19/06/2018

CR7 E A EDUCAÇÃO: uma metáfora.

*Dênio Mágno da Cunha

            Este texto abordará uma das mais tradicionais dualidades do mundo moderno. Em um extremo, os amantes do futebol, os fanáticos, aqueles que consideram este esporte como um modo de vida; de outro, os acadêmicos, educadores, que consideram o futebol uma perda de tempo, uma forma de dominação e anestesia política, o “ópio do povo”, uma bobagem.

Neste momento, muitos param tudo que estão fazendo para assistirem às partidas de futebol da Copa do Mundo; outros se isolam e nem querem saber dessa balburdia anárquica. Eu, professor, estudioso, pesquisador, observo tudo, assisto a partidas de futebol, sem anestesia, sem endeusamentos, sem heróis ou vilões. Assisto e observo.

            E foi assistindo que conclui sobre diversas relações e lições existentes entre futebol e educação – minha área de atuação. Não há como negar a imensa potencialidade de uma partida de futebol em termos de metáforas aplicáveis à educação. Fico pensando no Morgan escrevendo uma metáfora: as organizações como times de futebol[1]. No entanto, só uma metáfora me interessa agora. Refiro-me especificamente ao terceiro gol de Cristiano Ronaldo na partida de Portugal contra Espanha, dia 15 de junho, aos 44 minutos da etapa final. Uma metáfora à qual denominaria de “A cobrança de falta vista como expertise profissional”.

            Em termos de futebol, Portugal vivia um momento crítico. Perder para a Espanha daria a seu rival uma vantagem significativa na luta pela classificação. Neste embate só a vitória interessava para ambos. Há então uma falta próximo à grande área. Portugal perdia por 2 x 1. Faz-se toda a preparação para a cobrança. Cristiano Ronaldo assume a cobrança; parece estar extremamente concentrado: respira fundo, calcula a trajetória da bola, escolhe a melhor forma de executá-la[2].,, O resultado, conhecido de todos, a bola faz uma curva por fora da barreira e chega ao gol fora do alcance do goleiro, no devido lugar onde deveria chegar para garantir o empate.

            As câmeras de TV mostram o atleta comemorando caracteristicamente; a plateia extasiada, mas não surpresa. Parece que todos, inclusive os espanhóis, sabiam sobre como esta cena se desenvolveria.

            Fiquei pensando em tudo que antecedeu àquele momento. Quem era este Cristiano Ronaldo de quem falamos; capaz de colocar a bola de forma tão calculada distante das mãos do goleiro da Espanha, sendo tão profissional ao ponto de ser confundido com o Robot. Porque um robot? Acrescentei mais uma questão ao meu auto interrogatório.

            E aí chegou a hora de unir esta cena, do ofício de Cristiano Ronaldo, à educação, ofício meu. E são muitas as relações, como disse.

            A mais importante, a reflexão sobre a qualidade profissional. Cristiano Ronaldo mesmo sem querer, pode ter tornado visível o que chamamos de qualidade na educação, capaz de transformar vidas e nações. Diz-nos que para colocar a bola onde se deseja é preciso muita dedicação, foco no essencial, constante auto avaliação, melhoria continua, treinos diários, disciplina. Sobretudo, um autoconhecimento profundo para saber dos limites e das potencialidades. Ao final, entrevistado, o jogador fala: “Eu trabalho há muitos anos e confio muito em mim. Trabalho para isso”.

Destaco a responsabilidade de um jogador de futebol na situação descrita. Penso na responsabilidade de um professor ou de uma instituição sobre o aprendizado do seu aluno. Nos compromissos que assumimos ao fazer um vestibular; ao entrarmos em contato; ao nos oferecermos como formadores e educadores. Somos capazes de repetir o feito de Cristiano Ronaldo com tanta perfeição? Estamos entregando aquilo que se espera de nós? Ou ainda estamos vivendo em um padrão de qualidade inferior? O padrão de qualidade do MEC é suficiente para nos levar a ter o padrão CR7? Minha resposta é sempre NÃO para estas perguntas. Sinceramente, diria que estamos mais para o padrão Neymar[3] ou Mesci[4] – com um grau baixo de confiança nos resultados. Titubeamos diante de situações corriqueiras; desconfiamos de nossa própria capacidade. Ainda não entregamos a qualidade que deveríamos (podemos) entregar.

            Gostaria de esclarecer que Neymar e Mesci são jogadores extraordinários, que fogem ao padrão comum de talento; que esse texto não é uma louvação a um jogador (CR7) em detrimento dos demais; mas sim, uma reflexão sobre como atendem às expectativas dos torcedores. Neste sentido, CR7 coloca-se em outro degrau na escala evolutiva da qualidade esportiva, na confiança que inspira. Só isso.

            Mas retornando e já finalizando... Cabe indagarmos, como profissionais da educação, o quanto estamos distante do objetivo de garantir a nossos alunos o grau de qualidade visto neste lance futebolístico. Ainda corremos o risco de “isolar a bola”, “acertar na trave” ou “chutar na barreira”. Há até alguns que podem “escorregar” de tão nervosos que ficam no momento decisivo, naquela hora em que o professor ou a IES é questionada sobre seu conhecimento ou qualidade de processos. Observem...

            O fato relevante é a necessidade de, parodiando o futebol, estabelecermos para cada um de nós, seja professor ou IES, objetivos claros e uma programação de treinamentos para que possamos alcançar um padrão elevado de qualidade. E aqui fica uma reflexão sobre o momento da educação brasileira: o objetivo é evoluir na qualidade na formação de nossos alunos, já alcançada por nossos “adversários”. No momento, estamos perdendo, não estamos nos 44 minutos do segundo tempo, mas não temos Cristiano Ronaldo no nosso time, é bom lembrar.

            Pense nisto e assista a mais jogos de futebol!

           

* Professor Doutor em Educação pela Uniso, Universidade de Sorocaba. Consultor em Carta Consulta; professor em Centro Universitário Una.

 


[1] Autor conhecido na área da gestão de empresas e estudos organizacionais empresariais. Morgan, Gareth. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas, 2007.

[2] Pouco antes, ao ver a concentração do atleta português, digo para um amigo: “ele vai fazer o gol”. Ele apenas fala: “Cristiano Ronaldo, robot”.

[3] Durante o jogo do Brasil x Suiça a cada falta batida por Neymar, me vinha a lembrança de CR7.

[4] No jogo Argentina x Islandia, Mesci perdeu um pênalti, que daria à Argentina a vitória.

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