06/11/2019

Democratização e Cinema

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

 

            Interessante perceber que o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi "Democratização do acesso ao cinema no Brasil", o que deixou muitos alunos e professores surpresos, pois geralmente espera-se temas atuais como problemas sociais, educação, sexismo, misoginia, violência urbana, algum tipo de intolerância dentre outros em que alunos se preparam e vão com um arsenal de ideias pré-organizadas em suas mentes, entretanto, o tema supracitado acima tornou-se algo inusitado para grande maioria.

            Percebe-se também que é um tema que dá para dissertar sobre algumas vertentes que o cinema direciona e até mesmo perpassá-las como: acesso, representatividade, arte, identificação, criticidade, protagonismo, cultura, censura, dentre outros que dependerá claro, do poder de leitura do aluno e de seu preparo em relatar suas falas de forma inteligível.

            O intuito aqui não é dissertar sobre como deveria ser uma redação sobre o tema proposto, mas aproveitar para discorrer sobre o próprio cinema brasileiro que segundo sua própria história teve seus autos e baixos e também perceber se esta arte é mesmo um espaço para democratização.

            O cinema brasileiro enfrentou crises, boicotes devido a erotização dos filmes brasileiros[1] e censuras como aconteciam em época do AI5, e hoje ele é bem visto pelo mundo todo, dando representatividade ao povo brasileiro com filmes concorrendo em para festivais e até mesmo Oscar como: Cidade de Deus (2002) de Fernando Meirelles; Carandiru (2003) de Hector Babenco; Tropa de Elite (2007) de José Padilha; Enquanto a Noite Não Chega (2009), de Beto Souza e Renato Falcão, Que horas ela volta?, de Anna Muylaert, (2015) dentre muitos outros.

            Faz-se mister perceber que o cinema não é acessível a todos devido ao alto preço para a camada da população menos favorecida, principalmente os cinemas que se encontram em shopping centers.

            Assim sendo, pode-se afirmar que o cinema, conhecido como 7ª Arte, não é uma arte acessível a toda comunidade, apesar de um crescimento de 17 pontos segundo pesquisa nacional divulgada pela Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio -RJ) cujo resultado representou apenas 34% dos entrevistados[2].

            Mesmo assim, cabe ressaltar que o cinema é um espaço ao qual o povo pode se projetar no contexto do filme, ou seja, alguns conseguem fazer uma releitura ligando a sua identidade e/ou identificação do eu, com o personagem, devido aos problemas sociais enfrentados ou até mesmo situações corriqueiras que se assemelham as suas próprias.

            Apesar do número de salas de cinemas ter duplicado, o Brasil encontra-se na 60º posição em relação a habitantes por sala[3].

            Dito isso, não se pode afirmar que o cinema é uma democratização, mas com total certeza, esta arte contribui com este processo.

            É indispensável perceber nas falas de Corbister em seu livro Formação e problema da cultura brasileira publicado pelo ISEB em 1960, que  cinema não é visto apenas como um produto que foi importado para o Brasil, ele trás consigo todo um complexo de valores e de condutas aos quais encontram-se correlacionados neste produto, dito isso, o filme pode ser visto também como uma forma de descortinar uma realidade desconhecida por grande parte da população.

Podemos citar exemplos como Tropa de Elite (2007) citado acima. Este filme retrata um drama policial que mostra os bastidores da corrupção, milícia, tráfico de drogas, violência urbana, torturas policiais, abuso de poder dentre outros males que cercam as comunidades do Rio de Janeiro e também toda a nossa atual conjuntura política.

O filme tem como protagonista um Capitão incorruptível que se fundamente em seus valores e na justiça.

Outro filme que nos remete a dura realidade da periferia é Cidade de Deus. Este filme mostra o crescimento do crime organizado e ressalta que nem todos que nascem em lugares em que os governantes deixam a míngua se enveredam pelo caminho da droga e da violência.

Obviamente temos bons e maus filmes, entretanto cabe ao cinema levar a cultura a massa e quem sabe, fazê-la pensar em seu contexto, já que o cinema tem voz .

Segundo Brandão citado por Toldo e Lopes no artigo Cinema como arte ou entretenimento: uma visão de seus realizadores e a estrutura organizacional de suas produtoras, publicado pela REAd. Rev. eletrôn. Adm em 2017[4], o cinema confere também um caráter artístico, pois ele tem sua linguagem capaz de renovar, transformar e difundir as outras artes, e porque não a história e cultura de um povo?

A democratização do Acesso ao Cinema no Brasil só ocorrerá quando o atual governo der força a Lei 12.599/2012, já que esta Lei se refere ao Programa Cinema Perto de Você que busca levar cinema e serviços culturais para mais perto de todos os brasileiros

 

 

[1] Para mais informações vide DUNKER, Christian Ingo Lenz. O declínio do erotismo no cinema nacional. Interações,  São Paulo ,  v. 8, n. 16, p. 109-124, dez.  2003 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072003000200006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  05  nov.  2019.

[3] Para mais informações vide https://cinemapertodevoce.ancine.gov.br/

[4] Para mais informações vide TOLDO, Giordano Schmitz; LOPES, Fernando Dias. Cinema como Arte ou Entretenimento: Uma Visão de seus Realizadores e a Estrutura Organizacional de suas Produtoras. REAd. Rev. eletrôn. adm. (Porto Alegre),  Porto Alegre ,  v. 23, n. 2, p. 167-190,  Aug.  2017 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-23112017000200167&lng=en&nrm=iso>. access on  05  Nov.  2019.  http://dx.doi.org/10.1590/1413.2311.176.60848.

 

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×