23/04/2021

E não é que Gilbert Durand estava certo?! Entre arquétipos, imagens, pulsões e figuras míticas... um montanhês e uma máscara!

E não é que Gilbert Durand estava certo?! Entre arquétipos, imagens, pulsões e figuras míticas... um montanhês e uma máscara!

 

MARTINS, JANDER FERNANDES - Mestre em Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE), Especialista em TIC na Educação (FURG), Pedagogo (UFSM). Doutorando em Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE). Bolsista PROSUC/CAPES. E-mail: martinsjander@yahoo.com.br

WINGERT, VITÓRIA DUARTE - Licenciada em História; Mestre em Processos e Manifestações Culturais (FEEVALE). Doutoranda em Diversidade Cultural e Inclusão Social (FEEVALE). E-MAIL: euvitoriawingert@hotmail.com

 

RESUMO

O presente paper tem como objetivo aproximar do grande teórico da Antropologia do Imaginário, Gilbert Durand (1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008) à um fenômeno atual que, vias de fatos, tem gerado discussões violentas no plano das relações socioculturais diárias, a saber, o uso da máscara. Tal empreendimento, justifica-se pelo fato de que, à luz dos conceitos durandianos, evidencia-se a ascensão simbólica e de representatividade, em proporções globais, dos usuários e não usuários deste objeto. A saber, a “o uso (ou não) da máscara”, neste período de pandemia global COVID-19.

PALAVRAS-CHAVE: Antropologia; Covid-19; Imaginário; Pandemia; Máscara.

 

PARA COMEÇO DE CONVERSA...

O presente paper tem como objetivo aproximar do grande teórico da Antropologia do Imaginário, Gilbert Durand (1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008) à um fenômeno atual que, vias de fatos, tem gerado discussões violentas no plano das relações socioculturais diárias, a saber, o uso da máscara. Tal empreendimento, justifica-se pelo fato de que, à luz dos conceitos durandianos, evidencia-se a ascensão simbólica e de representatividade, em proporções globais, dos usuários e não usuários deste objeto. A saber, a “o uso (ou não) da máscara”, neste período de pandemia global COVID-19.

Para tanto, parto da premissa que, esse “gesto”, impõem-se nitidamente, como um elemento potencializador e catalizador de sentidos, significados e, portanto, símbolos, e como tal, permite apreendermos toda uma cosmovisão assentada em uma estrutura narrativa (e comportamental) mediante ao cosmos. Tal compreensão emerge à luz da leitura e interpretação deste fenômeno, da Teoria do Imaginário proposta por Gilbert Durand (1979, 1985, 1989, 1995, 1996, 2002, 2004a, 2004b).

O título deste pequeno texto, é reflexivo em si. Na verdade, um convite à reflexão. Durand, como costumamos nos referir a ele, foi um dos maiores intelectuais que passou por esse planeta, fora do ambiente acadêmico, poucos ouviram falar dele, e menos foram os que o leram/estudaram! Por quê será? (BARROS, 2014; DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008).

Quem é este homem, que lisonjeiramente, estou aqui falando?

Sua jornada teve início e fim no século passado. Porém, seu contributo foi e será permanente. Constituiu-se um grande pesquisador, filósofo, antropólogo e mitólogo a ponto de sistematizar um entendimento sobre as “obras da civilização” sem igual. (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008)

Como fez isso?

Não só dedicando sua vida à pesquisa e reflexão, mas dando uma aula de humanidade científica, extraindo e formulando “o melhor de todos os grandes pensadores que vieram antes e os que, partilhavam com ele a mesma jornada”. Em um nicho cientificista (predatório como acabou se tornando nos últimos 150 anos), exemplificou, como poucos, que é possível refletir, dialogar, debater, criticar e extrair o melhor de tudo, sem ser destrutivo no campo teórico, científico, humano...! (BARROS, 2014; DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2008)

Mas no que foi que esse ilustre francês contribuiu?

No senso comum, que dinamiza e controla, cotidianamente, nossa relação com o universo (tua casa, familiares, local de trabalho, colegas...), “achamos” que toda e qualquer contribuição científica (exceção à área da saúde), é destinada e fica apenas no próprio meio acadêmico. Ledo engano! Somos governados, todos os dias, por elaborações e princípios sistematizados e oriundo de centros de estudos e pesquisas acadêmicas/científicas.

Durand (1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002), sempre defendeu que deveríamos “rever a história humana e reescrevê-la (e re-ensinar)”. Ou seja, que essa “História em linha de tempo”, além de arbitrária, era a prova cabal de que, nos últimos 200 anos, no Ocidente cultural e intelectual, iniciou-se um processo de clivagem, de ruptura e de cerceamento do homem (sentido genérico do termo). Ele queria dizer com isso que, se realizou uma ruptura entre o que ele chama de “homem de tradição” e “homem racional(ista), científico”. Hoje todo mundo tem de ser “especialista” em uma única coisa. Basta, atentarmos para uma pesquisa exploratória rápida e despretensiosa na plataforma Sucupira e na plataforma Lattes.

Dando continuidade e avançando, para além do que aprendeu com seus grandes mestres R. Bastide, G. Bachelard e seus colegas no famoso “Círculo de Éranus” (uma espécie de clubezinho de debates. “Clubezinho” esse frequentado, por ele, e nada mais nada menos que, C. Jung, M. Eliade, Schröding, R. Otto, R. Wilhelm, H. Corbin, Bohr, Pauli, K. Kerényi, dentre tantas outras mentes brilhantes que contribuíram concretamente para um avanço mental, científico, material e cultural para o planeta). Quantos destes ilustres, você conhece? Já leu? E, no entanto, reverbera em nosso cotidiano inúmeras contribuições desses “paladinos do conhecimento”. (BARROS, 2014; DURAND, 1979, 1985, 1989, 1995, 1996, 2002, 2004a, 2004b)

 

ALGUMAS OPINIÕES ENTRE ALGUNS EXERCÍCIOS DURANDIANOS

 

O que queremos dizer com isso? A ideia é não ser muito exaustivo e prolongado nesta tentativa de falar sobre três conceitos basilares deste autor do imaginário, a saber: mitocrítica, mitanálise e bacia semântica. (BARROS, 2014; DURAND, 1979, 1985, 1989, 1995, 1996, 2002, 2004a, 2004b; MICHEL, 1996)

Ora, como indaguei e asseverei acima, para manter certa coerência, a ideia é ser o mínimo possível canônico. Talvez seria por isso, que muito do que vemos ocorrer em uma sociedade, do ponto de vista acadêmico, parece estarrecedor. Não seria devido a justamente aos nossos textos não chegarem em uma linguagem compreensível pelo/ao público comum?

Pois bem, é isso que nos propomos, tratar de dos conceitos-chaves de Gilbert Durand, sem ser canônico e ainda assim, não deixar de seguir a coerência epistemológica e teórico do grande antropólogo e mitólogo francês.

Assim, é aqui começa a ficar mais interessante o que propomos. Gostaríamos de retomar a última frase do subtítulo anterior, “[...] Quantos destes ilustres, você conhece? Já leu? E, no entanto, reverbera em nosso cotidiano inúmeras contribuições desses “paladinos do conhecimento[...]”.

Quando lemos, decodificamos e interpretamos a palavra “paladino”, o que vem à mente? O que se pensou?

Aliás, termos equivocados usei, o correto é te perguntar: - ao ler o termo paladino que “imagem” vem à sua mente?

Sim, caro leitor. Essa é a área de contributo de nosso ilustre pensador. Durand dedicou sua vida a estudar o “imaginário”, a imagem, a imaginação humana! Na verdade, algo que foi desvalorizado na nossa cultura ocidental, há mais ou menos 200 anos, com o domínio do pensamento e cultura racionalista, fruto do esforço intelectual de René Descartes (penso logo existo! Lembram?), que por sua vez, foi “buscar luz” nos antigos gregos da Antiguidade (Aristóteles, em especial). (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008)

Pois bem, quando escrevi acima que Durand propunha uma “reescrita da história”, era para demonstrar e esclarecer que, é graças à nossa capacidade de imaginar que chegamos aqui. Sem ela, nada é possível!

Para o meio acadêmico e de nichos de pesquisa, indagar sobre tais fenômenos, beira ao trivial, mas para a massa da população não-acadêmica? É a eles que deveríamos indagar também, “-Você já parou para pensar, que todo pensamento que você elabora, é constituído de imagem (e som)? Em outras palavras, você consegue pensar sem ‘imaginar imagens’ na cabeça?”

Essa pergunta, como dito, muito trivial, foi um dos pontos mais importantes e que motivaram nosso ilustre pensador a enveredar sua vida para os estudos dos mitos, das culturas, das imagens e das produções do homem ao longo da história! (BARROS, 2014)

Embora, como disse, há alguns anos tenha caído em descrédito, nada escapa à ela! Tudo converge e é oriunda dela! Do mais cético e racionalista ao mais crente, imaginativo e/ou esquizofrênico, todos são/somos ditados pelo ato de imaginar (imaginação), em um maior ou menor grau!

E por imaginação, estou necessariamente, falando de imagens. E se falo de imagens, toda imagem tem um significado. E se tem um significado, ela gera/produz um sentido. E só se tem significado e sentido porque ela é um “símbolo”. E nós, homo sapiens sapiens (além das abelhas e de alguns primatas) somos seres por excelência com capacidade de simbolizar. (BARROS, 2014; DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; MICHEL, 1996)

Para simbolizar, é preciso todo esse aparato cerebral biológico. Que, dada a pressão do meio externo (família, sociedade, meio ambiente), exige e impregna nosso ser a interagir com o cosmos, mediante três reflexos dominantes básicos: a postural (andar de pé), deglutição (da amamentação à alimentação cotidiana) e a cópula (que permitiu o ser humano se proliferar, biologicamente). Esses gestos, estão na base do desenvolvimento humano. Deles, elaboramos as mais complexas teorias, conceitos, entendimentos, crenças e/ou fantasias imaginativas. Uma verdadeira “fantástica transcendental”. (DURAND, 1996; 2002; 2004a; 2004b)

OK. E como isso pode ser traduzido no dia-a-dia de uma dada população que não frequentou, não frequenta e, muitos, não frequentarão um banco acadêmico? E que, mesmo assim, possuem papel crucial nos processos e nas manifestações culturais nas quais todos nós estamos inseridos e somos condicionados?

Dependendo do leitor, canônico, erudito em demasia, considerará coloquial demais a forma como estamos discorrendo nosso texto. E está aí um dos elementos centrais. Para quem é, efetivamente, nossas produções acadêmicas? Qual é a finalidade-última dos anos de energia e esforços investidos, por nós, pesquisadores? É para a sociedade em geral (a qual contempla toda a diversidade cultural, socioeconômica...) ou apenas para o nicho de doutos especialistas em temas das humanidades?

Para nosso público especializado, uma pergunta como a seguinte: - “você pensa (com imagens) sem falar? Teu pensamento não é uma eterna ‘fala’? você não está nesse exato momento, falando mentalmente (com imagens)”?

Tais indagações se circunscreve quase uma ofensa intelectual, apenas para uma pequena, mas muito pequena parcela de leitores. Majoritariamente, as pessoas que mais deveriam e necessitariam acesso a tal reflexão, não as tem, justamente pelo fato de que as condições e as oportunidades de se apresentarem, concretamente, à elas, não são dadas.

Nesse sentido, pensando no meio acadêmico, é premissa básica, ter noções de linguagem-pensamento, a tal ponto de que, nos damos conta de ser impossível pensar sem imagens. No entanto, e para as camadas socioculturais não frequentadores de centros de estudo e pesquisa. Eles também têm clareza e postulam essas premissas?

Avançando, essas imagens, algumas na tela do consciente e outras, mais profundas, oriundas e arquivadas nas profundezas do subconsciente/inconsciente (Freud, Jung, Adler...). Essas imagens sobem e descem, num vaivém de imagens originadas (e que geram) pulsões, que motivam a realizarmos determinadas ações, sensações, emoções, gestos... (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008)

É esses “gestos” que nos levaram, pela capacidade de imaginar e de criar símbolos, e a “verbaliza-los”. Pois bem, e o que tem a ver com isso “mitos”? veremos no próximo subcapítulo.

 

ENTRE MITOS E MÁSCARAS

 

Ora, Durand (1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008) demonstra que os mitos são concretamente, a manifestação do imaginário por excelência, e com isso mostra também que, toda a chamada “realidade” nada mais é do que uma interpretação e construção simbólica, do imaginário (interpretado por nós, que damos sentido, significado e transformamos essa relação com o cosmos em símbolos. E depois criamos narrativas para explicar eles, essas narrativas, chamamos de mitos!) Ainda que com o advento da ciência racionalista, mecanicista e materialista, do século XVIII em diante, somos seres míticos e mitificadores!

Somos tão influenciados por essa cultura científica recente que, mesmo o mais crente dos seres humanos, cedo ou tarde, ou sempre fez/faz uso de uma postura cética, racionalista, empírica e metódica não só pondo em xeque, mas tentando desvirtuar, destruir e desconsiderar tudo aquilo que não for ao encontro dos seus próprios entendimentos. Igualmente, na outra ponta dessa constatação, há aqueles que mesmo sendo o mais cético, racionalista e metódico, cedo ou tarde, ou sempre, fez/faz ou fará uso de uma postura mítica!

“Verdades” essas, como se sabe nunca universal, nem global e nem total. Uma questão de ordem epistemológica, obviamente. Dado que, para quem estudou sobre paradigmas, seja no viés de Thomas Kuhn, Karl Popper ou Edgar Morin, ou ainda, como os autores deste paper, no viés epistemológico dos estudos do imaginário.

O que queremos dizer com isso?

Queremos dizer que, independentemente, de conceitos, definições, equações, paradigmas... o mito sempre está lá! Ou na superfície, visivelmente, guiando as manifestações científicas, intelectuais, culturais... ora está nas profundezas, nas sombras dessas mesmas manifestações, humanas por excelência.

Deste modo, cabe ainda lembrar, que um mito é composto por três elementos básicos, sem eles não há mito! Quais são? Um mito, necessariamente, deve ter: arquétipos (pulsões), símbolos (imagens) e schème (dinâmicas afetivas, generalizações de imagens). Da soma desses três elementos, temos um mito, ou seja, uma racionalização de uma narrativa, seja ela qual for. (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b, 2008)

Com isso, Gilbert Durand vai demonstrar que, em toda a nossa história (em sociedade ou não) de homo sapiens, fomos, somos e seremos sempre governados por “mitos fundacionais”. Mitos esses, em alguns momentos muito claros e fáceis de se perceber. E outras épocas, nas quais estarão mais fracos, sutis e difíceis de serem constatados “a olho nu”! Mas em todo caso, sempre estamos sendo dirigidos por mitos. (IDEM)

Ora, não foi esse um dos slogans discursivos político-partidários, nos últimos 3 anos, de uma parcela populacional, em nosso país?

Durand (1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008) afirma também que, desde 1200 de nossa era comum, somos governados pelo que chama de “mito joaquimista” (deixarei nas tuas mãos ir pesquisar quem foi Joachim de Flore). Resumidamente, o mitólogo francês explica que vivemos no Ocidente, à luz de um mito fundacional de caráter progressista e messiânico.

E como podemos identificar isso, a partir de um roteiro prévio e exigente? Em rigor técnico-científico e de modo epistemologicamente, eficaz e seguro?

A essa indagação, o antropólogo-mitólogo dos estudos do imaginário, formulou uma das suas maiores contribuições para a humanidade (ainda que um pequeno nicho tenha acesso à ela), qual seja: a “mitocrítica e mitanálise” e noção de “bassin semantique”. (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008) Quanto aos dois primeiros, tratam-se de procedimentos metodológicos distintos, mas interdependentes. Quanto ao último, para além de todo o volume exemplar nas obras Figures mythiques et visages de l’oeuvre: de la mythoccccritique à la mythanalyse (1979) e Beaux-arts et Archétypes: la religion de l’art (1989). Há também, uma obra didática de Albin Michel Introduction à la Mythodologie: mythes et sociétés (1996), na qual o autor busca elucidar os conceitos fundamentais do estudioso do imaginário.

Exemplarmente, todos de um modo ou outro, leu ou ouviu falar de V. Hugo, Wagner, J. Verner, M. de Assis, F. Pessoa, Dante Aleghieri, G. Boccaccio e assim por diante. Todos grandes escritos que se valeram desta capacidade singular, de transformar “imagens em palavras(narrativas)”. Antes deles, todo o período medieval ouve uma profusão rica, profunda e “bela” das artes! Quem nunca viu, ouviu sobre Monalisa, Guernica, A última Ceia, Capela Cistina, A Persistência da Memória, Gótico Americano, Homem Vitruviano... Não por acaso, chamamos de “belas-artes”. O que são elas? Ora, “imagens! Uma materialização concreta do imaginário do autor, de uma época, de uma cultura, de um dado fenômeno!

Com tudo isso, quero dizer o que?

Que o exemplo mais claro, hoje, de que símbolos, imagens e mitos nos governam diariamente, não tem nada de extraordinário nisso. Vivemos sim, numa e em uma “civilização da imagem” (DURAND, 2004b), como já apontava esse ilustre antropólogo/mitólogo. A isso acrescento outra definição, de duas grandes antropólogas brasileiras, as quais asseveram que vivemos em uma “uma cultura da tela”. (ECKERT; CARVALHO, 2005)

Estariam elas equivocadas? Obviamente que não, basta sair na rua, visitar alguém, ou realizar uma entrada em campo para pesquisar o fenômeno que for. Iremos nos deparar com o que? Se, por exemplo, realizarmos uma etnografia ou observação direta, nosso sujeito observado, certamente estará munido de um aparelho com tela (celulares, televisões, notebooks, computadores...). Não mais registramos apenas na tela da memória nossos momentos. Um planeta inteiro tem a possibilidade de saber e acompanhar o que fazemos e deixamos de fazer! Basta uma pose, um aparelho e um click.

 

POR FIM, A MÁSCARA

 

Assim sendo, depois de discorrermos sobre o legado durandiano, provocativa e reflexivamente, lançamos à luz dessas premissas do Imaginário, o exemplo mais claro e contundente da/na atualidade, o qual podemos (e devemos) comungar e convidar ao debate, dado a sua relação de mitos, símbolos, arquétipos, narrativas, imagens que motivam e sustentam a vida no cosmos, seja esse sujeito pesquisador, canônico, erudito ou um proletário, prestador de serviço, autônomo ou desempregado. Trata-se de um pequeno objeto, alguns deles são brancos, outros estampados, que há cerca de 1 ano, somos convidados a utilizar.  

Sim, o leitor deve ter “imaginado” sobre que objeto estamos nos referindo. Àquele que, obviamente, já intitulava esse subtítulo, a “máscara”. Esse objeto, como todos os demais existentes na natureza ou produzidos pela engenhosidade humana (imaginação). É dotado também do potencial de se tornar um “símbolo”, cheio de significados e sentidos. E daí representar algo, para alguém diante de uma vastidão cósmica que o circunda. (DURAND, 1995)

Quando nos deparamos com uma cena, na qual um dado sujeito está ou não com uma máscara no rosto. Isso te diz algo? Na “mitodologia”, sim e muito! Haja vista que, essa imagem de uma pessoa usando ou não usando uma máscara, simboliza e significa muito! (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008)

Com essa imagem (uso ou não uso de máscaras), você pode estimar, ter uma ideia (imaginação), analisar, categorizar, refletir e constar qual a: sua possível crença; sua visão político-partidária; seu entendimento de política (sentido de pólis, res publica); seu possível grau de formação (embora isso não seja determinante no uso ou não da máscara); classe econômica pertence (e sua situação atual); sua ocupação no mundo do trabalho (que setor pertence); seu perfil comportamental frente às diversidades, como a pandemia COVID-19, por exemplo... Entre tantos outros eixos e formas de categorizar elementos do comportamento e da manifestação cultural (humana).

Nesse sentido, é possível constatar, a partir da (nem tão) simples imagem de você estar ou não usando uma máscara. Que exemplo mais real, concreto e atual do que este que estamos vivendo para corroborar o que há mais de 40 anos Gilbert Durand se esforçou para demonstrar ao planeta que, mitos, imagens e narrativas ditam nossa vida diária?!

Tal fenômeno, hoje, tornou-se mais claro para alguns, que fazem desse comportamento um verdadeiro ato militante (mas isso é só a superfície rasa do fenômeno) consciente ou não disso.

 Sim, todos/as percebem que quando usamos ou não usamos uma máscara estamos querendo dizer algo. A questão é que, esse fenômeno é um dos inúmeros fenômenos manifestados por todos nós, diariamente. E todos, são interdependentes. Na teatralidade da vida cotidiana, até podemos ser ora racionais, ora crentes, ora flexíveis, ora extremistas...em todos esses momentos, é o imaginário que estará ditando tuas motivações, teus gestos, teu sentir, enfim, o teu imaginar. (DURAND, 1979; 1985; 1989; 1995; 1996; 2002; 2004a; 2004b; 2008)

Eis aí, um pequeno “exercício durandiano” demonstrado.

Então, quando você sai à rua e vê uma pessoa e fica se perguntando “como que pode essa pessoa estar usando máscara”? ou ao contrário, “como que pode essa pessoa não estar usando máscara”?

Esperamos ter, ainda que, resumida e superficialmente, elencado algumas dicas e pistas, reflexivas, para começarmos a entender o cosmos circundante, manifestado (ou não) pela cultura e comportamento humano diariamente.

Em todo caso, estamos sempre, condicionados a comportamentos, imaginação e relações ora em Regime Diurno, ora em um Regime Noturno. Manifestando-nos por meio de mitos e narrativas “heroicas, místicas” ou um meio-termo entre estas duas, a que chamamos de “sintéticas”. Seja no meio acadêmico, seja no cotidiano do cidadão comum.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, A.T.M.P. Gilbert Durand, o montanhês que desafiou a margem esquerda do Sena. ESFERAS - Revista Interprogramas de Pós-graduação em Comunicação do Centro Oeste, v. 1, p. 147-155, 2014.

 

DURAND, G. Figures mythiques et visages de l’oeuvre: de la mythoccccritique à la mythanalyse. L’ile Verte Berg International, 1979.

 

_______________. Sobre a exploração do imaginário, seu vocabulário, métodos e aplicações transdisciplinares: mito, mitanálise e mito crítica. Rev. Fac. de Educação-USP. v. 11, n.1-2. (1985), pp. 244-256. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rfe/issue/view/2459. Acessado em 22/08/2020.

 

_______________. Beaux-arts et Archétypes: la religion de l’art. 1ª ed. PUF - Presses Universitaries de France, 1989.

 

_____________. A Imaginação Simbólica. Trad. (3ª ed. Francesa-1993) Carlos Aboim de Brito. Edições 70, 1995.

 

________________. Campos do Imaginário. Textos reunidos por Danielé Chauvin. Trad. Maria João Batakha Reis.  Instituto Piaget, 1996.

 

_______________. As Estruturas Antropológicas do Imaginário: introdução à arquetipologia geral. Trad. Hélder Godinho. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

________________. O retorno do mito: introdução à mitodologia. Mitos e sociedades. Revista FAMECOS. Porto Alegre. nº 23, 2004a. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3246. Acessado em 29/06/19.

 

________________. O imaginário: ensaio acerca das ciências e da filosofia da imagem. Trad. Reneé Eve Levié. 3ª ed – Rio de Janeiro: DIFEL, 2004b.

 

________________________. Ciência do homem e tradição: o novo espírito antropológico. São Paulo: TRIOM, 2008.

 

ECKERT, C.; ROCHA, A. L. C. da. Escrituras hipermídiaticas e as metamorfoses da escrita etnográfica na era das textualidades eletrônicas. In: SEL, Susana. Imágenes y Medios en la Investigación Social. Una mirada latinoamericana. Buenos Aires, UBA e FFL, 2005. p. 65 a 78.

 

MICHEL, A. Introduction à la Mythodologie: mythes et sociétés. Preface de Michel Cazenave. Éditions Albin Michel, S. A. 1996.

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