BRINCAR, DIVERTIR-SE E APRENDER NA BRINQUEDOTECA ESCOLAR
Cristiele Borges dos Santos, discente do curso de Pedagogia da Universidade La Salle. E-mail: cristieleborges2@hotmail.com
Simone Borges Hochnadel, discente do curso de Pedagogia da Universidade La Salle. E-mail: mone.bhs@hotmail.com
Elaine Conte, Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade La Salle – UNILASALLE, Canoas/RS. Líder do Núcleo de Estudos sobre Tecnologias na Educação - NETE/UNILASALLE/CNPq. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br
Adilson Cristiano Habowski, discente do curso de Teologia da Universidade La Salle – Canoas. Bolsista FAPERGS – PROBIC. Integrante do grupo de pesquisa NETE/UNILASALLE/CNPq. E-mail: adilsonhabowski@hotmail.com
RESUMO: O presente texto apresenta as práticas pedagógicas desenvolvidas no âmbito de um percurso acadêmico e aperfeiçoamento profissional e pessoal, que foi proposto em um estágio curricular obrigatório, desenvolvido no curso de Pedagogia da Universidade La Salle. O presente estudo aborda um projeto realizado no segundo semestre de 2016 e desenvolvido na Brinquedoteca de uma escola de Novo Hamburgo. Esse trabalho tem como pontos fundamentais a descrição do plano de trabalho, a interpretação de alguns dados e significados extraídos da prática pedagógica na brinquedoteca escolar. Além disso, apresentamos os princípios norteadores da prática pedagógica e o fio condutor, no sentido de justificar as ações desenvolvidas e seus desdobramentos na práxis pedagógica. O trabalho está organizado tendo por base uma observação e avaliação do processo educativo, lançando uma reflexão analítico-teórica sobre a prática e, por fim, indicando as considerações finais. Concluímos que o estágio se mostrou um momento de observação (olhar e escutar enquanto as crianças aprendem), reflexão sobre as práticas realizadas no espaço educativo, diagnóstico e elaboração de planejamentos e práticas, um pouco diferentes do que pensávamos e nos trouxe dúvidas, inquietações, questionamentos e suposições sobre a melhor forma de desenvolver essa etapa tão importante dentro do processo formativo em curso.
Palavras-chave: Prática Pedagógica. Brinquedoteca. Estágio Curricular.
INTRODUÇÃO
“A educação é a arma mais poderosa que
pode ser usada para mudar o mundo”.
(Nelson Mandela, 1918).
As experiências vivenciadas no estágio nos trouxeram um novo olhar sobre o brincar, entendendo que essa ação é muito importante no desenvolvimento da criança e que não é apenas um momento livre na rotina. Através das brincadeiras, as crianças vão se constituindo e construindo sua personalidade, retroalimentando seu imaginário social e vivenciando experiências para a vida. Redescobrimos também nesse processo a dimensão de professora brincalhona. Mais que propor brincadeiras é necessário participar delas, interagindo com os estudantes fazendo intervenções quando necessário. O projeto na Brinquedoteca de uma escola privada, localizada na cidade de Novo Hamburgo, teve como objetivo geral desenvolver um trabalho interdisciplinar de maneira prazerosa, ativa e dinâmica, partindo da construção de brinquedos com diversos materiais, destacando a importância das atividades lúdicas para a formação dos hábitos solidários na vida adulta. Como objetivos específicos, propomos resgatar culturalmente alguns brinquedos e brincadeiras esquecidos; Favorecer a interações das crianças com diferentes materiais e texturas; Possibilitar atitudes de respeito, solidariedade e autonomia; Ampliar as possibilidades de comunicação e expressão; Realizar produções artísticas com materiais reciclados e elementos naturais. Ampliar a criatividade e a imaginação; Incentivar o gosto e o olhar pela arte-educação.
De acordo com a proposta triangular de Ana Mae Barbosa (2003), referência nos Parâmetros Curriculares Nacionais, o trabalho que envolve a arte-educação deve englobar os três aspectos - a sua contextualização histórica, - o fazer arte e – ser um apreciador e conhecedor da arte. Suas concepções estão baseadas de acordo com as ideias de seu professor Paulo Freire, que afirma ser essencial no processo de ensino e de aprendizagem a valorização da cultura do educando, ou seja, o professor deve levar a ele questões de suas vivências, de acordo com sua realidade e contexto. Sendo também relevante, o desenvolvimento da criatividade, a curiosidade e o espírito investigador do educando. Quanto mais próximo da realidade do estudante o conhecimento escolar estiver, mais crítico-reflexivo ele se tornará.
A Brinquedoteca é um espaço lúdico dentro da escola, cheio de possibilidades que diferem muito do trabalho em sala de aula. A opção por desenvolver o projeto de estágio nesta escola privada surgiu porque uma das estagiárias idealizadora do presente texto, já trabalhava nesta instituição, tendo assim uma melhor aproximação e diálogo com a instituição, conhecimento sobre o espaço da Brinquedoteca, assim como sobre as dificuldades, os desafios e as potencialidades para a atuação neste espaço.
Desde a observação verificamos a necessidade de criar possibilidades diferenciadas no sentido de ir além do brincar livre. Na observação conseguimos perceber que a grande maioria dos estudantes vem de famílias com poder aquisitivo alto, porém demonstram muita carência afetiva, solicitando o auxílio constante na resolução de conflitos e criando situações para que tenham atenção dos profissionais da escola. Cognitivamente, os estudantes demonstram um nível elevado de raciocínio lógico, demonstrando conhecimento mais amplo em alguns assuntos do que os próprios professores e funcionários. Na elaboração da proposta se levou em consideração a realidade vivida atualmente. Nessa instituição de ensino podemos dizer que quase todos os estudantes têm seus próprios tablets e ipads. Eles mesmos relatam que usam diariamente e por vezes insistem muito para utilizar estes aparelhos no momento do brincar.
A proposta da Brinquedoteca também é de resgatar o brincar com o outro, propiciando momentos de interação e o reconhecimento de que aprendemos nas trocas que estabelecemos com a natureza, com o outro e com o mundo. É importante ressaltar que o uso das tecnologias está associado ao desenvolvimento do potencial criador atualmente, porém, também acreditamos que é necessário apostar no desenvolvimento das relações interpessoais, pois a tecnologia perde o sentido e significado na educação quando distanciada das relações intersubjetivas. Podemos afirmar que muitos estudantes não sabem brincar, no sentido de não saber se relacionar, dividir, entrar num consenso e até mesmo conversar e seguir regras. Esse perfil se justifica também pelo fato de muitas crianças que estudam nessa escola serem filhos únicos e por passarem mais tempo sozinhos, isolados em seus próprios mundos ou com cuidadoras que têm outros afazeres domésticos. Além disso, os próprios pais costumam ter uma pesada carga horária de trabalho, que os impede de brincar e conviver com seus filhos.
As motivações intrínsecas e os desafios desse projeto nos fazem refletir sobre a escolha de nossa profissão e os desafios constantes que permeiam nossas práticas. Trabalhar com pessoas, neste caso específico, com crianças, é uma grande responsabilidade, pois o conhecimento está em constante mudança e é preciso estar sempre recriando e pronto para pensar sobre a práxis, reelaborando-a sempre que necessário. Em relação ao projeto, pensamos em trabalhar dentro da metodologia da problematização, já utilizada como premissa em todas as abordagens desenvolvidas na escola. Escolhemos trabalhar dentro de uma proposta de construção e utilização de brinquedos clássicos. Conversando com os estudantes percebemos que embora estes tenham conhecimento e acesso facilitado à informação, ainda não sabem ou não têm o desejo de aprender com brinquedos e brincadeiras clássicas. Os que conhecem, ou já ouviram falar, desconhecem as regras. Então, procuramos contemplar com esta proposta os 4 pilares da educação (DELORS, 1997): aprender a conhecer (pelo interesse e abertura para o conhecimento que se espera que os estudantes demonstrem às atividades propostas); aprender a fazer (na construção dos brinquedos); aprender a conviver (na convivência durante as construções das atividades em grupo, buscando o respeito, a cooperação e a fraternidade como princípio norteador) e aprender a ser (o mais importante, explicitando o papel de estudante marista, de cidadão, formando juízos e valores de forma crítica e contextualizada).
O desafio da aprendizagem infinita e do inacabamento humano é evidenciado no Relatório Delors (1997, p. 50), no caráter da “educação, permitindo o acesso de todos ao conhecimento, tem um papel bem concreto a desempenhar no cumprimento desta tarefa universal: ajudar a compreender o mundo e o outro, a fim de que cada um se compreenda melhor a si mesmo”. Na elaboração do projeto, ficamos apreensivas se as propostas gerariam uma experiência significativa aos estudantes e novas possibilidades de interação com o outro. Melhorar ou aprofundar uma prática pedagógica, ou mesmo oferecer um diferencial, não é tarefa fácil. Mas sabemos que quando as propostas estão bem planejadas, aprofundadas e organizadas teremos respostas positivas, pois acreditamos, com Freire (1996), que quando não há comunicação e planejamento também não existe educação.
PLANO DE TRABALHO - DADOS REFERENTES À BRINQUEDOTECA
A proposta pedagógica foi explicitada e projetada tendo como base os documentos oficiais e trabalhos mapeados sobre o tema da brinquedoteca educacional. Cabe destacar que os planejamentos criados para serem implementados na brinquedoteca tiveram como base as necessidades de cada turma atendida na escola e priorizaram momentos de aprendizagens ao longo da semana. As turmas dessa escola utilizam esse espaço da brinquedoteca como uma oportunidade para o brincar, a interação com o outro e o expressar-se pessoal e coletivamente. As turmas frequentam a brinquedoteca semanalmente durante um período de 50 minutos, com exceção das turmas de 4º ano, que frequentam quinzenalmente.
A brinquedoteca é composta por recantos como o da casinha, mercadinho, cantinho da leitura, jogos, camarim, cantinho do desenho, entre outros. Esses espaços são frequentemente alterados, de acordo com o interesse e predisposição dos participantes. Há um espaço também destinado à exposição de desenhos feitos nesse espaço, assim como fotos de momentos significativos. Percebemos que os estudantes gostam muito do espaço da brinquedoteca, esperando sempre por esse momento na semana. Muitas vezes, é necessária a intervenção das professoras para resolver conflitos e disputas por brinquedos. Há uma quantidade significativa de brinquedos e jogos dispostos nesse espaço. A cada semana a responsável pela brinquedoteca precisa estabelecer os cantos que serão utilizados, a fim de organizar os momentos pedagógicos, assim como otimizar o tempo e brincadeiras. O quadro de horários abaixo é utilizado e seguido pelas turmas para a utilização do espaço da brinquedoteca. Destacamos que os períodos em branco no quadro (sem turma) são utilizados para manutenção do espaço, conserto de brinquedos e jogos, assim como para o planejamento de novas atividades dos professores.
Frequentaram a brinquedoteca 18 turmas desse colégio, num total de 447 estudantes de 3 a 10 anos. Sendo 5 turmas de Educação Infantil e 13 de Ensino Fundamental, dentre essas, 4 turmas de 1° ano e 3 turmas de 2º, 3º e 4º ano. Os estudantes têm como seus responsáveis pai e mãe, tendo poucas exceções. Contudo, muitos pais são separados e alguns estudantes convivem com os seus pais no regime de guarda compartilhada. Podemos dizer que com exceção de alguns estudantes bolsistas, no geral as crianças que estudam nessa escola são de classe média alta. Moram em condomínios, prédios e em casas próprias. Nesse ano, a escola passou a ter um olhar voltado à inclusão, contratando auxiliares para acompanhar as crianças com deficiências de forma individualizada. Há três casos de estudantes com laudo que são acompanhados por auxiliares, sendo dois destes supervisionados pela mesma auxiliar.
Notamos principalmente pelos discursos dos estudantes, mesmo dos menores, grandes indícios de preconceito e discriminação. Apesar do uniforme ser obrigatório, questões de roupas, calçados e acessórios da indústria do consumo estão entre os principais motivos geradores de depreciação do outro. Em relação à raça e cor, também há preconceito e segregação, levando em consideração que menos de 10% dos estudantes do colégio são negros. Mesmo a escola tratando as questões de raça na defesa de uma raça humana com solidariedade e não superioridade em relação ao outro, ao diferente, ainda assim, percebemos que o poder econômico também traz exclusões nos discursos e falas. Até mesmo notas baixas são geradoras do fenômeno de bullying na escola.
Em relação aos brinquedos, há sempre muita briga. A maioria não sabe dividir, se relacionar e resolver conflitos sem o auxílio de um algum profissional da escola. O egocentrismo é um fator presente em muitos estudantes. Quanto às regras e normas, percebemos que muitos estudantes não conseguem segui-las, demonstrando rejeição e pouco caso. Muitas vezes, é necessário pedir auxílio à coordenação de turno, que tenta conversar com o estudante e é responsável por fazer contato e comunicações aos pais de possíveis ações indisciplinares. Em alguns casos mais extremos, algumas situações são resolvidas pelo Serviço de Orientação Escolar (SOE), que chama os responsáveis no colégio para conversas, tendo em vista que os estudantes não constituem nenhuma comunidade isolada, mas antes fazem parte da cultura familiar e da sociedade a que pertencem.
FIO CONDUTOR
As brincadeiras, os jogos infantis, enfim, o ato de brincar, têm em si conhecimentos historicamente construídos ao longo do tempo no mundo. O ser humano faz parte desta história, e como protagonista, desenvolve os recursos necessários para seu desenvolvimento, como: raciocínio, tomada de decisões, solução de problemas, resolução de conflitos e questionamentos sobre a realidade que o cerca. Já afirmava Walter Benjamin (2002, p. 102, grifos do autor) que:
A essência do brincar não é um fazer como se, mas um fazer sempre de novo, transformação da experiência mais comovente em hábito [...]. O hábito entra na vida como brincadeira, e nele, mesmo em suas formas mais enrijecidas, sobrevive até o final um restinho da brincadeira.
Na perspectiva de Benjamin, o brincar favorece a construção da própria identidade e as práticas lúdicas tornam os sujeitos (crianças, jovens e adultos) mais criativos, expressivos e espontâneos, quando incentivados desde a tenra idade com materiais diversos e com a possibilidade de criação dos próprios brinquedos. Notamos que hoje, na hora do recreio, poucos estudantes se interessam por brincar de modo espontâneo e livre (de correr, pular, fantasiar, imaginar). Os comportamentos infantis estão sendo orientados pela mídia, que enaltece comportamentos adultos (consumistas, conformistas, individualistas, agressivos e apáticos) e ações modernas com a utilização de meios tecnológicos como isolamento e fuga dos conflitos sociais. Está aí a urgência em trazer nossas crianças para interagirem mais entre si, sociabilizando-as. Esse resgate às brincadeiras e jogos infantis propicia o reconhecimento do outro e da necessidade que todos temos de pelo brincar realizar uma pluralidade de sensações e transformações. O ato de brincar está implícito também na fabricação do brinquedo. Através dele, desenvolve suas habilidades motoras, a sua criatividade e promove a alegria de conseguir elaborar algo em benefício de todos. Barbosa (2003, p. 142) ressalta que “a arte deve ser uma fonte de alegria e prazer para a criança quando permite que organize seus pensamentos e sentimentos presentes em suas atividades criadoras”.
Desde 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB 9.394/96 tornou obrigatório o ensino de arte na educação básica. O ensino obedece às determinações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de 1997 e dos Referenciais Curriculares Nacionais da Educação Infantil de 1998. Após estudos e pesquisas, concluiu-se que o trabalho com artes contribui na formação de um indivíduo criativo, reflexivo e em suas relações interpessoais. A arte está sempre a nossa volta, permite nosso olhar e diálogo com o mundo, respeitando as diversidades culturais. Dessa forma, é importante que a criança tenha acesso a diferentes formas de arte e a variados estímulos, mas sempre deixando ela própria manifestar sua arte. Segundo Piaget (1973, p. 52), a plasticidade do brincar, constitui-se em meio de expressão particular, isto é, “um sistema de significantes construídos por ela e dóceis às suas vontades”. Valorizar as produções infantis é valorizar o ser humano e seu desenvolvimento para a construção de aprendizagens evolutivas.
Hoje em dia, com tantos meios e objetos modernos à disposição, é fato que as crianças vão perdendo esse contato com a memória do brinquedo. No entender de Benjamin (1994), a criança no mundo moderno está cada vez mais seduzida pelo mundo adulto e, por essa razão, acumula ruínas, ou seja, não tem tempo para se apropriar das brincadeiras vivenciadas outrora por seus pais, até porque, também estes, não têm tempo para transmiti-las às suas gerações. Parece que ainda vivemos neste paradoxo. Isso pode ser minimizado graças ao resgate proporcionado pelos adultos próximos, apresentando à criança as diferentes culturas e modos de brincar de seus antepassados. É através desta transmissão cultural e do diálogo com os outros mundos, que o brincar pode manter seu lugar de entrelaçamento da criança e seu mundo.
A passagem do discurso socializado (fala como meio de comunicação) para o discurso interior (fala internalizada, que precede a ação) corresponde à passagem da função interpsíquica para a intrapsíquica, através de um tipo de fala intermediária que acompanha a ação e se dirige ao próprio sujeito da ação: a fala egocêntrica (REGO, 1995). No momento em que a criança ouve situações de jogos, brinquedos e brincadeiras antigas (pesquisando com pessoas de diferentes idades), “tem a possibilidade de realizar diferenciações entre o real e o simbólico, reduzindo o sincretismo do pensamento”. (GALVÃO, 1995, p. 84). O educador precisa ter em mente, o real significado do brincar para a criança, e assim, desta forma poder proporcionar experiências realmente significativas ao educando. O brinquedo é rico em possibilidades, cheio de conteúdo a ser trabalhado na relação criança/adulto, através dele a criança, decide, pensa, reflete, resolve, questiona, critica, coopera, constrói, emociona, experimenta, descobre, aceita limites, entre outras experiências. Kishimoto (2002) faz alusão às diversas significações atribuídas aos brinquedos e brincadeiras em diferentes contextos sociais. O brinquedo é considerado como objeto que serve de suporte para a brincadeira livre ou então é utilizado para o ensino de conteúdos escolares. Nesse sentido, é possível ir além da funcionalidade do brinquedo criando novas aprendizagens a partir do jogo que movimenta e torna o brinquedo um combustível para a exploração de conceitos e linguagens em sala de aula?
O professor é o mediador desse processo na escola e tem que organizar sua ação de acordo com estes três aspectos: finalidades da educação, o desenvolvimento infantil e os conhecimentos que precisam ser socializados para a criança. O seu papel é de planejar a experiência de brincar, aproximando através da sua observação constante a experiência cultural e social do brincar ao comportamento das crianças, investigando como brincam, qual ação desponta como mais significativa, como ocorrem essas interações e relações com os outros, oferecendo assim novos elementos formativos e sentidos ao contexto do brincar.
A experiência lúdica é constituída por elementos culturais (brinquedos e materiais diversos), que disponibilizados às crianças são fundamentais nesse processo de apropriação social, no desenvolvimento desse aprendizado. O resgate das brincadeiras tradicionais traz, além de tudo que foi apresentado até o momento, a oportunidade de conhecer a história do brinquedo, os diversos sentidos culturais de brincar, sem mencionar a participação dos pais, que poderão participar com seus filhos de brincadeiras que enriqueceram suas infâncias. Segundo Sônia Kramer (1996, p. 209), a formação cultural é “direito de todos se considerarmos que todos (crianças, jovens e adultos) somos indivíduos sociais, sujeitos históricos, cidadãos e cidadãs que têm direitos sociais, que são produzidos na cultura e produtores de cultura”. Buscar brincadeiras de outros tempos, construir brinquedos, recriar jogos são caminhos, são portas importantes e, sem dúvida, facilitadoras do processo de busca desta ludicidade. Portanto, é muito importante oferecer à criança, um currículo que propicie essas práticas lúdicas e criativas, valorizando o tempo e a cultura infantil. Levando a ludicidade para além da escola, pois a criança que brinca é a que vai se relacionar melhor com os demais colegas, vivenciando diferentes experiências objetivas, subjetivas e sociais de aprendizagens evolutivas nas séries iniciais e por toda sua vida. De acordo com Fortuna e Barbosa (2015), mesmo sem intenção de aprender, quem brinca aprende, até porque se aprende a brincar.
DESDOBRAMENTOS...
Os jogos e as brincadeiras tradicionais podem e devem ser usados desde a Educação Infantil até o Ensino Médio, dependendo dos objetivos do professor. Benjamin (1984) alerta que há um grande equívoco na suposição de que são simplesmente as próprias crianças, movidas por suas necessidades, que determinam todos os brinquedos. As crianças, quando brincam, se defrontam o tempo todo com os vestígios da tradição que as gerações mais velhas deixaram. O brinquedo, mesmo quando não é apenas miniatura de objetos que circulam no mundo dos adultos, é confronto, não tanto da criança com os adultos, mas destes com a criança. Para Brougère (1995), olhar para o brinquedo é se confrontar com o que se é ou, ao menos, com a imagem do mundo e da cultura que se quer mostrar à criança. O brinquedo é um objeto que traz em si uma realidade histórica e social, uma visão de mundo e de criança. Vygotsky (1991) ressalta a importância dessa atividade para o desenvolvimento mostrando que ela cria uma zona de desenvolvimento proximal. É importante que o professor perceba que a forma como a criança reage ao objeto não é simplesmente um produto do processo da sua interação com o objeto no momento, mas um processo de sua história pessoal e social. Portanto, este trabalho assume grande relevância na práxis pedagógica do professor, pois além de enriquecê-la, promoverá o seu amadurecimento e a reelaboração do lúdico, resgatando o tempo da infância e o espaço destinado às brincadeiras na Educação Infantil e Séries iniciais, promovendo experiências culturais dinâmicas e prazerosas. É uma nova práxis educativa que permite sermos mais amorosos, afetivos e acolhedores na experiência do brincar, bem como reaprender a pensar e criar outros mundos e novas versões dos brinquedos no espaço da brinquedoteca.
A avaliação desse projeto teve como base a concepção de Hoffman (2000), visando o desenvolvimento global do estudante e mostrando a sua verdadeira aprendizagem dentro desse processo. O educador desafiará e estimulará o educando a se apropriar de dispositivos e ferramentas para conseguir resolver os problemas que aparecerem, desafiando-o a seguir em frente e alcançar seus objetivos. O professor acompanhará essa construção de conhecimentos por parte do educando a todo o momento. A avaliação será de forma contínua, processual e formadora, sendo consideradas as aprendizagens das crianças que participaram das atividades propostas, de acordo com suas particularidades, de forma espontânea, com curiosidade e interesse. O estágio ocorreu de 26 de setembro a 17 de outubro de 2016, sendo realizado com 18 turmas, somando-se as de Educação Infantil e Ensino Fundamental. Conforme já descrito, as turmas frequentam a brinquedoteca semanalmente e o 4º ano quinzenalmente. Assim, pensamos nas projeções do estágio para três semanas, contemplando três encontros com cada turma e dois com as turmas de 4º ano, seguindo o horário da escola para os encontros.
Para implementar o projeto realizaremos oficinas pedagógicas. Os estudantes participarão em seu período da turma. conforme interesse. Na primeira semana cada nível de ensino será convidado a construir um tipo de brinquedo tradicional (Peteca, Cinco Marias, Vai e Vem, Pé de Lata e telefone sem fio). Cada turma irá produzir seis brinquedos coletivamente. Na segunda semana as turmas serão convidadas a brincar com os brinquedos que foram produzidos ao longo da semana anterior. Na terceira semana cada estudante poderá produzir seu próprio bilboquê, o qual poderá levar para casa. Será organizado também para cada turma um saco de brinquedos, com um exemplar de cada brinquedo produzido. Este saco ficará nas salas de aula, podendo ser utilizado pelas turmas em outros momentos do brincar. Ficará também um saco disponível na brinquedoteca para os estudantes brincar, divertir-se e aprender a cada semana se assim desejarem. Os estudantes do 4º ano realizaram as oficinas propostas para segunda e terceira semana, não realizando então a oficina de construção dos brinquedos.
Na 1ª semana 26/09 a 30/09 implementamos a Oficina Construindo brinquedos. Leitura e conversa de um poema do livro “Saco de Brinquedos”, de Carlos Urbim[1]. Na roda inicial na brinquedoteca, foi feita a explicação da proposta, deixando os estudantes à vontade para participarem da oficina ou brincarem nos espaços indicados como normalmente. Nesse momento, observamos e anotamos as reações e comportamentos.
As turmas 041, 051 e 052: Pintaram com tinta usando as mãos pedaços de tecido TNT. Esse tecido será recortado e usado para fazer os saquinhos que irão constituir o jogo Cinco Marias. As Turmas 061, 062 e 111: Produziram as petecas. Fizeram as bolinhas de jornal, cortaram o TNT, escolheram as penas e juntaram com o auxílio das professoras o material para a produção da peteca. Cada turma produziu 6 petecas. As Turmas 112, 113 e 114: Produziram o telefone sem fio. Pintaram o potinho de iogurte e colocaram o fio. Cada turma produziu 6 telefones. As Turmas 121, 122 e 123: Produziram o pé de lata. Pintaram as latas e amarraram os barbantes. Cada turma produziu 6 pares do brinquedos, ou seja, 12 latas. As Turmas 131, 132, 133: Produziram o vai e vem. Enfeitaram as garrafas e cortaram. Enfiaram o barbante e usaram um prendedor na ponta para puxar. Cada turma produziu 6 brinquedos. As Turmas 141, 142 e 143: Na primeira semana essas turmas confeccionaram brinquedos. Elas produziram o bilboquê (enfeitaram a garrafa, cortaram, fizeram a bolinha de jornal e prenderam o barbante na tampinha).
Na 2ª semana 03/10 a 07/10 pensamos a Oficina Brincando com o que produzimos. Nesta semana cada turma brincou com os brinquedos produzidos na semana anterior, revezando os brinquedos em todas as turmas. A proposta foi explicada na roda na brinquedoteca. Os estudantes ficaram à vontade para participar das brincadeiras com os brinquedos produzidos ou brincar nos espaços da brinquedoteca. Observamos e anotamos as reações e comportamentos.
Na 3ª semana 26/09 a 30/09 elaboramos a Oficina Construindo meu brinquedo. Nesta semana cada estudante foi convidado a produzir seu bilboquê (enfeitaram a garrafa, cortaram, fizeram a bolinha de jornal e prenderam o barbante na tampinha). Junto com o bilboquê levaram uma ficha informando aos seus pais da Oficina. Anteriormente, receberam um bilhete para trazer uma garrafa pet. Ao longo da semana também cada turma recebeu um saco de brinquedos, como já descrito acima.
REFLEXÃO ANALÍTICO-TEÓRICA SOBRE A PRÁTICA
O estágio foi realizado em três etapas, na primeira semana confeccionamos com cada uma das dezoito turmas, um brinquedo. Já na segunda, compartilhamos os brinquedos fabricados por todas as turmas, brincando durante todo o tempo na brinquedoteca e também no pátio em frente. Na última semana, as turmas confeccionaram bilboquês, que foram levados para casa, como presente em comemoração ao dia das crianças. O restante dos brinquedos foi dividido entre todas as turmas, um tipo de cada brinquedo, totalizando seis, no “saco de brinquedos”.
Durante a confecção dos brinquedos, na primeira semana, a maioria das crianças participou como mostra o gráfico a seguir:
Total de estudantes envolvidos no projeto → 391
Número de educandos que participaram → 264
Número de alunos que não participaram → 127
A participação variava de acordo com a faixa etária, também era visivelmente influenciada pela atitude do professor da turma. Quando o professor participava, incentivava seus estudantes a também participar, constatamos um maior número de participantes na atividade. Notamos o quão é importante essa atitude de incentivo por parte do professor para as crianças. Realmente, o educador imprime uma identidade no estudante. Os números menores de participantes nas atividades estavam presentes nas turmas em que o professor se mostrava indiferente, sem participar ou estimular seus educandos. Ressaltamos que aqueles estudantes que não quiseram trabalhar na atividade proposta, puderam brincar com alguns brinquedos (jogos) da brinquedoteca.
Na segunda semana os estudantes puderam brincar com os brinquedos produzidos na semana anterior. A iniciativa de participação dos estudantes era livre na primeira semana. Diferentemente da segunda semana, em que era só brincar, todos participaram com grande alegria e entusiasmo. O pé de lata foi o brinquedo preferido por todas as turmas. Ao longo da terceira semana, as turmas produziram o biboquê com garrafa pet. Algumas turmas quando a proposta era apresentada ficaram um pouco resistentes, questionando se era obrigatório. Explicamos que gostaríamos que todos fizessem para poderem levar para casa e brincar também com as famílias. Muitos desses estudantes que manifestaram esse comportamento ao longo da oficina mostraram-se interessados e participativos durante e depois. Outras turmas logo quando a proposta era lançada ficavam felizes e queriam fazer. Os estudantes precisavam cooperar, dividir os materiais e a atenção das professoras. Para alguns estudantes foi um pouco difícil, tendo que aprender a lidar com o outro e, principalmente, a trabalhar em equipe. Receberam um saco de brinquedos com os brinquedos produzidos, os quais ficaram nas salas de aula para momentos de brincadeiras da turma. Gostaram muito de receber o retorno dos materiais produzidos com o saco de brinquedos que se tornou o troféu pelo trabalho realizado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência adquirida no estágio curricular obrigatório (III) contribuiu significativamente em nossa formação. Ter experiências de educação fora de sala de aula e do ensino regular expande nosso horizonte sobre as possibilidades de ser pedagogo. Foi um grande desafio e apesar de realizar a mesma oficina com diversas turmas, as aprendizagens foram variadas, pois cada turma respondeu de uma forma diferente. Foi com grande satisfação e alegria que chegamos ao final do estágio e verificamos que tudo ocorreu da melhor forma possível, superando nossas expectativas. Houve surpresas, principalmente quanto à participação e interesse dos estudantes nas atividades propostas, visto que as crianças são de classe média/alta e os brinquedos são simples, feitos de materiais de sucata. Pensávamos que, talvez, não despertasse o interesse por parte deles.
Dentro de nossa prática pedagógica desenvolvida não mudaríamos nada, pois tudo ficou muito coerente e claro, nada foi imposto, quem participou das atividades foi com muita disposição e alegria. Vale lembrar que nossas atividades estavam concorrendo com um espaço lindo, cheio de jogos e brinquedos bastante interessantes. Durante todas as oficinas houve grande interesse e participação. No final de cada oficina era feito uma autoavaliação em grupo, a qual os estudantes podiam falar pontos negativos e positivos referente à oficina vivenciada. Este momento foi bastante válido, pois os estudantes conseguiam avaliar a conduta da turma, o que foi bom e o que não foi experimentado em harmonia com a turma, assim como apontar itens a serem melhorados.
Na verdade, o resultado verificado a cada dia, sempre nos surpreendia. Ficam para nós, as professoras, mais uma experiência muito rica e significativa. É claro que sabemos da necessidade de sempre repensarmos as nossas práticas e que sempre temos algo a melhorar. Foi uma prática diferente para uma das estagiárias, pois esta não havia ainda vivenciado esta modalidade educativa (não escolar), diferentemente da outra colega que trabalha nesse local. Durante os quinze dias de implementação do projeto ficamos muito contentes com os resultados alcançados. O projeto foi um sucesso, somando várias aprendizagens, conhecendo e trabalhando com várias pessoas. O estágio foi realmente de grande valor em nossa formação, deixando também em nós a certeza de termos realizado um grande feito para essas crianças, apresentando uma nova forma de brincar e se divertir, com material simples, sustentável e sem qualquer custo.
REFERÊNCIAS
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FORTUNA, Tânia Ramos; BARBOSA, Claudia. Brincadeira livre na sala de aula de Educação Infantil. Presença Pedagógica, v. 21, p. 40-45, 2015. Disponível em: <http://periodicos.uesb.br/index.php/aprender/article/viewFile/5487/pdf_40> Acesso em: 30 ago. 2016.
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