14/02/2017

AS IMPLICAÇÕES DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM ESCOLAR

AS IMPLICAÇÕES DA AFETIVIDADE NA APRENDIZAGEM ESCOLAR

 

Catarina Eloa de Mello - Graduanda em Pedagogia pelo Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: catarinaemello@gmail.com

Pilar de Moraes Sidi – Doutoranda do PPG Educação do UNILASALLE, Canoas, RS e bolsista da Capes. E-mail: sidipilar@gmail.com

Elaine Conte - Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora e Pesquisadora do PPG Educação do UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br

 

Resumo: A afetividade humana envolve as relações que estabelecemos com o outro e que podem aumentar ou refrear a comunicabilidade e a vontade de agir, que potencializa a imaginação humana. Por isso, trata-se de abordar um assunto muito relevante para os educadores da atualidade que é o papel da afetividade no processo de ensino e aprendizagem escolar, buscando embasamento na revisão teórico-prática de estudos psicológicos, filosóficos e pedagógicos da área. Com isto, pretende-se realizar uma reflexão hermenêutica sobre as implicações da afetividade para aprendizagem, por meio de dados extraídos de textos, de diferentes discursos e pesquisas bibliográficas. Ao longo do texto são abordadas conceituações de afetividade na educação, que evidenciam a sensibilidade e a amorosidade atribuídas aos processos de ensinar e aprender, como possibilidade dialética de imprimir o desejo pelo saber como algo que emociona e provoca abertura para o outro (sensação de se colocar no lugar do outro), para novos horizontes de compreensão. Ainda, são apresentados os mecanismos integradores da afetividade para a busca de aprendizagens evolutivas. Por fim, consideramos as conclusões e inconclusibilidades do assunto, apontando os limites e as possibilidades para outros sentidos e prognósticos dessa problemática nas relações pedagógicas.

Palavras-chave: Afetividade. Aprendizagem. Educação.

 

THE IMPLICATIONS OF AFFECTIVENESS IN SCHOOL LEARNING

Abstract: Human affectivity involves the relations that we establish with the other and that can increase or curb communicability and the will to act and think that enhances the human imagination. Therefore, it is a question of addressing a very relevant issue for educators of the present time, which is the role of affectivity in the teaching and learning process of the school, seeking a foundation in the theoretical-practical revision of studies in the area. With this, it is intended to carry out a hermeneutic reflection on the implications of affectivity for learning, through data extracted from texts, from different discourses and bibliographical researches. Throughout the text, concepts of affectivity in education are discussed, which highlight the sensitivity and the love that are attributed to the processes of teaching and learning, as a dialectical possibility of imprinting the desire for knowledge as something that excites and causes openness to the other. Put in place of the other), to new horizons of understanding. Also, the integrative mechanisms of affectivity are presented for the search of evolutionary learning. Finally, we consider the conclusions and inconclusions of the subject, pointing out the limits and possibilities for other senses and prognoses of this problem in pedagogical relationships.

Keywords: Affectivity. Learning. Education.

 

1. Introdução

              A história do pensamento educacional revela que o sujeito valorizou em demasia o saber lógico-racional em detrimento da sensibilidade humana e da força dos afetos no processo de ensino e aprendizagem, especialmente sob o ponto de vista do conhecimento epistemológico. Talvez um dos erros desta posição que impera até hoje no universo pedagógico reside no fato de depositar e valorizar como conhecimento verdadeiro apenas aquele que tem uma força lógica e racional (de mensuração), desconsiderando a sua dimensão afetiva. Assim, se o saber humano carrega dimensões estético-expressivas ou subjetivas, manifestando um desejo sensível, emocional, lúdico ou algum movimento afetivo, é porque é mera crença, por isso não é verdadeiro. Tudo indica que o problema da afetividade na educação confunde-se com o problema do conhecimento ou da falta de uma visão de totalidade na relação entre racionalidade e afetividade. Marilena Chauí (2011, p. 247) diz que “[...] a razão precisa do desejo para penetrar na vida afetiva – pois só um afeto mais forte e contrário pode destruir um outro afeto – e o desejo precisa da razão para tornar-se virtude da mente, igualando a potência afetiva e a potência intelectual, de sorte que a essência do homem possa ser definida como idêntica a sua potência, seja esta o desejo ou o conhecimento”.

              Desse modo, para que a potência intelectual possa se desenvolver com a instância afetiva é necessário que as condições que aumentam nossa potência de agir e pensar com a potencialidade afetiva seja favorável, caso contrário, recairemos na inibição desse desenvolvimento, sendo prejudicial nos processos de busca, sedução (por parte do professor) e desejo pelo saber. Contudo, muitas vezes, esquecemos que a afetividade é parte integrante da racionalidade humana e potência de nosso agir no mundo, que pode ser estimulada ou refreada na relação entre professor e estudante. Daí que nos processos de ensinar e de aprender a dimensão afetiva é intrínseca à experiência educativa, causando um movimento de transição vivida no cotidiano escolar, que pode gerar tanto o aumento quanto a diminuição de nosso desejo pelo saber e até de nossa vitalidade e amadurecimento intelectual. Nesse contexto, precisamos revitalizar os afetos na experiência educativa, pois eles movimentam e influenciam a nossa potência de ensinar, aprender e atuar no mundo. Talvez o problema se configure a partir da posição do educador em relação ao conhecimento e à aprendizagem do educando, tendo em vista que as situações e os processos de aprendizagem podem ser ativados (animada) ou não pela afetividade.

              Por isso, muitas vezes se procura nos professores referências de comportamentos, valores e atitudes e quando esse vínculo torna-se positivo, leva-se como exemplo de conduta comportamental para a vida inteira. O professor não está em sala de aula apenas para ensinar conteúdos escolares, ele também ensina valores sobre a vida, a convivência, o como se relacionar, podendo oportunizar cuidados, saberes e laços sociais de amizade, aproximando sujeitos e estimulando o prazer de aprender. Nesse sentido, Saltini (2008) relata que é através da interação afetiva, do estudante com o professor e com seus colegas de classe, que ocorre a troca de informações através do diálogo, em que todos vão se desenvolvendo intelectualmente na interação das atividades propostas.

              Especialmente nos primeiros anos escolares, deve-se repensar o quanto é importante para cada criança se sentir acolhida e segura para participar dos processos de construção do conhecimento (e não sentir-se invisível), percebendo seu potencial para agregar vivências diferentes aos conhecimentos dos outros, todos com experiências de aprendizagem singulares em relação ao mundo. Quando o estudante sente no olhar do professor que é bem-vindo, reconhecido e que aprender é compartilhar e interagir com diferentes formas de pensar e dizer o mundo torna-se autônomo e aprende a construir o próprio conhecimento.

              Segundo Piaget (1996), nenhum conhecimento, mesmo os que provêm da percepção, não são simples cópia do real ou se encontram totalmente determinados pela mente do indivíduo, mesmo porque a relação simples (relação comigo mesmo) é complexa. É o produto de uma interação entre o sujeito e o objeto, é a interação provocada pelas atitudes espontâneas do organismo e pelos estímulos externos. E esse conhecimento torna-se, portanto, aprendizagem, quando é fruto de uma relação que nunca tem um sentido só, mas é o processo dessa interação com potencial criativo que confere sentido e significação ao conceito. E a afetividade é a energia que move as ações humanas, sem ela não há interesse e não há motivação para a aprendizagem. Rodrigues (1976) diz que os motivos para o ser humano aprender qualquer coisa são profundamente interiores. Segundo ele, uma criança aprende melhor e mais depressa quando se sente amada, está segura e é tratada como um ser singular e com possibilidades de atuar. E os motivos da criança para aprender são os mesmos que ela tem para viver, pois não se dissociam de suas características físicas, motoras, afetivas e psicológicas.       

              A afetividade humana envolve as relações que estabelecemos com o outro e que podem aumentar ou refrear a nossa vontade de agir e pensar que potencializa a imaginação humana. Por isso, trata-se de abordar um assunto muito relevante para os educadores e educandos da atualidade, que é o papel da afetividade no processo de ensino e de aprendizagem escolar, buscando embasamento em estudos da área. Com esse estudo, pretende-se realizar uma reflexão hermenêutica sobre a contribuição da afetividade para a aprendizagem, por meio de dados extraídos de textos e pesquisas bibliográficas, tentando entender e aprofundar as relações que os pesquisadores conferem ao fenômeno em questão. Além disso, será realizada uma análise exploratória e compreensiva para conhecer o estado da arte sobre a temática, que envolve a busca e coleta de materiais publicadas em livros, artigos, jornais, dissertações e teses. Com base nessa perspectiva, utilizamos referências de teóricos clássicos e contemporâneos, que trabalham com a questão da afetividade no processo de aprendizagem, buscando contribuir para o aprofundamento da finalidade da educação, que é a compreensão e contextualização dos processos de (re)conhecer para a construção de aprendizagens evolutivas. Na verdade, faz parte de todo percurso do conhecimento pedagógico a busca por transformar a afetividade humana em suporte e aliada aos autênticos processos de ensino e aprendizagem, no desejo pelo saber (implica a dimensão do aprender na interação com o outro). Dizia Freire (2009, p. 47) que, “ensinar e aprender são assim momentos de um processo maior – o de conhecer, que implica re-conhecer”.

             

2. Aspectos históricos da afetividade

              A afetividade não é uma temática contemporânea, mas histórica. Para Vygotsky (2001), a aprendizagem começa no momento do nascimento. A partir da interação, sobretudo com o outro mais experiente e amadurecido intelectualmente (pelas diversas relações sociais), que inicia o processo de (re)conhecimento do mundo por meio dos significados partilhados pelo grupo. Assim sendo, a aprendizagem se dá na relação sociocultural e afetuosa com o outro, constituindo-se os modos de pensar, agir e sentir que são aprendidos no decorrer da vida. O primeiro local de aprendizagem é a família, estendendo-se mais tarde, para a escola e as demais esferas públicas. Por sua vez, Cunha (2000) diz que para Piaget, o desenvolvimento cognitivo resulta da interação entre a criança e as pessoas com quem ela mantém contatos regulares, como é o caso da escola, onde habita meio turno da vida no contato entre os colegas e os professores. No conjunto, enfatiza que as construções realizadas pelo sujeito passam a ser possíveis por meio da interação do educando com o meio de convivência, havendo assim a modificação do papel do professor, o qual passa a ser um facilitador, enquanto o estudante assume a posse das ideias, a possibilidade de ser um sujeito aprendente.

              Com base nos fatos expostos, justifica-se a importância do tema a ser estudado, como suporte para todos os profissionais que lidam com a aprendizagem da criança, mostrando como a afetividade pode influenciar positivamente ou causar entraves aos processos de aprendizagem. Diante disso, torna-se necessário discutir e compreender a questão da afetividade na educação. Entre os teóricos que abordam a questão da afetividade, Comenius (2002, p. 85) refere-se ao cérebro infantil como “úmido, tenro, pronto para receber todas as imagens que lhe chegam, apreendendo rapidamente com as questões percebidas e ensinadas”, pois as imagens imprimem nossas sensações. Conforme relata o autor, no cérebro humano é sólido e duradouro apenas o que foi memorizado e absorvido nos anos iniciais. Segundo ele, o homem para ser homem, criatura racional, deve ser instruído nas letras, nas virtudes e na religião, tornando-se capaz de levar a vida presente de modo útil e de preparar-se dignamente para a vida futura, o que implica em uma formação voltada à inteligência cognitiva e emocional. Todos devem aprender a conhecer os fundamentos, as razões, os fins de todas as coisas, para que ninguém no mundo se depare com situações que lhe seja tão desconhecida que não consiga estabelecer relações, elos com os outros, com a natureza e com o mundo para emitir juízos próprios, por meio das relações de coerência e diferença, de cognição e emoção.

              Segundo Comenius (2002), a escola necessitava de princípios fundamentais de reforma protestante para o povo, em que através de um novo e único método didático - da arte universal de ensinar tudo a todos, fosse possível preparar o homem a ler os textos bíblicos através de um método, segundo o qual os professores ensinem menos e os alunos aprendam mais para aprender todas as coisas. Isso porque, “as sementes da moral e da piedade são por natureza inerentes a todos os homens (com exceção dos monstros humanos, segue-se necessariamente que precisam apenas de um pequeníssimo estímulo e de sábia orientação” (COMENIUS, 2002, p. 113). Seguindo a visão comeniana, Lopes (2003) afirma que, naquele momento da história, se preconizava a necessidade de mudança da instituição escolar rumo a uma educação para o bem pensar. Por isso, ele criticava a maneira como ela estava funcionando em termos de incompreensão e simplificação dos conhecimentos disciplinares, em parte, devido ao não reconhecimento dos laços afetivos. Desse modo, a escola era enfadonha, severa e a disciplina exercida a pancadas.

 

O homem, ainda que a corrupção procure cegar-lhe o entendimento, jamais pode extinguir de si o anelo pelo conhecimento e pela sabedoria. Assim sendo, depende de nós reavivar a mente humana de tal modo que os homens se beneficiem com uma educação correta. Isso está ao nosso alcance, na visão de Comenius (LOPES, 2003, p. 98).

 

              De acordo com Cerizara (1990), a educação deve ser um meio de construir um novo indivíduo para viver em uma nova sociedade, estando apto a enfrentar a realidade tal como ela é, de modo a fazer uso tanto da razão quanto do sentimento, conhecendo a si próprio e a seus semelhantes. Isso se dá pelo fato da criança não ser capaz de assumir-se como ser moral, precisando do adulto para orientá-la em busca da confiança, independência e autonomia. Lopes (2003) constata que, numa concepção comeniana, a profissão do professor deve possuir características próprias, como ser uma pessoa com responsabilidade social, de exímia inteligência e integridade moral, dedicado exclusivamente ao ensino, pois o pressuposto da questão moral consiste na sabedoria de vida e no exemplo a ser seguido. Comenius, em pleno século XVII, fala da necessidade de uma educação não cansativa, em que o professor tenha o papel de ensinar, seduzir as juventudes e não maltratar os seus estudantes, visto que é possível ler o livro escrito (a bíblia) e ler o livro que Deus deixou da natureza (o porquê que as folhas caem, tem som), o mundo é também um grande livro. E tudo é capaz de ser ensinado e aprendido pela capacidade de transformar todas as dimensões vitais em ensináveis e aprendentes. Estes eixos de uma educação moderna teve o respaldo de Rousseau, no século XVIII, que também inspirou ações e condutas para a emancipação do indivíduo por meio da demonstração, valorização e reconhecimento da opinião e da liberdade da criança desde a Educação Infantil, considerando o que as crianças estão em condições de aprender.

              O sucesso da educação deve ser norteado pela empatia com que o professor é amado, respeitado e estabelece relações de aprendizagem com os seus educandos. A educação de uma criança deve incluir a formação do coração, do juízo e do espírito. Rousseau (1994) entende que um bom professor não precisa sobrecarregar seus estudantes com trabalhos de repetição e memorização de conteúdos difíceis (plasmados do pensar e rançosos da experimentação), mostrando-se apenas severo e zangado, construindo assim a reputação de um homem rigoroso e rude (contaminado por constrangimentos sociais e pela formatação autoritária até chegar hoje no empreendedor, na empregabilidade). Diferentemente dessa postura, o professor precisa participar dos atos de ensinar e aprender com a capacidade investigativa, fornecendo atividades que promovam a curiosidade, de modo que todos se sintam mobilizados para formar-se e se sintam capazes, empoderados de cidadania histórico-cultural e partícipes da transformação da própria realidade.

              Segundo Cerizara (1990), Rousseau pensava a infância como um período necessário à formação do homem, fazendo com que ele desenvolvesse a aprendizagem e o interesse pelos estudos, a partir de seu próprio desejo, necessidade e impulso compreensivo. Era preciso observar atentamente o estudante antes de dirigir-lhes a palavra, não exercendo coerção sobre ele, mas desenvolvendo laços de amizade e empatia. Pois, assim como cada etapa do desenvolvimento do homem requer uma educação particular, também é preciso levar em conta as diferenças de temperamento de cada criança. Rousseau diz ainda que a observação é um instrumento indispensável para o trabalho do professor no conhecimento das singularidades e diferenças dos estudantes (CERIZARA, 1990). Tendo por finalidade a educação do caráter e o respeito ao desenvolvimento físico e cognitivo da criança, o educador necessita desenvolver uma educação como um processo atrelado à vida, conhecendo as características gerais da infância e as possibilidades de cada sujeito para propiciar o amor pelo saber. Segundo Rousseau (1994), a criança precisa ser educada com liberdade para viver a plenitude de seus sentidos em cada fase da infância, uma vez que, até os 12 anos, somos praticamente movidos pelos sentidos, emoções e o corpo físico, pois a razão ainda está em processo de formação e (inter)dependência moral.

 

3. A afetividade na aprendizagem

              Ao estudar a criança, Wallon não coloca a inteligência como o principal componente do desenvolvimento, mas defende que a vida psíquica é formada por três dimensões, a saber: motora, afetiva e cognitiva, que coexistem e atuam de forma integrada e complementar (DANTAS, 1992). Sem o afeto não haveria interesse, nem necessidade, nem motivação, consequentemente, perguntas ou problemas nunca seriam colocados e, portanto, não haveria inteligência emocional, uma condição necessária à construção da inteligência cognitiva.

              Dantas (1992, p. 41), na perspectiva Walloniana, propõe o “desenvolvimento intelectual dentro de uma cultura mais humanizada”, considerando a pessoa como totalidade, sujeito de possibilidades para diferenciar, emocionar-se, conquistar as suas experiências e desenvolver novas relações e construções no movimento da relação afetiva entre conhecimento e formação. Na teoria de Piaget, a criança é percebida como um ser dinâmico que interage com a realidade e opera ativamente com objetos e pessoas. Essa interação com o ambiente permite a construção das estruturas mentais e novas maneiras de fazê-las funcionar. A interação entre o organismo e o meio ocorre por meio de dois processos simultâneos: a organização interna e adaptação do meio, funções exercidas pelo organismo ao longo da vida.

              Vygotsky (1998) considera que o homem tem um alto grau de plasticidade, ou seja, conforme o ambiente sócio-histórico-cultural que interage haverá influência no desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, ele faz um paralelo entre os processos biológicos e os processos de natureza sócio-históricos. A questão teórica central é explicar como a maturação física e a aprendizagem sensório-motora interagem com o ambiente histórico-social produzindo funções complexas do pensamento humano. Vygotsky (1988) observou que as estruturas orgânicas elementares, determinadas pela maturação, criam funções mentais mais complexas, dependendo da natureza das experiências sociais, nas quais as crianças estão submetidas. Na verdade, os fatores biológicos são mais importantes que os fatores sociais, somente no início da vida. Gradativamente, o desenvolvimento do pensamento e o comportamento das crianças são influenciados pelas interações que elas realizam com as pessoas estranhas ao familiar, diferentes e mais experientes no conhecimento de mundo. Para Vygotsky (1998), existem dois níveis de desenvolvimento humano relacionado às interações cognitivas, afetivas e sociais na atividade de aprender. O primeiro é o nível de desenvolvimento “real”, que representa as funções mentais da criança, resultante de determinados ciclos de desenvolvimento. Já o desenvolvimento “potencial” é o segundo nível, que é definido pelos problemas que o sujeito resolve com o auxílio de um mediador. A zona de desenvolvimento proximal (ZDP) corresponde à distância entre o nível de desenvolvimento real, definido pela solução de problemas sem auxílio de um mediador e o nível de desenvolvimento potencial definido por meio de solução de problemas, sob a orientação de adultos ou alguém mais capacitado. Assim sendo, as diferenças relativas à capacidade de desenvolvimento potencial se devem consideravelmente às diferenças qualitativas no meio social em que as crianças vivem.

              A ZDP explica a importância das interações sociais no desenvolvimento cognitivo. Conforme Vygotsky (1988) afirma, essa ideia de desenvolvimento proximal demonstra como um processo interpessoal (social) se transforma num processo intrapessoal (psíquico). Nessa mudança do social para o individual, ele considera relevante a experiência partilhada, o diálogo na colaboração, entendendo, portanto, o aprendizado como um processo de troca e aproximação comunicativa, um processo de aprendizagem entre conhecimento e sociedade.

              Vygotsky (2001) dá ênfase ao aspecto das relações sociais, ao caracterizar as interações sociais, introduzindo a mediação como um ponto relevante para a elaboração de aprendizagens sociais. Segundo ele, por meio dessa mediação surge uma sequência de interações e relações com o meio social, através das quais o indivíduo se apropria dos objetos socioculturais, caracterizando o processo de desenvolvimento humano, que implica na construção do conhecimento pela interação e troca de saberes. Portanto, é possível concluir que ambos os teóricos coincidem em relação ao aspecto social e processual da construção de conhecimentos, tendo a afetividade e as emoções o papel estimulante, integrador e mobilizador dos aspectos simbólicos e intencionais do aprender. Assim, vão se construindo as relações humanas e os fenômenos afetivos, pois o meio social e os processos de racionalidade cognitiva e sensibilidade afetiva possuem uma estreita relação, na qual se inter-relacionam e se influenciam num jogo mútuo. Contudo, a afetividade é um fenômeno natural das interações sociais, assim como a sua influência no desenvolvimento cognitivo, subjetivo e social.

 

4. A Afetividade na relação professor - estudante

              Numa perspectiva histórico-cultural, o enfoque reside nas relações comunicativas e nos processos de aprendizagem sociocultural.  É nas interações sociais com os outros que a criança internaliza as dimensões da racionalidade humana (objetiva, subjetiva e social) e os instrumentos culturais. Segundo Vygotsky (2003, p.75), “é evidente que esse novo sistema de reações é totalmente determinado pela estrutura do ambiente no qual o organismo cresce e se desenvolve”. Por esse motivo, toda educação tem inevitavelmente um caráter social. A criança aprende, internaliza os hábitos culturais do ambiente que está inserida, sendo assim, é fundamental o meio social para formação da globalidade humana. Vygotsky ressalta a importância das interações sociais, da mediação e da internalização, como aspectos essenciais para a aprendizagem, afirmando que a formação do conhecimento ocorre a partir de um processo de interação entre as pessoas. Portanto, é a partir de sua inserção na cultura que a criança vai se desenvolvendo, em contato social com as pessoas que a rodeiam. Introduzindo as práticas culturalmente estabelecidas, ela vai amadurecendo deixando para trás as formas mais elementares de pensamento para as formas mais abstratas, que a ajudarão a conhecer e transformar a realidade. Nesse sentido, o autor destaca a importância do outro no processo de formação do conhecimento e também na formação do próprio sujeito e de suas formas de agir no mundo social e individual.

              De acordo com Libâneo (1994), a relação professor e estudante é uma condição favorável à aprendizagem, pois dinamiza e dá sentido aos conhecimentos intersubjetivamente aprendidos. Mesmo estando sujeito a um processo de normas da instituição de ensino, essa interação acaba sendo o centro de todo esse processo que está voltada ao ensino e aprendizagem do educando. Essa relação intersubjetiva se pauta em ações recíprocas, pois um dirige ao outro, e é afetada pelas ideias que um tem do outro, ou seja, pelas representações mútuas entre estudantes e professores. Muitas vezes, essa relação pode se mostrar conflituosa, pois se baseiam no convívio de classes culturais, valores e objetivos diferentes.

              Segundo Bowlby (1990), dependendo de como a relação professor-aluno é estabelecida pode se visualizar não só um distúrbio de aprendizagem, mas a criança na sua totalidade. Partindo dessa visão integradora do ser humano, o educador poderá estimular a livre expressão do sentimento e as oportunidades formativas e sensíveis de seus educandos, prevenindo tensões, bloqueios de comunicação e apatia, que poderão se manifestar sobre a forma de distúrbio de comportamento e de aprendizagem. Para Libâneo (1994. p. 252), “um professor eficaz se preocupa em ministrar e orientar a atividade mental dos alunos, de um modo que cada um deles seja um sujeito consciente, ativo e autônomo”. Segundo Libâneo, (1994, p. 249) existem dois aspectos da interação professor-aluno no trabalho docente:

 

O aspecto cognoscitivo (que diz respeito às formas de comunicação dos conteúdos escolares e às tarefas escolares indicadas aos alunos) e o aspecto sócio-emocional (que diz respeito às relações pessoais entre professor e aluno e às normas disciplinares indispensáveis ao trabalho docente).

 

              A afetividade é um estado de afinidade profunda entre os sujeitos. Assim, na interação afetiva com o outro sujeito, cada sujeito intensifica sua relação consigo mesmo, observa seus limites e, ao mesmo tempo, aprende a respeitar os limites do outro. A afetividade é necessária na formação de pessoas felizes, éticas, seguras e capazes de conviver com o mundo da sociabilidade no contexto de colaboração vital. Em nossas práticas, percebemos que as manifestações de afetividade não vêm sendo trabalhadas com as crianças, de maneira a contribuir para o pleno desenvolvimento das mesmas, com a sua história de vida, cultura e personalidade. Os aspectos afetivos são desconsiderados pela maioria dos professores e em alguns casos são tratados como fatores que vêm a atrapalhar os aspectos cognitivos, determinando assim barreiras às crianças (gerando o empobrecimento da subjetividade e preconceitos), para resolver seus conflitos de maneira inteligente em meio a estágios de desenvolvimento e crises em relação aos novos conhecimentos e as próprias contradições. Tudo indica que o aspecto de transmissão de conhecimento é a própria relação pessoal entre professor e educando baseada na confiança, afetividade e respeito, cabendo ao professor orientar novos horizontes de entendimento dos efeitos das novas formações, para o seu crescimento interno, fortalecendo assim, suas bases morais e críticas.

              Segundo Vygotsky (2003, p.75), “no processo de educação, o professor deve ser como os trilhos pelos quais avançam livres e independentemente os vagões, recebendo deles apenas a direção do próprio movimento”. O professor precisa mostrar os rumos e as oportunidades para que a criança construa a base do seu conhecimento, tornando assim, um sujeito autônomo e interdependente. A afetividade acompanha o ser humano desde o nascimento até a morte, manifestando-se como uma fonte geradora de potência e sendo o alicerce sobre o qual se constrói o conhecimento racional. Por isso, é necessário que a questão da afetividade seja estudada e abordada, pois se nota os benefícios que esta traz ao desenvolvimento cognitivo, mostrando a responsabilidade de educadores (pais e professores) na construção da personalidade da criança.

              Falar de afetividade é de grande importância para uma vida emocionalmente saudável, pois leva em conta as emoções, sensações, disciplina, postura de outras pessoas no contexto de cooperação, constituindo-se em uma fonte de desenvolvimento aberto e constante em todo meio do qual faça parte o ser humano seja no meio familiar, social ou escolar. Segundo Freire (1996, p.141), “a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade”, mas é preciso tomar cuidado tanto com a falta de afeto como com os afetos desordenados que podem descontrolar os verdadeiros sentimentos. A afetividade se expressa nos desejos, sonhos, expectativas, palavras e gestos que cada ser humano nutre ao longo da vida. Já os vínculos afetivos se tornam cada vez mais condição essencial para o crescimento e o desenvolvimento global da criança, tornando a educação mais abrangente no respeito à criança em todas as suas dimensões. Assim, o desenvolvimento integral da criança só se torna possível com a união do conteúdo escolar e da vivência em outros espaços de aprendizagem, pois a relação educativa entre aprendizagem e afetividade só se realiza na interdependência do ensinar a criança a pensar, a agir de forma emocionalmente sadia, para que haja uma circulação não só do conhecimento e do saber, mas que lhe proporcione bem-estar, isto é, uma competência afetiva. (VECCHIA, 2005, on-line).

              A escola é o segundo grupo da escala social mais importante na vida das crianças. Segundo Almeida (1999, p. 13), “a partir do momento em que a criança entra na escola, o desenvolvimento infantil adquire um novo rumo e um desenvolvimento mais complexo de relações socioemocionais”. As experiências e os conhecimentos vivenciados na escola passam a ter um papel significativo no desenvolvimento social e afetivo da criança. Fernandez (1991, p. 74) diz que, “para que haja aprendizagem, além do organismo e do corpo, ainda é necessária a intervenção da cognição e do desejo”. Assim, a educação não deve ser repressora ou desintegradora, ao contrário, deve ser guiada pela colaboração da criança com as outras pessoas, para que todos possam favorecer a capacidade mútua de pensar, sentir e (inter)agir, pois não nos desapropriamos dos aspectos afetivos que compõem a personalidade quando ingressamos na escola. Por isso, “a aprendizagem só se dá de forma integrada no sujeito que aprende: sentir, exprimir e agir” (WEISS, 2008, p. 22).

              Araújo (2003, p.165-166) questiona: “será que aulas em que os alunos exercem um papel passivo diante dos conteúdos que lhe são transmitidos, se tornarão cidadãos competentes?” E continua: “É claro que não, nada se constrói com base em relações autoritárias e em metodologias de mera transmissão e reprodução do conhecimento”. Assim, o ser humano só forma as suas múltiplas inteligências, sua identidade, seus valores, seus afetos, a partir do diálogo estabelecido com aqueles que fazem parte da sua realidade cotidiana e do mundo em que vive. Para Bassedas (1993, p. 26), “a escola pode ser uma instituição potencializadora ou, então, pelo contrário, pode ser fonte de conflitos, já que muitos pais com diferentes níveis socioculturais costumam esperar da escola tarefas educativas muito diversas”, tendo a missão de educar e formar os estudantes. Atualmente, as escolas se preocupam mais com a memorização, com que método a usar, do que com atividades para estimular o pensamento e a aprendizagem coletiva. Deve-se sempre considerar que a escola é um espaço de experimentação de projetos, de convivência e de relações pedagógicas, espaço constituído pela diversidade e heterogeneidade de ideias, valores e crenças, onde todos ensinam e aprendem. “A escola precisa se organizar em função de uma melhor possibilidade de ensino e ser permanentemente questionada para que seus próprios conflitos, não resolvidos, não apareçam nas salas de aula, dificultando o processo de aprendizagem” (WEISS, 2008, p. 19).

              Educar exige respeito aos diferentes saberes dos educandos. Respeito é uma dimensão do afeto. Em outras palavras, pensar certo exige respeito aos saberes com os quais os educandos chegam na escola e também discutir com eles a razão desses saberes em relação com os conteúdos apreendidos. É valorizar e qualificar a experiência dos educandos e aproveitar para discutir os problemas sociais e ecológicos, a realidade concreta a que se deva associar os conhecimentos aos desafios interdisciplinares, ancorando na sensibilidade humana e na forma aprofundada de pensar coletivamente (FREIRE, 1999).

 

5. Considerações finais

              Em nossa análise sobre a afetividade e suas implicações à aprendizagem, foi possível constatar que precisamos ficar atentos para as transformações das formas de pensar, sentir e interagir do ser humano, para que na educação elas não se tornem uma abstração disciplinar separada da realidade. Mas sim, que seja uma condição de possibilidade para ensinar a compreensão e o entendimento tanto da relação afetiva e social quanto intelectual do ser humano no mundo. Vale dizer que se somos condicionados pelo nosso meio, isso não equivale a negar a nossa personalidade e singularidade, visto que implica compreender o ser humano em relação com a totalidade.

              Para concluir, podemos dizer que quanto mais compreendemos os vestígios afetivos, maior é a nossa potência de aprender, de reconhecer os outros e de usar o conhecimento racional para compreender o mundo sensível e nós mesmos. Essa compreensão nos leva a uma experiência de abertura ao outro, para além de um saber indiferente a outras percepções, que acompanha o desejo e a ação de conhecer como vias de mão dupla, pois, quando se (re)conhece, simultaneamente, se aprende. Talvez o impulso afetivo na educação nos leve a construção da autonomia no sentido da interdependência dialógica, ou seja, supera o plano da necessidade de aprender a tradição cultural para o desejo de conhecer através das relações comunicativas e afetos. Na verdade, o afeto e a racionalidade não podem ser vistos como opostos na educação, pois integram e favorecem os processos de aprender e as relações humanas em sua globalidade. Sendo assim, torna-se possível favorecer encontros, transformando alguns problemas e dificuldades de aprendizagem em possibilidades que nos atravessam e nos constituem por relações afetivas que estabelecemos com o mundo. Reprimir nossos afetos socialmente, no contexto escolar, diminuirá a potência de agir, trará a segregação do sujeito e o afastamento do outro, do diferente. Mas, no caminho da integração do conhecimento objetivo, subjetivo e social iremos descobrir a nossa própria interdependência no mundo, pois recuperaremos a capacidade de aprender, transformando as limitações e obstáculos do conhecimento em possibilidades de superação, por meio da relação afetiva com o outro.

 

REFERÊNCIAS

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ARANTES,  V.  A.  (org.). Afetividade  na  escola:  alternativas  teóricas  e práticas. São Paulo: Summus, 2003.

BASSEDAS, E. et al.. Intervenção educativa e diagnóstico psicopedagógico. SãoPaulo: Artmed, 1993.

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