21/10/2014

Apontamentos Sobre o Processo de Identização Docente

Patric Paludett Flores [1]

Hugo Norberto Krug [2]

 

RESUMO

Este estudo teve como objetivo abordar o processo de construção da identização docente utilizando-se como suporte teórico, diversos autores, entre eles: Dubar, Hall, Melucci, Moita, Nóvoa, Pimenta, Silva, Winch e outros. O estudo caracterizou-se como uma revisão de literatura. Inicialmente, partimos de alguns questionamentos, tais como; como nos construímos enquanto docentes? O que faz parte dessa construção do ‘ser professor’? Na sequência abordamos o processo de construção da identização docente entendida como sinônimo de identidade docente, identidade profissional e construção do ‘ser professor’. Após o trato da temático com autores anteriormente citados podemos compreender que o processo de identização docente pode ser entendido como forma de construção da docência, do fazer-se docente através das relações sociais que o sujeito estabelece com a universidade, escola, com os colegas, com os professores, com as ações de formação e principalmente consigo mesmo. Dessa forma, compreender como se desenvolve o processo de identização docente é fundamental para as instituições formadoras e consequentemente para o desenvolvimento profissional.

Palavras-chave: Formação de Professores. Identidade Profissional. Ser Professor.

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS DO ESTUDO: INTRODUZINDO A TEMÁTICA

A temática deste estudo surgiu na tentativa de responder alguns questionamentos, os quais vêem à cabeça de uma boa quantidade de futuros professores, professores novatos e até mesmo antigos professores, tais como: como nos construímos enquanto docentes? O que faz parte dessa construção do ‘ser professor’? Vale dizer que essas inquietações também mexem conosco e nos deixam curiosos em tentar achar uma possível resposta.

Neste sentido, consideramos importante citar Silva (2007) que coloca que as pessoas aprendem a ser docentes, assim como aprendem a ler, a amar, a comer, aprendizagens que se concretizam através das experiências que passam em sua vida, através das condições de possibilidade. Para essa autora, não ‘se nasce’ com o dom ou vocação para ser docente, mas sim o sujeito docente é constituído a partir de um contexto de relações sociais e de determinados processos de identização. E, é tentando compreender a construção desse docente, que nos motivamos a realizar este estudo.

Assim, este manuscrito, caracterizado como um ensaio teve como objetivo abordar o processo de construção da identização docente1 utilizando-se como suporte teórico, diversos autores, entre eles: Dubar, Hall, Melucci, Moita, Nóvoa, Pimenta, Silva, Winch e outros.

O conceito de identização apoia-se nas ideias de Melucci (2004, p.48) “para expressar o caráter processual, autorreflexivo e construído da definição de nós mesmos”. Para o autor a palavra identidade pode ser inadequada para dar conta das mudanças, dos “processos conscientes de individuação”, os quais são vividos “mais como ação do que como situação” (MELUCCI, 2004, p.47-48). Dessa maneira, conforme Silva (2007) o processo de identização docente pode ser entendido como forma de construção da docência, do fazer-se docente através das relações sociais que o sujeito estabelece com a universidade, escola, com os colegas, com os professores, com as ações formativas1 e consigo mesmo.

Considerando que somente definir o conceito de identização docente é insuficiente para entendermos o todo o processo foi que a seguir procuramos aprofundar a explicação do mesmo.

 

DESENVOLVENDO A TEMÁTICA DO ESTUDO: MAS, AFINAL, O QUE É PROCESSO DE IDENTIZAÇÃO DOCENTE?

Ao buscarmos definir o que realmente entendemos por construir-se professor, sentir-se docente, ou seja, constituir uma identização profissional, primeiramente, se deve entender alguns conceitos que julgamos importantes para que se possa chegar a uma determinada compreensão. Dessa forma, partimos de uma caracterização do que para nós significa o termo identidade.

Em seus estudos, Hall (1998) destaca que há uma grande dificuldade em caracterizar o termo identidade, como podemos perceber nas palavras do autor: “[...] o próprio conceito com o qual estamos lidando – identidade – é muito complexo, pouco desenvolvido e mal compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente testado” (p.8).

No meio científico, percebe-se a grande dificuldade de definir realmente o que é identidade. Nesse sentido, muitos conceitos vão sendo moldados e seguidos a partir das perspectivas de cada autor. Assim, buscamos destacar e fazer elos entre estes vários conceitos, construindo a nossa maneira de caracterizar a identidade/identização para esse estudo.

No dicionário, identidade quer dizer:

 

[...] qualidade daquilo que é idêntico; [...] conjunto de caracteres próprios de uma pessoa, tais como nome, profissão, sexo, impressões digitais, defeitos físicos, [...] o qual é considerado exclusivo dela e consequentemente considerado quando ela precisa ser reconhecida (MICHAELLIS, 1998, p.1122).

 

Analisando esta definição, podemos interpretar que a identidade é compreendida como um instrumento de reconhecimento, uma maneira de entender como os outros nos percebem. Também podemos dizer que ela pode ser entendida como uma maneira de identificação do sujeito consigo mesmo, fazendo com que ele seja idêntico somente a ele mesmo e, assim, não podendo ser confundido com o outro.

Neste caminho, a identidade pode ser entendida como o sentido de si, uma busca pelo sentido da individualidade do sujeito, o qual necessita também da presença do outro para poder definir os termos e os limites da sua identidade, pois o sujeito não se constrói sozinho (MOLINA; SILVA; SILVEIRA, 2004).

Winch (2009) coloca que as características da identidade estão relacionadas ao seu processo de formação. Para a autora esse processo de formação ocorre de três maneiras: o caráter interativo, o caráter dual e o caráter dinâmico.

O caráter interativo de uma identidade pode ser compreendido pelo fato de estarmos inseridos em um contexto social, o qual influenciamos e somos influenciados devido as interações que realizamos nesse contexto. Dessa forma, um dos condicionantes na formação identitária é o contexto social em que estamos inseridos (WINCH, 2009).

Dubar (2006, p.52) destaca sobre a importância das relações estabelecidas entre os sujeitos para a formação de uma identidade. Para o autor não há identidade sem “alteridade”, ou seja, sem relações entre o si próprio e o outro.

Neste mesmo sentido, Hall (1998) menciona que: “[...] a identidade surge não da plenitude da identidade que já está dentro de nós como indivíduos, mas de uma falta de incerteza que é ‘preenchida’ a partir do nosso exterior, pelas formas através das quais nós imaginamos ser vistos pelos outros” (p.38, grifo do autor).

Desta maneira, podemos entender que a interação do sujeito com o meio que está ao seu redor, também influencia na formação de sua identidade. Winch (2009) menciona que: “[...] a formação identitária ocorre mediante interações que o sujeito estabelece com seu meio, que permitem a ele perceber, sem nenhum grau de certeza, como são vistos pelos outros e juntar a isso a identidade que ele tem dele mesmo” (p.35). Para a mesma autora, estas interações corroboram para a formação de uma identidade mais plena.

Neste sentido, o que podemos perceber desta interação social é que a identidade sempre apresenta uma dupla face. Dubar (2006) coloca que existe a identidade para si, reivindicada pelo próprio sujeito e marcada por uma irredutível temporalidade; e uma identidade para os outros, atribuídas pelos outros, no interior de um espaço social e num dado contexto histórico.

Sendo assim, esta dupla face de uma identidade constitui seu caráter dual, isto é, a partir desta dualidade (identidade para si e identidade para o outro) que se forma uma identidade (WINCH, 2009). Podemos entender, segundo Dubar (2006), que identidade para si é o componente biográfico, pois se forma mediante as trajetórias dos indivíduos e pelas experiências de vida que lhes estão associadas. Para o mesmo autor, a identidade para o outro é como um componente relacional, remetendo às relações sociais do indivíduo com seu meio, as quais são marcadas pelas características de seu grupo de pertença (tribo, grupo étnico, nação, classe social, entre outros).

Em relação a esta dualidade que permeia a formação da identidade, concordando com Winch (2009), acreditamos que ela se estende às diversas identidades que um sujeito pode desenvolver, incluindo a identização profissional, “já que todas são construídas e reconstruídas a partir de interações sociais em que o sujeito participa” (p.39).

Relativamente à articulação entre o componente biográfico e o componente relacional, podemos destacar o caráter dinâmico de uma identidade.

 

O caráter dinâmico de uma identidade se dá devido à ocorrência de processos internos de negociação identitária, gerados pela dualidade que permeia a construção identitária [...]. Seu caráter dinâmico também resulta de processos de socialização vivenciados pelo sujeito ao longo de sua existência. Vale ressaltar que uma pessoa está constantemente submetida a processos internos de negociação identitária mediante articulação entre componente biográfico e componente relacional; entretanto, em relação aos processos de socialização, eles não ocorrem de forma contínua; mas sim, em determinados momentos específicos da vida do sujeito (WINCH, 2009, p.41).

 

Nesta mesma direção, Hall (1998) menciona que a identidade se forma ao longo do tempo através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Para o mesmo autor, a identidade permanece incompleta, isto é, sempre em formação.

Silva (2007) traduz identidade como um processo autorreflexivo da constituição de nós mesmos, construído ao longo da vida. A autora destaca como características desse processo o dinamismo, o inacabamento, a incompletude e a mudança. Nesse sentido, podemos entender que a identidade é construída a partir de uma determinada cultura e principalmente pela história do sujeito, o qual faz parte de um contexto de relações sociais.

No entanto, considerando Hall (1998), os sujeitos pós-modernos são caracterizados por serem fragmentados, por não possuírem uma identidade fixa, permanente ou essencial, pois se encontram em uma sociedade em constante mudança, e esse sujeito possui várias identidades, sendo elas “abertas, contraditórias, inacabadas, fragmentadas” (p.35). Dentro dessa diversidade de identidades que o sujeito pode apresentar, algumas delas são: a pessoal; a profissional; a cultural; a política.

Neste mesmo caminho, Dubar (2006) também coloca que as identidades pessoais tornaram-se plurais, onde cada um pode ser identificado e identificar-se de uma forma múltipla; a partir de sua aparência física, da sua linguagem, da sua maneira de vestir, das suas atividades, do seu nome, etc. Dessa forma, a identidade pessoal pode ser entendida como um sistema de múltiplas identidades, onde encontra sua riqueza na organização dinâmica dessa diversidade (MOITA, 1992).

Para Melucci (2004), o conceito de identidade pode ser substituído pelo de identização, visto que identização tem por objetivo compreender o processo de construção da identidade do sujeito, com a meta de exprimir o caráter processual (processo contínuo de construção individual e coletiva por meio de passagens sucessivas, identificações que se renovam e se transformam), o caráter autorreflexivo e o caráter construído pela definição de nós mesmos.

Melucci (2004) destaca que: “[...] o eu não está mais solidamente fixado em uma identificação estável: joga, oscila e se multiplica” (p.15). O autor tenta se aproximar deste ‘eu múltiplo’ colocando que: “[...] é necessário modificar o ponto de vista, assumindo um olhar capaz de perceber relações e aprender com a experiência” (MELUCCI, 2004, p.16). Nesse sentido, podemos perceber que a identização demarca a constituição do sujeito como um processo construído e de autorreflexão, além de que, a identidade de um eu múltiplo torna-se identização.

Desta maneira, achamos pertinente utilizarmos o conceito de identização, já que acreditamos que ele seja o mais apropriado para destacarmos as experiências vivenciadas pelo sujeito, sua constituição e redefinição contínua de si, levando sempre em consideração as relações produzidas nos processos interativos que o sujeito estabelece no seu contexto social.

Como podemos perceber até este momento, esta identização que o sujeito constitui ao longo da vida, esta criação de múltiplas identidades, vai se tornando necessária devido ao contexto que o sujeito encontra-se. Moita (1992) ao citar Tap, destaca que o ‘eu’ tem para o homem do nosso tempo muitas relações para limites imprecisos, onde é constituído de identidades diversas, cada uma relacionada a um aspecto, um território ou uma possessão da pessoa.

Lipianski citado por Moita (1992), diferencia identidade social de identidade pessoal. A identidade social destaca a apreensão objetiva e designa o conjunto de características pertinentes definindo um sujeito e permitindo identificá-lo do ‘exterior’. Já a identidade pessoal remete para a percepção subjetiva que um sujeito tem da sua individualidade, inclui noções como consciência de si e definição de si.

Contudo, mesmo diferenciando as identidades, o mesmo autor coloca que as duas faces do fenômeno identitário não podem ser dissociadas. A identidade pessoal constitui também a apropriação subjetiva da identidade social, isso é, a consciência que um sujeito tem de si mesmo é necessariamente marcada pelas categorias próprias e pela sua situação em relação aos outros. De certo modo, as múltiplas dimensões da identidade social serão mais ou menos investidas e carregadas de sentido segundo a personalidade do sujeito (LIPIANSKI apud MOITA, 1992).

Sendo assim, conforme Moita (1992), no interior da problemática da identidade situa-se a questão da identidade profissional, ou seja, na construção deste ‘eu múltiplo’, também encontra-se a constituição do processo de identização profissional.

Dubar (1997) coloca que a identidade social começou a ser relacionada ao emprego e à formação profissional no final da década de 1960, quando a formação surge como uma condição para se ter um emprego. Nesse sentido, a ligação emprego-formação passa a fazer parte do processo de identização. O autor também menciona outras identidades que também influenciam nesse processo, tais como: identidade sexual, identidade étnica, identidade de classe social, entre outras.

No entanto, além de ser influenciado por outras identidades, o processo de identização profissional sofre alterações quando o sujeito se depara com o mercado de trabalho, onde se torna o “desafio identitário mais importante dos indivíduos” (DUBAR, 1997, p.113). Essa dinâmica do sujeito com o trabalho não se restringe à “escolha do ofício” ou à “obtenção de diplomas”, trata-se “da construção pessoal de uma estratégia identitária que põe em jogo a imagem do eu, a apreciação de suas capacidades, a realização dos seus desejos” (DUBAR, 1997, p.114).

 

É a partir do modo como o sujeito “enfrenta” esse momento, que os outros identificam suas competências, estatuto e possível carreira e ele constrói para si seu projeto, suas aspirações e sua identidade “profissional” de base, vista não apenas como identidade no trabalho, mas como uma projeção de si no futuro, resultante do enfrentamento de incertezas, de instabilidade no emprego que permeia o mercado de trabalho (WINCH, 2009, p.47).

 

Deste modo, Dubar (1997) coloca que para realizar a construção de uma identidade profissional, os sujeitos devem entrar em relação de trabalho, participar de atividades coletivas de organizações, intervirem de uma forma ou de outra no jogo de atores.

Moita (1992) destaca alguns fatores que condicionam a formação de uma identização profissional, os quais devem ser considerados: “função social da profissão”; “cultura do grupo de pertença profissional” e “contexto sócio político em que se desenrola [em que o professor exerce a profissão]” (p.116).

Sendo assim, concordando com Winch (2009), acreditamos que a maneira como construímos a nossa identização profissional, passa pela maneira como vemos nós mesmos a partir da nossa própria interpretação do que as outras instâncias da vida social (família, escola, mercado de trabalho, universidade, colegas, etc.) percebem de nós, bem como, pela maneira como os outros nos veem, nos reconhecessem, ou seja, se desenvolve a partir das percepções realizadas em momentos e espaços bem determinados, isto é, mediante imagens, saberes e competências que apresentamos em momentos específicos de nosso agir.

Para Molina Neto (1998) os humanos em seu coletivo desenvolvem especificidades que lhes caracterizam, ou seja, constróem identidades. Para esse autor, ao estudar a realidade escolar e a cultura docente, identifica uma diversidade de identidades, visto que, a cultura docente trata do trabalho, da formação e do desenvolvimento do professor. Dessa forma, ao falarmos sobre a identização docente, achamos importante também trazer a questão da formação de identidades coletivas.

Winch (2009) coloca que: “[...] parte que um indivíduo carrega consigo como constituinte de sua identidade profissional surge por influência da identidade coletiva do grupo profissional ao qual está inserido” (p.48). A autora também destaca que dependendo das interações desenvolvidas no âmbito do grupo, a influência dessa identidade coletiva pode ser maior ou menor na construção da identização profissional de cada sujeito.

Ao compreendermos como se constitui nossa identização profissional, percebemos o quanto esse processo é singular, pois cada sujeito tem sua maneira e seu tempo de ir se construindo, pois esse processo está sempre em formação, e dependendo do contexto onde o sujeito encontra-se ele vai moldando o seu ‘ser profissional’. Nesse sentido, achamos pertinente voltar olhares para uma profissão específica, a do professor. Dessa maneira, faz-se necessário entendermos como se configura o processo de identização profissional docente.

Moita (1992), ao mencionar Deroeut, coloca que a identidade profissional dos professores é uma ‘montagem compósita’. É uma construção que tem uma dimensão espaço-temporal, onde atravessa a vida profissional desde a fase de opção pela profissão até a aposentadoria, passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenrola. É construída sobre saberes científicos e pedagógicos como sobre referências de ordem ética e ontológica. É uma construção que tem a marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades, quer ao nível das representações quer ao nível do trabalho concreto.

O processo de construção de uma identização profissional própria não é estranho à função social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional, à cultura do grupo profissional e ao contexto sócio-político em que se desenrola (MOITA, 1992). Para a autora esse processo vai sendo desenhado não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas também com o contributo das interações que se vão estabelecendo entre o universo profissional e os outros universos socioculturais.

Pimenta (1997) diz que a profissão de professor, como as demais, emerge em dado contexto e momentos históricos, como resposta as necessidades que estão postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade. Assim, algumas profissões deixaram de existir e outras surgiram nos tempos atuais. Outras adquirem tal poder legal que se cristalizam a ponto de permanecerem com práticas altamente formalizadas e significado burocrático. Outras não chegam a desaparecer, mas se transformam adquirindo novas características para responderem as novas demandas da sociedade. Este é o caso da profissão de professor. Essas considerações apontam para o caráter dinâmico da profissão docente como prática social. É na leitura crítica da profissão diante de realidades sociais que se buscam os referenciais para modificá-la.

No caso da educação escolar, Pimenta (2000) destaca que no mundo contemporâneo há um crescimento quantitativo dos sistemas de ensino, e esse não tem correspondido com um resultado formativo (qualitativo) adequado às exigências da população envolvida, nem às exigências das demandas sociais. O que coloca a importância de definir nova identidade profissional do professor. Que professor se faz necessário para as necessidades formativas em uma escola que colabore para os processos emancipatórios da população? Que opere o ensino no sentido de incorporar as crianças e os jovens no processo civilizatório com seus avanços e seus problemas?

Uma identização profissional docente se constrói, a partir da significação social da profissão, da revisão de tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas, práticas estas que resistem a inovações porque são prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Também do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, é que acontece a construção de novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ‘ser professor’. Assim, como a partir de sua rede de relações com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e em outros agrupamentos (PIMENTA, 2000).

Para Nóvoa (1992) o processo identitário da docência se traduz na maneira de ‘ser professor’. Sendo assim, o que o docente faz, como faz, por que faz, o que pensa, o que fala, como atua, faz parte da identidade docente, assim, “a realidade é uma construção e a identidade é sempre um processo” (p.55).

 

O processo identitário passa também pela capacidade de exercermos com autonomia a nossa atividade, pelo sentimento de que controlamos nosso trabalho. A maneira como cada um de nós ensina está diretamente dependente daquilo que somos como pessoa quando exercemos o ensino. Será que a educação do educador não se deve fazer mais pelo conhecimento de si próprio do que pelo conhecimento da disciplina que ensina (NÓVOA, 1992, p.55)?

 

Neste sentido, podemos destacar em relação à constituição da identização profissional docente, que “a identidade não é um dado adquirido, uma propriedade, não é um produto”, o que podemos perceber é que ela é um “lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e estar na profissão” (NÓVOA, 1992, p.16).

Ainda, para Nóvoa (1992), existem os três AAA que sustentam o processo identitário dos professores: A de Adesão, A de Ação e A de Autoconsciência. Adesão porque ser professor implica sempre adesão a princípios e a valores, a adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos jovens. Ação na escolha das melhores maneiras de agir, se jogam decisões do foro profissional e do foro pessoal, pois, o sucesso ou o insucesso de certas experiências ‘marcam’ a nossa postura pedagógica, fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar na sala de aula. Autoconsciência porque tudo se decide no processo de reflexão que o professor leva a cabo sobre a sua própria ação, de modo que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente dependentes deste pensamento reflexivo.

Completando esta ideia, destacamos Garcia; Hypólito e Vieira (2005, p.54), os quais colocam que:

 

A identidade profissional dos docentes é assim entendida como uma construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si, resultando numa série de representações que os docentes fazem de si mesmos e de suas funções, estabelecendo, consciente ou inconscientemente, negociações das quais certamente fazem parte de suas histórias de vida, suas condições concretas de trabalho, o imaginário recorrente acerca dessa profissão – certamente arcado pela gênese e desenvolvimento histórico da função docente – e, os discursos que circulam no mundo social e cultural acerca dos docentes e da escola.

 

Nesta direção, Benites (2007) menciona que a presença de uma identidade própria para a docência traduz em uma responsabilidade do professor para com seu papel social, emergindo daí a autonomia e o comprometimento com aquilo que faz. Contudo, para a autora é importante salientar que o professor não adquire esses quesitos de um dia para o outro. Sendo assim, os fatores que podem auxiliar para a construção dessa identização é: a formação escolar; a formação inicial; as experiências adquiridas, os processos de formação continuada, as influências sociais, entre outros. O que podemos perceber é que esse processo está fortemente ligado à cultura que se apresenta na sociedade.

Assim, podemos compreender que ser profissional da educação é um movimento dialético do ir se construindo enquanto trajetória individual e coletiva, na qual se inserem as condições psicológicas e culturais dos professores. E é nela também que os condicionantes dos sistemas educativos e das organizações escolares incidem em suas ações e posturas. Ou seja, o ‘ser professor’ é algo permanentemente inacabado, pois ele vai se construindo gradativamente, é um processo que sofre influências tanto do âmbito pessoal como profissional (FLORES et al., 2012).

Desta forma, podemos compreender que o processo de identização docente pode ser entendido como forma de construção da docência, do fazer-se docente através das relações sociais que o sujeito estabelece com a universidade, escola, com os colegas, com os professores, com as ações de formação e principalmente consigo mesmo (SILVA, 2007).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS DO ESTUDO: CONCLUINDO SOBRE A TEMÁTICA

Eis que chegamos às considerações finais deste estudo. Como todo e qualquer pesquisador, temos que finalizar o trabalho, tentar dar um formato final, contudo, sabemos que não é algo tão simples e fácil, já que acreditamos que escrever é uma tarefa árdua e, como coloca Silva (2007), dar fim ao escrito não é tão simples, pois isso não é completamente possível, visto que as coisas não terminam, e sim, renovam-se.

Neste caminho, ressaltamos que as explicações sobre o processo de identização docente não se findam por aqui, pois muitos outros aspectos podem ser levantados e discutidos em relação a este tema.  Dessa forma, o que destacamos são alguns dos pontos que achamos significativos para serem apresentados nesse ensaio. Lüdke e André (1986) salientam que há a necessidade de delimitar os focos de análise, pois “nunca será possível explorar todos os ângulos do fenômeno num tempo razoavelmente limitado” (p.22).

Pimenta e Lima (2004) salientam que os estudos e pesquisas sobre identidade docente têm recebido à atenção e o interesse de muitos educadores na busca da compreensão das posturas assumidas pelos professores. As autoras também destacam que discutir a profissão e a profissionalização docente requer que se trate da construção de sua identidade.

Dessa forma, compreender como se desenvolve o processo de identização docente é fundamental para as instituições formadoras e consequentemente para o desenvolvimento profissional.

Dentro deste entendimento sobre a temática abordada é importante mencionar Guimarães (2004) que diz que os cursos de formação inicial podem ter importante papel na construção ou fortalecimento da identização docente, na medida em que possibilitam a reflexão e a análise crítica de diversas representações sociais historicamente construídas e praticadas na profissão. Salienta que é no confronto com as representações e as demandas sociais que a identização construída durante o processo de formação é reconhecida, para o qual são necessários os conhecimentos, os saberes, as habilidades, as posturas e o compromisso profissional.

Esperamos que este ensaio tenha respondido os questionamentos levantados no início do manuscrito, bem como, que provoque novas inquietações, pois acreditamos que o mesmo pode trazer um novo olhar para o processo de identização docente.

 

Notas:

[1] Para este estudo, a expressão identização docente pode ser entendida como sinônimo de identidade docente, identidade profissional e construção do ‘ser professor’.

2 Traduzimos a expressão espaços formativos como todas as ações que um curso (englobando tudo que faz parte desse) oferece durante a formação inicial que trazem um contributo para a formação profissional dos seus acadêmicos.

 

REFERÊNCIAS

BENITES, L.C. Identidade do professor de Educação Física: um estudo sobre saberes docentes e prática pedagógica, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências da Motricidade) – Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007.

 

BORGES, C.M.F. O professor de Educação Física e a construção do saber. Campinas: Papirus, 1998.

 

DUBAR, C. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. Porto: Edições Afrontamento, 2006.

 

DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Tradução de Annette Pierrette Botelho e Estela Pinto Ribeiro Lamas. Porto: Porto Editora, 1997.

 

FLORES, P.P. et al. Refletindo sobre o ensino superior: a proposta de Docência Orientada na percepção dos acadêmicos da Licenciatura em Educação Física. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA, II.; SEMINÁRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM FORMAÇÃO PROFISSIONAL NO CAMPO DA EDUCAÇÃO FÍSICA, VI., 2012, Florianópolis. Anais, Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2012. p.1-20.

 

GARCIA, M.M.A.; HYPOLITO; A.M.; VIEIRA, J.S. As identidades docentes como fabricação da docência. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n.1, jan./mar., 2005.

 

GUIMARÃES, V.S. Formação de professores: saberes, identidade e profissão. Campinas: Papirus, 2004.

 

HALL, S. A questão da identidade cultural. Tradução de Andréia Borghi Moreira Jacinto e Simone Miziara Frangella. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1998.

 

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M.E.D.A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

 

MELUCCI, A. O jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.

 

MICHAELIS. Moderno dicionário da Língua Portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 1998.

 

MOITA, M.C. Percursos de formação e de transformação. In: NÓVOA, A. (Org.). Vida de professores. Porto: Porto Editora, 1992. p.111-140.

 

MOLINA, R.M.K.; SILVA, L.O.; SILVEIRA, F.V. Celebração e transgressão: a representação de esporte na adolescência. Revista Brasileira de Educação Física, São Paulo, v.18, n.2, p.125-136, abr./jun., 2004.

 

MOLINA NETO, V. A cultura docente do professorado de Educação Física das escolas públicas de Porto Alegre. Revista Movimento, Porto Alegre, v.4, n.7, p.34-42, 1997.

 

MOLINA NETO, V. Cultura docente: uma aproximação conceitual para entender o que fazem os professores nas escolas. Revista Perfil, Porto Alegre, n.2, p.66-74, 1998.

 

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA. A. (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Publicações Don Quixote, 1992. p.15-34.

 

PIMENTA, S.G. A Didática como mediação na construção da identidade do professor - uma experiência de ensino e pesquisa na licenciatura. In: ANDRÉ, M.E.D.A. e outros. Alternativas do ensino de Didática. Campinas: Papirus, 1997. p.37-69.

 

PIMENTA, S.G. Formação de professores: identidade e saberes da docência. In: PIMENTA, S.G. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000. p.15-34.

 

PIMENTA, S.G.; LIMA, M.S.L. Estágio e Docência. São Paulo: Cortez, 2004.

 

SILVA, L.O. Um estudo de caso com mulheres professoras sobre o processo de identização docente em Educação Física na rede municipal de ensino de Porto Alegre, 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências do Movimento Humano) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

 

WINCH, P.G. Formação da identidade profissional de orientadores de estágio curricular pré-profissional: marcas de um possível coletivo, 2009. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2009.

 

 

[1] Patric Paludett Flores – Doutorando em Educação Física na Universidade Estadual de Maringá. E-mail: patricflores_12@hotmail.com

[2] Hugo Norberto Krug - Doutor em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: hnkrug@bol.com.br

 

 

 

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×