18/09/2020

Breve história da educação e a pandemia como revés sem precedentes

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Ainda nas comunidades primitivas crianças e jovens já aprendiam técnicas de sobrevivência e práticas como caça, pesca e plantio. O ensino era prático e assim o foi até a Grécia Antiga, quando a educação sofre verdadeira revolução e surge a noção do complexo educacional de matérias como  Gramática, Retórica, Música, Matemática, História, Filosofia, entre outras, para formação de cidadãos. Isso entre os séculos XII a IX a.C. até o fim da antiguidade nos anos 600 d.C., quando se inicia a Idade Média e a era bizantina. A educação era para os escolhidos, eliminando-se do rol as mulheres, os escravos e os estrangeiros.  

Na Idade Média teremos os mosteiros como responsáveis pelo ensino,  primeiros espaços de organização e preservação dos saberes, ainda que também seletos e com estudos ligados basicamente à religião. Naquele momento a maioria da população não possuía sequer habilidades básicas como ler, escrever e fazer contas matemáticas.

Note que o contexto ao qual estamos acostumados é eurocêntrico: a história da China Antiga nos mostra que a educação protocolar começou bem antes naquele país/região. As informações dão conta de que escolas foram amplamente construídas no curso da dinastia Chou (1122-256 a.C.), como estabelecimentos do Estado e com caráter  político. E,  ao contrário de muitas regiões do mundo, a educação na China começou com a leitura de textos clássicos e não com estudos ou instituições religiosas.

Voltando ao ocidente, a educação na Idade Média, tal como a entendemos, não era considerada uma necessidade. Continuava direcionada aos escolhidos, mas já avançava em inúmeros pontos. Foi neste período da história, em 1088, que surgiu a primeira universidade europeia, a Universidade de Bolonha, na Itália, época em que também avançou o direito romano em áreas de jurisprudência anteriormente regidas pelo direito consuetudinário, com exceção da Inglaterra.  

Outras instituições importantes já haviam sido criadas em outras partes do globo (Tunísia, Marrocos e Egito) e ainda há um certo debate sobre qual é a universidade mais antiga; fato que o termo "universidade" vem da criação da escola de Bolonha, que carrega orgulhosamente o título. A universidade era desprendida da Igreja Católica e do Estado e responsável pelo ensino de Medicina, Astronomia, Matemática e Direito: serviu como referência para o desenvolvimento do ensino superior em todo o mundo.

Um pulo para 1717, na Prússia, e estamos diante do surgimento da educação pública ocidental, obrigatória para crianças entre 5 e 12 anos e de grande interesse do Estado para a formação de soldados e operários, o que acabou revolucionando a sociedade em vários aspectos.

A história da educação no Brasil

Até o século XIX o Brasil não teve uma política de educação sistemática planejada. Por 200 anos depois da chegada dos portugueses os jesuítas foram praticamente os únicos que comandavam o processo educativo.

A Academia Real da Marinha foi fundada por D. João VI, em 1832, e se torna uma instituição de engenharia militar, naval e civil, muito para suprir as necessidades da corte, mas deixando a desejar quanto à educação primária. Não havia interesse na formação de críticos ou filósofos conscientes.

Com a Independência do Brasil e com a Constituinte de 1823 iniciaram-se as discussões sobre políticas de educação pública e a criação de universidades no Brasil. Em 15 de outubro de 1827 foi decretada a lei que “manda crear escolas de primeiras letras em todas as cidades, villas e logares mais populosos do Imperio”. Em 1834 houve a descentralização das responsabilidades educacionais do governo e as províncias passaram a legislar sobre a educação primária.

Apenas em meados de 1920 a educação brasileira veio a ser centro de debates, época de grandes educadores brasileiros, dentre eles Anísio Teixeira, hoje homenageado pelo  nosso Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais.

Em 1934 houve mais um momento de avanço na área educacional, inclusive refletindo ideais da Escola Nova ou Escola Ativa, Progressiva, que foi um movimento de renovação do ensino trazido ao Brasil pelas mãos de Rui Barbosa.

Constituição de 1937 é característica do Estado Novo autoritário e representou retrocesso em relação à anterior. A educação ficou focada novamente na profissionalização e houve um maior incentivo à educação privada, deixando ao Estado uma função subsidiária. O ensino primário era obrigatório e gratuito, mas os mais favorecidos contribuíam mensalmente para a caixa escolar, como  forma de solidariedade. A vinculação obrigatória de recursos para a pasta da educação foi extinta.  

Entre 1946 e 1964 o país passou um processo de redemocratização e nesse período de pouco menos de duas décadas ocorreram grandes mudanças. Um marco importante desse período foi a elaboração da Lei nº 4024, de 20 de dezembro de 1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que  sistematizou o ensino e definiu seus objetivos. Também foi criado o Conselho Federal de Educação, que redigiu o chamado Plano Nacional da Educação.

Nesse intervalo de anos, mais especificamente em dezembro de 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o direito à educação foi elencado no art.26. Um aparte para lembrar que este direito somente foi reconhecido na Constituição Federal brasileira de 1988.  Antes disso o Estado não tinha a obrigação formal de garantir a educação de qualidade a todos e o ensino público era tratado como assistência.

Continuando, tivemos um grande período de governo militar entre os anos 1964 e 1985, marcado por grande incentivo à privatização da educação e desvinculação orçamentária da União, com recursos mínimos para a educação pública.

Há um senso comum sobre a educação no Brasil ter sido boa no período ditatorial, mas os estudos não corroboram essa tese. Vários especialistas que se dedicaram ao tema apontam que a Ditadura Civil-Militar (1964-1988) “deixou marcas profundas na educação brasileira, entre elas a prática de expandir sem qualificar”.

Direito à educação no Brasil, quando esse conceito fez sentido?

A Constituição brasileira de 1988 é considerada o marco que inaugurou o período democrático do Brasil. Foi formulada atendendo a diversos interesses e demandas da população brasileira, sendo considerada avançada em relação às questões sociais e garantias das liberdades individuais. 

Dentro do rol dos direitos humanos fundamentais encontra-se o direito à educação, amparado por normas nacionais e internacionais. Trata-se de um direito fundamental de natureza social, pois deve ser visto, sobretudo, de forma coletiva, como um direito a uma política educacional e a ações afirmativas do Estado que ofereçam à sociedade instrumentos para alcançar seus objetivos.

A educação também é dever da família e da sociedade, às quais cabe promover, incentivar e colaborar para a realização desse direito.

Há, obviamente, uma diferença significativa entre direitos proclamados e direitos efetivados.

No Brasil, as políticas públicas de ampliação do acesso à escola ainda precisam apresentar medidas efetivas de permanência e qualidade no ensino. Um longo caminho a percorrer pelo Estado, por meio de todos os seus poderes e níveis da federação, oferecendo as condições para o exercício do direito e também fiscalizando o seu cumprimento.

Mundo e pandemia

Segundo a ONU, o direito à educação é previsto por 82% das constituições nacionais do mundo, mas em quase a metade dos países não é possível levar governos à justiça caso violem esse direito, ainda que todos tenham ratificado pelo menos um tratado que o garanta. Em 2017 eram mais de 260 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, com menos da metade concluindo o ensino secundário.

Com a pandemia, de acordo com a World Health Organization, a grande maioria dos governos fecharam as instituições educacionais e a expectativa é que a medida cause um risco sem precedentes para a educação, a proteção e o bem-estar infantil.

Quanto mais tempo as crianças, principalmente as mais vulneráveis socialmente, permanecerem fora da escola, menor será a probabilidade de elas retornarem, sem contar o aumento no risco de gravidez na adolescência, exploração sexual, casamento infantil e violência, entre outras ameaças. Em nosso artigo Reabertura das escolas: entre a necessidade e o medo, cuja leitura recomendamos, explicitamos melhor a situação.

A suspensão das aulas presenciais, todavia, foi medida imprescindível de prevenção contra o espalhamento da doença, que já matou por todo o mundo 950.000 pessoas. O momento em que a retomada geral das aulas presenciais vai ocorrer ainda é um dilema e tem gerado muito debate e controvérsias entre especialistas.

Não há, nos parece, uma maneira peremptória de decidir por uma conduta ou outra, senão analisar as escolas individualmente, pesando a capacidade ou não de cumprirem os protocolos de segurança, com a participação dos especialistas e pais/responsáveis. Sempre dispostos a retroceder caso exista necessidade.

Enfim, a educação, com a pandemia, sofreu o maior revés de sua história e a ONU já alerta para uma catástrofe geracional. Mas assim o foi para a promoção da saúde e da vida, bens prevalentes e também constitucionalmente protegidos.   

Autores: Ana Luiza Santos Silva e Edgar Gaston Jacobs

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Edgar Gastón Jacobs é doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professor e pesquisador na área de Direito Educacional, atua como advogado, consultor em direito educacional e parecerista para Instituições de Ensino Superior. Se preferir, entre em contato pelo telefone: (31) 3494.0281

 

 

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