EDUCAÇÃO COMPARADA: FIOS E DESAFIOS DAS FRONTEIRAS E LIMITES DA COMPARAÇÃO

João Paulo Santos Neves
Professor de Química no Colégio Mãe da Divina Providência – MT
Professor Pedagogo da Secretaria de Estado de Educação de MT
Mestre em Ciências da Educação – UCP
joaoppaulo1508@hotmail.com
RESUMO: A educação comparada quando observada sob a ótica da investigação e do procedimento metodológico, se materializa como um terreno fértil de amplas possibilidades e perspectivas potenciais de discussão. Assim, ela se propõe a ser um espaço de reflexão e intensos debates para então, construir conhecimentos que ultrapassem as fronteiras limitativas do entendimento educacional. Neste artigo, discute-se a construção do sentido da educação comparada sob a perspectiva metodológica a fim de contribuir com as discussões futuras sobre educação, índices, políticas e ações. O texto se apresenta com progressiva discussão acerca dos limites, das fronteiras e os desafios para construir um entendimento cada vez mais acertado sobre os objetivos do método comparatista. Na primeira parte, traz uma discussão sobre as fronteiras em que a comparação se propõe romper e possivelmente conviver, mediante profunda construção de entendimento sobre suas finalidades. Em um segundo momento, propõe-se discutir os enfoques da educação comparada permeando seus detalhes implícitos aqui denominados ‘fios’. Desta forma, procura-se apontar, no intuito de provocar novas reflexões limites, possibilidades e possíveis desafios a serem enfrentados no uso das contribuições da educação comparada, materializando elementos para novas discussões.
PALAVRAS-CHAVE: Fronteiras. Desafios. Educação. Comparação.
INTRODUÇÃO
A Educação Comparada (EC) dedicou-se historicamente à descrição de sistemas educacionais em desenvolvimento em diferentes países do mundo. Tal desafio é engendrado por muitos pesquisadores ligados à discussão educacional e às mudanças substanciais e significativas dentro da educação. Conhecendo pelo mundo as diversas realidades e coletando informações a partir de experiências exitosas e outras nem tanto, para discutir, ressignificar, e se tornarem ponto de partida para novas proposituras, promovendo debates gradualmente mais intensos; uma vez que a educação, em especial a comparada não se reduz único e exclusivamente à comparação.
À medida que surgem inquietações e tornam-se necessárias cada vez mais uma compreensão aprofundada sobre educação, tendências, influências internas e externas, fios e desafios sobre a conjectura educacional no Brasil e no mundo, fica mais evidente a necessidade de discussões aprofundadas acerca do (re)desenvolvimento educacional.
Segundo Ferreira (2008), a educação comparada surge no contexto do século XIX, mas só ganhará status acadêmico no século XX, ainda que muito tímido. Relativamente curta, a história da EC tem sido centrada especialmente na discussão sobre o destino das abordagens dos estudos comparativos sobre educação. Desta forma, aspectos metodológicos têm materializado razões de debates acerca da influencia das instituições educacionais em seus respectivos países.
Decorrente da evolução do pensamento e da reflexão pedagógica, a EC, se encontra já na antiguidade, quando Tucídides, Heródoto e Xenofonte trouxeram comparações que permitiram diferenciar o modo educativo espartano do ateniense; a educação persa da grega e da egípcia. Entretanto, os estudos sistemáticos e metodológicos só começam a surgir nos séculos recentes (XIX em diante). Somente ao longo dos séculos seguintes, ela se tornou objeto de (re)leitura dos sistemas educativos nacionais, começando a se afirmar como fruto de intensas e progressivas transformações econômicas, políticas, culturais e sociais, onde a educação se pauta para suas realizações (FERREIRA, 2009).
Entretanto, é natural, mas não trivial, que a EC se consolidasse como campo de reflexão educacional, no século XIX, uma vez que surgem de si, a Literatura Comparada, o Direito Comparado, a Anatomia Comparada, assim como outras ciências do viés comparatista; que não se limitaram único e exclusivamente à comparação.
Este recorte teórico se propõe contribuir para a apropriação, compreensão e reflexão da história da EC delineando um caminho sinuoso, entre a reflexão histórica e as inquietações dos desafios das fronteiras e limitações da comparação. Pretende-se construir uma tentativa de indagação sobre a EC propriamente dita, os equívocos interpretativos, sua eclosão no Brasil e seus múltiplos diálogos nas conjunturas educacionais brasileiras. Para tanto, pretende-se aqui explorar e analisar algumas abordagens presentes no cenário educacional, destacando concepções da própria realidade educacional brasileira. Entretanto, Ferreira (2009) nos clarifica que comparar não é uma prerrogativa da educação, da pedagogia ou de alguma área específica do campo educativo; assim, este recorte reflexivo não se prestará a somente comparar sistemas educacionais.
O texto está organizado a partir de duas óticas de análise. Na primeira parte uma incursão acerca dos enfoques em torno da educação comparada, aqui denominada ‘fios’. Na segunda, uma discussão acerca dos limites da comparação e até que ponto ela pode chegar a contribuir com os avanços educacionais contemporâneos, aqui denominadas de ‘desafios’. A ideia é propor uma discussão reflexiva acerca da EC, seus construtos, desconstrutos, contributos e proposituras para o delineamento educacional (NÓVOA; POPKEWITZ, 1992).
DOS FIOS AOS DESAFIOS DE FRONTEIRA
No decurso da evolução da humanidade, o recurso da comparação, é fundamental para o desenvolvimento de atividades a fim de evolução e aperfeiçoamento do pensamento humano.
Por este motivo, educadores se propõem a desvendar questões práticas e teóricas que influem diretamente em seu campo de atuação. A denominação Educação Comparada (EC), se reserva no intuito de descortinar estudos que caracterizam a observação e comparação crítico-reflexiva de nuances do campo educativo; dos quais se materializam como objeto de estudo, os sistemas nacionais de ensino (em uma visão preliminarmente ampla).
Ao descrever e posteriormente confrontá-los, a EC se propõem a analisar semelhanças e disparidades quanto à suas funções, estruturação, objetividade, fundamentos e demais aspectos inerentes ao universo educacional; estando previstas nos documentos legais ou que alcancem efetiva realização e contribuição. Sobre esta reflexão, é importante ressaltar que de modo mais consistente, cada sistema não deve surgir apenas por um agregado de serviços, onde um regime administrativo, seja ele qual for, imponha uma unidade (GARRIDO, 1986).
Não é possível, que cada ‘sistema’ se constitua e venham a funcionar unicamente como uma criação arbitrária de administradores, políticos e/ou pedagogos. O que de fato representará cada sistema educativo nacional? Sob quais bases? Uma vez que as múltiplas facetas da educação se balizam mediante as linhas complexas de complementaridade entre si.
Em sentido mais amplo, torna-se fundamental, compreende-la (a EC) como uma projeção, no plano da completude das instituições às quais sua geração pertence; compreendendo as forças que conduzem as gerações constituídas historicamente a influir nas atuais, para assim, transmitir ideias, sentimentos, desejos, técnicas, aspirações, anseios, avanços e retrocessos, para então, haver uma (re)construção de futuros mais acertados e alinhados com as realidades contemporâneas. Ao considerar estas e as condições futuras, poderemos nos permitir, falar de um processo educacional.
Partindo das formas institucionalizadas e oficiais de ensino, a EC se propõe a aprofundar a análise de cada processo educacional, considerando as múltiplas relações político-sociais que se apresenta, com as diferentes circunstâncias advindas da existência dos diversos grupos que influem direta e indiretamente no desenvolvimento da sociedade. Segundo Hans (1971), algumas circunstâncias são de fácil discussão, pois derivam do espaço de cada nação, de sua geografia, da composição e distribuição populacional; a uma primeira discussão, são quase triviais estes assuntos, no entanto, se desdobram em problemáticas secundárias que precisarão de reflexões terciárias que servirão de aporte reflexivo transcendente às limitações primárias. A exemplo: costumes, tradições, desejos, aspirações, relações, organização política, econômica e social. Apenas para projetar alguns exemplos.
Assim, uma forma de se perpetuar ao longo do tempo, é durar. Ou seja, se tornando constantemente presente, não se torna ausente, quase redundante; mas pertinente. E por que não dizer: dominante?! Por este e outros motivos, perduram e se comunicam entre si e com as demais gerações; se relacionando a fim de sistematizar de modo cada vez mais crescente, até se institucionalizar.
À medida que esta dominação adquire certa estabilidade, de um sistema sobre outro, é possível entender, como as instituições materializam a discussão sobre hierarquia e suas respectivas limitações de poder (KANDEL, 1961). Com o avanço da humanidade e do próprio pensamento humano, a natureza essencialmente política tende a se consolidar como expressão dominante, agregando grupos menores em objetividades mais amplas, para assim, se estabelecer como organização. Por este motivo, ousamos dizer, que uma nação é um povo num território, submetido a um regime político organizado. E toda esta conjectura é decisiva para o processo educacional de uma nação, pois assume posição decisiva, uma vez que se projeta para descortiná-lo futuramente (FERRER, 1990).
Se valendo de variados recursos de análise, a EC não fornece soluções e nem seria adequado, uma vez que a educação em si, deve ser refletida (no sentido de reflexão) a cada dia, a partir de cada conjectura e nos entremeios de ações e objetividades. Entretanto, ela propicia mais reflexões para que cada sociedade possa (re)descobrir seus próprios poderes de cultura, organização, objetividade; para que assim tenham elementos sólidos que os libertem da dominação e mantenham formas de desenvolvimento racional de seus respectivos sistemas educativos.
Assim, a EC se materializa como objeto de indignação, especialmente por admitir que a partir de tais organizações, as forças sociais possam se caracterizar como reflexo de suas ações de dependência, compreendidas numa estrutura orgânica de dominação. Dessa forma, ela vem estabelecer hipóteses e propor reflexões, que segundo cada sistema/organização e suas respectivas variações possam ser mais bem compreendidas e, por conseguinte explicitadas, para que sirvam de ponto propulsor para novos desdobramentos reflexivos.
ENTRE OS FIOS DA EDUCAÇÃO COMPARADA
No decurso da história, a Educação Comparada (EC) esteve ancorada no esforço contínuo de desenvolver estudos no intuito de mapear os sistemas educacionais, a fim de compreender profundamente suas dinâmicas e complexidades. Assim, ela se mantém em constante construção, entretanto, apresentando necessidades peculiares de organização de redes, delimitação de objetivos, metodologias específicas para produzir eficazmente a expansão escolar de qualidade. Entretanto, depende da própria sistematização das redes de ensino que se multiplicam geometricamente, face à necessidade dos Estados (KANDEL, 1960).
Nesta perspectiva, preliminarmente, a comparação se desdobra por meio da experiência individual de cada ente, com suas situações específicas e pontuais do seu próprio contexto escolar, onde a última instância de ação é a do Estado. Nesta proposta, incidem as preocupações centrais. Segundo Nóvoa (2009, p. 24), “[...] o outro é a razão de ser da educação comparada: o outro que serve de modelo ou de referência, que legitima as ações ou que impõe silêncios, que se imita ou que se coloniza”.
Ao longo das últimas décadas, muitos acontecimentos, contribuíram significativamente para a reestruturação da conjuntura educacional no mundo. Em se tratando de Educação Comparada, esta esteve, desse o seu início, muito empenhada em compreender a dinâmica dos sistemas educativos e como as diferentes situações contribuem para (re)estruturação da educação local, regional, nacional e mundial (HALLS, 1990).
Entretanto, a EC não pode ser vista unicamente como um produto de uma história e de uma sociedade, ela deve ser compreendida como uma metodologia de análise das conjecturas educacionais ao longo dos tempos. A comparação sempre esteve presente, marcando a evolução do pensamento humano, e por isso, se fez presente na própria construção do saber. Assim, a EC surge frente à um contexto histórico em que a expansão e oferta de ensino, assim como a afirmação da ciência como campo de conhecimento e apropriação do saber, se constituíam como eixos fundamentais do progresso da humanidade; fielmente para contribuir com as reformas educativas fundamentais para a contemporaneidade.
Na Educação Comparada, a comparação é de fundamental importância, mas não é o único caminho em que ela se resume. Ou seja, para ir além da comparação é preciso reconhecer sua importância e aplicação, para então fazer apontamentos cada vez mais acertados quanto às contribuições na área educacional.
Segundo Dominique Groux (1997), a comparação em educação tem um sentido. Nunca sendo gratuito. Quando metodicamente executada, a leitura dos aspectos comuns e das diferenças sutilmente relativas e drasticamente explícitas, frente a uma problemática, apresentam informações cada vez mais interessantes que as resultantes de uma leitura monocular, dentro de uma única visão e/ou contexto. Em educação a comparação traz uma dinâmica fluida no raciocínio que obriga a identificar semelhanças e diferenças entre dois ou mais fatos; para então, apropriar-se e compreender de forma significativa os acontecimentos, fenômenos ou processos educativos e assim interpretá-los à luz dos contextos social, político, econômico, cultural e educacional em si.
Para tanto, a EC é essencialmente múltipla e complexa. São necessários conhecimentos e apropriações provenientes de outras áreas científicas, notadamente História, Sociologia, Economia, para além de outras especialidades das Ciências da Educação (HALLS, 1990). Apesar das incertezas, controvérsias e dificuldades, não há dúvida que é na comparação dos fenômenos, fatos e acontecimentos relativos à educação nos diversos contextos que a EC se faz presente.
O estudo das problemáticas e realidades se materializa tendo em conta os diferentes contextos para estabelecer o que há de diferente e de semelhante, o que diferencia e aproxima, na tentativa de compreender as razões que determinam as situações encontradas. A educação é um elemento crucial tanto para os processos efetivos de globalização econômica e cultural, quanto para as tendências da união política que se verificam nas diferentes regiões do globo (ALTBACH, 1986).
As organizações internacionais conhecidas no campo educativo, como a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a Cultura), o Conselho da Europa e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), têm promovido estudos comparativos em educação com base na recolha, tratamento e reflexão de dados quantitativos frente aos diferentes países, fornecendo importantes informações aos macro-sistemas do modus operandi da contemporaneidade capitalista (DEBEAUVAIS, 1997).
Apesar das discussões acerca da organização dos sistemas educativos, muitas reflexões procuram avançar sobre os temas mais específicos e peculiares quanto às sistematizações dos espaços mais amplos da educação, ascendendo à discussão para os países, como por exemplo, a inserção das mulheres no universo educativo (UNESCO, 1955), o que historicamente se explica, mas não simplifica; a discussão sobre financiamento da educação, que segundo Halls (1990), sofre influências político-econômicas severas; os currículos escolares que na contemporaneidade estão se tornando centros de discussão ideológica, metodológica e atitudinal (GARRIDO, 1986) e apenas para limitar este parágrafo, mas não reduzir a discussão, os modos de formação profissional (inicial e continuada), que segundo LOURENÇO FILHO (1961), precisam ser estudados a fundo, para que haja uma mudança significativa na forma de perceber a educação e suas múltiplas relações de poder, que vão além do próprio modo capitalista de organização da sociedade.
É eminente que a EC se veja condicionada pelos interesses pragmáticos e imediatistas das instancias que delineiam as políticas educativas e isto suscita reações ora positivas no campo de apropriação ressignificação das ideias, ora negativas por parte dos que se recusam em aceitar que elas se materializam numa ação meramente técnica. Este é um dilema que já está na origem da EC, pois quando Marc-Antoine Jullien pretendia que se pudessem trabalhar comparativamente os dados para que “princípios” e “regras” pudessem ser deduzidos, sendo capazes de tornar a educação uma “ciência”, ele não distinguiu o objetivo crucial de obter informações tão necessárias quanto fossem, para que pudesse identificar onde se justificariam cada reforma educativa (NÓVOA, 1998).
Enquanto, Marc-Antoine se preocupou em recolher informações tendo em vista a produção da ciência; os interesses dos sistemas educativos sobre o conhecimento em si, resultava unicamente da necessidade de fundamentar as reformas educativas que se pretendiam realizar. Com a evolução dos diversos sistemas educativos e de suas particularidades político culturais, tornou-se evidente que a simples comparação reduziria as reflexões advindas dos séculos posteriores ao XIX, sendo insuficiente para explicar as especificidades das organizações educacionais contemporâneas. Ou seja, a Educação Comparada esteve longe de percorrer um caminho linear e bem delineado. Entre fios e desafios ela se construiu e busca se consolidar como ciência em constante formação para contribuir com o sustentáculo da educação.
Frente a estas evidências do marco da evolução da Educação Comparada, é preciso prosseguir com as reflexões, promovendo debates cada vez mais profundos e complexos, quanto ao foco teórico, metodológico e atitudinal da EC. De início, não tomando o ‘nada’ como ponto de partida; torna-se importante ressaltar questões referentes às áreas e conteúdos que influenciam diretamente na dinâmica educacional das nações, a fim de identificar desafios e fatores limitantes para o avanço da área em discussão. Ou seja, um dos vieses de embate é certamente, a necessidade de uma especificação teórica que ampare metodologicamente as investigações comparatistas; para que elas superem o limiar reducionista da comparação pela comparação (NÓVOA, 2009; FERREIRA, 2009).
Atando fios e desvendando os desafios – um convite à reflexão
Os sistemas educacionais, por se materializarem objeto de estudo da EC, sua estruturação e trabalho iniciam na descrição de sistemas e organizações que dão forma ao aparato educativo das nações. Para Ferreira (2008), cada sistema representa um empreendimento de ação político-social, onde suas intencionalidades se revestem de motivações nem sempre explícitas. Por outro lado, é preciso encontrar expressões e fatos concretos, de que as escolas funcionem, considerando toda sua estruturação. Os serviços escolares, não podem funcionar de forma isolada; pois se assim fosse, não existiriam como expressão concreta de dominação e mudança político-social.
Está evidente a necessidade e importância dos estudos comparativos em educação; para a própria evolução do pensamento sobre a temática. Em primeiro lugar é possível perceber um exímio campo de análise, onde as teorias da educação e suas múltiplas relações com as circunstâncias político-sociais se complementam para assim aprofundar a discussão e o entendimento sobre a própria educação. Assim, Marc-Antoine Jullien, percursor da Educação Comparada, nos traz que
Como em outras ciências, a educação está baseada em fatos e observações que devemos classificar em tábuas analíticas, facilmente comparáveis, para o fim de se inferir princípios e regras bem definidos. A educação deverá assentar-se em uma ciência reflexiva, ao invés de ser dominada por opiniões limitadas e estreitas, pelo capricho e decisões arbitrárias dos administradores, que se desviam da finalidade educacional, seja por prejuízos de uma rotina cega, seja pelo espírito de alguns sistemas de inovação, não suficientemente fundamentados. (ROSSELLO, 1978).
Segundo Kandel (1943), a seja excessiva ou preliminar dos fatos observados em um dado tempo, bem como as realidades a serem analisadas, dentro das fronteiras de cada nação, permitem que os estudos comparativos alcancem cada vez, maiores públicos e uma efetiva precisão em suas reflexões.
Assim, percebemos que o estudo das grandes conjecturas educacionais em toda a humanidade e até mesmo nos restritos grupos, não poderiam ganhar tanta importância, quanto nos estudos comparativos; pois estes se propõem cheios de significados e preciosas complexidades. Tais especialidades nos propõem refletir preliminarmente como os sistemas se organizam, por consequência, suas fortalezas e fragilidades; para então seguir pelo viés discursivo e reflexivo do pensamento e da construção coletiva do futuro. As contribuições da Educação Comparada proporcionam elementos válidos para análise dos sistemas e organizações de ensino, repassando suas razões e motivações das possibilidades do alcance efetivo de suas ações (BONITATIBUS, 1979).
Ao confrontar o sistema de ensino de uma nação com a outra; é possível tomar consciência de aspectos distintos e convergentes, acerca do processo construtivo da educação nacional como um todo, e assim é possível elaborar critérios e objetivos que possam propiciar um melhor entendimento das próprias instituições educacionais, suas razões, indignações e futuros resultados. Ainda que ela busque se concretizar como estudo de domínio específico com objetivos próprios e caráter peculiar, a EC se reveste de inegável abordagem interdisciplinar, não se limitando a um setor isolado de pesquisa. Assim, podemos inferir que nos estudos comparativos, os ramos de investigação e aplicação se entrecruzam e buscam evidenciar as múltiplas relações que se constroem ao longo dos tempos.
No entanto, se houver um alongamento exagerado dos limites estabelecidos pela comparação, já não será possível dizer que se está ‘fazendo’ Educação Comparada, mas sim História da Educação; o que nos levará a novas conjecturas e epistemologias específicas deste campo de estudo. Porém, dentro das limitações, é possível discernir tendências e enfrentamentos frente ao progresso nos sistemas e em suas relações formais e informais.
Diante das regularidades e disparidades dos fios que se tecem, é que buscamos refletir sobre as múltiplas facetas educacionais históricas e contemporâneas que se constituem como bases metodológicas e epistemológicas da educação. Em tempos de rápida mudança social, os dados de análise comparativa, passam a integrar campo de estudo político e administrativo; passando a integrar grande aparato reflexivo na construção de planos e projetos de um “futuro”. Todavia, os estudos comparativos reúnem informações para formulação de hipóteses, construção e reconstrução de modelos para compreensão dos processos educacionais, condições e modus operandi de institucionalização (BEREDAY, 1972).
Segundo Isaac L. Kandel a principal intenção da EC é estudar e refletir sobre problemas pedagógicos comuns nos diferentes pontos do globo, analisando causas de origem e os caminhos a seguir, apontando razões profundas para isso.
Em síntese, Kandel (1933), diz que
[...] a educação comparada se interessa pelo progresso das ideias e forças políticas, econômicas, sociais e culturais, que determinam as características da educação nas diferentes partes do mundo. Os sistemas de ensino de grupos nacionais ou culturais refletem os ideais, esperanças e aspirações desses grupos. Nessas condições, ainda que o estudo comparativo se relacione com minúcias de administração e organização, construções escolares, composição de cursos e programas, métodos didáticos, compêndios e salários de professores, seu fito principal será cultivar a compreensão do sentido mais profundo dos sistemas que sejam estudados. Encarada desse ponto de vista, a educação comparada deve contribuir para mais claro discernimento dos problemas da filosofia da educação, indutivamente constituída. O pesquisador deverá estar habilitado para reconhecer as importantes influências do contexto social, político, econômico e cultural sobre a educação (KANDEL, 1933).
Os problemas centrais da EC passaram a serem considerados sob critérios de investigação; os quais persistem tendências especiais que se sustentam na forma do trabalho crítico e reflexivo sobre educação. Assim, um dos pontos cruciais a destacar nos sistemas nacionais de educação, são os problemas, cujas soluções se pautam nas tradições culturais, assim como forças econômicas que estão sempre influindo na dinâmica educativa das nações.
ALGUMAS TESSITURAS FINAIS
Como ressaltado nas páginas e discussões acima, a Educação Comparada se presta a oferecer muito mais que uma “comparação por comparação”; ela necessita de uma discussão de forma abrangente, que percorra a compreensão histórica conceitual da educação a partir dos autores que constituíram este campo profícuo de atuação e investigação. Ou seja, a EC não está restrita apenas ao círculo educacional e pedagógico, tendo servido de aporte para outros campos do saber.
Em síntese, é possível afirmar que existe uma infinidade de classificações acerca da educação comparada, entretanto, as tessituras aqui trabalhadas, mostram que o entendimento fiel acerca de seus propósitos é fundamental para sua inteira compreensão, para que não seja reduzida a uma simples comparação. Em torno da arquitetura comparatista educacional que se constituiu em torno da experiência de pesquisa de diversos autores, foi possível apresentar alguns (mas sólidos) argumentos que se fizerem alicerce da EC.
Historicamente, comparam-se diversas conjecturas, proposituras e realidades; lembrando que estamos falando de sistemas educacionais, pois os estudos comparativos de ordem econômica, política, social, entre outros necessitam de novas perspectivas e assertivas sobre suas inserções reflexivas. Assim, os sistemas educativos, por ser objeto de estudo da Educação Comparada, sua forma de estruturação e trabalho, iniciam pela descrição de sistemas e sua respectiva organização que darão forma à estrutura educativa das nações. Para Ferreira (2008), cada sistema educativo representa um empreendimento de ação política e social, onde suas intencionalidades se propõem em motivações nem sempre explícitas, o que demanda momentos de reflexão e intensos debates para construção de estruturas sólidas de discussão a respeito da educação comparada e seus desdobramentos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos comparativos demonstram através da unificação de tendências, pontos de vista bem mais abrangentes acerca da comparação; uma vez que traz num sentido reflexivo mais complexo. A compreensão político-social, bem como a histórica, não excluiu a análise de termos filosóficos que influenciaram significativamente a historia da educação, bem como suas análises específicas.
A Educação Comparada como viés de pesquisa interdisciplinar, requer esquemas que estejam amparados em estudos sociais, políticos e atitudinais, passando pela crítica reflexiva, para que futuras investigações possam ser realizadas. Assim, seu objetivo último não deve ser tão somente encontrar semelhanças ou diferenças, mas encontrar e descrever sentidos fluidos para os processos educacionais e seus respectivos sistemas/organizações.
Apesar da constante evolução e a globalização, as intenções internacionais que partem das imposições de ‘modelos civilizatórios’, se fazem perpetuar nas outras nações como “exemplos” para que a ‘educação possa progredir’. Entretanto, não se percebe que aconteça linearmente em todos os países. Assim, é possível perceber que a história da educação comparada é análoga à própria história da humanidade; pois suas flexões, inflexões, mudanças, progressos e retrocessos dão sustentáculo à formação de sujeitos sociais que possam influir no caminho da contemporaneidade.
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