18/03/2019

Bingo Matemático e o Quarto de Despejo: Aplicabilidade da Matemática na Educação de Jovens e Adultos

Marcélia Amorim Cardoso

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ), professora substituta do Departamento Educação e Sociedade (DES/UFRRJ)  professora do curso de Licenciatura em Pedagogia (Faculdade Fernanda Bicchieri/FABEL), professora do Curso Normal de Nível Médio (SEEDUC/RJ)

 

Leonardo Meirelles Cerqueira

Doutorando em Educação pelo Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - PPGEdu/UNIRIO. Mestre em Educação pelo Programa de Pós Graduação da Universidade Estácio de Sá - PPGE/UNESA. Professor e Coordenador do curso de Licenciatura em Pedagogia e Professor na Pós Graduação Lato Sensu em Gestão Integrada na Educação da Faculdade Fernanda Bicchieri (FABEL); Professor Inspetor Escolar da Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC); Inspetor Escolar da Fundação de Apoio à Escolas Técnica (FAETEC); Diretor Geral da Escola Meirelles Cerqueira; e Avaliador de Curso de Graduação do SINAES (INEP/MEC).

 

Danielle Alexandre;

Gabriela Cavalcante Serafim;

Rosana da Silva de Góis;

Sonia Maria Ribeiro Alves.

Graduandas do 5º período de Pedagogia FABEL/RJ

 

Considerações Iniciais

 

Eu nada tenho que dizer de minha saudosa mãe. Ela era muito boa. Queria que eu estudasse para professora. Foi as condições da vida que lhe impossibilitou concretizar o seu sonho. Mas ela formou o meu caráter, ensinando-me a gostar dos humildes e dos fracos. (JESUS, 1963, p. 43-44)

 

A Resolução CNE/CP n° 01/2006 (BRASIL, 2006) que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia prevê estágios supervisionados considerando-o elemento complementar da formação para exercício das funções de magistério na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental e em suas modalidades. Para a realização do estágio supervisionado de Educação de Jovens e Adultos, a FABEL organiza em sua concretização, tempo/espaços entre os campos de estágio, ou seja, as escolas que atendem a EJA, a pesquisa de campo e a atividade acadêmica. Graduandas participam das atividades cotidianas de uma turma de EJA, realizam um levantamento do campo de estágio e propõem uma atividade correlacionada a uma área de conhecimento a fim de investigar sua presença no cotidiano e nas práticas pedagógicas.

Este é um relato do processo formativo ocorrido em uma turma do 1° ano do ensino fundamental de uma escola da rede pública localizada em um bairro periférico no município de Belford Roxo, RJ. Dentre os principais objetivos do estágio podemos citar o reconhecimento dos lócus escolar como espaço possível para a vivência do magistério da Educação de Jovens e Adultos e realizar uma atividade pedagógica.

Em relação a sua infraestrutura, a unidade escolar dispõe ao total de cinco salas voltadas para a Educação de Jovens e Adultos, além de uma cozinha e um refeitório onde é ofertado o jantar, para aqueles que possuem a necessidade de se alimentar no ambiente escolar. Vale destacar que a unidade possui equipamentos básicos, porém bastante precários..

Utilizou-se da observação participante como metodologia de pesquisa, a qual procura entender a real situação dos envolvidos em contexto real, inserindo-se e participando de seu cotidiano. A abordagem qualitativa propõe lidar com a interpretação, na medida em que são compartilhadas suas experiências (através de entrevistas e das observações diárias) ao longo da pesquisa.

A proposta do estágio supervisionado na EJA teve como principal foco, observar a forma de aplicação do ensino da matemática e as suas elaborações estratégicas, no que se refere ao processo de ensino aprendizagem. A atividade realizada buscou traçar forma diferenciada (através de jogos didáticos), algo que pudesse auxiliar o processo da aquisição dos conhecimentos matemáticos no que diz respeito à adição e subtração. A escolha pela área da matemática justifica-se pela observação cotidiana das dificuldades de interpretação da linguagem, processo e códigos matemáticos. Brito, Campos e Romanatto (2014, p538) dizem que “os processos de aquisição dos conceitos matemáticos precisam ser baseados na possibilidade de que as tarefas da escola possam ajudar os estudantes a desenvolver novos significados e experiências partindo dos já existentes”. Partindo dessa premissa, propôs-se a realização de um Bingo Matemático com cálculo.

Foi observado durante o estágio, que a proposta pedagógica da instituição se desenvolvia através do entrelaçamento da “prática de vida” com a escolha do livro “Quarto de despejo”, de Carolina Maria de Jesus, que por sua vez, remete a uma realidade bem próxima da comunidade, contribuindo assim, para que seu maior objetivo de formar cidadãos que analisem, integrem e contribuam para sua comunidade seja alcançado.

 

Metodologia

O estágio/pesquisa amparou-se na Observação Participante como técnica de investigação. Oliveira (2008, p. 08) afirma que na abordagem de uma pesquisa qualitativa, essa técnica permite que “os investigadores imergem no mundo dos sujeitos observados, tentando entender o comportamento real dos informantes, suas próprias situações e como constroem a realidade em que atuam”.

Utilizou-se também uma entrevista semi-estruturada com a professora, na qual foi possível constatar que a regente da sala, possui 49 anos de idade, formação em magistério nível normal. É efetiva, ou seja, aprovada por concurso público na rede municipal de educação. Quanto aos estudantes, quatro do sexo feminino e um masculino com idades variando de 32 e 60 anos.

Como base para a investigação no lócus de estágio, utilizou-se o artigo de Brito, Campos e Romanatto (2014), Ensino da matemática a alunos com deficiência intelectual na educação de jovens e adultos, que verifica a efetiva colaboração de estratégias tais como jogos na aquisição de conceitos matemáticos.

A atividade proposta foi um bingo matemático, em que se apresentava como chamada para a busca nas cartelas, problemas e cálculos matemáticos  de adição ou subtração os quais deveriam ser solucionados para localização do resultado nas cartelas. Foram elaborados problemas baseados livro Quarto de Despejo: Diário de uma favelada (1963) de Carolina Maria de Jesus.

Como objetivos, buscou-se ampliar os conhecimentos matemáticos, como meio de compreender o mundo a sua volta, demonstrar autonomia na resolução de problemas do cotidiano, utilizando operações de adição e subtração como forma de raciocínio, através da resolução de problemas envolvendo as operações de adição e subtração mediadas pelo jogo didático em consonância com a reflexão sobre a obra de Carolina Maria de Jesus.  

 

Resultados e Discussões

Foi possível constatar que a aplicabilidade da matemática é possível em consonância com a interdisciplinaridade, e nesse sentido,

 

A interdisciplinaridade questiona a segmentação entre os diferentes campos de conhecimento produzida por uma abordagem que não leva em conta a interrelação e a influência entre eles — questiona a visão compartimentada (disciplinar) da realidade sobre a qual a escola, tal como é conhecida, historicamente se constituiu. Refere-se, portanto, a uma relação entre disciplinas. (BRASIL, 1997, p. 31)

 

Ao propor que a atividade de regência do grupo de graduandas/estagiárias partisse do projeto didático que a escola já realizava cujo tema central circundava a obra de Carolina Maria de Jesus, a professora se demonstrou sensível à questão da interdisciplinaridade, que para Fazenda (1993, p. 41) “é a colaboração existente entre as disciplinas diversas (...) caracteriza-se por uma intensa reciprocidade nas trocas, visando um enriquecimento. Também foi possível observar, que com a interdisciplinaridade as aulas tornam-se mais participativas e apesar de prevalecer a metodologia tradicional na instituição, há brechas para o desenvolvimento de atividades mais criativas e expressivas articuladas em projetos.

A realização do Bingo Matemático constituiu-se em uma atividade de cálculo a partir de problemáticas que envolvia situações descritas na obra de Carolina Maria de Jesus. Abordaram-se as operações fundamentais de adição e de subtração conjuntamente, assim como nos diz Brito, Campos e Romanatto (2014, p. 536):

 

as operações fundamentais devem ser trabalhadas duas a duas: a adição e a subtração (estruturas aditivas) e multiplicação e divisão (estruturas multiplicativas). Por exemplo, a estrutura aditiva a + b = c significa que quando conhecemos temos a adição, e quando conhecemos a, ou b, temos a subtração. Assim, é importante trabalhar essas duas operações conjuntamente.

 

Ao longo da atividade, foi necessária a mediação constante, auxiliando individualmente os alunos diante do quadro de dificuldade em calcular e localizar os resultados. A aplicabilidade da matemática na EJA de forma atrativa e eficaz, ainda se faz uma questão a ser profundamente estudada para ser modificada. Brito, Campos e Romanatto (2014, p. 537) apontam que

 

perante o fato das operações fundamentais serem consideradas ações mentais, devemos considerar que, quando elas são trabalhadas de forma a abranger o dia a dia dos alunos, e que o docente, sendo um agente problematizador, organizador e coordenador daquilo que quer que seus alunos aprendam, este deve mostrar, efetivamente, o que espera deles.

 

A ausência de uma problematização abarcada no cotidiano revela os possíveis fatores influenciadores que prejudicam o processo do ensino aprendizagem como exemplo a falta de recursos adequados, a ausência de estímulos e a formação continuada da professora, relatada por ela mesma, em uma entrevista realizada durante o estágio. E com auxilio direto das graduandas/estagiárias no desenvolvimento do jogo, foi possível observar que todos os alunos aprenderam a organizar as sentenças e calcular, a partir daquilo que já conheciam.

 

Conclusão

Ao longo da inserção no campo de estágio, muitas declarações dos educandos foram ouvidas. A aproximação gradual possibilitava conversas informais sobre a vida e sobre a escola. Em um desses momentos alguns comentaram que o insatisfatório desempenho escolar se dava em decorrência dos problemas pessoais, que envolviam familiares, saúde e problemas com o horário devido ao trabalho.

Problemas que quando relatados, soavam muita mais como um desabafo, do que como qualquer outra justificativa em sua luta de permanência no âmbito escolar, pois era perceptível que a relação afetiva da professora com os alunos se dava através de atitudes acolhedoras, de escuta e troca e, sobretudo de respeito com as experiências trazidas por eles. Esse processo de reingresso do aluno da EJA à sala de aula requer além de um planejamento flexível, a formação de profissionais qualificados, pois é notório que o ensinamento aplicado de forma dialógica é capaz de mudar significativamente a vida de uma pessoa, trazendo assim a possibilidade de se construir devidas transformações em si e no mundo em que vive.

Outro fator positivo, que merece ser destacado, se refere à questão dessa maior interação e participação dos alunos, pois é através dessa prática que o aluno passa a compreender alguns fatores que até então eram isolados, passando assim a ter a possibilidade de fazer a associação com o seu dia-a-dia

Enfim, foi por intermédio dessa pesquisa que verificamos que a aplicação da área de conhecimento da matemática necessita de mais reflexões em relação ao conhecimento matemático cotidiano e a prática interdisciplinar. 

Vale apontar a importância da aproximação através do estágio supervisionado de EJA, pois é de acordo com a possibilidade de atuação nesta modalidade, que o curso de Pedagogia propõe obter  experiências significativas de formação docente . Ao estabelecer o contato direto com  o cotidiano de sala de aula, da dinâica de uma escola, e nesse caso de uma escola de Educação de Jovens e Adultos, O estágio supervisionado forma na prática da observação, reflexão e diálogo. 

Referências

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Ministério de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Resolução CNE/CP 1/2006. Brasília: CNE/CP, 2006. Disponível em http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rcp01_06.pdf acesso: 10/11/2018.

BRITO Jessica de; CAMPOS Juliane Aparecida de Paula Perez; ROMANATTO, Mauro Carlos. Ensino da matemática a alunos com deficiência intelectual na educação de jovens e adultos. In: Revista Brasileira de Educação Especial. Marília, SP, vol.20, n.4, Out.-Dez, 2014, pp. 525-540.

FAZENDA, Ivani (org). Práticas interdisciplinares na escola. 2ed. São Paulo: Cortez, 1993.

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 9ed. São Paulo: Livraria Francisco Alves, 1963. (Edição Popular).

OLIVEIRA, Cristiano Lessa de. Um apanhado teórico-conceitual sobre a pesquisa qualitativa: tipos, técnicas e características. In: Revista Travessias. Paraná: UNIOESTE, v. 2, n. 3, 2008, pp. 01-16.

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