03/09/2025

AS POTENCIALIDADES DAS CRIANÇAS NO PERÍODO DE ALFABETIZAÇÃO: PERSPECTIVAS PEDAGÓGICAS E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA EDUCATIVA (NASCIMENTO, Vanessa Naves)

A alfabetização constitui um momento decisivo no percurso escolar das crianças, ultrapassando a simples aprendizagem do código escrito. Nessa fase, emergem dimensões cognitivas, sociais e afetivas que evidenciam a riqueza de hipóteses e interpretações construídas pelas crianças acerca da língua escrita. Este artigo tem como objetivo discutir as potencialidades que se revelam no início da alfabetização, à luz da psicogênese da língua escrita (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999), das contribuições do sociointeracionismo (VYGOTSKY, 1998) e dos estudos sobre letramento (SOARES, 2003) e consciência fonológica (MORAIS, 2012). A análise aponta que reconhecer tais potencialidades, articulando-as a práticas pedagógicas intencionais, fortalece a autonomia intelectual e amplia as oportunidades de participação social e cultural das crianças.

Palavras-chave: alfabetização; infância; potencialidades; prática pedagógica.

A inserção no universo da cultura escrita representa para a criança uma experiência transformadora, capaz de modificar seu modo de pensar, comunicar-se e interagir com a sociedade. Muito antes da escolarização formal, os pequenos já constroem hipóteses acerca do funcionamento da escrita, observando o uso social da linguagem em placas, embalagens, anúncios ou nomes de familiares. Ainda que de forma incipiente e, por vezes, não convencional, essas observações revelam um esforço em compreender a relação entre sons e letras (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999).

Do ponto de vista sociointeracionista, a alfabetização não pode ser reduzida à decodificação de símbolos. Ela se configura como um processo dinâmico, marcado pelas interações sociais e pelo contato com práticas significativas de leitura e escrita (VYGOTSKY, 1998). É nesse movimento que emergem pistas sobre as potencialidades infantis, que extrapolam o domínio técnico da escrita e abrangem dimensões cognitivas, afetivas e sociais.

As crianças chegam à escola carregando vivências, hipóteses e curiosidade, e não como páginas em branco. É comum que, ao tentarem escrever, associem a quantidade de letras ao tamanho do objeto ou utilizem letras conhecidas de seu próprio nome para representar diferentes palavras. Essas produções, muitas vezes interpretadas como erros, traduzem uma lógica interna que merece ser reconhecida e valorizada.

Quando a escola possibilita que os estudantes leiam, escrevam e reflitam sobre seus próprios registros, o processo de alfabetização assume um caráter investigativo. A criança se torna autora de hipóteses, experimenta possibilidades, coloca sua imaginação em jogo e, nesse percurso, afirma-se como protagonista de sua aprendizagem.

Durante a alfabetização, diversas habilidades cognitivas são mobilizadas, como memória, atenção e raciocínio lógico. Nesse contexto, a consciência fonológica assume papel central, pois permite à criança compreender a lógica do sistema alfabético (MORAIS, 2012). Jogos de rimas, brincadeiras sonoras, atividades de segmentação silábica e identificação de fonemas favorecem essa consciência sem reduzir o processo a práticas repetitivas ou mecânicas.

No campo linguístico, é fundamental compreender que a alfabetização vai além do simples ato de “juntar letras”. Trata-se de ampliar o entendimento sobre o funcionamento da língua em diferentes contextos. Ao participar de rodas de leitura, explorar variados gêneros textuais e observar usos sociais da escrita, a criança expande sua compreensão acerca da função social da linguagem, estabelecendo conexões entre a oralidade e a escrita.

A alfabetização é atravessada pelas relações sociais e pela construção de vínculos afetivos. Crianças que se sentem seguras e acolhidas arriscam-se mais em suas produções, demonstram maior autonomia e compartilham descobertas com seus pares. É na interação com colegas e professores que se constroem explicações, correções e aprendizagens coletivas que enriquecem o processo formativo.

Nessa perspectiva, cabe à escola valorizar a autoria infantil e criar oportunidades de produção textual coletiva, transformando a alfabetização em uma experiência compartilhada e significativa. Conforme defende Vygotsky (1998), a aprendizagem é sempre mediada e depende do outro para alcançar níveis mais complexos de compreensão.

O reconhecimento das potencialidades infantis impõe ao professor o desafio de planejar práticas que ultrapassem a mera decodificação. Projetos de leitura, escrita de textos com finalidades reais — como bilhetes, convites ou cartazes —, rodas de conversa e o uso de recursos digitais constituem estratégias que ampliam as oportunidades de aprendizagem.

Nesse processo, o professor atua como mediador, oferecendo pistas, provocando questionamentos e incentivando a reflexão sobre a escrita. Ao ajustar suas intervenções à zona de desenvolvimento proximal da criança (VYGOTSKY, 1998), favorece-se avanços graduais, articulando os conhecimentos prévios dos estudantes a novos saberes, de forma significativa.

As crianças em processo de alfabetização revelam competências e modos próprios de compreender a escrita, que podem passar despercebidos se a escola adotar uma visão restrita e tecnicista. Reconhecer e estimular essas potencialidades significa tornar a alfabetização mais significativa, favorecendo tanto a autonomia intelectual quanto a participação social e cultural.

Encarar a infância como um tempo de descobertas, criatividade e produção de sentidos implica ampliar o horizonte pedagógico e ressignificar a prática docente. Mais do que ensinar a ler e escrever, alfabetizar é criar condições para que a criança se aproprie da linguagem escrita de maneira crítica, autônoma e integrada à vida social.

REFERÊNCIAS

FERREIRO, Emilia; TEBEROSKY, Ana. Psicogênese da língua escrita. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.

MORAIS, Artur Gomes de. Consciência fonológica na aprendizagem da leitura e da escrita. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2003.

VYGOTSKY, Lev S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

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