21/09/2006

Cantigas de roda ganham novas versões

As cantigas de roda, aparentemente inofensivas, estão sendo motivo de discussão. Há quem pense que instigam a violência. Em escolas de São Paulo as letras estão sendo modificadas. No Paraná, no entanto, não há notícias de alterações. Enquanto alguns defendem a idéia outros dizem que a mudança interfere no folclore brasileiro.

A cantiga de roda é composta por músicas de autores populares que falam do cotidiano. “O folclore surge com intenção de fazer uma coleta de tradições populares”, explica o professor de filosofia e antropologia, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC), João Baptista Penna de Carvalho Neto.

De acordo com ele embora haja transformação o folclore preserva o passado. Na opinião do professor cantar uma música por cinco minutos não tem o impacto na criança como uma cena violenta na televisão. A banalização é mais prejudicial. “A violência está sendo vista de forma natural. Isso sim é um problema. Estão dando atenção a um problema menor”, alerta.

A mesma opinião é compartilhada por Daniella Gramani, integrante do grupo Mundaréu que tem nove anos e faz um trabalho de cultura popular. “Sou radicalmente contra a mudança”, diz. Para ela a música “Atirei o pau no gato” é uma forma de resistência e não de violência. Daniela explica que a roda representa coletividade e união. “Além disso, as crianças têm que aprender a conviver com morte, briga e doenças”, diz.

Crianças conhecem as cantigas

As escolas municipais de Curitiba têm no currículo trabalho com cantigas de roda. Só que a sugestão é trabalhar com as letras originais sem adaptação ou mudança. O foco é promover a reflexão sobre a letra da música. Cleonice dos Santos, integrante da equipe de Ensino da Arte da Secretaria Municipal de Educação, diz que as cantigas têm uma fisiologia própria e estimulam a imaginação.

Em sua opinião é um mito achar que as crianças desconhecem as músicas. As letras são parte do dia-a-dia delas, principalmente das de escola pública. Embora seja desfavorável à mudança da letra, a educadora não é contrária à paródia feita com as canções. “Neste caso a criança vai desenvolver um pensamento reflexivo”, explica. Ela discorda de que as cantigas de roda têm conotação violenta. Quando a criança está cantando desenvolve uma atividade lúdica. “A questão da violência está apenas aos olhos do adulto. A criança não vê desta forma”, justifica.

Funk também muda

Em 2002 a professora Viviane Elias Portela viveu uma experiência diferente. Durante uma aula de Matemática improvisou um batuque. Um aluno começou a cantar funk e a paródia surgiu. Nascia ali uma nova letra que integrou duas 4.ª séries da Escola João Cabral de Melo Neto, na Vila Verde.

“A letra era delicada. Mas foi possível trabalhar”, lembra a professora que tem habilitação em música. Para integrar as turmas foi sugerido o tema Dia das Mães. Métrica, ritmo e melodia foram trabalhados. Resultado: a canção fez tanto sucesso que os alunos se apresentaram no Festival de Dança, na Ópera de Arame.

A educadora diz que a música integra os estudantes. Crianças deixam de ser tímidas e o relacionamento melhora. Quanto às cantigas de roda acredita que se trata de manifestação folclórica, portanto não é possível modificar sua letra. “Existe polêmica, mas dá para trabalhar no contexto. O ideal é explicar para as crianças”, diz.


Alterações nas letras

Confira novos trechos de versões de três tradicionais cantigas de roda.

ATIREI O PAU NO GATO (versão original)

Atirei o pau no gato
Mas o gato
Não morreu
Dona Chica
Admirou-se
Do berro
Que o gato deu

Como ficou

Não atire o pau no gato
Porque isso
Não se faz
O gatinho é nosso amigo
Não devemos maltratar
os animais

BOI DA CARA PRETA (versão original)

Boi, boi, boi, boi da cara preta
Pega essa menina que tem
medo de careta

Como ficou

Boi, boi, boi, boi do Piauí
Pega essa menina que não
gosta de dormir

O CRAVO E A ROSA (versão original)

O cravo ficou doente
A rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
A rosa pôs-se a chorar

Como ficou

O cravo ficou doente
E a rosa foi visitar
O cravo teve um desmaio
E a rosa pôs-se a chorar
A rosa deu um remédio
E o cravo logo sarou
O cravo foi levantado
A rosa o abraçou

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