04/06/2023

Avaliação escolar em perspectivas meritocráticas

                 

                          Avaliação escolar em perspectivas meritocráticas

 

                                                                                                  Edilma Cotrim das Silva

                                                                                                   edilmacdas@gmail.com

                                                                                                  Gabriel Cotrim de Souza

                                                                                     gabriel.cotrim.souza@gmail.com

 

Resumo

Este estudo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a avaliação como o indicador de meritocracia na educação que contribui reforçando a desigualdade na medida em que faz opção por critérios de avaliação limitados. Se atem a uma pesquisa exploratória de caráter  teórico-bibliográfico referenciados nos estudos de Vilas Boas, Dalben, (2005), Caldeira (2000), Freitas2019, entre outros autores. A questão em destaque é: por que processos avaliativos educacionais baseados em medições e meritocracia acabam justificando a desigualdade e promovendo a injustiça social? Os resultados mostram que as avaliações baseadas em critérios meritocráticos não são capazes de medir todas as esferas da vida, tornando-se limitados ao propor o que as pessoas são capazes de ser e fazer. Tendo em vista a necessidade de se criar uma escola democrática e justa, é possível concluir que se torna crucial valorizar atividades avaliativas que fomentem o desenvolvimento contínuo do aprendizado, em vez de se limitar à mera verificação do conhecimento adquirido por cada aluno. 

 Palavras-chave Meritocracia. Desigualdade.  Avaliação.

  1. Introdução

A busca por melhorias na qualidade da educação é uma luta constante em diversos governos e setores empresariais brasileiros. No entanto, a adoção de programas padronizados de avaliação em larga escala tem gerado controvérsias sobre a real eficácia dessas medidas. Provas, exames e avaliações podem até mensurar o desempenho dos estudantes, mas não são capazes de capturar todas as esferas relevantes para a educação, como a desigualdade social, econômica e cultural.

Além disso, a utilização de uma única medida numérica para avaliar o desempenho de alunos torna-se limitada e pouco confiável. É necessário questionar a prevalência da ideia de meritocracia como critério de desempenho escolar, pois ela pode desconsiderar as contingências que perpetuam a desigualdade. A ideia de que o sucesso educacional e profissional é determinado apenas pelo mérito individual é insuficiente para lidar com os desafios presentes na educação brasileira.

Assim, é importante que sejam implementadas avaliações mais holísticas e contextualizadas, que considerem fatores sociais, culturais e econômicos, para criar um ambiente verdadeiramente justo e equitativo no campo educacional.

O ensino médio no Brasil é frequentemente associado à preparação para o vestibular. Entende-se, portanto, que em um momento tão crucial quanto esse, o desejo mais comum das famílias é garantir que seus filhos tenham acesso a um modelo educacional que facilite, mesmo que através da memorização e repetição, o ingresso na universidade. Entretanto, é lamentável perceber a predominância de uma abordagem meramente técnica e meritocrática em um contexto que é, acima de tudo, pedagógico e crucial para a formação dos indivíduos.

Este estudo tem como objetivo apresentar uma reflexão sobre a avaliação como a ideia de meritocracia na educação, acaba, portanto, reforçando a desigualdade na medida em que opta por critérios de avaliação limitados.

  1. Para além da fragmentação da avaliação

A fragmentação do ensino é uma realidade presente em muitas instituições educacionais, o problema é que os currículos têm privilegiado determinadas áreas do conhecimento em detrimento de uma visão mais abrangente e integrada. E essa lógica também se reflete na avaliação dos estudantes, que muitas vezes são classificados como melhores ou piores, aprovados ou reprovados, sem que haja um acompanhamento mais contínuo e reflexivo. Isso só reforça a competição desnecessária e não contribui para uma formação emancipadora e significativa.

O processo escolar é uma fase crucial na formação da identidade dos indivíduos, e por isso não pode ser tratado apenas como uma ferramenta de sondagem de saberes. É preciso estimular a experimentação e a reflexão, e isso implica dar espaço para diferentes formas de expressão e linguagens, como destaca Villas Boas (1998)

Nos estudos apresentados, é comprovado que as diversidades de métodos avaliativos não são suficientes para expressar plenamente os conhecimentos e aprendizagens dos alunos. O foco excessivo nos exames e notas deixam pouco espaço para diálogo e apoio mútuo entre alunos e professores.

Frente as demandas das diversidades que se desenham na população estudantil são fundamentais a importância de repensar essas práticas pedagógicas e repensar o processo de avaliação como uma oportunidade de aprendizagem contínua e reflexiva. A prova pode ser um meio de avaliação, desde que não seja o único e não tenha uma característica puramente classificatória.

Freitas (2012) chama a atenção que o Brasil, na última década, está terceirizando a educação para grandes grupos empresariais de educação, estes são reconhecidos pela excelência comprovada por rankings de desempenho no ENEM e outros vestibulares. Neste espaço, a educação para todos cede a democratização da avaliação para a meritocracia. Tornou-se natural a adoção de métodos de avaliação cada vez mais limitados, impostos por instâncias superiores que desconheciam a realidade das turmas e do local onde a escola está inserida.

É preocupante que a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tenha a validação necessária e esteja sendo colocado em prática. No que concerne ao ensino médio, os alunos passarão a ter acesso a uma formação básica mais ampla, bem como a uma quantidade maior de aulas, atividades e "itinerários" que visam oferecer uma formação profissional progressiva, para além do proposto na reforma, urge pensar uma avaliação mais integrada. Devemos lembrar que a formação cidadã é fundamental, e que essa proposta pode atender a interesses específicos conforme a formação profissional. É essencial proporcionar uma educação de qualidade, justo para as diversas realidades.

Dalben (2005) afirma que:  A prática de avaliação permeia todos os aspectos da atividade humana. Julgamentos e comparações fazem parte de nossa rotina diária, desde reflexões informais nas tomadas de decisão cotidianas, até a reflexão organizada e sistemática que nos orienta a tomar decisões mais complexas.

No contexto escolar, a avaliação ocorre de forma organizada e sistemática, baseada em objetivos escolares e valores sociais implícitos ou explícitos. De acordo com Villas-Boas (1998), práticas avaliativas podem tanto manter como transformar a sociedade. Além disso, a avaliação escolar permeia todo o processo pedagógico, desde o início até a conclusão.
Em todos os níveis de ensino, a avaliação não age isoladamente, mas está sempre associada a um projeto ou conceito teórico que fundamenta a proposta de ensino, como explicado por Caldeira (2000), portanto, a prática de avaliação deve ser vista como uma parte essencial do processo de ensino, e não um fim em si mesma.

É fundamental destacar que simplesmente aumentar a carga horária não é suficiente se não houver uma prática educativa que dialogue com a realidade dos alunos. Afinal, como ressalta Pereira (2004), é necessário dar significado às aprendizagens para que elas sejam úteis na vida, no trabalho e na cidadania. Assim, as políticas públicas são cruciais para combater o fracasso e a evasão escolar, mas os professores têm um papel central na melhoria da qualidade da educação através da avaliação.

A recente alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deixou claro que o objetivo do Estado em relação à avaliação no Ensino Médio é promover uma perspectiva tecnicista e utilitarista que valoriza algumas áreas do conhecimento e sistemas classificatórios homogeneizadores. Isso significa que a avaliação muitas vezes é vista como medida, não como um processo crítico e reflexivo, negligenciando o desenvolvimento efetivo de aprendizagens pelos alunos. Essa escolha política pode ser facilmente identificada na aplicação periódica de testes quantitativos, que têm como objetivo selecionar e classificar os alunos com base em dados objetivos, assim posto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Esteban (2004), Gatti (2003) nos aponta que ao mergulharmos nas concepções pedagógicas que influenciam a avaliação escolar, podemos constatar que a avaliação e o exame têm sido frequentemente confundidos. Embora criticada, a avaliação do desempenho escolar como resultado do exame realizado pelo professor ainda é predominante. Porém, é importante diferenciar a medição de uma grandeza do fenômeno através de testes e avaliações quantitativas da construção de significados dessas grandezas em relação ao que está sendo analisado, considerando o contexto histórico, social e os valores envolvidos.

Outra concepção equivocada sobre a avaliação escolar é a classificação dos alunos em uma escala com pares excludentes, o que delimita seus limites e possibilidades de aprendizagem. Esse tipo de avaliação reforça a lógica supressora da nossa sociedade, o que não é positivo.

Devemos buscar práticas de avaliação que levem em conta as diferenças em sala de aula e estimulem a participação ativa dos estudantes na construção do conhecimento, por meio de questões abertas que solicitem opiniões e reflexões. A observação dos alunos em movimento também é fundamental, tornando possível identificar e auxiliar no processo de aprendizagem.

No entanto, é importante questionarmos o esgotamento do modelo teórico-epistemológico que define a avaliação escolar e buscarmos uma teoria de avaliação que vá além da teoria da medida, promovendo práticas pedagógicas relevantes e alinhadas aos significados da educação de qualidade. Isso requer uma atuação pedagógica atenta a conflitos, fissuras e vozes que constituem o panorama escolar, bem como a implementação de políticas educacionais consistentes.

No entanto, é essencial lutar pela revisão dessas práticas pedagógicas. Existem diversas maneiras de realizar uma avaliação de qualidade no Ensino Médio, como através de projetos durante o processo de ensino-aprendizagem ou atividades avaliativas mais tradicionais, desde que definidas com critérios claros que contribuam para o aprendizado dos alunos. É importante que a avaliação seja uma ação contínua, constante e planejada, permitindo que os alunos possam corrigir suas atividades avaliativas com o suporte do professor. Dessa forma, é possível negar a lógica examinatória e reafirmar o papel transformador da avaliação. É hora de repensarmos a nossa prática avaliativa e trazer mais qualidade para a educação.

  1. Considerações finais

Este estudo concentrou-se na análise do panorama educacional brasileiro no que tange à avaliação da educação. Considerando o potencial da escola para a formação dos indivíduos, torna-se crucial valorizar atividades avaliativas que fomentem o desenvolvimento contínuo do aprendizado, em vez de se limitar à mera verificação do conhecimento adquirido por cada aluno. Nesse contexto, a interligação entre diferentes áreas do conhecimento e conteúdo é fundamental para promover uma formação ampla e crítica, que estimule a reflexão e a compreensão da realidade pelos estudantes. Portanto, a utilização predominante de provas como instrumento avaliativo acaba por restringir o crescimento desses jovens. A reforma proposta pela BNCC, por sua vez, não só representa prejuízos curriculares como também reforça a lógica nociva do exame como foco principal da avaliação. Os resultados expõem que as avaliações baseadas em critérios meritocráticos não são capazes de medir todas as esferas da vida, tornando-se limitados ao propor o que as pessoas são capazes de ser e fazer.

  1. Bibliografia

CALDEIRA, Anna M. Salgueiro. Avaliação e processo de ensino aprendizagem. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 3, p. 53-61, set./out. 1997. ________. Ressignificando a avaliação escolar.

 ________. Comissão Permanente de Avaliação Institucional: UFMG-PAIUB. Belo Horizonte: PROGRAD/UFMG, 2000. p. 122-129 (Cadernos de Avaliação, 3).

DALBEN, Ângela I. L. de Freitas. Avaliação escolar. Presença Pedagógica, Belo Horizonte, v. 11, n. 64, jul./ago. 2005.

ESTEBAN, Maria Tereza. Pedagogia de Projetos: entrelaçando o ensinar, o aprender e o avaliar à democratização do cotidiano escolar. In: SILVA, J. F.; HOFFMANN, J.; ESTEBAN, M. T. (orgs.) Práticas avaliativas e aprendizagens significativas: em diferentes áreas do currículo. 3.ed. Porto Alegre: Mediação, 2004. p. 81-92.

FREITAS, L.C. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação. Educ. Soc., Campinas, v. 33, n. 119, p. 379-404, abr.-jun. 2012 Disponível em http://www.cedes.unicamp.br/

GATTI, Bernardete A. O Professor e a avaliação em sala de aula. Estudos em Avaliação Educacional, n. 27, p. 97-113, jan./jun. 2003.

PEREIRA, L. C.; SOUZA, N. A. de. Concepção e prática de avaliação: um confronto necessário no ensino médio. Estudos em Avaliação Educacional, São Paulo, n. 29, p. 191–208, 2004. Disponível em: https://publicacoes.fcc.org.br/eae/article/view/2165. Acesso em: 17 set. 2022.

VILLAS-BOAS, Benigna M. de Freitas. Planejamento da avaliação escolar. Pró-posições, v. 9, n. 3, p. 19-27, nov. 1998.

 

 

        

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×