12/03/2018

Breve Retomada de Um Texto: “Decifrar Textos Para Compreender a Política”

Breve retomada de um texto: “decifrar textos para compreender a política”

 

Peterson Ayres Cabelleira[1]

Gabriel dos Santos Kehler[2]

Resumo

Esta breve retomada do texto “Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos” das autoras Shiroma, Campos e Garcia (2005), intenta apresenta um recorte de alguns modos de decifrações textuais para compreender a política das políticas educacionais, em especial, aquela que é amplamente divulgada através de textos oficiais, considerando que compreender a “linguagem da reforma” vem a ser um movimento próprio da análise discursiva.

Palavras-chave: Política Educativa. Discurso. Análise Documental.

Palavras Iniciais

         Nesse movimento de retomada do texto “Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos” das autoras Shiroma, Campos e Garcia (2005); destacam-se algumas recorrências discursivas entremeio a conceitos, conteúdos, sentidos... presentes em muitos documentos das políticas públicas educacionais.

          As autoras destacam a investigação da política naquilo que cria efeitos de sentido à “hegemonia discursiva”, que por sua vez, data desde o início dos anos de 1990 múltiplos endereçamentos de argumentos em torno da qualidade, competitividade, produtividade, eficiência e eficácia. E já ao final da respectiva década, percebe-se uma guinada desse viés economicista para uma face mais confluída na/da política educacional, sugerida pela crescente ênfase nos conceitos de justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança. Essa transição, ou melhor, essa confluência discursiva é apontada pelas autoras como resultado de uma disseminação massiva de documentos oficiais, que hoje, são facilmente obtidos via internet.

  1. A política dos textos

Com esse processo de livre circulação de documentos e textos legais, tem-se vivenciado também um processo de “vulgarização do vocabulário da reforma”, o que pode ser considerada uma estratégia de legitimação eficaz na medida em que consegue colonizar o discurso, o pensamento educacional e se espalhar no cotidiano como demanda imprescindível da modernidade. De fato, a literatura derivada das pesquisas comparativas aponta uma tendência crescente à homogeneização das políticas educacionais em nível mundial.

            Deste modo, as reformas educacionais desencadeadas nos Estados Unidos e Inglaterra com a publicação dos relatórios acabaram servindo como modelos aos países emergentes, com incentivo e orientação de organismos multilaterais, como Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), entre tantos outros. Assim, tais agências produziram a reforma e exportaram também a tecnologia de fazer reformas.

            Contudo, para analisarmos essa “enxurrada” de políticas e reformas que circulam nas produções e práticas, ainda carecemos de ferramentas diversificadas de conceitos e teorias. Assim, as autoras enfatizam a perspectiva de Ball (1994), em que os significados que atribuímos ao conceito de política afetam o como pesquisamos e o como interpretamos o que encontramos. O autor discorda da concepção de política como “coisa”. Em sua opinião, políticas são, ao mesmo tempo, processos e resultados, traduzindo mais sinteticamente as política lutam e disputam em uma guerra semântica por legitimidade. Ademais, Fairclough (2001) alerta que é preciso lembrar que, embora os significados sejam produzidos socialmente, os sentidos com que as palavras são empregadas “entram em disputas dentro de lutas mais amplas”, uma vez que, “as estruturações particulares das relações entre as palavras e das relações entre os sentidos de uma palavra são formas de hegemonia.

            Fairclough (2001) ainda nos chama a atenção para o conceito de “intertextualidade”, que por sua vez aponta para a produtividade dos textos, para como os textos podem transformar textos anteriores e reestruturar as convenções existentes; esse movimento, que atesta a historicidade intrínseca dos textos, pois implica uma dupla relação – dos textos na história e da história nos textos. Assim, há a dimensão textual do discurso sobre mudança social, em que a mudança deixa traços nos textos na forma de co-concorrência de elementos contraditórios ou inconscientes – mesclas de estilos formais e informais, vocabulários técnicos e não-técnicos, marcadores de autoridade e familiaridade, formas sintáticas mais tipicamente escritas e mais tipicamente faladas, e assim por diante. À medida que uma tendência particular de mudança discursiva se estabelece e se torna solidificada em uma nova convenção emergente, o que é percebido pelos intérpretes, num primeiro momento, como textos estilisticamente contraditórios perde o efeito de “colcha de retalhos”, passando a ser considerado “inteiro”. Tal processo de naturalização é essencial para estabelecer novas hegemonias na esfera do discurso.

            Nessa perspectiva, a “desconstrução” dos textos visando a compreensão de seu processo de produção torna-se um importante mecanismo de análise discursiva, na medida em que permite localizar as inconsistência dos textos, os pontos em que transgride os limites dentro dos quais foi construído. Composto por contradições, um texto não é restrito a uma única, harmoniosa leitura. Pelo contrário, torna-se plural, aberto a re-leituras, não mais um objeto para consumo passivo, mas um objeto a ser trabalhado pelo leitor para produzir sentido (BELSEY, 1980).

            Bowe e Ball (1992) propõem um modelo de análise de política educacional que abrange três contextos:

  1. Contexto de influência: onde a elaboração da política pública;
  2.  Contexto da produção de textos: incluem documentos oficiais que “representam” a política, a narrativa que lhe dá suporte; textos políticos são normalmente articulados à linguagem do público em geral;
  3. Contexto da prática: refere-se à esfera da implementação. Ball (1994) observa que quanto mais ideológica e abstrata for uma política, mais distante da concepção da prática, menor será a possibilidade de ser incorporada no contexto da prática.

        Para tanto, faz-se mister compreender que existem múltiplas possibilidades de leitura das políticas públicas, diferentes interpretações e reinterpretações, que podem provocar a contestação de seus significados e resultados, assim como, proliferar tantos outros sentidos possíveis. Esta possibilidade autoriza vislumbrar resistência aos objetivos ou propósitos originais, sendo que os autores não podem controlar o significado de seus textos. Contudo, é comum que os documentos oficiais e os relatórios utilizam a linguagem com a finalidade de mobilizar pessoas em direção ao consenso social, como a utilização do termo “nosso”, como forma de capturar e comprometer o leitor à causa. Deste modo, a tarefa de desenvolver um olhar investigativo sobre os textos oficiais – legislação, relatório, documento exigem olhares atentos – para ler o que dizem; mas também... captar o que “não dizem”.

 

Algumas ponderações...

        Na propositiva analítica das autoras, naquilo que opera como subsídios teórico-metodológicos, compreender a “linguagem da reforma” vem a ser um movimento próprio da análise discursiva, considerando que o interesse das mesmas não esteve calcado no trabalho com/sobre o texto dos documentos em si, mas, sobretudo, nos sentidos da política. Para tal, esses sentidos atrelados aos documentos das políticas públicas educativas, produzem efeitos de sentido a partir dos endereçamentos dos organismos internacionais que, por sua vez, tramam uma complexa teia conceitual em torno da qual se estrutura a linguagem da reforma. Para Fairclough (2001), os processos de contestação e reestruturação de ordens de discurso são processos de luta hegemônica na esfera do discurso, afetados pela luta hegemônica no sentido mais amplo, mas que também têm efeito sobre ela.

Referências

SHIROMA, Eneida Oto; CAMPOS, Roselane Fátima; GARCIA, Rosalba Maria Cardoso. Decifrar textos para compreender a política: subsídios teórico-metodológicos para análise de documentos. PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 23, n. 02, p. 427-446, jul./dez. 2005.

 

[1] Acadêmico do Programa de Mestrado Profissional de Ensino da Ciência da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Bagé/RS. E-mail: petersoncabelleira@hotmail.com

[2] Docente na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), Campus Itaqui/RS. E-mail: gabkehler@gmail.com

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