EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: FUNDAMENTOS, DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE UMA FORMAÇÃO CRÍTICA E TRANSFORMADORA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: FUNDAMENTOS, DESAFIOS E POSSIBILIDADES DE UMA FORMAÇÃO CRÍTICA E TRANSFORMADORA
Peterson Ayres Cabelleira
Doutor em Educação em Ciências: Química da Vida e Saúde pela Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA).
São Borja, Rio Grande do Sul, Brasil.
E-mail: petersoncabelleira@hotmail.com
Resumo
Este artigo propõe uma reflexão crítica sobre a inserção da Educação Ambiental (EA) no currículo escolar, discutindo seus fundamentos legais, epistemológicos e pedagógicos. Com base em uma perspectiva crítica e emancipatória, analisam-se os avanços normativos, os desafios práticos enfrentados pelas escolas e os caminhos possíveis para consolidar uma EA que vá além do discurso e contribua efetivamente para a formação de sujeitos ecológicos, éticos e socialmente engajados. A discussão é embasada em documentos oficiais como a LDB, a BNCC e a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), além de autores fundamentais na área, como Loureiro, Carvalho e Sauvé.
Palavras-chave: educação ambiental; currículo escolar; transversalidade; sustentabilidade crítica; políticas públicas educacionais.
1. Introdução
A crise ecológica global, manifestada em eventos extremos, degradação ambiental e desigualdades socioambientais, exige uma resposta educacional urgente, articulada e crítica. A Educação Ambiental (EA), ao ser incorporada ao currículo escolar, adquire status de política pública educacional voltada à construção de uma consciência ecológica cidadã. No entanto, sua efetivação nas práticas pedagógicas ainda encontra entraves estruturais, epistemológicos e formativos que merecem análise.
Neste artigo, discutimos o lugar da EA no currículo escolar a partir de uma perspectiva crítica e transformadora. Analisamos como os marcos legais e conceituais orientam essa inserção, quais os desafios enfrentados na prática e quais caminhos podem fortalecer a EA como eixo estruturante de uma educação comprometida com a justiça socioambiental.
2. Marcos legais e conceituais da Educação Ambiental no Brasil
A inserção da Educação Ambiental no currículo escolar brasileiro tem respaldo em diversos dispositivos legais. A Lei nº 9.795/1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), define a EA como componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente de forma articulada, contínua e transversal em todos os níveis e modalidades de ensino (BRASIL, 1999).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394/1996) também respalda essa diretriz ao estabelecer, em seu artigo 26, §7º, que “os currículos devem incluir conteúdos que tratem dos direitos humanos e da educação ambiental de forma transversal” (BRASIL, 1996). Esse princípio é reafirmado pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual incorpora a EA como tema transversal integrador das competências gerais, com destaque para o protagonismo dos estudantes em relação às questões ambientais e sociais (BRASIL, 2017).
A transversalidade, nesse contexto, não deve ser confundida com a ausência de sistematização, mas sim compreendida como a capacidade de integrar conhecimentos e práticas em diferentes componentes curriculares, conforme argumenta Veiga (2008). Essa concepção demanda do currículo uma reestruturação para que a EA não seja vista como conteúdo periférico, mas como eixo articulador de saberes e práticas voltados à sustentabilidade crítica.
3. Fundamentos epistemológicos e pedagógicos da EA crítica
Diferentes abordagens orientam a Educação Ambiental no campo educacional, com implicações diretas sobre suas práticas curriculares. Sauvé (2005) identifica ao menos três grandes matrizes: a EA conservacionista (focada na preservação da natureza), a pragmática (voltada para a resolução de problemas imediatos) e a crítica (comprometida com a transformação social e a justiça ambiental).
A perspectiva crítica, defendida por autores como Loureiro (2012), Freire (2005) e Carvalho (2012), propõe uma EA que ultrapasse os limites da conscientização individual para problematizar as estruturas sociais que geram e perpetuam a crise ambiental. A formação de sujeitos ecológicos pressupõe, portanto, um trabalho pedagógico que desenvolva o pensamento complexo, a análise crítica, o engajamento político e a solidariedade planetária.
Segundo Guimarães (2004), essa abordagem crítica exige que a EA se articule a outras dimensões da formação humana, como os direitos humanos, a equidade de gênero, a ética e a cidadania. Nesse sentido, o currículo escolar é o espaço por excelência para essa articulação, desde que seja compreendido como construção social e histórica, aberta à pluralidade de saberes e experiências.
4. Desafios da inserção da Educação Ambiental no currículo
Apesar do arcabouço legal e teórico que sustenta a EA, sua concretização curricular enfrenta diversos desafios:
-
Fragmentação do conhecimento escolar, que dificulta a abordagem integrada e contextualizada das questões ambientais;
-
Formação inicial e continuada insuficiente de professores, que muitas vezes não recebem preparo específico para trabalhar com EA de forma crítica e interdisciplinar (CARVALHO, 2012);
-
Instrumentalização da EA, reduzida a projetos pontuais ou campanhas ecológicas desvinculadas da realidade social e política dos estudantes;
-
Desvalorização curricular, com a EA sendo tratada como "tema extra" ou "ativismo ambiental", e não como conteúdo fundamental para a formação cidadã.
Esses desafios são agravados por um contexto de políticas educacionais regressivas, cortes de recursos e desmonte de programas que promoviam a articulação entre educação, meio ambiente e justiça social.
5. Caminhos para uma Educação Ambiental transformadora no currículo
Para consolidar a EA como parte integrante e significativa do currículo escolar, é necessário:
-
Revisar os projetos político-pedagógicos das escolas, incorporando a EA como eixo formativo transversal;
-
Fomentar práticas pedagógicas interdisciplinares, como projetos integradores, estudos do meio, investigações locais e ações comunitárias;
-
Garantir a formação docente crítica e continuada, com base em fundamentos epistemológicos sólidos e alinhados à realidade dos territórios escolares;
-
Valorizar os saberes locais e tradicionais, integrando conhecimentos científicos e populares na leitura do território e na busca de soluções sustentáveis;
-
Promover a participação democrática dos estudantes, estimulando o protagonismo juvenil na construção de alternativas ecológicas em suas comunidades.
Essas ações exigem compromisso institucional, engajamento docente e articulação com as famílias, movimentos sociais e políticas públicas de educação e meio ambiente.
6. Considerações finais
A Educação Ambiental no currículo escolar não deve ser entendida como mero adendo temático, mas como fundamento para uma nova racionalidade educacional. Em tempos de crise civilizatória, a EA pode e deve contribuir para a formação de sujeitos ético-políticos, críticos e ecologicamente comprometidos.
É necessário, portanto, que a escola se assuma como espaço de formação integral, capaz de articular saberes, práticas e valores voltados à transformação social e ambiental. Tal perspectiva só se concretiza mediante a compreensão da EA como processo contínuo, crítico, político e emancipador.
Referências
BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996.
BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 1999.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC, 2017. Disponível em: https://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 27 maio 2025.
CARVALHO, I. C. M. de. Educação Ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2012.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 50. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.
GUIMARÃES, M. A. Educação Ambiental: evolução histórica e concepções. In: LAYRARGUES, P. P. (org.). Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 25-42.
LOUREIRO, C. F. B. Educação Ambiental Crítica: contribuições à construção de uma pedagogia da Terra. São Paulo: Cortez, 2012.
SAUVÉ, L. Uma cartografia das correntes de educação ambiental. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 1, n. 1, p. 7–29, 2005.
VEIGA, I. P. A. Projeto político-pedagógico da escola: uma construção possível. Campinas: Papirus, 2008.