04/07/2025

Capitães de Areia

Por Wolmer Ricardo Tavares – Mestre em Educação e Sociedade, Escritor, Palestrante e Docente – www.wolmer.pro.br

Currículo Lattes http://lattes.cnpq.br/9745921265767806

 

Nordeste brilha com sua erudição, cultura, consciência social, consciência de classe, civismo e humanismo. É de fato o berço de ícones brasileiros sem contar que todas as escolas públicas que alcançaram nota 10 no IDEB são oriundas desta região[1].

Pode-se afirmar que o Nordeste é abundante em conhecimento sendo de lá os principais intelectuais[2] como Paulo Freire, Nelson Rodrigues, Ariano Suassuna, Raquel de Queiroz, Nise da Silveira, Aurélio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Eleutério dentre outros gigantes que ofuscaram a mediocridade com suas obras, deixando um verdadeiro legado de conhecimento para a sociedade brasileira.

Claro que se aprofundarmos ainda mais nos personagens nordestinos a lista aumentará de forma exponencial, explicitando o quanto ele é rico em sua música, novela, teatro e principalmente literatura.

Existe um adágio muito usado que diz que "a árvore que dá mais fruto é a que mais leva pedrada", e assim acontece com seus personagens, muitos foram perseguidos, caluniados, difamados, mas a história não apagou seus legados.

Hodiernamente em nosso país, os políticos que deveriam representar o povo, simplesmente agem ao bem próprio e para principalmente agradar uma elite que teima em deixar o seu povo alienado e uma forma de fazer com que esta alienação seja efetiva, é impedido de pensar, de trabalhar o discernimento e principalmente a autonomia intelectual.

Peguemos como exemplo, Jorge Amado que foi um dos maiores escritores brasileiros que tivemos. Este escritor é conhecido mundialmente por seus romances e ele inclusive fez parte da Geração do modernismo brasileiro na Geração de 1930.

Em suas obras retratam-se a cultura regional e a crítica sociopolítica e pode-se dizer que um de seus romances que seguem esta linha está em Capitães de Areia, por narrar a vida de um grupo de meninos de rua na cidade de Salvador, Bahia na década de 1930.

Em seu romance, estes jovens eram conhecidos como Capitães de Areia, e viviam em um engenho abandonado que era movido a força humana e animal, conhecido como trapiche.

Como forma de sobrevivência, eles roubavam, já que a miséria era a única coisa que eles conheciam e claro que em companhia dela, encontravam-se a violência e a falta de perspectiva.

Trata-se de um livro bem crítico que denuncia a marginalização social, a luta pela sobrevivência, o descaso com o ser humano, a exclusão, a busca pela identidade e esperança, tudo isso em um contexto de desigualdade e abandono e que se analisarmos a atual conjuntura, muitos jovens ainda encontram-se inseridos neste contexto, ou seja, nossa sociedade ainda convive com muitos capitães de areia.

O fato é que por hipocrisia, falso moralismo, falta de cultura literária oriunda de um interesse escuso, uma vereadora do Estado de Santa Catarina resolveu em uma sessão da Câmara Municipal de sua cidade, solicitar a retirada da obra Capitães de Areia, dos materiais didáticos das escolas públicas do município.

Observa-se que o livro é considerado um clássico na literatura, mas para ela é uma obra subversiva escrita por um comunista, sugerindo inclusive a retirada deste renomado escritor do currículo escolar, afirmando que o uso dele se trata de uma “infiltração da esquerda” por meio do conteúdo literário.[3]

Interessante pontuar que quando a imbecilidade grita, a forma que um político se expressa é na censura de livros, usando falácias e fake news como argumentos, explicitando toda estultice e pequeneza contida em seu sofrível e desprezível caráter.

Obviamente a história se repete, já que a obra de Jorge Amado na época da Ditadura Militar foi considerada subversiva e recentemente tentaram censurar “O Avesso da Pelo” de Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti e “O Menino Marrom” de Ziraldo.

É notável que os políticos querem de todas as formas, manter o seu povo alienado para a completa manipulação, servindo como gado de manobra para seus feitos estultos e em concomitância o enriquecimento as custas da dignidade desta massa amorfa, imbecilizada e subtraída de tudo que lhe é direito e digno.

Que os docentes não se deixem persuadir por estes manipuladores e que todos se lembrem que a educação é uma ação intencional e subversiva.[4]

 

[1] https://contee.org.br/dados-do-ideb-no-nordeste-estao-todas-as-escolas-publicas-nota-10/

[2] http://gestaouniversitaria.com.br/artigos/nordeste-fabrica-de-icones-brasileiros

[3] https://oglobo.globo.com/brasil/noticia/2025/07/02/vereadora-bolsonarista-propoe-excluir-classico-de-jorge-amado-do-curriculo-escolar-em-sc-promove-a-marginalizacao.ghtml
https://iclnoticias.com.br/vereadora-bolsonarista-capitaes-de-areia/
https://www.correiobraziliense.com.br/euestudante/educacao-basica/2025/07/7188872-vereadora-do-pl-pede-retirada-de-capitaes-da-areia-do-curriculo-escolar.html

[4] TAVARES, Wolmer Ricardo. Educação e a Não Neutralidade. São Paulo: Ícone, 2024,

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