21/02/2017

AS INTER-RELAÇÕES DE APRENDIZAGEM NO AMBIENTE HOSPITALAR

AS INTER-RELAÇÕES DE APRENDIZAGEM NO AMBIENTE HOSPITALAR

Rúbia Borges de Castro - Discente do Curso de Pedagogia do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, Canoas/RS. E-mail: rubiabcastro@gmail.com

Elaine Conte – Professora do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, Canoas/ RS. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br

RESUMO: O objetivo deste estudo é compreender os processos de inter-relação e aprendizagem durante a internação de longo período para tratamento de saúde, assim como o funcionamento de um espaço pedagógico no hospital. Cabe analisar como esses espaços contribuem para a interação, humanização dos processos de ensinar e aprender, socialização dos conhecimentos culturais dentro do ambiente hospitalar. Adotou-se uma abordagem de revisão bibliográfica, a partir da consulta a livros e artigos científicos como fonte de dados. Também, buscou-se o diálogo com autores na área da educação que trazem contribuições sobre a importância de um acompanhamento pedagógico no ambiente hospitalar e seus benefícios cognitivos, afetivos, psicológicos e sociais. Constatamos que a Pedagogia hospitalar proporciona ao educando compreender o seu cotidiano hospitalar, aprendendo novos conhecimentos, que trazem um conforto emocional, vigor ao estudante hospitalizado, motivando e induzindo-o a ser mais participante e produtivo, promovendo assim, uma vontade e predisposição de recuperação e cura mais rápida. A função do pedagogo hospitalar se dá por meio do estabelecimento de vínculos socioafetivos, reconhecimento do outro, proporcionando relações acolhedoras e motivadoras para novos processos de aprendizagem.

Palavras chave: Pedagogia hospitalar, humanização, inter-relação, aprendizagem.

 

THE INTER-RELATIONSHIP LEARNING IN HOSPITAL ENVIRONMENT

ABSTRACT: The purpose of this study is to understand the processes of interrelation and learning during long-term hospitalization for health treatment, as well as the functioning of a pedagogical space in the hospital. It is worth analyzing how these spaces contribute to the interaction, humanization of the teaching and learning processes, socialization of cultural knowledge within the hospital environment. We adopted a bibliographic review approach, based on the consultation of books and scientific articles as data source. Also, we sought dialogue with authors in the field of education who bring contributions on the importance of a pedagogical accompaniment in the hospital environment and its cognitive, affective, psychological and social benefits. We verified that the Pedagogy hospital provides the student to understand their daily hospital, learning new knowledge, which bring an emotional comfort, vigor to the hospitalized student, motivating and inducing him to be more participatory and productive, thus promoting a will and predisposition for recovery And faster healing. The role of the hospital pedagogue is through the establishment of socio-affective bonds, recognition of the other, providing welcoming and motivating relationships for new learning processes.

Key words: Hospital pedagogy, humanization, interrelation, learning.

 

1. Introdução

Este artigo aborda a Pedagogia hospitalar que ocorre com a internação hospitalar e contempla a possibilidade de novas aprendizagens nesse período. Cabe analisar como esses espaços pedagógicos em hospitais contribuem para a interação, humanização dos processos de ensinar, de aprender e para a socialização dos conhecimentos e capital cultural. A infância é uma fase de descobertas, segundo Ceccim e Carvalho (1997, p. 35), “se caracteriza pela ilimitada energia, pela curiosidade e inquietude e pela grande atividade corporal, intelectual e afetiva”. Entende-se que a criança enferma sofre com as privações impostas pela sua doença, assim como pelo afastamento do seu meio de convivência familiar, escolar e social. Sabe-se que a maioria das crianças que necessitam de um tempo maior de internação hospitalar ou que vivem hospitalizações frequentes, acabam se afastando da escola, o que provoca um grande prejuízo ao seu engajamento social.

A internação pode levar uma criança a desenvolver traumas, sofrimento psíquico e até depressão, sentindo-se culpada e incapaz cognitivamente pela situação em que se encontra. O pedagogo pode ajudar no enfrentamento das barreiras da doença e na superação da quebra do convívio escolar, animando o estudante hospitalizado a manter viva uma relação harmoniosa e inspiradora que estimule a vontade e o desejo de aprender com o outro, reconhecendo-se e sentindo-se vivo, melhorando com a possibilidade de aprender mesmo em uma situação vulnerável.

Neste processo de tratamento de saúde o educando encontra-se fragilizado, desmotivado e com a autoestima afetada, portanto, surge a necessidade de compreender como ocorrem os processos de inter-relação com o educador e o funcionamento deste espaço pedagógico no hospital, para a colaboração e aprimoramento dos estudos na área, tendo em vista a melhora e o ânimo da disposição para aprender com o outro, bem como a possibilidade de fortalecimento social, psicológico e emocional do sujeito internado. Na verdade, “a hospitalização infanto-juvenil tem sido tema de constante interesse entre profissionais da saúde e da educação, ambos preocupados com os possíveis efeitos da mesma sobre os processos de desenvolvimento e de aprendizagem da criança e do adolescente” (NASCIMENTO, 2004, p. 48). Mesmo que muitas vivências com amigos e familiares sofra uma interrupção pela internação, o pedagogo pode colaborar para que a estadia no hospital seja menos dolorosa e fatigante, além de possibilitar que o educando continue a ter contato com os elementos essenciais para o aprender em sociedade. Mas se, por um lado, “o ingresso no hospital pode se tornar uma experiência extremamente complicada e difícil, já que pode ser visto como um lugar gerador de medo, dor e sofrimento”, especialmente para a criança (NASCIMENTO, 2004, p. 48). Por outro lado, podemos pensar que o espaço hospitalar pode significar também um lugar para a construção do pensamento, onde brota a força de ânimo, que acolhe o outro com disponibilidade para aprender a habitar e deixar aprender (HEIDEGGER, 2001, p. 11).

 

2. Historicidade e contextualização da temática

 

Sabe-se que a Pedagogia é um campo de atuação que trata dos processos de formação e desenvolvimento humano, da construção do conhecimento e da evolução de aprendizagens dos sujeitos, e o pedagogo precisa ser o impulsionador deste processo evolutivo de desenvolvimento ao longo da vida. Os problemas de saúde e o ambiente hospitalar surgem como um grande desafio para os educadores pelo agravamento das fragilidades humanas do estudante (necessidades físicas, psíquicas e sociais) e travamento nos estudos e nas possibilidades de abertura ao outro. O marco decisivo da assistência das escolas em hospitais foi a Segunda Guerra Mundial, porque houve uma enorme quantidade de crianças e adolescentes atingidos, mutilados e, portanto, impossibilitados de continuar seus estudos em unidades escolares. O precursor foi Henri Sellier (1935), que inaugurou a primeira escola para crianças inadaptadas nos arredores de Paris. De acordo com Matos (2009), a Pedagogia hospitalar teve início no Brasil em 1950, no Hospital Municipal Bom Jesus do Rio de Janeiro. Com o passar dos anos essa modalidade de atendimento educacional se fortaleceu com a luta pelo direito à educação e pela humanização no atendimento hospitalar. Atualmente, vítimas de acidentes ou doenças como o câncer têm a rotina escolar interrompida bruscamente e precisam aprender a habitar e edificar-se nestes espaços hospitalares. Ao analisar a influência da educação na vida dos educandos, Luckesi (2000, p. 10) afirma que: “a educação, nos seus diversos âmbitos, familiar, religiosa, não-formal, formal, tem a possibilidade de mediar uma construção sadia da vida. Na medida em que grande parte da população mundial passa por ela, é imenso o poder que tem a educação de interferir numa direção, saída a ser dada à vida”. A Resolução nº 2, do Conselho Nacional de Educação, de 11 de fevereiro de 2001, que institui as Diretrizes Nacionais à educação de estudantes que apresentem necessidades educacionais especiais na educação básica, refere no artigo 3º:

 

Por educação especial, modalidade da educação escolar, entende-se um processo educacional definido por proposta pedagógica que assegure recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns casos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todas as etapas e modalidades da educação básica (BRASIL, 2001, on-line).

 

A educação hospitalar é considerada uma modalidade de educação especial, pois as crianças internadas, independente da sua doença, ficam afastadas do ambiente formal de ensino e cerceadas das relações sociais cotidianas, portanto, considerados estudantes temporários de uma educação especial (ORTIZ; FREITAS, 2001). A Pedagogia hospitalar cresce gradativamente nos últimos anos por ser de suma importância ao crescimento sócio-afetivo-emocional da criança e do adolescente, e também por ser um direito humano. A lei 11.104/2005, de autoria da Deputada Luiza Erundina, tornou obrigatória a instalação de brinquedotecas em hospitais públicos e privados que possuem unidades pediátricas no Brasil. Nestes espaços ocorrem as práticas educativas, recreativas e artísticas que geralmente são realizadas por voluntários, brinquedistas e professores de projetos universitários, hospitalares ou com especialização na área de brinquedoteca hospitalar e Pedagogia hospitalar, objetivando oferecer, através do lúdico, condições dignas de internação, mesmo em momentos difíceis enfrentados no hospital.

 

Ao conciliar a educação sistematizada com a classe hospitalar, o trabalho envolvido pela pedagogia hospitalar pretende criar condições, não somente de desenvolvimento cognitivo, como também a reintegração dessas crianças ao convívio social e afetivo com pessoas exteriores ao ambiente hospitalar que lhes proporcionem momentos prazerosos e descontraídos, bem como a reintegração e a volta à escola após a alta. (SILVA, 2009, p. 7).

 

Nota-se uma demanda cada vez maior de atendimento em hospitais infantis. Sabendo-se disso, a resolução n. 2 das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica determina a implantação de hospitalização escolarizada, a fim de oferecer atendimento pedagógico a crianças com necessidades especiais transitórias e, portanto, a elaboração de cursos e estágios acadêmicos em educação não-formal para atender esse público (BRASIL, 2001). De acordo com Fonseca (2008), na classe hospitalar o professor precisa criar estratégias que favoreçam o processo de ensino e de aprendizagem, contextualizando os conhecimentos prévios, vivências, histórias de vida e o desenvolvimento do educando. Portanto, precisa estar capacitado para trabalhar com as diferenças, as potencialidades e as diversas dificuldades apresentadas pelos educandos/pacientes, que por inúmeros motivos necessitam de um atendimento diferenciado. O ambiente hospitalar pode influenciar tanto no comportamento quanto no quadro clínico do paciente, podendo o educando de classe hospitalar ser considerado uma criança de risco por afetar sua saúde mental, relação familiar e autoestima, interferindo nos modos de agir da criança.

 

A função do pedagogo hospitalar não é apenas a de manter as crianças ocupadas ele está lá para estimulá-la através de seu conhecimento, catalisando e interagindo com as crianças, proporcionando condições para a aprendizagem [...] A Pedagogia Hospitalar busca levar a criança a compreender seu cotidiano hospitalar, de forma que esse conhecimento lhe traga certo conforto emocional, ajudando-a a interagir com o meio de forma mais participativa. (VERDI, 2009, p. 168).

 

De acordo com Mugiatti e Matos (2009), o enfoque da educação hospitalar surgiu da convicção de que a criança e o adolescente hospitalizados, não devem interromper seu processo curricular e deixar-viger, no sentido de tornar a própria vida uma questão de possibilidade para a construção de projetos inacabados, reflexões permanentes e coletivas, que o projetam ao desabrochar constante (HEIDEGGER, 2001). Portanto, o atendimento educacional hospitalar cumpre a função de acolher e estimular a continuidade dos estudos, para que estes estudantes não percam o ano letivo, ou venham a interromper o ritmo de aprendizagem. Segundo Matos (2009), a escola-hospital torna-se um espaço alternativo para a reabilitação dos estudos e para promover a integração da criança hospitalizada, superando os aspectos traumáticos do afastamento da vida cotidiana. “As relações de aprendizagem numa Classe Hospitalar são injeções de ânimo, remédio contra os sentimentos de abandono e isolamento, infusão de coragem, instilação de confiança ao progresso e às capacidades da criança ou adolescente hospitalizado” (FONSECA, 2000, p. 28).

É observado que a continuidade dos estudos paralelamente ao internamento traz vigor às forças do estudante hospitalizado, motivando e induzindo-o a ser mais participante e produtivo, promovendo também uma vontade de viver e predisposição de recuperação e cura mais rápida para seu retorno para suas atividades rotineiras.

 

[...] O ofício do professor no hospital apresenta diversas interfaces (política, pedagógica, psicológica, social, ideológica), mas nenhuma delas é tão constante quanto a da disponibilidade de estar com o outro e para o outro. Certamente, fica menos traumático enfrentar esse percurso quando não se está sozinho, podendo compartilhar com o outro a dor, por meio do diálogo e da escuta atenciosa. (FONTES, 2005, p. 6).

 

Segundo Fontes (2005), o pedagogo é um mediador das práticas hospitalares, participante também dos momentos de medicações, exames, visitas, hora do banho, hora da alimentação, entre outros momentos de acompanhamento e intervenção no ambiente hospitalar. Isso visa possibilitar a construção de novos significados e compreensões por parte do educando da sua nova realidade, que inclui também o público da educação infantil. Por isso, essas práticas precisam cultivar o crescimento das crianças e integrá-las de forma que aprendam a habitar este novo espaço pela força da disposição que se desdobra no contato com o outro em suas diferenças e semelhanças. Sendo assim, todos os momentos vividos no hospital podem tornar-se veículo para aprendizagem (de demarcação das diferenças para aprender com elas) e desenvolvimento infantil. “Parece-me que, para a criança hospitalizada, o estudar emerge como um bem da criança sadia e um bem que ela pode resgatar para si mesma como um vetor de saúde no engendramento da vida, mesmo em fase do adoecimento e da hospitalização” (ORTIZ; FREITAS, 2005, p. 47).

Conforme Lucon (2007), a Pedagogia hospitalar é um trabalho especializado e bastante amplo. Este não se dá apenas com a escolarização do sujeito hospitalizado, mas surge para que o (im)paciente/educando compreenda seu cotidiano hospitalar e viva este conhecimento de forma integradora. A construção de saberes no hospital pode ter a força emocional que se desenvolve com disponibilidade para interagir neste novo cenário (des)confortável, de forma mais participativa e aprendente. Para a realização dos atendimentos, o educador deve estar atento para que o material utilizado seja (re)adaptado para a utilização do educando. De acordo com o MEC (2002), jogos e materiais de apoio pedagógico devem ser de manuseio e transporte facilitado, assim como se utiliza pranchas com presilhas e suporte para lápis e papel; teclados de computadores adaptados; softwares educativos; pesquisas orientadas; vídeos educativos, leitura, dramatizações, teatro de fantoches, brincadeiras, desenho, pintura, recorte e colagem, montagem, música, jogos educativos e recreativos, projeção de filmes, festas comemorativas, etc. Neste mesmo contexto, o ambiente deve facilitar o aprender a habitar com a eliminação de barreiras arquitetônicas, possibilitando o acesso a todos os ambientes do local, assim como a adaptação de mobiliário, de recursos pedagógicos, de alimentação e cuidados pessoais, de acordo com as necessidades dos educandos (HEIDEGGER, 2001, p. 11).

Levando em consideração as condições e limitações especiais, o sistema educacional e serviços de saúde precisam oferecer assessoramento ao professor e inseri-lo na equipe de saúde que coordena o projeto terapêutico. Ao professor deve ser assegurado o acesso aos prontuários dos pacientes e serviços sobre o atendimento pedagógico, para obter informações ou prestá-las, tendo em vista a intervenção e avaliação educacional.

 

O hospital torna-se uma instância também educativa, que requer um trabalho, multi/inter/transdisciplinar, tendo o pedagogo como um dos seus membros. Na visão multidisciplinar, temos os diversos saberes, a convergência das diversas ciências para promover a saúde. Na interdisciplinaridade, há a integração e a inter-relação de profissionais de diversas áreas como educação, saúde, assistência social e outros, além da família do educando. A transdisciplinaridade, indo além da ciência, dos aspectos físicos e biológicos, diz respeito aos olhares revestidos de valores e humanização, como afeto, envolvimento, doação, magia, entre outros atributos que permeiam este espaço vital (MATOS; MUGIATTI, 2009, p. 30).

 

Ceccim (1990) colabora com a questão, ao afirmar que o profissional que atua na Pedagogia hospitalar tem formação de educador e que por meio de diversas atividades pode acompanhar e intervir no processo de elaboração da doença e da morte, explicando inclusive os procedimentos médicos e auxiliando a criança e o adolescente na adaptação hospitalar, dando oportunidade para que os mesmos possam exercer sua cidadania. A criança hospitalizada com acompanhamento pedagógico tem grandes probabilidades de diminuir seu tempo de internação pelo apoio obtido. No espaço hospitalar o lúdico tem um grande valor pedagógico, pois o ambiente se torna aconchegante, divertido, acolhedor e menos solitário para as crianças.

A função do pedagogo no ambiente hospitalar é fazer uma ponte de integração nas relações entre a escola, a família e a criança internada, ensinando e dando continuidade aos conteúdos escolares, por meio da atenção e da delicadeza. Faz parte de suas funções a participação no planejamento das atividades, a orientação aos professores e pais, o desenvolvimento e participação das atividades, sendo de grande importância em todos os processos o deixar ser e o edificar-se no aprender de pertencimento mútuo (HEIDEGGER, 2001). Mas a finalidade pedagógica, em ambiente hospitalar, é interdependente enquanto um saber complementar que não se opõe ao ato médico. “Visa-se à integração da ação do pedagogo na equipe inter/multi/transdisciplinar, como educador que pode auxiliar no processo de cura do doente. Entende-se que não existe obstáculo ou dificuldade que se oponha a uma real incorporação do pedagogo no contexto hospitalar” (MATOS; MUGGIATI, 2009, p. 47).

O pedagogo no ambiente hospitalar, em sua atuação precisa ter uma sensibilidade maior e uma atenção especial aos comportamentos, limitações, disposições e dificuldades dos sujeitos internados, além de uma metodologia diferenciada se comparada com a do professor atuante na escola formal (muitas vezes homogeneizadora). É necessário saber articular o conhecimento escolar às necessidades eventuais que vão surgindo, sem fugir da proposta curricular e articulando diferentes possibilidades de aprendizagem, levando em conta tudo o que o educando em questão já sabe, o que não viu ainda ou possui dificuldade em aprender.

 

[...] pelo desenvolvimento de atividades específicas realizadas no ambiente hospitalar possibilita-se, a criança (ou adolescente) hospitalizada, crescimento em muitos aspectos de evolução para sua aprendizagem, envolvendo o seu ser, seu sentir, com ressonância em seu estado geral de ânimo, frente ao quadro da enfermidade/hospitalização. [...] concorda-se e ressalta-se que essa proposta pedagógica se instale como principal objeto de atenção aos problemas humanos-sociais-educacionais, ao qual se integra à instância educativa em esfera hospitalar (MATOS; MUGIATTI, 2009, p. 108).

 

Entende-se que a aprendizagem depende de vários fatores e também da forma como o conhecimento é apresentado. Gera grande influência a conduta de quem ensina, do ambiente ofertado, de condições propícias, tais como a responsabilidade e a estabilidade emocional dos sujeitos ensinantes e aprendentes. A aprendizagem ofertada num ambiente hospitalar pode ser entendida como um comprometimento entre o profissional e os processos de ensinar e de aprender, além de um comportamento restaurado com a vida social, afetiva e subjetiva das crianças que residem temporariamente neste ambiente. Entendendo que a prática humanizadora caminha no mesmo sentido da prática educativa, ou seja, devem coexistir num mesmo espaço.

 

Aqui se percebe a força impulsionadora da educação, uma vez que somente a partir do despertar das consciências, do encontro e da valorização de si próprio e do outro, da liberação de potenciais é que os sujeitos encontrarão as condições de vivenciar e superar os momentos de tensão, de forma livre, crítica e transformadora (MATOS; MUGIATTI, 2009, p. 110).

 

Os aspectos afetivos, emocionais, cognitivos e sociais devem ser cuidados e resgatados gradativamente com o auxílio dos familiares. O exercício da escuta atenta, do gesto acolhedor, do toque, da sensibilidade e do olhar, pois nesse espaço a família apresenta-se, muitas vezes, desestruturada psicologicamente com os acontecimentos e vivências da situação de vulnerabilidade da criança. Este contato com os familiares traz informações importantes que podem ser de grande valor para o trabalho humanizado do professor, para sua própria aprendizagem enquanto profissional e para suas observações enquanto pesquisador do cotidiano pedagógico com as crianças neste ambiente. Neste contexto, Ortiz e Freitas (2005, p. 67) afirmam que:

 

A prática pedagógica é fortemente marcada pelas relações afetivas, servindo de reforço para que a criança não desista da luta por saúde e se mantenha esperançosa em sua capacidade de esforço. O educador torna-se um mediador de estímulos, solícito e atento, reinventando formas para desafiar o enfermo quanto à continuidade dos trabalhos escolares, a vencer a doença e a engendrar projetos de vida.

 

A escuta e a atenção dada pelo educador deve estar presente em todos os momentos, conversas, brincadeiras e ensaios de aprendizagem, como uma tentativa de investigar a realidade, os desejos e anseios que o educando sente naquele momento. Todos os sentimentos devem ser considerados, em vista de que o ambiente hospitalar durante certo período de tempo, torna-se um ambiente carregado de atividades rotineiras e a criança quando não estimulada acaba acomodando-se às circunstâncias e limitações advindas da patologia. O educador como promotor do conhecimento deve contextualizar e projetar novas potencialidades de aprendizagem às necessidades de seus educandos.

 

O perfil pedagógico-educacional do professor deve adequar-se à realidade hospitalar na qual transita, ressaltando as potencialidades do aluno e auxiliando-o no encontro com a vida que, apesar da doença, ainda pulsa dentro da criança com força suficiente para ser percebida. Em outras palavras, o professor contribui para o aperfeiçoamento da assistência da saúde, de maneira a tornar a experiência de hospitalização, ainda que sempre indesejável, um acontecimento positivo ao crescimento e desenvolvimento das crianças que dela necessitam (FONSECA, 2008, p. 31).

 

O ambiente onde o ensino é construído, a estrutura, as condições e a conduta do profissional da saúde e da educação podem influenciar positivamente ou não o educando, podendo afetar a vida social, afetiva e emocional dos envolvidos neste ambiente. Em qualquer idade e ano escolar, os fatores sociais, emocionais, biológicos ou psicológicos podem ser determinantes na eficácia da aprendizagem.

 

Para o aluno hospitalizado, as relações de aprendizado numa escola hospitalar são injeções de ânimo, remédio contra os sentimentos de abandono e isolamento, infusão de coragem, instilação de confiança no seu progresso e em suas capacidades: e a qualidade das aulas vai ao encontro do quanto atendem às necessidades e interesses enquanto vivenciando tais momentos (FONSECA, 2008, p. 28).

 

O atendimento pedagógico hospitalar é significativo e muito importante, além de trazer muitas contribuições tanto para os estudantes hospitalizados como para os profissionais da saúde. Segundo Torres et al. (1990), as consequências de uma internação traumática às crianças podem ser diversas, causando desde o confronto com sua própria identidade decorrente das mudanças de seu corpo em virtude da doença, degradação do sujeito, pois não se vê como sujeito vivo e ativo, portanto, torna-se passivo e reificado, sofrendo com os procedimentos dolorosos e objetificando-se (nutrindo sentimentos de ansiedade, autoflagelo e angústia). As crianças, mesmo afastadas de sua rotina escolar e inseridas em um ambiente frio e hostil, precisam observar e conhecer os diferentes espaços de aprendizagem capazes de fortalecer o pleno desenvolvimento humano, para além dos serviços e cuidados medicamentosos decorrentes da doença.

 

3. Aspectos conclusivos

 

As inter-relações entre os sujeitos no atendimento escolar hospitalar mostra-se de extrema importância durante a internação, pois os pacientes/educandos vivem um cotidiano tenso, típico do ambiente hospitalar. A aprendizagem com a Pedagogia hospitalar pode recuperar a autoestima, diminuir as preocupações, o sentimento de culpa, ansiedade, medo, desconforto, solidão, tristeza, entre outros sentimentos que levam a perda da felicidade. Com a mediação de um Pedagogo dentro do hospital, surge a oportunidade da criança retomar sua rotina formativa, mesmo que hospitalizada. A prática pedagógica nesse contexto de atendimento exige dos educadores uma maior flexibilidade e respeito à diversidade, em relação ao número e especificidades das crianças que irão ser atendidas (período que cada uma delas permanecerá internada). Para este atendimento não existe uma receita pronta, constituindo-se em um desafio a ser alcançado. Deve-se buscar parceria com os familiares, que são fundamentais na cooperação e no sucesso do ensino e da aprendizagem e à qualidade de vida.

O Pedagogo pode ajudar no enfrentamento das barreiras da doença e quebra brusca com o cotidiano escolar, levando a convivência interativa da escola até o estudante hospitalizado e mantendo uma relação harmoniosa e inspiradora, para que a criança desperte para o desejo de saber, de sentir-se produtiva na relação humana com o outro e capaz de aprender, mesmo numa situação vulnerável de sua vida. As pesquisas observadas na área indicam que as inter-relações pedagógicas realizadas no ambiente hospitalar com pacientes da ala infantil, em tratamento oncológico por longos períodos, melhoravam ao habitar um ambiente com brinquedos, interações e cores alegres. Nos momentos livres, em que aguardavam novos tratamentos, exames ou medicações, os pacientes recebiam o atendimento pedagógico, de acordo com suas necessidades escolares ou apenas atividades lúdicas, passavam a aprender neste ambiente diferenciado.

A atuação do Pedagogo hospitalar está fornecendo as condições de possibilidade para a construção e desenvolvimento evolutivo de aprendizagens cognitivas, afetivas, emocionais, interativas, sociais, por meio de diálogos, jogos e dinâmicas de grupo que engloba a criança de corpo inteiro. A Pedagogia hospitalar humaniza as inter-relações entre os sujeitos marcados pela vulnerabilidade e fraqueza das condições de saúde física e psíquica, impulsionando o compartilhar de experiências com a superação de desafios, de aprendizagens cooperativas, transparecendo que todos aprendem ao se colocar no lugar do outro, fortalecendo assim a ideia de que nos tornamos melhores, porque aprendemos com o outro sempre, nas diferentes situações da vida.

 

REFERÊNCIAS

 

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