19/07/2007

Avaliação do Processo Ensino/aprendizagem: repensando a prática e revendo os aspectos teóricos

AVALIAÇÃO DO PROCESSO ENSINO/APRENDIZAGEM: repensando a prática e revendo os aspectos teóricos

GUIMARÃES, Adair Purcena. Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, Instituto de Educação - UFMT - Cuiabá/MT.

LIMA, Soraiha Miranda. Orientadora. Doutora em Educação. Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, Rondonópolis/MT e do Programa de Pós-Graduação em Educação, UFMT - Cuiabá/MT.

RESUMO
O presente artigo tem o objetivo principal discutir algumas teorias do processo avaliativo e, ao mesmo tempo, levantar algumas posições tomadas por nós, profissionais da docência, no ato de avaliar o processo ensino-aprendizagem. Busca rever alguns aspectos teóricos e vem levantar alguns questionamentos sobre o papel do professor dentro da escola enquanto avaliador na aprendizagem do aluno.

O tema da avaliação da aprendizagem vem sendo objetivo de constantes pesquisas e estudos, com variados enfoques, tais como o tecnológico, o sociológico, o filosófico e o político. Ainda assim, penso que a temática não se esgotou, pois há muito que se discutir sobre o assunto e a contribuir para o entendimento dessa questão, sobretudo quando se afunila o foco de investigação.

PALAVRAS CHAVES
Educação - aluno- processo ensino/aprendizagem - avaliação - professor

A avaliação escolar, enquanto um dos momentos do processo ensino-aprendizagem, tem sido objeto de críticas constantes tanto por parte daqueles que "sofrem" as conseqüências de seu processo, como por parte daqueles que a executam. Nesse sentido, a prática avaliativa tem sido um dos pontos mais problemáticos e obscuros da ação educativa escolar, tornando-se, portanto, uma questão que, apesar de exaustivamente discutida, merece ser aprofundada pelos educadores, dada a sua importância para as mudanças qualitativas do projeto educativo não só dos alunos, como também dos professores e da escola em seu conjunto.

O entendimento inadequado do processo avaliativo na escola tem gerado equívoco na prática dos educadores, provocando posições estereotipadas e preconceitos (como: por exemplo: rotular alunos de "fracos", "fortes", "incompetentes", "inteligentes", etc.: distribuir prêmios e castigos conformes expectativas pessoais: conferir as notas e/ou conceitos um caráter absoluto, etc.): e, conseqüentemente, favorecer o aumento do índice de evasão e repetência, uma vez que, em última instância, são os critérios e procedimentos de avaliação que vão decidir o destino do aluno.

Dentro destes conceitos, devemos lembrar que toda e qualquer prática pedagógica desenvolvida no âmbito escolar se norteia por uma concepção de sociedade, de homem e de educação que, por sua vez, reflete um fundamento filosófico-ideológico.

Estas afirmações nos conduzem ao entendimento de que só é possível compreender, analisar e propor alternativas para o processo avaliativo, desenvolvido no cotidiano escolar, se conhecermos as concepções de sociedade, de homem, de educação e de avaliação subjacente ao processo ensino-aprendizagem, bem como suas matrizes filosóficas.

Sendo assim, de acordo com o pensamento filosófico positivista, que se presta à conservação da realidade por conjunto de seres humanos que vivem em prefeita harmonia. As diferenças sócio-econômico-culturais são explicadas pela necessidade de estruturação do organismo social, o qual é comparado ao organismo humano, onde cada um dos órgãos (coração, pulmões, cérebro, etc.) desempenha sua função, contribuindo para o desempenho dos demais a fim de que haja um perfeito funcionamento orgânico.

A manutenção desta sociedade depende, portanto, da integração harmoniosa das novas gerações e/ou dos indivíduos que se mantém a margem de sua estrutura. Para que ocorra esta integração de forma pacífica e equilibrada, deve-se formar um homem passivo que receba e assimile as informações culturais transmitidas pelas gerações mais velhas, ou seja, deve-se formar um homem disciplinado, obediente e cumpridor de seus deveres.
Em outros termos, um homem ingênuo e acrítico em relação à natureza e à sociedade.

O papel reservado à educação de acordo com esta concepção filosófica é o de integrar o homem ao organismo social existente. Cabe a ela a formação da personalidade do ser humano; o desenvolvimento de suas habilidades; e a veiculação de valores éticos necessários a uma convivência social harmoniosa.

A educação se apresenta como "uma instância quase que exterior à sociedade" que contribui para seu ordenamento e equilíbrio permanente. Ela "interfere quase que de forma absoluta nos destinos do todo social, curando-se de suas mazelas". (Luckesi, 1990:30). Ou seja, a educação é responsável pela configuração do corpo social.

Na história da educação brasileira, são detectadas algumas tendências pedagógicas que se norteiam por esses fundamentos filosóficos, as quais são denominadas por Libâneo (1984) de tendências liberais. Estas, por sua vez, são classificadas em tradicional, renovada e tecnicista. De acordo com a tendência tradicional, o papel da escola é o de preparar intelectual e moralmente os alunos para assumirem uma posição na sociedade; a renovada defende que este papel se resume na adequação das necessidades individuais ao contexto social; a tecnicista já entende que a "escola funciona como modeladora do comportamento humano, através de técnicas específicas". (p.280.

Deve-se ressaltar que o termo liberal não deve ser entendido como "avançado", "democrático" ou "aberto", mas, como afirma Libâneo (1984), está ligado à doutrina que defende a liberdade e os interesses individuais de uma sociedade capitalista.

Embora nem todas essas tendências enfatizem a transmissão dos conhecimentos acumulados, estes são considerados exteriores aos indivíduos e tratados como verdades inquestionáveis pelos adeptos das mesmas.

Ao contrário do positivismo, a visão de mundo baseada na corrente filosófica materialista entende que a sociedade capitalista é constituída por classes que possuem interesses antagônicos. Coelho (1970) confirma esta idéia, dizendo:

"Trata-se, pois, de uma sociedade não homogênea (e) fundada em interesses inconciliáveis. O conflito constitui a essência mesma desta sociedade, sendo impensáveis a conciliação, a harmonia social, os interesses comuns, sem a superação da própria sociedade de classes. (p. 80) "


Nesse tipo de sociedade a classe dominante, para manter a hegemonia, impõe à classe dominada sua visão de mundo (ideologia), isto é, "sua maneira de ver, entender e explicar a vida concreta dos homens na sociedade..." (ibidem). Esta imposição se dá via escola, meios de comunicação, família, igreja e outras instituições da sociedade civil. A escola, neste caso, constitui-se uma instância através da qual a classe dominante procura manter as relações de poder existentes na sociedade.

Para alguns seguidores destes pressupostos, a educação é entendida como uma instância que está a serviço exclusivo da classe dominante para a reprodução de sua ideologia. Seguido esta visão, a educação se torna mecanicamente determinada pela sociedade.

Há, porém, seguidores desta mesma corrente filosófica (materialismo) que concebem a educação como uma instância social que serve aos interesses da classe dominante. Para eles, a educação ao mesmo tempo em que reproduz a relação de poder provê a classe dominada dos elementos de luta necessária à superação da hegemonia burguesa. Isto é, ao mesmo tempo em que se presta à reprodução pode concepção para a sua transformação.

Os seguidores desta forma de conceber a relação entre a educação e a sociedade não se preocupam com o modo de agir, com o fazer pedagógico, por isso esta concepção não se traduz em uma tendência pedagógica como as demais.

Para intervir na sociedade e transformá-la, o homem deve ser consciente e capaz de refletir criticamente sobre a situação concreta em que está inserido.

Seguindo esta concepção, encontram-se na história da educação brasileira algumas tendências pedagógicas - libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos - que defendem as finalidades sócio-políticas da educação e que são denominadas por Libâneo de tendências progressistas.

Estas tendências, ao se basearem nas idéias de emancipação das camadas populares, propõem caminhos diferenciados: a libertadora defende a conscientização cultural e política; a libertária entende que este caminho se fará através da auto-gestão pedagógica, valorizando o processo de aprendizagem grupal; a crítico-social dos conteúdos, enfatizando o papel da escola como instância mediadora entre o indivíduo e o social, defende que os conteúdos culturais funcionarão como instrumentos dessa emancipação.

Sendo o processo avaliativo um dos momentos do processo de ensino-aprendizagem, ele também contém embutidos em si, uma concepção de sociedade, de homem e de educação e, em conseqüência disto, ele também se presta à conservação ou à transformação social.

As práticas pedagógicas que se guia por tendências liberais, consideradas conservadoras, utiliza-se de procedimentos de avaliação que se prestam à manutenção do "status quo"; e as práticas que visam à transformação adotam procedimentos avaliativos que contribuem para a superação do atual estágio de dominação das elites dominantes.

Para Luckesi (1986), as práticas avaliativas propostas por tendências pedagógicas baseadas em um projeto liberal conservador só podem ser autoritárias e se constituírem instrumentos disciplinares das condutas intelectuais e sociais.

As práticas propostas por tendências preocupadas com a transformação social (progressistas) devem tender para a "ultrapassagem do autoritarismo" e para o "estabelecimento da autonomia do educando". Isto porque o "novo modelo social exige a participação democrática de todos... fato que não se dará se não conquistar a autonomia e a reciprocidade de relações". (p. 26/27)

Em outras palavras, poderíamos dizer que a concepção que fundamenta o processo de avaliação depende da tendência pedagógica assumida no processo ensino-aprendizagem o qual, por sua vez, reflete uma concepção de homem, de educação e de sociedade.

Dentro das tendências liberais, onde o aluno é visto como um "recipiente que deve armazenar conhecimentos" (tradicional) ou como "matéria-prima a ser processada" (tecnicista), são valorizadas, respectivamente, a memorização e a mudança de comportamento, visando à formação de seres reprodutores dos valores sociais vigentes. Para atender a estas expectativas, requerem uma avaliação autoritária, disciplinadora e controladora das condutas individuais dos alunos.
A avaliação é autoritária, disciplinadora e controladora na medida em que se imputa à "disciplina" dos alunos uma importância fundamental para o bom desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem, sendo a "indisciplina" geralmente punida com notas baixas, provas difíceis, muitas vezes aplicadas de surpresas, sem falar das famosas "retiradas" de pontos dos alunos. É autoritária, ainda, na medida em que o único elemento da escola submetido avaliação é o aluno, que não tem o direito de avaliar o processo ensino-aprendizagem, nem regem a avaliação à qual é submetido.

Dentro das tendências progressistas que visam à transformação social e à participação democrática na sociedade, o aluno é visto como ser ativo, capaz de redimensionar a prática social através da reelaboração crítica dos conteúdos culturais e universais. Nesta perspectiva, a avaliação deve se apresentar como um processo participativo e se preocupar, sobretudo, com o aspecto qualitativo, isto é, com a qualidade das informações apropriadas no processo ensino-aprendizagem e manifestadas a partir de um padrão ideal de julgamento previamente estabelecido pelo professor. Luckesi (1986), ao explicar o padrão ideal de julgamento, esclarece que se refere a:

"Um mínimo necessário de aprendizagem em todas as condutas que são indispensáveis para se viver e se exercer a cidadania, que significa a detenção das informações e a capacidade de estudar, pensar, refletir e dirigir as ações, com adequação e saber. (p. 36)"


Se um dos fundamentos da proposta pedagógica progressista é a participação democrática no processo social, a avaliação deve fundamentar-se também em pressupostos democráticos e participação de todos os componentes da comunidade escolar (alunos, professores e demais funcionários da escola). Todos devem ser avaliados e participar do processo de julgamento e da tomada de decisões que é uma conseqüência natural deste mesmo processo.
De acordo com esta proposta avalia-se não só o aluno, mas também "a atuação do professor, o processo desenvolvido, a escola, o processo de grupo, a relação escola-comunidade".

Em síntese, podemos concluir que a prática avaliativa expressa a nossa opção por um conjunto determinado de valores, sejam eles representantes do modelo social vigente, sejam eles sinais que apontam na direção de uma nova ordem social. Qualquer um dos caminhos pressupõe a busca de coerência na teoria e na ação. Torna-se, então, necessário refletir por onde estamos percorrendo e para onde estamos querendo ir.



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