vídeos, e estes a imagens, geralmente de forma bem autônoma.  

Um parêntese aqui para dizer que é interessante pesquisar os conceitos de pós-estruturalismo e pós-modernismo, pensando, por exemplo, em Nietzsche e Foucault; e de metanarrativas, como a de Marx; para um aprofundamento sobre este modelo. É importante debater as consequências da educação rizomática tanto na aprendizagem quanto na organização social, política e econômica.  


FUTURO 

Se o futuro é um desafio, cabe ao ser humano construí-lo da melhor forma possível. Pelo menos é o que pensam os dois jovens cearenses que criaram o FEX – Future Explorers. Bruno Macedo e Paulo Renan, que no palco não aparentavam mais do que 20 e poucos anos, contaram sobre a sua experiência de reunir 330 alunos de um colégio de Fortaleza em um projeto voltado para o amanhã. 

Com os desafios para a humanidade apontados pela ONU como pano de fundo, os garotos propuseram aos estudantes que apresentassem soluções para esses problemas. Quem pedia ajuda aos alunos, numa espécie de jogo que alinhavou o projeto, foi uma personagem do futuro. Num vídeo, ela convocava os estudantes a solucionarem o que seriam graves problemas na terra daqui a 30 anos. Divididas em equipes, as turmas conversaram com neurocientistas, candidatos a prefeito e uma série de outros profissionais que os ajudaram a construir propostas para os principais desafios que a humanidade enfrentará. 

Pesquisando o futuro, os alunos perceberam que muito daquilo que eles viam como ficção científica já está sendo elaborado por pesquisadores. Um exemplo é uma máquina que imprimirá órgãos humanos, ou o chip que, implantado no cérebro, seria capaz de corrigir problemas neurológicos. Essas e outras soluções foram registradas pelos alunos em entrevistas e criação de protótipos.  

Se, em alguns aspectos, o intervalo entre realidade e expectativa de futuro está cada vez menor, vale a pena trazer de volta a referência à Kenski sobre os desafios da educação no presente. Ela sugere que as novas tecnologias e os seus impactos sociais sejam discutidos em sala e compreendidos por educadores e alunos. Através deste entendimento, a relação de ensino e aprendizagem ganharia novas possibilidades que poderiam ser utilizadas sempre de acordo com cada contexto e proposta pedagógica. 

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