23/10/2018

Aproximações No Campo de Pesquisa: Método, Diálogos e Saberes Populares No cotidiano de Um Projeto Educação Ambiental

APROXIMAÇÕES NO CAMPO DE PESQUISA: MÉTODO, DIÁLOGOS E SABERES POPULARES NO COTIDIANO DE UM PROJETO EDUCAÇÃO AMBIENTAL[1]

 

Thaís Gonçalves Saggiomo[2];

Clara da Rosa Pereira[3];

Lúcia de Fátima Socoowski Anello[4];

Anderson Pires de Souza[5];

Michele Silveira Azevedo[6]

 

Resumo: Objetivamos refletir sobre o processo de inserção no campo de pesquisa de doutoramento, que tem como problema central o estudo sobre as contribuições da EA Critica e transformadora, no processo de formação de mulheres agentes de transformação socioambiental, inseridas no contexto de licenciamento ambiental. Metodologicamente nos amparamos na revisão bibliográfica e na análise da experiência em campo, para evidenciar as potencialidades da pesquisa participante na inserção do trabalho com o grupo de mulheres. Conclui-se, que o uso da pesquisa participante foi favorável ao processo de inserção, como também oportunizou a construção de uma ampla base de dados, coletada com base no acompanhamento das visitas de campo e a partir do diálogo construído em dinâmica coletiva com o grupo de mulheres.

Palavras-chave: Educação Ambiental Critica. Mulheres. Gestão Pública. Licenciamento Ambiental. Pesquisa Participante.

 

Introdução

Investigar a Educação Ambiental no cotidiano do processo formativo com mulheres inseridas no contexto da pesca artesanal constitui-se como um dos desafios para a academia e para toda a sociedade, que historicamente outorga a este grupo societário o lugar desigual e privado da casa, a condição de submissão à ordem de desumanização e excludente do modelo produtivo, que articulada à ordem patriarcal instaurada na nossa sociedade produz a marginalidade (in)visibilizada de determinados grupos – neste caso – tratamos dos corpus femininos.

Está condição na realidade particular das pescadoras/marisqueiras no contexto da cadeia produtiva da pesca artesanal, e em especial no quadro de público alvo das políticas públicas no campo da Educação Ambiental nos processos de Gestão, instaura-se como foco da pesquisa intitulada “A práxis em Educação Ambiental no processo de formação de mulheres agentes de transformação socioambiental: um estudo de caso no contexto do Projeto PEA FOCO[7], condicionante do licenciamento ambiental da atividade de extração de petróleo e gás na Bacia de Campos, municípios São Francisco e São João da Barra/RJ”.

Dentre as motivações, compreende-se que o processo formativo com as mulheres, constitui-se como premissa para visibilidade deste público tanto enquanto profissional da cadeia produtiva, quanto como sujeito estratégico para que o Licenciamento Ambiental opere como instrumento capaz de estabelecer condições, restrições e medidas de controle ambiental sob as atividades de extração de petróleo e gás.

Neste sentido, credita-se na ação educativa significativa contribuição para efetiva atuação do Estado nos processos de desigualdade socioambiental resultantes do potencial poluidor e da degradação ambiental decorrentes da extração dos recursos naturais. Para realização da pesquisa está previsto um movimento investigativo que se fundamenta na perspectiva do materialismo histórico e dialético, que articulado a pesquisa participante tem como problemática central “quais as contribuições da Educação Ambiental Critica e transformadora, no processo de formação de mulheres agentes de transformação socioambiental, inseridas no contexto de licenciamento ambiental da atividade de extração de petróleo e gás”.

Assim, salientamos que o recorte reflexivo deste trabalho situa-se como análise parcial de um processo investigativo mais amplo, e, tem como objetivo revisitar a prática de inserção no contexto de pesquisa, estabelecendo um movimento reflexivo sobre o aporte teórico e o potencial da pesquisa qualitativa e participante como eixos centrais para construção de coerência epistemológica entre os corpus femininos que constituem os sujeitos desta ação investigativa.

 

Contornos da pesquisa: historicidades e elementos conceituais

Para iniciarmos o diálogo reflexivo é importante delimitarmos algumas questões chaves para o entendimento deste movimento reflexivo. Desta forma, iniciamos pelo esforço reflexivo entorno do Licenciamento Ambiental, que se define por ser uma política pública de gestão ambiental que promove o controle social, garantindo que a sociedade participe do regramento e licenciamento da atividade. Proporciona espaço de formação da consciência, por ser instrumento de educação e formação de sujeitos. Efetiva a mitigação e compensação de impactos negativos junto às comunidades e a sociedade. Promove entre suas ações de mitigação a visibilidade de grupos sociais “invisíveis” no contexto da política pública do Estado Brasileiro.

Assim, o Licenciamento como instrumento de política pública na concessão do petróleo permite a extração do patrimônio natural e impacta as comunidades que se relacionam diretamente com os recursos naturais disponíveis. Esta política desenvolve-se no centro da abertura política, onde os movimentos sociais organizados reivindicaram direitos e participação nas tomadas de decisão política, processo que resulta na articulação dos direitos fundamentais outorgados pela Constituição Federal de 1988, e na construção dos espaços de controle social.

Este movimento situou o sentido do processo educativo entre os sujeitos envolvidos. Nos anos 80 a atuação junto as pastorais, a pressão política, e a relação entre a luta pelos direitos e os dogmas da igreja, mobilizavam lideranças, famílias e intelectuais no esforço de combater os efeitos das desigualdades sociais. Neste movimento consolida-se o método da educação popular em diferentes frentes de trabalho no contexto comunitário.

A herança acumulada deste método educativo, nos ajuda a compreender que quando a comunidade participa é possível, avançar em formação de sujeitos capazes de intervir na sua realidade, e ainda garantir a execução de política pública com efetiva intervenção nas necessidades da comunidade. Neste sentido, Loureiro nos provoca a pensar sobre a educação ambiental situada na proposta popular, emancipatória e transformadora, que segundo o autor,

 

[...] parte da compreensão de que o quadro de crise em que vivemos não permite soluções [...] ou alternativas moralistas que descolam o comportamental do histórico-cultural e do modo de como a sociedade está estruturada. O cenário no qual nos movemos, de coisificação de tudo e de todos, de banalização da vida, de individualismo exacerbado e de dicotomização do humano como ser deslocado da natureza, e em tese, antagônico a projetos ambientalistas que visam à justiça social, ao equilíbrio ecossistêmico e a dissociabilidade entre humanidade-natureza. (Loureiro, 2012, p. 104)

 

Partindo desta compreensão, observamos que no campo das questões socioambientais, a partir dos anos 90, com a formação de Ong’s internacionais, o governo vai modificando as estratégias de ação, buscando dar respostas a pressão internacional para que o Brasil assumisse responsabilidade frente as demandas oriundas da realidade promovida pela desigualdade socioambiental. No final dos anos 90, o país se dedica a identificar as riquezas naturais, evidência o petróleo e passa a mudar sua estrutura para viabilizar e monitorar o processo de exploração do petróleo. Neste cenário, amplia-se os cargos públicos, amplia-se a atuação do Ministério Público e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA). Dentro do IBAMA, monta-se equipes interdisciplinares que se dedicam no trabalho com as comunidades e desenvolve uma instrução sobre como desenvolver a Educação Ambiental, resultando nas Notas técnicas 01/2010; e, 02/2012, do IBAMA.

Segundo Quintas (2004), a construção das diretrizes regulamentam a Educação que ocorre no Processo de Gestão Ambiental, para o autor,

 

[...] não está se falando de uma nova Educação Ambiental. Está se falando sim, em uma outra concepção de educação que toma o espaço da gestão ambiental como elemento estruturante na organização do processo de ensino-aprendizagem, construído com os sujeitos nele envolvidos, para que haja de fato controle social sobre decisões, que via de regra, afetam o destino de muitos, senão de todos, destas e de futuras gerações. Neste sentido, esta proposta é substancialmente diferente da chamada Educação Ambiental convencional cujo elemento estruturante da sua prática pedagógica é o funcionamento dos sistemas ecológicos (Layrargues, 2002). A proposta praticada pelo IBAMA referencia-se em outra vertente, a da Educação Ambiental Crítica que, segundo Layrargues (2002:189) “é um processo educativo eminentemente político, que visa ao desenvolvimento nos educandos de uma consciência crítica acerca das instituições, atores e fatores sociais geradores de riscos e respectivos conflitos sócio ambientais”. (Quintas, 2004, p.115;116).

 

Neste cenário, ao tratarmos dos projetos de Educação Ambiental no contexto do Licenciamento, estamos nos referindo a uma política pública, financiada por recursos privados e fiscalizada aos ditames do órgão ambiental responsável, conforme já observamos anteriormente.

Assim, podemos creditar ao procedimento metodológico princípios da Educação Popular com premissa mediadora da ação de formação dos sujeitos. Processo, que segundo Layrargues (2012, p.11), está submetido a duas funções: a clássica função de socialização humana com a natureza, e também a pouco compreendida função ideológica de reprodução das condições sociais.

Neste sentido, ao adentrarmos na metodológica do Projeto PEA FOCO, é possível observar a articulação e a atenção da equipe quanto aos processos de diálogo junto às mulheres, pois como afirma o setor pedagógico do Projeto, compreende-se que não cabe a equipe identificar e registrar os problemas no local. É preciso, contribuir para que as pessoas possam identificar os problemas e coletivamente consigam construir estratégias para resolução dos mesmos.

Para tanto, as questões estruturais vivenciadas pelas mulheres - público alvo da ação educativa - foram se apresentando como demandas necessárias para que o processo educativo acontecesse, bem como continue acontecendo com os sujeitos que sofrem diretamente o impacto ambiental resultante da atividade de extração do petróleo.

Assim, é importante salientar a compreensão de que os sujeitos da ação educativa são as pessoas, neste caso - as mulheres - que estão em maior condição de vulnerabilidade social, promovida pela desigualdade no processo de distribuição de ônus e bônus no uso dos recursos naturais, no caso da exploração de petróleo (Quintas, 2006). Desta forma, salientamos que a intencionalidade da ação educativa passa pela efetiva compreensão do contexto socioeconômico, e do posicionamento comprometido com a transformação da realidade onde os sujeitos da ação educativa estão inseridos.

 

Movimentos da prática investigativa

Dentre os ditames da investigação acadêmica, acreditamos no potencial das práticas que se articulam com a dinâmica e as raízes educativas que se apresentam no campo da pesquisa. Neste processo, a demarcação dos quefazeres no contexto da Educação Ambiental no processo de Gestão Pública e em especial no projeto onde se situam os sujeitos desta pesquisa de doutoramento, nos auxilia na construção da estrutura teórica entorno das diretrizes metodológicas a serem utilizadas nos procedimentos da pesquisa.

Para tanto, situamos esta coerência epistemológica na pesquisa qualitativa e participativa, por esta melhor alicerçar-se no enfoque do Materialismo Histórico Dialético. Enfoque investigativo voltado para produção do conhecimento que tem como objetivo principal contribuir para transformação da realidade estudada (TRIVIÑOS, 1987, p. 125). Constituem-se em categorias centrais desse método o movimento contínuo da história, a historicidade, a totalidade e a busca das contradições.

Amparadas por essa forma de compreender a constituição do ser social, a perspectiva metodológica impressa neste trabalho proporciona a construção de um processo que se desenvolve num esforço de desvelar a complexidade das contradições que se estabelecem no ambiente de estudo. Partindo da compreensão de que o ambiente de estudo materializa um movimento histórico, por onde é possível perceber o “entrelaçamento das relações entre a infra e superestrutura da realidade, de forma que, dialeticamente, estas se relacionam e se influenciam, transformando-se mutuamente.” (TRIVIÑOS, 1987, p.128).

Na prática objetiva, as aproximações realizadas no campo de pesquisa se efetivaram através da visita no campo; escuta ativa; observações e intervenções nas dinâmicas de coletividade; e na revisão bibliográfica voltada a compreensão dos povos tradicionais, feminismo, e o papel do intelectual orgânico neste contexto.

A sistematização e análise deste processo nos oportunizou a construção de novos horizontes investigativos, construído com base na materialidade vivida pelas mulheres, categorias identitárias do coletivo que articulam as particularidades presentes entre território e conflito; coletivo e feminino; trabalho, solidariedade e criatividade, destas observamos que,

  • A produção de identidade esta articulada à cultura e ao território no contexto das comunidades tradicionais – onde o conflito situa-se como eixo gerador de novas aprendizagens e novos desafios para os sujeitos organizados;
  • A visibilidade das mulheres no trabalho da Educação Ambiental na gestão ambiental está diretamente relacionada aos processos de reconstrução do feminino como instrumento de encontro e fortalecimento da identidade coletiva;
  • No campo observamos a presença de inter-relações entre trabalho, criatividade e solidariedade, materializadas em processos de beneficiamento e comercialização do pescado; produção de artesanato e alimento; e, estratégias de sobrevivência construídas entre a complexidade histórica, social e econômica;

 

Considerações finais

Diante do exposto, observamos que a proposição do materialismo histórico dialético e da pesquisa qualitativa e participante constituíram-se como método coerente com a proposição formativa desenvolvida na perspectiva da Educação Ambiental Transformadora, favorecendo o diálogo e a coleta de dados a partir da inserção no campo e do exercício de organização das vivências no contexto do território e do Projeto.

Ao que se refere às formas criativas de trabalho solidário, destacamos que estás aparecem como estratégias produzidas pelas mulheres que são sujeitos da ação educativa como manutenção da/na luta, e ainda como “alimento” entre os corpus possíveis no contexto do Projeto de Educação Ambiental no licenciamento. Por fim, salientamos a coletividade e o feminismo como ingredientes necessários a efetividade da aprendizagem significativa na proposição educativa e investigativa, junto deste grupo societário.

 

Referências

BARDAN, L. Análise de conteúdo. 70ed. Lisboa: 2004.

LAYRARGUES, Philippe P. Para onde vai a educação ambiental? O cenário político-ideológico da educação ambiental brasileira e os desafios de uma agenda política crítica contra-hegemônica. In: Revista Contemporânea de Educação N º 14 – agosto/dezembro de 2012.

Loureiro, Carlos Frederico B. Trajetórias e fundamentos da educação ambiental. 4ed. São Paulo: Cortez, 2012.

LUDKE, M. e, ANDRÉ, M. E. D. A. A pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo:EPU, 1986

QUINTAS, José Silva. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. In.: Identidades da Educação Ambiental Brasileira. LAYRARGUES, Phillippe (coord.). Brasília: Ministério do Meio Ambiente: Brasília/ Diretoria de Educação Ambiental. 2004. p. 113 -140.

QUINTAS, José Silva. Introdução a Gestão Ambiental Pública. 2ª ed. Revista. Brasília: IBAMA. 2006.

TRIVIÑOS, A. N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Editora Atlas, 1987.

 


 

[1] Este artigo apresenta uma versão do trabalho apresentado no Evento SENACORPUS, realizado na Universidade Federal do Rio Grande, no ano de 2018.

[2] Universidade Federal do Rio Grande, thaisfurg@yahoo.com.br;

[3] Universidade Federal do Rio Grande, clararosapereira@yahoo.com.br;

[4] Universidade Federal do Rio Grande, luciaanello@hotmail.com;

[5] Universidade Federal do Rio Grande, a-psouza@hotmail.com;

[6] Professora e Assessora Pedagógico 5ª Coordenadoria Regional de Educação – RS. E-mail: michelesilveiraazevedo@gmail.com;

[7] Projeto de Educação Ambiental Fortalecimento da Organização Comunitária: mulheres na cadeia produtiva da pesca (PEA - FOCO). “A realização do PEA – FOCO é uma medida de mitigação exigida pelo licenciamento ambiental federal, conduzido pelo IBAMA”.

 

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