04/03/2020

APONTAMENTOS SOBRE A FASE DE ENTRADA NA CARREIRA DOCENTE EM EDUCAÇÃO FÍSICA: O SURGIMENTO DO ENTUSIASMO PROFISSIONAL

APONTAMENTOS SOBRE A FASE DE ENTRADA NA CARREIRA DOCENTE EM EDUCAÇÃO FÍSICA: O SURGIMENTO DO ENTUSIASMO PROFISSIONAL

 

Hugo Norberto Krug[1]

RESUMO

Este estudo objetivou abordar a fase de entrada na carreira docente de professores de Educação Física (EF) na Educação Básica (EB), dando ênfase ao estágio de descoberta que é representado pelo entusiasmo inicial do ser professor e suas repercussões na carreira docente. Caracterizamos o estudo como uma pesquisa qualitativa com enfoque bibliográfico, tendo como interpretação das informações coletadas à análise documental. Pela análise das informações obtidas na literatura especializada em EF, onde a base de dados foi o indexador Google Acadêmico, concluímos que, na passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira docente é indispensável à presença do entusiasmo profissional e, para tal, os professores de EF iniciantes na EB precisam: ‘decidir enfrentar a complexidade da prática docente’; ‘aprender a refletir sobre a prática pedagógica’; ‘buscar apoio dos colegas ao se reconhecer em dificuldade’; e, ‘aprender a refletir colaborativamente com os colegas’. E, o resultado disso, é o ‘surgimento do entusiasmo profissional’ e ‘a confirmação do ser professor’. Mas, cuidado que sem as atitudes acima citadas, será muito difícil a passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de entusiasmo na fase de entrada na carreira. Entretanto, possuir estas atitudes projeta-se um bom desenvolvimento profissional docente.  

Palavras-chave: Educação Física. Início da Docência. Entusiasmo Profissional.

 

1- AS CONSIDERAÇÕES INICIAIS: abordando o início da docência de professores de Educação Física na Educação Básica

Segundo Gabardo e Hobold (2011 apud SODRÉ; SILVA; SANTOS, 2017, p.1), “[o]s primeiros anos de inserção na docência são primordiais e árduos porque possuem peculiaridades próprias, influenciam em aspectos referentes à carreira do professor e no processo de constituição de sua profissionalidade docente”.

Neste contexto, Príncepe e André (2018, p.4), destacam que, “[o] início na carreira docente ou fase de indução é [...] entendido como o período que marca a entrada no campo profissional (a escola), após a conclusão de formação inicial [...]” (inserção nossa).

Estas autoras ainda ressaltam que,

 

[a] entrada na carreira é uma fase do processo de desenvolvimento profissional, que comporta tanto a experiência acumulada enquanto aluno durante a passagem pela [E]ducação [B]ásica, quanto a formação específica para ser professor, e também, a formação continuada. É uma fase extremamente complexa, desafiador e difícil, na qual o docente deve, além de aprender a ensinar, vivenciar um rol de aprendizagens relacionadas a adaptação às regras do sistema de ensino e das escolas; a organização do trabalho pedagógico; a gestão da disciplina; a motivação dos alunos; o atendimento aos pais; entre outros (PRÍNCEPE; ANDRÉ, 2018, p.4).

 

Neste sentido, Huberman (1995) afirma que, a fase de entrada na carreira, compreende os três primeiros anos de exercício e é caracterizada por dois estágios: 1) o estágio de sobrevivência, que traduz o ‘choque do real’, ou seja, de um período em que o professor se depara com a situação real de trabalho, com toda a sua complexidade e desafios e passa a perceber a distância entre o idealizado enquanto estudante no curso de formação inicial e a realidade da atividade que deverá realizar na escola e na sala de aula; e, 2) o estágio de descoberta, que traduz o ‘entusiasmo inicial’, a experimentação, a exaltação por estar, finalmente, em situação de responsabilidade (ter a sua sala de aula, os seus alunos, o seu programa, por se sentir colega num determinado corpo profissional).

Diante deste cenário, emergiu o tema ‘o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira docente: o entusiasmo profissional’, que, segundo Sodré; Silva e Santos (2017, p.3), “[...] a partir das descobertas (de ser professor) é possível superar as dificuldades encontradas em seu caminho [...]” (inserção nossa).

No entanto, frente ao contexto docente em geral, concentramos nossa atenção no professor de Educação Física (EF) iniciante na Educação Básica (EB) porque, em alguns estudos (KRUG; KRUG; KRUG, 2019; KRUG et al., 2018a; KRUG et al., 2018b), é apontada a existência da marginalização da EF Escolar e, problematizar o início da carreira destes profissionais é uma importante dimensão a ser estudada para tratar da melhoria da qualidade do ensino da EF na EB.

Assim, embasando-nos nestas premissas descritas anteriormente, formulamos a seguinte questão problemática, norteadora do estudo: quais são as características do estágio de descoberta na fase de entrada na carreira docente de professores de EF na EB?

Então, a partir desta indagação, delineamos o objetivo geral deste estudo como sendo: abordar a fase de entrada na carreira docente de professores de EF na EB, dando ênfase ao estágio de descoberta que é representado pelo entusiasmo profissional e suas repercussões na carreira docente.

Justificamos a realização deste estudo, com a intenção de que as informações coletadas, poderão possibilitar uma reflexão sobre o início da docência de professores de EF na EB, buscando, assim, uma melhor compreensão do estágio de descoberta da fase de entrada na carreira docente e as possíveis consequências para o desenvolvimento da carreira docente.

 

2- OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: descrevendo os caminhos percorridos pelo tema em questão

Caracterizamos este estudo como uma pesquisa qualitativa com enfoque bibliográfico. Segundo Minayo (2009, p.21).

 

[a] pesquisa qualitativa responde à questões muito particulares. Ela se ocupa, nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não poderia ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. [...].

 

Então, a partir dos pressupostos da pesquisa qualitativa, realizamos uma pesquisa bibliográfica, que, de acordo com Carvalho (1987, p.110), “é a atividade de localização e consulta de fontes diversas de informações escritas, para coletar dados gerais e específicos a respeito de determinado tema”.

Assim, o tema deste estudo referiu-se a fase de entrada na carreira docente de professores de EF na EB, dando ênfase ao estágio de descoberta que é representado pelo entusiasmo profissional e suas repercussões na carreira docente.

Desta maneira, no primeiro momento da pesquisa, efetuamos um levantamento sobre a literatura que aborda o início da docência de professores de EF na EB. No segundo momento da pesquisa, utilizamos à análise documental, que, conforme Marconi e Lakatos (2010), esta se caracteriza pela fonte de coleta de dados restringida a documentos, escritos ou não. No terceiro momento da pesquisa, desenvolvemos o presente texto, a partir das reflexões sobre as obras encontradas.

Particularmente, a busca na literatura especializada em EF foi realizada na base de dados do indexador Google Acadêmico.

 

3- OS RESULTADOS E AS DISCUSSÕES: explicitando os achados sobre o início da docência de professores de Educação Física na Educação Básica

Os resultados e as discussões deste estudo foram orientados e explicitados tendo como referência o seu objetivo geral.

Assim, a construção do conhecimento deste estudo baseou-se nas interpretações das informações obtidas pela análise documental, as quais possibilitaram uma descrição interpretativa do tema estudado. Entretanto, para facilitar a sua compreensão, o tema foi abordado por itens que consideramos indispensáveis para esta referida compreensão, os quais foram abordados a seguir.

 

3.1- Uma tomada de decisão: a busca pelo enfrentamento da complexidade da prática docente

Segundo Krug; Krug e Ilha (2013), a alternativa para ultrapassar o estágio de sobrevivência e ir para o estágio de entusiasmo profissional do início da carreira docente é o enfrentamento da complexidade da prática, do real, que é representado pelas dificuldades/problemas/desafios/dilemas da prática docente, situações estas, onde o professor iniciante tem que optar sobre o que fazer. Assim, para estes autores, este enfrentamento da complexidade da prática impulsiona o processo de construção do ‘ser professor’.

De acordo com Krug e Krug (2012, p.6), “[...] ninguém nasce professor, mas sim se constitui como tal a partir das interações que estabelece em seu meio social [...]”.

Neste sentido, Guarniere (2005, p.5) afirma que, “é no exercício da profissão que se consolida o processo de tornar-se professor, ou seja, no aprendizado da profissão, a partir de seu exercício, possibilitando configurar como vai sendo constituído o processo de aprender a ensinar”.

Entretanto, Krug; Krug e Ilha (2013) destacam que, nem todos os professores de EF iniciantes na EB decidem enfrentar as dificuldades/problemas/desafios/dilemas da prática docente acontecendo um processo de acomodação profissional. Dessa forma, fica prejudicado o processo de aprender a ser professor.

Assim sendo, a partir destas premissas descritas anteriormente, podemos inferir que, a saída do estágio de sobrevivência para ir para o estágio de descoberta (entusiasmo) se dá pela busca do enfrentamento da complexidade da prática, do real, o que impulsiona o processo de construção do ser professor.

 

3.2- Aprender a refletir sobre as suas práticas pedagógicas para enfrentar as dificuldades/problemas/desafios/dilemas

De acordo com Krug; Krug e Ilha (2013, p.325), “[...] para enfrentar, resolver ou amenizar os dilemas (dificuldades/problemas/desafios) da prática pedagógica, os professores devem refletir sobre as suas ações” (inserção nossa). Nesse mesmo direcionamento de pensamento, Lourencetti e Silva (1996) destacam que, o professor é um gestor de dilemas (dificuldades/problemas/desafios) e apontam para a importância do professor encarar seus dilemas tendo como base a indagação e a reflexão para poder repensar o seu saber, buscando a mudança no seu fazer.

Neste sentido, Krug (2006a, p.73) ressalta a existência de professores de EF iniciantes na EB que “[...] não costumam refletir sobre as suas práticas” e, esta “[...] ausência e/ou dificuldade de reflexão aliada às deficiências da formação inicial [...]” despertam “[...] um processo de acomodação na profissão desde o início da carreira”. E, a acomodação leva ao absenteísmo e/ou ao abandono da profissão pelo professor.

Entretanto, segundo Krug (1996), é na aula que estão os problemas (dificuldades/dilemas/desafios) e, igualmente, as respostas e as soluções que atingem o cerne do processo educativo e é por isso que o professor precisa ser um pesquisador e a sua aula a fonte geradora de novas pesquisas educacionais, baseadas na articulação entre a prática e a reflexão sobre a prática.

Desta forma, mencionamos Xavier (1996, p.96) que afirma que, “[o] professor, ao refletir sobre sua prática, ao identificar e diagnosticar problemas surgidos, ao planejar intencionalmente a possibilidade de intervir em determinada situação, utilizando metodologias apropriadas, desenvolve sua profissionalidade e competência epistemológica”.

Já, Krug e Canfield (2001, p.81-82) destacam que,

 

[...] não se chega a um bom resultado na melhoria da qualidade do ensino da Educação Física com os professores numa posição de comodismo, de individualismo e de ressentimento pela falta de soluções dos problemas da profissão ou da prática pedagógica. Chega-se sim, a esta melhoria, passando pela discussão e reflexão da nossa ação pedagógica e também da nossa profissão. [...].

 

Entretanto, mesmo diante destas positividades da reflexão sobre a prática, Flores et al. (2010, p.4) alertam que, alguns professores de EF iniciantes na carreira docente “[...] não costumam refletir sobre as suas práticas”, o que dificulta a passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira.

Assim sendo, a partir destas premissas descritas anteriormente, podemos inferir que, aprender a refletir sobre as suas práticas pedagógicas é um recurso estratégico que permite aos professores iniciantes, além de amenizar e/ou solucionar as suas dificuldades/problemas/desafios/dilemas da docência também a melhoria de seu ensino despertando assim, o entusiasmo profissional.

 

3.3- Se reconhecer em dificuldade: a busca de apoio dos colegas

Conforme Huberman (1995), o estágio de sobrevivência e o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira docente são vividos conjuntamente, sendo que, o estágio de descoberta contribui para o professor suportar o estágio de sobrevivência e seguir na carreira.

Neste contexto, para Ilha e Krug (2016, p.187),

 

[n]o tocante deste ‘suportar’ é que se pode sinalizar um importante aspecto que não tem sido valorizado pelas políticas educacionais, ou seja, o professor iniciante dificilmente contará com algum tipo de apoio, neste sentido, no ingresso de sua carreira. Inclusive, em algumas situações, a própria escola e os colegas de trabalho não oferecem suporte pedagógico ao docente em início de carreira.

 

Desta forma, os próprios professores iniciantes têm que se responsabilizar individualmente por esse processo de sobrevivência (LIMA, 2004 apud ILHA; KRUG, 2016).

No entanto, Álvarez (2016, p.12) destaca que,

 

[a]o abandonar os docentes que ingressam no sistema escolar à sua própria sorte ou mesmo lhes reservar as condições mais duras justamente quando menos recurso têm para sair exitoso, estamos nos condenando a todos a fracassar esperanças e descartar prematuramente vias inovadoras e emancipadoras a quem não foi concedida uma oportunidade.

 

Segundo Krug (2006a, p.76), quando os professores “[...] ‘se reconhece[m] em dificuldade’ procura[m] aproveitar algumas situações em suas escolas, tais como reuniões, para se ‘aproximarem dos colegas’ para a partir obterem subsídios para o enfrentamento mais adequado da realidade da Educação Física”.

Segundo vários autores (KRUG, 2006a; BERNARDI et al., 2009; FLORES et al., 2010; KRUG; KRUG; ILHA, 2013) uma das alternativas para sobreviver ao choque com a realidade escolar no estágio de sobrevivência no início da carreira é o apoio dos colegas.

Neste sentido, citamos Stroot (1996 apud FLORES et al., 2010) que coloca que, no início da carreira, o professor busca apoio nos colegas mais experientes, no intuito de ter ajuda na adaptação à escola.

Assim sendo, a partir destas premissas descritas anteriormente, podemos inferir que, a busca de apoio dos colegas é uma forma dos professores iniciantes reconhecerem-se em dificuldades em sua docência e este recurso ajuda na ultrapassagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta, podendo proporcionar entusiasmo profissional.

 

3.4- Aprender a refletir colaborativamente com os colegas

 De acordo com Blasius et al. (2013 apud FRASSON; MEDEIROS; CONCEIÇÃO, 2016, p.55),

 

[q]uando os professores de Educação Física em início de carreira encontram algumas dificuldades, necessitam d[o]s momentos de troca para compreender o contexto escolar e percebem a importância da reflexão sobre o seu fazer docente, pois o professor se torna autônomo à medida que é capaz de refletir e elaborar uma crítica do que, de como e por que está fazendo.

 

Neste contexto, Moraes (1996 apud KRUG, 2019, p.9) salienta que,

 

[...] o professor sozinho não pode avançar significativamente, pois quanto mais o professor avança na sua profissão, mais necessita interagir com seus colegas, mais percebe o diálogo com os outros professores como uma forma de melhoria profissional. Ressalta que, o professor somente é capaz de avançar de forma significativa se sua progressão estiver associada ao esforço de progressão de um grupo como um todo e, ainda mais, a sociedade da qual ele é parte.

 

Além disso, Krug (2006b, p.93) afirma que, os professores de EF que conseguem efetivar uma reflexão colaborativa são capazes de transformar as suas práticas pedagógicas e, consequentemente, abandonar o isolamento profissional, tão característico nas escolas, em “prol de uma prática colaborativa”.

Dessa maneira, podemos inferir que, aprender a refletir colaborativamente com os colegas é uma das formas de enfrentar as dificuldades/problemas/desafios/dilemas da docência e de transformar, para melhor, as práticas pedagógicas e assim, despertar o entusiasmo profissional, servindo para ajudar na ultrapassagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta da fase de entrada na carreira.

 

3.5- O surgimento de sentimentos positivos: o entusiasmo profissional

O início da carreira docente provoca um “turbilhão de sentimentos” (SOUZA, 2009 apud CONCEIÇÃO; MOLINA NETO, 2016, p.35) e, nesse contexto, “há combustível para que o professor possa se reafirmar na profissão” (CONCEIÇÃO; MOLINA NETO, 2016, p.35) (grifo nosso).

Neste sentido, Cruz e Neto (2012) colocam que, o professor iniciante, diante de uma diversidade de caminhos e suas consequências, via de regra, apresenta-se motivado e entusiasmado quando da efetivação de sua profissionalidade, que consiste na relação que os sujeitos estabelecem, em suas práticas, com as demandas sociais internas e externas à escola, expressando-se em modos próprios de ser e atuar como docente. Já, Farias; Shigunov e Nascimento (2012, p.161) ressaltam que, “[...] os melhores momentos (da carreira) estão situados no início da atividade docente” (acréscimo nosso). Ainda, segundo Farias; Shigunov e Nascimento (2012, p.161), “[i]sto revela o entusiasmo inicial descrito por Huberman (1995) como o momento em que o professor sente-se contemplado com a atividade profissional, revelando contentamento significativo ao desenvolver suas atividades profissionais”.

Neste contexto, Ilha e Krug (2016, p.186) esclarecem que,

 

[n]o que se refere ao estágio de descoberta, este se caracteriza pela exploração das possibilidades, na medida em que o professor vai percebendo que existem no desenvolvimento de seu trabalho. Há entusiasmo, experimentação e exaltação em torno de diferentes formas de agir, de pensar, que podem vir a melhorar a sua prática.

 

Neste cenário, convém destacarmos que, o sentimento de satisfação parece ser o principal sentimento que alimenta o entusiasmo profissional, pois ele expressa a ação ou efeito de satisfazer (LUFT, 2000) e, essa situação está em consonância com Silva e Krug (2004) que afirmam que, o exercício da docência comporta sentimentos de satisfação profissional.

A respeito de professores de EF iniciantes na EB, Krug et al. (2019) dizem que, na fase de entrada na carreira, os fatores indicativos de satisfação profissional são os seguintes: 1) a boa relação com os alunos*; 2) a aprendizagem dos alunos*; 3) o reconhecimento pelo seu trabalho profissional**; e, 4) o convívio na escola**.

Dessa maneira, podemos inferir que, tanto os fatores ligados aos alunos da EB*, quanto os ligados aos próprios professores, ou seja, a si mesmos** são aqueles que originam a satisfação profissional nos professores de EF iniciantes na EB e que origina o entusiasmo profissional, assim como ajuda na passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira.

 

3.6 - A possível tomada de decisão: a confirmação do ser professor

De acordo com Krug (2006a), o entusiasmo profissional sentido pelos professores de EF iniciantes na EB é um propulsor da decisão de confirmação pela carreira docente, isto é, ser professor. As explicações desta decisão, “[...] estão ligadas às experiências positivas e prazerosas que passam os professores iniciantes durante a sua docência na escola [...]” (BERNARDI et al., 2009). Assim, podemos inferir que, as experiências pelas quais os professores iniciantes passam durante a sua atuação docente são fundamentais para que abracem ou não este campo de trabalho, sendo o entusiasmo profissional o principal motivo para a decisão de continuarem a serem professores. Entretanto, convém lembrar que, as experiências negativas e desprazerosas na docência contribuem para a decisão de abandonar a profissão professor. O abandono da profissão é um fato comum no início da docência.

 

4- AS CONSIDERAÇÕES FINAIS: concluindo sobre o início da docência de professores de Educação Física da Educação Básica

Pela análise das informações obtidas na literatura especializada em EF, sobre o tema em questão, constatamos que, na passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira docente é indispensável à presença do entusiasmo profissional e, para tal, segundo Krug (2006a), os professores de EF iniciantes na EB precisam: ‘decidir enfrentar a complexidade da prática docente’; ‘aprender a refletir sobre a prática pedagógica’; ‘buscar apoio dos colegas ao se reconhecer em dificuldade’; e, ‘aprender a refletir colaborativamente com os colegas’. E, o resultado disso, de acordo com Flores et al. (2010), é o ‘surgimento do entusiasmo profissional’ e ‘a confirmação do ser professor’. Mas, cuidado que sem as atitudes acima citadas, será muito difícil a passagem do estágio de sobrevivência para o estágio de entusiasmo na fase de entrada na carreira (KRUG, 2006a). Entretanto, possuir estas atitudes projeta-se um bom desenvolvimento profissional docente.   

A partir destas constatações, concluímos que, o início da docência em EF na EB, em seu estágio de descoberta, se caracteriza “[...] pela exploração das possibilidades, na medida em que o professor vai percebendo as existentes no desenvolvimento do seu trabalho. Há entusiasmo, experimentação e exaltação em torno de diferentes formas de agir, de pensar, que podem vir a melhorar a sua prática, o seu trabalho” (ILHA; KRUG, 2016, p.186).

Entretanto, lembramos que, alguns autores afirmam que, as fases da carreira docente não são lineares, como é o caso de Huberman (1992), que diz que, o estágio de sobrevivência e o estágio de descoberta na fase de entrada na carreira são vividos conjuntamente, sendo que o estágio de descoberta contribui para o professor suportar o estágio de sobrevivência e seguir na carreira. Aí, nesse contexto, para Ilha e Krug (2016, p.187),

 

[n]o tocante deste “suportar” é que se pode sinalizar um importante aspecto que não tem sido valorizado pelas políticas educacionais, ou seja, o professor iniciante dificilmente contará com algum tipo de apoio, neste sentido, no ingresso de sua carreira. Inclusive, em algumas situações, a própria escola e os colegas de trabalho não oferecem suporte pedagógico ao docente em início de carreira.

 

Assim sendo, os próprios professores iniciantes têm que se responsabilizar individualmente por esse processo de sobrevivência (LIMA, 2004 apud ILHA; KRUG, 2016).

Para finalizar, destacamos que, é preciso considerar que, este estudo fundamentou-se nas especificidades e nos contextos de alguns manuscritos, pertencentes à base de dados do indexador Google Acadêmico sobre o tema em questão e, que, por isso, o tema não está esgotado, portanto, não podendo ser generalizado os seus achados, sendo somente encarados como uma possibilidade de acontecimento.

 

REFERÊNCIAS

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[1] Doutor em Educação (UNICAMP/UFSM); Doutor em Ciência do Movimento Humano (UFSM); Professor Aposentado do Departamento de Metodologia do Ensino do Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM); hnkrug@bol.com.br.

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