28/04/2019

Crítica da tradução de “Jabberwoky”, de Lewis Carroll por Alison Silveira de Morais.

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Crítica da tradução de “Jabberwoky”, de Lewis Carroll por Alison Silveira de Morais.

Por Marcos Staub, Mestrando em Estudos Da Tradução - Universidade Federal de Santa Catarina 9UFSC) no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (PPGET).

 

Alison Silveira de Morais traduziu “Jabberwocky (1871), de Lewis Carroll (1832-1898) para o dialeto nativo da ilha de Florianópolis, do "manezinho da ilha". Segundo o tradutor, trata-se de uma   "tradução indireta", definida por Paulo Rónai (1907-1992), no livro Escola De Tradutores (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987), como traduções que partem  não do texto fonte, mas de sua tradução para uma outra língua .  Alison conta que verteu primeiro o poema para a língua portuguesa padrão e a partir dessa tradução, verteu o poema para o dialeto da Ilha.

“Jabberwocky” é um poema nonsense (sem sentido) que aparece em Trough the looking-Glass, e What Alice Found There(1871), de Lewis Carroll. É considerado um dos maiores poemas de nonsense escritos em língua inglesa, traduzido para diversas línguas inclusive Latim e Esperanto.  O que faz da tradução de Alison (“Benrnuntatá”- 2019) diferente das outras tantas já existentes, incluindo a celebre tradução de Augusto de Campos (“Jaguadarte”) e a mais recente de Marcos Staub (“Kobolde” -2019)? 

Alison Silveira de Morais apropria-se do referido dialeto regional nativo da ilha de Florianópolis para sua auto entitulada "adaptação/recriação" valendo-se de figuras mitológicas do folclore como sapo cururu, caipora, boitatá e bernunça. Estes últimos fundem-se para intitular o poema e nomear o monstro ou "monxtrengo" nesta versão; no poema de Carrol, Jabber é "aquele que conversa rápida ou incoerentemente, com expressão indistinta", o que encontra eco na versão de Alison, pois a "Bernunça" é uma criatura com uma bocarra que se assemelha a de um jacaré. Os elementos que recriam o fantástico, definido por Ceserani (2004/2006) e Furtado (1980) como o gênero literário da ambiguidade; a invasão do sobrenatural, do irreal e do inexplicável. Tal qual a metáfora da alma refletida no espelho em o conto The Lady in the looking-glass: a reflexion, de Virgínia Wolf (1929/1993).

É objeto de analise do fantástico tudo aquilo que é estranho e inexplicável racionalmente ao ser humano. Segundo Ceserani (2006), o fantástico é responsável por projetar as imagens de angústias e horrores, que até então são objetos de sonhos e pesadelos e materializar nossa própria obscuridade. Forma recorrente na literatura, sobretudo na literatura fantástica, de dar vida a esses conteúdos sombrios da mente é com a presença de um espelho. Esses elementos do sobrenatural são materializados nas figuras do "movosdebo" (o secretário do diabo), e "debrumu" (a criatura alada que prepara as mulheres para a iniciação à bruxaria) e também a "vassoura embruxada" que substitui "The Vorpal blade" de Carroll.

Em consonância com minha própria versão “Kobolde” (Marcos Staub 2019) que traz elementos do folklore alemão por influência de minhas origens; “Kobolde” é um espírito proveniente da mitologia germânica. “Kobolde ou Klabautermann” pode se materializar na forma de um animal, fogo ou humano. Imitando os humanos geralmente aparece com roupas de marinheiro e fumando cachimbo, sua fala é quase ininteligível. "Silfos e Ondinas" que introduzi na tradução são gênios da mitologia germânica da idade média, são elementais da Magia e mesclam perfeitamente com a atmosfera sobre-humana em que se travaria o combate. Quetzalcóat é uma divindade na cultura e na literatura mesoamericanas cujo nome vem da língua Nahuatl e significa "serpente emplumada", Leviatam é um monstro marinho do caos primitivo, mencionado na Bíblia, e cujas origens remontariam à mitologia fenícia   "The Vorpal blade", que traduzi para Athame, ou Athame Celta é a espada cerimonial de um alto sacerdote, ou Mago Elemental e a batalha sobre-humana somente poderia ocorrer em um ambiente de magia sobrenatural; ambas as traduções/versões mantêm perfeito dialogismo.

Augusto de Campos (1931) é um poeta, ensaísta, crítico de literatura e música e um tradutor brasileiro, um dos criadores do movimento literário denominado Poesia Concreta, onde a poesia ganhava nova forma poética baseada na desintegração total do verso tradicional,  para quem a língua portuguesa não impunha limites de expressionismo, verteu para a língua materna o poema, mantendo o contexto do "nonsense" com rigor da métrica poética e rimas sonoras. Em seus comentários, Campos explica que "o mínimo que se pode dizer (de Jaguadarte) é que é um dos poemas fundantes da modernidade". Para compô-lo, Carroll usou "palavras-valise, que empacotam dois ou três vocábulos num só".

 

"Era briluz.As lesmolisas touvas roldavam e relviam nos gramilvos.Estavam mimsicais as pintalouvas, e os momirratos davam grilvos."

As palavras-valise não estão desprovidas de significado em favor do som: englobam nonsense e sentido, criam associações com a própria sobreposição. O poema, conta Campos, interessou os surrealistas.

Para Lewis Carroll não podemos perguntar, não ao menos para aqueles não familiarizados com nigromancia, pois o poeta já morreu; Se o sobrenatural e o fantástico influenciaram ou não o poema. Disso podemos auferir com uma certa margem de segurança, devido á contemporaneidade do poema (1871), época em que  o gênero fantástico era mais proeminente, lembrando, contudo, que Carroll fundou uma nova escola o nonsense inglês. De acordo com Umberto Eco (1932) traduzir seria dizer a mesma coisa em outra língua, ou... "quase a mesma coisa"; ou verter para outro idioma, "se não o que o autor quis dizer, ao menos o que o texto quis dizer." Desta forma temos:

 

Jabberwocky

BY LEWIS CARROLL

 

'Twas brillig, and the slithy toves

      Did gyre and gimble in the wabe:

All mimsy were the borogoves,

      And the mome raths outgrabe.

 

 

Bernuntatá

Alison Silveira de Morais

 

Alumiado côsa brilhóza, sapo Cururu na rebardaria
Rodiando e disassussegado na grama
A caipora que vinha e sumia
A Debrumu alada que te chama

 

 

Kobolde

Marcos Staub

 

Era resplandescente, salamandra a rastejar

Retorcia na grama a vagar:

Silfos esvaneciam

E as Ondinas a serpentear.

 

 

Jaguadarte

Augusto de Campos

Era briluz.
As lesmolisas touvas roldavam e reviam nos gramilvos.
Estavam mimsicais as pintalouvas,
E os momirratos davam grilvos.
 

 

Em suma o número de possibilidades interpretativas está apenas limitado ao número de tradutores que se empenharem na tarefa de traduzir Jabberwoky e é nisso que reside a beleza da tarefa do tradutor; aproximar o leitor da obra original, gerando uma sensação de "same look and feel", porém exercendo uma liberdade criativa, dentro dos limites da deontologia profissional permitidas ao tradutor. Disso usou e abusou Alison na brilhante tradução/versão do poema de Lewis Carroll.

 

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