16/12/2025

Avanços e Desafios na Implementação de Políticas de Equidade na Educação Básica Brasileira.

Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.

Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252

A trajetória recente da educação pública brasileira é marcada por uma dualidade inegável, ou seja, a conquista de avanços estruturais significativos convive, de forma persistente, com a reprodução de profundas desigualdades. A instituição de mecanismos de financiamento como o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) representou, sem dúvida, um marco na busca por maior equidade no financiamento educacional. A estabilização de uma fonte de recursos vinculada à matrícula promoveu uma expansão histórica do acesso, notadamente na educação infantil, e permitiu avanços em indicadores quantitativos como taxas de escolarização e remuneração docente (BRASIL, 2007). No entanto, a mera expansão do acesso e a equalização parcial do gasto por aluno entre estados e municípios não foram suficientes para romper com padrões históricos de exclusão e disparidade na qualidade do ensino oferecido.

As análises de Gomes (2012) e Cavalleiro (2005) evidenciam que as desigualdades de caráter étnico-racial constituem um dos pilares mais resistentes dessa estrutura excludente. Dados estatísticos de órgãos como o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) continuam a demonstrar que estudantes negros e indígenas apresentam, em média, indicadores de rendimento, fluxo e aprendizagem sistematicamente inferiores aos de seus pares brancos. Esse cenário desnuda a limitação de políticas universalistas que, embora necessárias, são insuficientes para corrigir assimetrias arraigadas no tecido social e, muitas vezes, reproduzidas no ambiente escolar. A igualdade formal de acesso não se traduziu em equidade de oportunidades e resultados, exigindo, portanto, intervenções específicas e direcionadas.

Nesse contexto, a reforma do FUNDEB em 2020, com a criação do novo mecanismo de Complementação de Valor por Aluno Resultado VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), introduziu um paradigma promissor ao vincular parte expressiva dos recursos federais suplementares não apenas à quantidade, mas à qualidade e à equidade. Ao estabelecer, como um de seus critérios, a redução das desigualdades educacionais com ênfase nas disparidades raciais, o modelo VAAR (Valor Aluno Ano Resultado) reconhece, pela primeira vez em um instrumento de financiamento de tal magnitude, a necessidade de ação afirmativa na esfera orçamentária (BRASIL, 2020). Trata-se de um avanço conceitual substantivo, que desloca o foco do gasto uniforme para o investimento direcionado, premiando financeiramente as redes de ensino que demonstrarem progressos concretos na promoção da justiça racial em seus sistemas.

Contudo, a efetividade plena desse novo desenho ainda é um horizonte a ser alcançado e depende de uma série de fatores. Em primeiro lugar, a operacionalização do critério de equidade racial requer sistemas de informação robustos e indicadores sensíveis, capazes de capturar não apenas o desempenho acadêmico por raça/cor, mas também variáveis como taxa de aprovação, abandono, distorção idade-série e clima escolar livre de discriminação. Apenas com diagnósticos precisos será possível direcionar os recursos de forma eficaz. Em segundo lugar, o VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), embora inovador, constitui apenas uma parcela do financiamento total. Sua capacidade de induzir transformações profundas pode ser limitada se não for acompanhada por uma revisão dos demais critérios de distribuição de recursos comuns do fundo, que ainda são majoritariamente demográficos.

Portanto, para além do aprimoramento do VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), é imperativo que a lógica da equidade racial permeie todo o sistema de financiamento e de políticas educacionais. Como apontam Coelho e Silva (2017), programas de formação docente, aquisição de materiais didáticos pluralistas, implantação de infraestrutura e políticas de assistência estudantil devem incorporar a dimensão étnico-racial como eixo estruturante. O financiamento para a educação integral, por exemplo, poderia priorizar escolas com maior concentração de estudantes negros. Recursos para a educação de jovens e adultos deveriam considerar o resgate da escolaridade dessa população, historicamente negligenciada.

Em síntese, os avanços no financiamento, simbolizados pela reforma do FUNDEB com seu componente VAAR (Valor Aluno Ano Resultado), abrem uma janela de oportunidade histórica para enfrentar as desigualdades raciais na educação. No entanto, esse é apenas o primeiro passo de uma caminhada mais longa. A superação definitiva do abismo educacional que separa crianças brancas e negras no Brasil demandará a conjugação desse instrumento financeiro inovador com uma vontade política firme, o aprimoramento contínuo dos mecanismos de monitoramento e avaliação, e, sobretudo, o compromisso ético de toda a sociedade com a construção de uma escola verdadeiramente democrática e antirracista. A equidade não pode ser um critério secundário nos orçamentos, ela deve se tornar o princípio orientador de todo o investimento público em educação, pois, como bem lembra Petronilha Gonçalves e Silva (2021), uma escola que naturaliza as desigualdades de resultado está, em última instância, comprometida com a manutenção de um projeto de sociedade excludente.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 21 jun. 2007.

BRASIL. Emenda Constitucional nº 108, de 26 de agosto de 2020. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 27 ago. 2020.

CAVALLEIRO, Eliane (Org.). Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03. Brasília: MEC/SECAD, 2005.

COELHO, Wilma de Nazaré Baía; SILVA, Paulo Sérgio Ribeiro da. Formação de gestores escolares para a diversidade. In: OLIVEIRA, Iolanda (Org.). Desafios da educação para a diversidade. São Paulo: Xamã, 2017.

GOMES, Nilma Lino. Indagações sobre currículo: diversidade e currículo. Brasília: MEC/SEB, 2012.

GONÇALVES E SILVA, Petronilha Beatriz. A Gestão Escolar para a Diversidade Étnico-Racial. Portal Cenpec, 2021.

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