24/07/2023

CRIANÇA, SOCIEDADE E ESCOLA.

Considerações acerca deste artigo: Este artigo fora produzido para a disciplina de Ginástica IV; desenvolvida esta ao longo do segundo semestre de 1996, e tendo a mesma (disciplina), como professora, Ângela Passos. O objetivo da construção de um texto enfocando a temática da idéia de infância difundida dentro da sociedade, parece-nos estar ligado diretamente ao conteúdo em específico da disciplina em questão; a disciplina de Ginástica IV trata da ginástica escolar de 1ª a 4ª série; assim sendo, ao nosso ver a temática da idéia que se tem da infância, e da própria criança, no âmbito da sociedade em geral, parece ser  um ponto  imprescindível para a reflexão, na medida em que se tenha a pretenção de desenvolver algum tipo de trabalho com crianças (não somente no âmbito da Educação Física). É justamente no intuito de refletir sobre tal temática, tendo por base a idéia que se tem acerca da infância/criança e buscando assim algumas consequências imediatas que a mesma possa causar, bem como possíveis nortes para tal reflexão, que nos pomos a construir tal ensaio.

 

CRIANÇA, SOCIEDADE E ESCOLA.

 

A idéia de infância assimilada modernamente no âmbito da sociedade em geral, é basicamente construída a partir das intenções e/ou ideologias, como se queira chamar, que os adultos possuem acerca desta fase da vida humana. Esta prévia estipulação de uma concepção de infância pelos adultos, acarretará quase que inevitavelmente na pré-determinação de muitos valores e papéis que serão assimilados pela criança dentro da sociedade. Neste processo de concretização de uma idéia adulta de infância a escola possuirá significado relevante, na medida em que poderá reproduzí-la, ou negá-la, podendo neste último caso buscar novas alternativas.

Na maior parte das vezes a infância é caracterizada, antes de mais nada, como a fase da vida humana que antecede a vida adulta. Este tipo de proposição vem sobrecarregado de ideologias que estão diretamente ligadas a visão Capitalista; a criança assim considerada é um meio para a fase adulta, e não um fim em si mesma; ela é, apenas enquanto é um adulto em potencial; não possuindo assim um papel social próprio; seu papel dentro da sociedade é apenas o de desenvolver-se da melhor forma possível no adulto que será produtivo para o sistema. É claro que são os próprios adultos, impregnados de intenções socialmente dissipadas, que estipulam a melhor forma de desenvolvimento desta fase da vida humana, visando certamente a constituição do homem adulto. Este tipo de direcionamento dado à infância faz com que a criança não tenha a liberdade de se desenvolver fora do padrão estipulado dentro/pelo sistema, que prevê a maquímica fabricação das crianças consideradas “fracas, ingênuas e não-sérias” em homens “robustos, inteligentes e responsáveis”; é claro que não se esclarece à criança, em momento algum o que é esta forçada transformação e quais consequências acarretará.

Dentre as perdas sofridas pela criança em detrimento da formação do adulto, podemos citar a questão do tempo, que é muitas vezes preenchido com atividades que podam em certo sentido a liberdade infantil. A criança deve deixar o brinquedo, considerado pelos adultos como algo não-sério, deve deixar sonhos e fantasias, e deter-se única e exclusivamente com aquilo que Rubens Alves chama “pinoquização”, ou seja a transformação do homem de carne e osso no boneco de pau, a transformação da criança alegre e despreocupada no homem grande, de também grandes preocupações.

Em meio a tal situação, pais e educadores muitas vezes embebidos nesta ideologia difundida dentro da sociedade, reproduzem cruelmente esta concepção de infância. Os pais na ânsia de transformarem da “melhor forma possível” seus filhos em adultos, buscam, nos casos em que as condições financeiras ajudam é claro, as consideradas melhores escolas; não podendo deixar de assinalar aqui que o termo “melhores escolas” tem sua referência no padrão social de melhor escola, isto é, aquelas capazes de exercer da forma mais “adequada” a “pinoquização”. Estas escolas tem como objetivo quase que inevitável a inserção da criança no meio social, de forma que esta gradativamente vá assumindo o papel que fora a ela destinado dentro do sistema. Todavia não se esclarece à criança de uma forma explícita e acessível para que serve a escola e quais são os seus objetivos.

A escola não declara às crianças o que quer, o que a sociedade quer, enfim o que o sistema quer com a sua transformação em adulto. Não se mostra a criança a realidade social onde ela está inserida, não se fala das intenções de seus pais, de seus professores, de seus governantes. Ensinamos a elas fórmulas matemáticas e regras gramaticais; ensinamos geografia e história muitas vezes fazendo vistas grossas a qualquer tipo de referenciação social; ensinamos a elas um mundo de teorias sem associação com a prática.

Partindo das constatações feitas acima, podemos afimar que nós, pais, educadores/futuros educadores, temos pela frente um grande desafio: Conseguir, ao mesmo tempo que mostrar para a criança a realidade em que está inserida, mostrar os símbolos utilizados pelo homem no processo de conhecimento (já que não podemos falar em escola sem nos referirmos a questão do conhecer); também buscar não privar a criança da liberdade de escolher, de sonhar, brincar e fantasiar; oportunizando-se assim que voluntariamente a criança vá construindo as suas próprias associações das teorias estudadas de uma forma mais sistematizada em sala de aula, com a sua vida prática. Como fazer isto????? Não há um método, não há uma receita, e é necessário que não haja justamente para que isto se dê de uma maneira mais “espontânea”.

 

 

BIBLIOGRAFIA:

 

ALVES, Rubens. Estórias de quem gosta de ensinar. 11ª ed. São Paulo: 1987.

 

CHARLOT, B. A mistificação Pedagógica: realidades sociais e processos ideológicos na Teoria da Educação. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. (pg. 100 - 144).

 

MARCELLINO, Nelson Carvalho. Pedagogia da Animação. São Paulo: Papirus, 1990. (pg. 53 -89).

 

ARAÚJO, Vânia. O lúdico como elemento de humanização (pg. 103 -122). in: Criança: do reino da necessidade ao reino da liberdade. Vitória, 1996.

 

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