08/08/2017

Desafios de uma prática pedagógica multidisciplinar e transdimensional

Delaine Oliveira Sabbag

A constituição brasileira estabelece em seu artigo 2015 que: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (Brasil, 1988).

Porém, cabe-nos questionar qual a concepção de educação que perpassa as instituições de ensino, os profissionais da educação, as metodologias, os métodos e as práticas escolares. Quais os conceitos de homem e de mundo perpassam as práticas pedagógicas e como o indivíduo está sendo preparado para o exercício da cidadania, para o trabalho e principalmente como está sendo o seu desenvolvimento, no aspecto pleno?

Vivemos mudanças profundas marcadas pela globalização, revolução tecnológica, sociedade do conhecimento, crise econômica, política e de valores e novas exigências da sociedade atual. Tais mudanças exigem novas aptidões, qualificações, competências que incluem novas formas de pensar, agir, se posicionar, se relacionar e se colocar a frente das situações. Neste sentido, exige-se também uma reorganização dos sistemas de ensino, partindo-se para uma redefinição do que se aprende e para que se aprende.

De acordo com Giroletti “a educação do homem do presente e do futuro deverá ser organizada em torno de aprendizagens fundamentais: o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver e o aprender a ser” (2017, p. 1).

Tais pilares da educação são proposições da Unesco e refletem os novos desafios da educação e ao mesmo tempo norteiam a reorganização dos sistemas de ensino.

Para poder dar resposta ao conjunto das suas missões, a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. (2010, p.90 )

O “aprender a conhecer” nos remete ao conhecimento, ao domínio dos instrumentos do conhecimento, valorização do conhecimento como meio e fim, é a dimensão da compreensão do mundo.  O relatório da Unesco enfatiza que “aprender para conhecer supõe, antes tudo, aprender a aprender, exercitando a atenção, a memória e o pensamento”. (2010, p.92).

            O “aprender a fazer” relaciona-se à formação profissional, a educação deve preparar o indivíduo para as competências necessárias ao sistema produtivo, valorização do conhecimento prático e o desenvolvimento das habilidades operacionais e artísticas. 

            O “aprender a conviver” reforçar a necessidade do aprender a viver juntos, aprender a viver com os outros. Segundo o documento da Unesco é o grande desafio da educação. “A educação deverá preparar os homens para o convívio local e global, simultaneamente como membros de uma comunidade, o planeta e a humanidade” (GIROLETTI e MURIEL, 2017).

            Por fim, e não menos importante, o “aprender a ser” reporta ao compromisso com o desenvolvimento total da pessoa humana, o autoconhecimento e ao sentido da vida. 

            Os pilares da educação nos remetem ao uma nova configuração de organização escolar, a uma reflexão do papel dos agentes envolvidos e principalmente da função da educação reforçada no “aprender a aprender”. A educação não pode ser pautada na visão instrumental, tecnicista, ela deve possibilitar a educação pluridimensional e este  é o grande desafio dos sistemas de ensino na atualidade. O sistema de ensino deverá orientar‐se por uma visão mais holística, multifuncional e multidisciplinar para formar pessoas não apenas para o mercado globalizado, mas, também, para os inúmeros desafios do processo produtivo e os novos tempos que vivemos” (GIROLETTI e MURIEL, 2017 p. 5). 

            De acordo com Costa (2000), educar no contexto do século XXI é criar espaços para que o educando possa empreender a construção de seu ser, a realização de suas potencialidades em termos pessoais e sociais, tornando-se uma fonte autêntica de iniciativa, compromisso e liberdade. Daí resulta as quatro competências que o educando, para ser autônomo, solidário e competente deverá desenvolver: competência pessoal (aprender a ser); competência social (aprender a conviver); competência produtiva (aprender a fazer); competência cognitiva (aprender a aprender).

            Costa destaca dois grandes desafios atuais: “ampliar a educação ao conjunto da experiência humana (ser, conviver, fazer e conhecer) e estendê-la ao longo de toda vida, transcendendo os limites da instituição e da idade escola” (COSTA, 2007,p. 4).

Tendo como referência a educação que ainda perpassa nossas instituições escolares, percebemos inadequação da escola face às demandas da sociedade. A escola precisa abandonar os seus modelos e posicionar-se dinamicamente.

A mudança que a escola precisa é uma mudança paradigmática. Porém, para mudá-la, é preciso mudar o pensamento sobre ela. É preciso refletir sobre a vida que lá se vive, em uma atitude de diálogo com os problemas e as frustações, os sucessos e os fracassos, mas também em diálogo com o pensamento, o pensamento próprio e o dos outros.  (Alarcão, 2001, p. 15)

Neste sentido, é urgente se repensar a reorganização das instituições de ensino tanto no aspecto do conteúdo, do método como da gestão.

A revolução de conteúdo responderia por profundas mudanças no que se ensina e no que se aprende. A revolução de método reinventaria inteiramente o como aprender e ensinar. E, finalmente, a revolução de gestão subverteria o uso do espaço, do tempo, das relações entre as pessoas e do uso dos recursos físicos, técnicos e materiais disponíveis. Em termos de conteúdo, essa escola, muito mais do que interdisciplinar, seria interdimensional. As diversas dimensões co-constitutivas do ser humano: o logos (razão), o pathos (sentimento), o eros (corporeidade) e o mythos (espiritualidade) nela seriam trabalhados de forma equilibrada e harmônica.  (...) No que diz respeito ao método, essa escola praticaria, no dia-a-dia, uma nova visão de homem, de mundo e de conhecimento. Uma visão de homem capaz de fazer do educando não um mero receptáculo, mas uma fonte de iniciativa, compromisso e liberdade. Uma visão de mundo que o impulsionasse a relacionar-se com a família, com a comunidade, com a cidade e, virtualmente, com o país e com o mundo. Em termos de conhecimento, teríamos uma escola em que todos estariam voltados a aprender o aprender (autodidatismo), ensinar o ensinar (didatismo) e conhecer o conhecer (construção de conhecimentos). Porém, a maior das revoluções dessa escola do futuro se daria em termos de gestão. Sua marca registrada: uma ruptura total com a sala de aula (como espaço) e a turma (como escala). (...) Os professores/consultores orientariam e apoiariam, acompanhando o trabalho do grupo e introduzindo os ajustes necessários ao alcance pleno dos objetivos (Costa, 2003).

Portanto, o grande desafio está em pensar a educação do presente tendo como base os pilares propostos pela Unesco: “aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e o aprender a ser”. É imprescindível que o educando, o docente e a instituição como um todo tenha como ponto de partida esses pilares. Precisamos mudar. Precisamos de ações, metodologias, capacitação profissional e gestão que valorizem uma concepção mais holística, multifuncional, multidisciplinar e transdimensional da educação. Uma educação que privilegie as mudanças na relação humana, a autoaceitação, a autorealização, a autoconfiança, os laços interpessoais na família, na escola, no trabalho como uma condição transcedente da vida.

 

Referência Bibliográfica

ALARCÃO, Isabel. A escola reflexiva In Escola reflexiva e nova racionalidade. Porto Alegre:Artmed Editora, 2001.

BRASIL.  Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Educação: Tendências e Desafios no Século XXI. Juventude e Educação, 2007. Disponível em  http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Artigos%20Diversos/costa-educacao.pdf

________. Mudar o conteúdo, o método e a gestão. Especial Folha de São Paulo, 29/07/2003 disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u508.shtml

DELORS, Jacques et al. Educação um tesouro a descobrir.  Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, 2010. 

GIROLETTI, Domingos. A Educação do Futuro. Carta Consulta. Programa de Capacitação para Coordenadores de Curso, 2017.

GIROLETTI, Domingos; MURIEL, Wille. Os desafios da Educação em Tempos de Crise. Carta Consulta. Programa de Capacitação para Coordenadores de Curso, 2017.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×