22/01/2018

As questões criminais em torno da aceitação do Bitcoin como forma de pagamento

Nos últimos meses, o Bitcoin conquistou grande espaço na mídia, principalmente por conta de sua valorização e pelo fato de grandes empresas, por exemplo, a Dell e a Microsoft, terem começado a aceita-lo como forma de pagamento. Aqui, é importante esclarecer que, embora o Bitcoin seja a criptomoeda mais conhecida e utilizada, existem centenas de outras.

O Bitcoin surgiu em meio à Crise econômica mundial de 2008, a partir da publicação de um Protocolo chamado “Bitcoin: A Peer-to-Peer Eletronic Cash System”, sob a autoria de “Satoshi Nakamoto”, um provável pseudônimo. Nesse Protocolo é apresentado o funcionamento do Bitcoin, que se daria por uma combinação de algumas tecnologias, como a blockchain, e a utilização das já conhecidas criptografia e sistema Peer-to-peer.

Tais tecnologias tornam possível que duas pessoas realizem, com grande agilidade, segurança e sem se identificarem, transações econômicas online sem a participação de instituições financeiras e impossibilitam intervenções dos Estados em seu sistema. Isso porque, a despeito das informações relativas às transações serem públicas, elas são criptografadas e o sistema Peer-to-Peer faz com que o Bitcoin seja descentralizado.

Quanto à regulamentação do Bitcoin, essa ocorre exclusivamente através do Protocolo, que pode ser alterado apenas mediante uma votação da qual fariam parte todas as pessoas que possuem essa moeda.

Como resultado, futuramente o Bitcoin pode se tornar a moeda mais segura, estável e utilizada do mundo, isso porque, dentre outros fatores, ela protege seus usuários de fiscalizações, controles e intervenções de Estados ou instituições financeiras, justamente o contrário do que ocorre em relação às moedas convencionais, como o dólar e o real. E por essas vantagens, nos últimos anos, o Bitcoin teve uma grande valorização, a ponto de ser utilizada por muitos como um investimento.

Por outro lado, em que pese seja capaz de garantir segurança às transações, o Bitcoin também facilita que elas sejam realizadas anonimamente. Isso porque, mesmo que seja descodificada toda a criptografia correspondente a uma transação, o que por si só representa um desafio para as autoridades policiais, e se chegue à carteira que foi parte da operação, não existe qualquer vínculo entre ela e seu proprietário, a não ser pelo fato de que apenas ele sabe sua senha de acesso.

Todavia, mesmo assim o anonimato não é absoluto, pois para conseguir Bitcoins, ou qualquer outra criptomoeda, devem ser utilizados os serviços de uma Exchange, que faz o intermédio entre o comprador e o vendedor da moeda, como uma bolsa de valores. Atualmente, independente da moeda convencional que se pretende trocar por uma criptomoeda, e vice-versa, existem várias Exchange capazes de efetuar a operação. Ainda, outra maneira de obter Bitcoins, caso o interessado em comprar conheça alguém interessado em vender, é realizar a transação diretamente entre as carteiras das partes.

Assim, na medida em que essas “bolsas de valores” exigem a transferência de dinheiro convencional para a sua conta corrente, por meio de uma TED, a fim de que posteriormente repassem esse valor à pessoa que vendeu a criptomoeda, a identidade da pessoa que foi parte da transação poderia ser obtida. Todavia, com o recebimento da moeda eletrônica em sua carteira e levando em conta que um indivíduo pode ter quantas carteiras quiser e usar um endereço eletrônico distinto para cada transação, ele poderá começar a passar essas moedas entre suas próprias carteiras, dificultando sua rastreabilidade.

Logo, a tendência é que as operações com moedas eletrônicas sejam consideradas pelas autoridades como indícios da prática dos crimes de lavagem de capitais e ocultação de bens, portanto, passando a ser objeto de atenção especial.

Entretanto, nossas autoridades não estão preparadas para lidar com as criptomoedas. Inclusive, cumpre recordar que mais de uma vez o Poder Judiciário suspendeu o funcionamento do aplicativo Whatsapp, que armazena as conversas de seus usuários por criptografia, justamente porque não conseguia descodificar o conteúdo de mensagens e a empresa alegou que seria impossível cumprir a ordem judicial para que fosse revelado o conteúdo de mensagens. Agora, se esse mesmo episódio ocorresse com o Bitcoin, não apenas pela criptografia, seria também impossível obter o cumprimento de uma ordem judicial, pois não existe um órgão central responsável por ele.

E com efeito, suprindo a falta de estrutura de nossas instituições públicas, o Projeto de Lei nº 2303/2015 propõe a alteração da Lei 6.913/1998, referente ao crime de lavagem de capitais e ocultação de bens, colocando algumas obrigações às pessoas físicas e jurídicas que operam com moedas eletrônicas, como o Bitcoin. Esses deveres já são previstos a quem, por exemplo, comercializa artigos de luxo, e vão abarcar o registro detalhado das operações que envolvam criptomoedas e a necessidade de cadastro da empresa no Conselho de Controle de Atividades Administrativas-COAF.

No caso de empresas que aceitam Bitcoin como forma de pagamento, apesar das características de funcionamento dessa criptomoeda, as obrigações previstas no Projeto de Lei 2303/2015 serão efetivas, pois essas empresas possuem plena capacidade de registrarem os dados dos clientes que receberão seus produtos e serviços.

Logo, mesmo que a referida lei ainda não tenha sido formalmente alterada, pelo que é exposto no projeto de lei, percebe-se que as autoridades possuem a tendência de compreenderem as transações de Bitcoin como sérios indícios da prática de lavagem de capitais, ocultação de bens e, consequentemente, um possível fundamento para a instauração de investigações, o que torna benéfico, desde já, o registro dessas operações pelas empresas que aceitem o Bitcoin como forma de pagamento.

 

*Renan Mecatti de Souza é Advogado especialista na área criminal do escritório Finocchio & Ustra.

Possui experiência em casos envolvendo grandes operações policiais de crimes licitatórios, crimes contra a administração pública, o sistema financeiro nacional, a ordem tributária e crimes ambientais.

Membro da Ordem dos Advogados e da Comissão de Direito Penal Econômico da Subseção de Campinas.

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