02/09/2025

Desdobramentos e Linha Histórica do Ensino de Filosofia nas Escolas Públicas do Estado de São Paulo: Agonias, Medos e o Descrédito dos Jovens Quanto à Filosofia.

Por Ivan Carlos Zampin – Professor Doutor, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio e Gestor Escolar.

 

O ensino de filosofia nas escolas públicas do Estado de São Paulo percorreu uma trajetória marcada por avanços, retrocessos e desafios profundos, refletindo as transformações políticas, sociais e educacionais do Brasil. Desde sua exclusão durante o regime militar até seu retorno obrigatório em 2008, a disciplina enfrentou obstáculos que transcendem a esfera curricular, adentrando questões de identidade, relevância e engajamento juvenil. Este texto explora essa linha histórica, suas agonias e medos, e analisa as raízes do descredito entre os jovens, propondo reflexões sobre o futuro da filosofia na educação paulista.

O período anterior ao golpe militar de 1964 já apresentava a filosofia como parte do currículo do ensino secundário, porém muitas vezes de forma dogmática e desconectada da realidade dos estudantes. Com a ascensão do regime militar, a disciplina foi suprimida em 1971 por meio da Lei n° 5.692, que priorizou um modelo tecnicista de educação, alinhado aos interesses de uma sociedade industrial e avessa ao pensamento crítico. Essa exclusão não apenas silenciou a filosofia por décadas, mas também criou um vazio formativo em gerações de estudantes, privadas de instrumentos para reflexão ética, política e existencial.

Com a redemocratização do país, iniciou-se um movimento lento e gradual pela reintegração da filosofia no currículo escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 representou um marco ao prever a inclusão de componentes que desenvolvessem o espírito crítico, mas foi apenas em 2008, com a Lei n° 11.684, que a filosofia e a sociologia se tornaram obrigatórias no ensino médio. Esse retorno, entretanto, expôs desafios estruturais: falta de professores qualificados, carência de materiais didáticos adequados e uma cultura escolar que ainda via a filosofia como acessória ou supérflua.

No contexto paulista, esses desafios se intensificaram devido à escala do sistema educacional e às diversidades regional e socioeconômica. Muitas escolas, especialmente em periferias e zonas rurais, lutam para implementar a disciplina de forma significativa. Professores muitas vezes lidam com turmas grandes, infraestrutura precária e pressão por resultados em avaliações padronizadas, que privilegiam habilidades técnicas em detrimento da reflexão filosófica. Essa realidade alimenta uma agonia constante: a de que a filosofia esteja presente no papel, mas ausente na prática educativa transformadora.

Os medos associados ao ensino de filosofia são multifacetados. Por parte dos estudantes, há o receio de não compreender conceitos abstratos ou de não enxergar aplicabilidade imediata em suas vidas. Por parte dos educadores, persiste o temor de abordar temas controversos, tais como: política, religião ou identidade, em um ambiente escolar por vezes hostil ao debate. Além disso, a filosofia é frequentemente vista como ameaça por setores conservadores, que a associam à doutrinação ou à subversão, um fantasma que remonta à ditadura militar.

Esse cenário contribui para o descredito dos jovens quanto à filosofia. Em uma era dominada pela tecnologia, pelo pragmatismo e pela aceleração do tempo, a disciplina é percebida como anacrônica, desconectada das urgências do mundo contemporâneo. Jovens imersos em culturas digitais e em busca de respostas rápidas tendem a marginalizar uma área que, em tese, exige pausa, profundidade e tolerância à ambiguidade. No entanto, é precisamente nesse contexto que a filosofia poderia ser mais vital: para ajudar a decifrar dilemas éticos das redes sociais, refletir sobre a desinformação, ou questionar os impactos da inteligência artificial na humanidade.

A superação desse descredito exige uma reinvenção didática e curricular. Estratégias como a problematização de temas contemporâneos, a integração com outras disciplinas, o uso de tecnologias e mídias, e a valorização dos repertórios culturais dos estudantes podem reconectar a filosofia às suas vidas. Em São Paulo, experiências isoladas como projetos que vinculam filosofia à produção audiovisual, à literatura periférica ou aos debates sobre equidade mostram que é possível engajar os jovens quando a disciplina se abre ao diálogo com o mundo real.

Em conclusão, a história do ensino de filosofia nas escolas paulistas é uma narrativa de resistência e potencial não realizado. Suas agonias e medos espelham tensões mais amplas da educação brasileira, entre o tradicional e o inovador, o crítico e o utilitarista. Para romper o ciclo de descredito, é essencial que a filosofia seja reimaginada não como um conjunto de teorias distantes, mas como uma prática viva de questionamento, capaz de empoderar os jovens para interpretar e transformar sua realidade. Seu futuro dependerá da capacidade de educadores, gestores e sociedade em reconhecer que, em tempos de incerteza, nenhuma disciplina é mais necessária do que aquela que nos ensina a pensar.

 

Referências Bibliográficas

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