ANALISE DO DOCUMENTARIO TRIUNFO DA VONTADE DE RIEFENSTAHL E DO FASCISMO NA ALEMANHÃ
AUTORES CLEVERTON LOPES DE OLIVEIRA E FERNANDA CENEVIVA
O objetivo deste texto é ilustrar o fascismo na Alemanha, suas causas e o motivo do apoio popular. Para melhor definirmos o que vem a ser o Fascismo, serão apresentadas suas principais características, assim como seu desenvolvimento na Alemanha, levando em consideração seu contexto histórico, auxiliado pela leitura histórica do documentário-militar “O Triunfo da Vontade” (Alemanha – Leni Rienfesthal – 1936), produto desse período.
Fascismo na Alemanha
A palavra “Fascismo”, usada inicialmente por Benito Mussolini – primeiro ditador fascista – remete à simbologia romana de poder e união. Podem-se ilustrar assim os princípios básicos do Fascismo. O contexto da Alemanha abraçada por essa ideologia era o de uma nação envergonhada e humilhada pela derrota na Primeira Grande Guerra, além da crise econômica mundial. A nação alemã desejava se unir através do poder. No meio da crise, entre os inúmeros grupos políticos desorganizados na Alemanha, surge o Partido Nacional-Socialista com o discurso Fascista, de forte caráter demagogo e populista, que criava um inimigo em comum. Nas palavras de Paxton (2007, pg. 336), o fascismo:
consiste num composto, um amálgama poderoso dos ingredientes distintos, mas combináveis, do conservadorismo, do nacional-socialismo e da direita radical, unidos por inimigos em comum e pela mesma paixão pela regeneração, energização e purificação da Nação, qualquer que seja o preço a ser pago em termos das instituições livres e do estado de direito.
O Fascismo tem que ser entendido como um fenômeno de movimentação e manipulação das massas por meio da “coerção e do medo”, numa espécie “anestesiamento coletivo” (LENHARO, 1994, pg. 8 e 9) e que o mesmo “não perseguia um tipo de objetivo racional” - no caso Alemão ou até mesmo para o Italiano. Parte da razão do fascismo se aplicar a tantas diferentes perspectivas sociais e políticas é o fato de ser notoriamente difícil de definir. Ainda assim, existem alguns princípios básicos que podem identificar um movimento fascista: poder absoluto do Estado; a sobrevivência do mais forte; a ordem social e uma liderança autoritária. O Estado Fascista é uma entidade gloriosa e mais importante que qualquer indivíduo. Todos os indivíduos devem deixar de lado suas próprias necessidades e submeter-se às necessidades do Estado. Não há nenhuma lei ou outro poder que possa limitar a autoridade do Estado.
O Estado fascista é tão poderoso como é sua capacidade de empreender guerras e ganhá-las. A paz é vista como fraqueza, agressão como força. Força é a garantia de sobrevivência do Estado.
Classes sociais são apenas mantidas para evitar manifestações populares ou qualquer indício de caos; e a manutenção do poder do Estado requer um líder carismático, único e com autoridade absoluta. Este líder todo-poderoso mantém a unidade e a submissão inquestionável do Estado fascista. O líder autoritário é muitas vezes visto como um símbolo do Estado.
Afora os princípios acima citados, um Estado fascista também normalmente promove uma economia privada que se submete ao regulamento do governo; submete imediata – e muitas vezes violentamente – qualquer oposição; prega a dominação étnica de seu próprio povo e a inferioridade dos estrangeiros.
Em ambos os casos - da Itália fascista e da Alemanha nazista - a Guerra Mundial tinha criado altas taxas de desemprego e uma população insatisfeita. O Fascismo cresceu na Itália tão rapidamente como o nazismo na Alemanha, fruto de ansiedades nacionalistas e, no caso da Alemanha, com o racismo. Um aspecto que difere o fascismo do nazismo foi a extrema aversão exibida pelos nazistas contra os judeus. Em qualquer caso, a condição dos governos da época fez deles alvos fáceis de serem tomados, permitindo, portanto, o poder de um partido emergente que consistia em grupos violentos da então “raça superior”.
Para compreender as principais características do regime Fascista na Alemanha e seu desenvolvimento, deve-se entender seu contexto histórico. Período este muito conturbado, pois a Alemanha saía de um grande conflito militar arrasada e humilhada, sofrendo consequências como podem ser verificadas pelas cláusulas do Tratado de Versalhes de 28 de junho de 1919: segundo os artigos 45 e 48, a Alemanha é obrigada a ceder os territórios do Serre à França. Nos artigos 65, 81, 87 e 100: aceitar a administração francesa nos portos de Kehl e Estrasburgo; reconhecer a completa independência do Estado da Tcheco-Eslováquia; a independência e a renuncia de territórios a Polônia e o controle da Cidade de Dantzig. Ainda dentro das clausulas do Tratado, a nação alemã tem de sofrer a redução de seu território nacional; ver seu exército reduzido a um contingente de 100 mil soldados e, consequentemente, a desmilitarização de suas fronteiras. Outro fator de peso foi ter de efetuar o pagamento de pesadíssimos tributos de guerra. Tendo de deparar-se também com uma crise econômica que vem causar um aumento na taxa de desemprego e a desvalorização de sua moeda.
Além de todas essas desventuras que também irão refletir no Governo, a Alemanha do período da República de Weimer tem que lidar com uma diversidade de facções políticas, tanto radicais quanto moderadas, que em sua maioria não consegue formar uma política de coalizão.
A democracia parlamentar - sob a forma de República de Weimer - já estava fracassando na Alemanha. Tudo isso implica numa transição suave de Hitler ao poder. A República de Weimer não tinha nenhuma figura excepcional na liderança, mas, no entanto, Paul von Hindenburg foi eleito Presidente. A República foi atormentada por problemas, incluindo a questão da inflação que estava causando repercussões sociais.
E neste cenário que se desenvolve o partido Nazista, buscando ser a solução para os males da sociedade, tendo como ferramenta a propaganda para o convencimento, e tropas paramilitares para coesão dos adversários. Com essas duas formas de política, o Partido Nazista consegue sobressair aos demais partidos. Em seu texto, Lenharo aponta (1994, pg. 26): “Sua organização e sua propaganda, assinala Hannah Arendt, são mais fortes que a inexpressividade de seus oponentes”.
O partido tinha um discurso que poderia atingir todas as camadas e os mais diferentes seguimentos da população, como argumenta o trecho abaixo:
Ao mesmo tempo que estreitavam seu vínculos com setores da burguesia, os nazistas prometiam melhores salários para os trabalhadores, participação nos lucros das empresas, nacionalização dos trustes, reforma agrária, anulação das dívidas dos camponeses, melhores preços para seus produtos agrícolas, defesa dos artesãos e comerciantes. (LENHARO, 1994, pg. 27)
Ocasionando num crescimento eleitoral nazista significativo, são estes uma convergência de forças nacionalistas e conservadoras (LENHARO, 1994, pg. 27). O Partido Nazista desenvolve-se embasado num discurso quase messiânico. São escolhidos em detrimento aos Comunistas, sendo uma saída, um escape aceito e apoiado desde as camadas mais abastadas da população até os industriais capitalistas. Sendo assim, o Partido Nacional-Socialista foi o único capaz de unificar as facções de direita e isolar os partidos socialistas.
Os nazistas usaram a força bruta e atos implacáveis para conseguir o controle total sobre a Alemanha. Embora a violência estivesse em ascensão, o nazismo começou a tomar forma e se tornar mais atraente para as massas durante comícios do partido que abraçaram um nacionalismo mais religioso e um respeito mútuo para com Adolf Hitler. O ideal era que os meios de comunicação espalhassem a ideologia Nazista por toda a Alemanha, através dos cinemas, apresentando cinejornais, ficção de guerra, filmes históricos e documentários militares. Deste último, sobressai-se em 1936 a obra prima do Nazismo: O Triunfo da Vontade.
O triunfo da emoção sobre a razão.
O documentário "O Triunfo da Vontade" foi encomendado pelo Ministério da Propaganda alemão e dirigido por Leni Riefenstahl, diretora almejada pelo próprio Hitler. O filme aborda a convenção do Partido Nazista em Nuremberg em 1934. Com excelentes técnicas de filmagens, o documentário ilustra como o partido queria ser visto, numa Alemanha sorridente, exaltando o líder Adolf Hitler. Já no congresso, são mostrados trechos de discursos dos deputados de Hitler, que enfatizam a doutrina Nazista e louvam seu Fürer. Em seu primeiro discurso, o deputado Rudolf Hess diz a Hitler: “Tu és a Alemanha. Tu ages, o povo age. Tu julgas, o povo julga”.
Meses antes de o congresso acontecer, a equipe de filmagem foi até Nuremberg estudar o local e fazer os preparativos para as filmagens. Deste fato, Wagner Pereira questiona:
Planejado para se tornar o “autorretrato” definitivo do regime nazista e do seu líder, O Triunfo da Vontade foi uma das poucas intervenções diretas de Hitler na área; o Führer escolheu novamente a cineasta Leni Riefenstahl para realizar a filmagem e solicitou-lhe algo “artístico” para “documentar” o Congresso do Partido Nazista em Nuremberg, realizado em 1934. Esse documentário mítico e mistificador foi em grande parte “encenado”, pois as cenas de espetáculos de massa ocorreram de forma previamente organizada para a realização da imagem cinematográfica¹. Nesse filme, a propaganda revelou-se aplicada com tanta perfeição à realidade que, segundo Erwin Leiser², torna-se difícil distinguir onde termina a realidade e começa a encenação. Não é mais possível perceber se a câmera filmou uma parada militar real ou se tudo foi apenas encenado para ela: teria o congresso criado o filme ou foi o filme que criou o congresso? (PEREIRA, 2003, pg. 112-113)[1]
A intenção inicial era documentar os primeiros dias do NSDAP para que as futuras gerações pudessem olhar para trás e ver como começou o terceiro Reich. Na verdade, Triump des Willens mostra aos historiadores como o Estado Nazista manipulava as massas através da propaganda e também como Adolf Hitler tinha uma capacidade única e assustadora de atrair multidões para suas crenças através do poder de seu discurso.
O filme começa com uma breve narrativa histórica, do sofrimento do final da Primeira Guerra até o renascimento da nação com a subida do Partido Nazista ao poder. Em seguida, Hitler é apresentado como um deus vindo dos céus. Um pequeno avião voa sobre a histórica cidade de Nuremberg, que vincula o espectador ao início da formação da nação alemã. Fora do avião e sem o uniforme Nazista, um sorridente Hitler caminha saudando os cidadãos da Alemanha.
Trabalhadores
Devido ao desemprego causado pela crise financeira, Hitler se vê no dever de criar um programa de obras públicas. Esse serviço passa a ter seu próprio símbolo, que junta a suástica e o trigo e os homens carregam pás em vez de armas. Os trabalhadores mostram a união quando lhes é perguntado de onde vem. Um coral de homens, perfeitamente uníssono, responde de onde vieram e assim o documentário demonstra num macabro jogral a unidade nacional.
Hitler diz aos jovens da Alemanha para esquecer as distinções de classe e pensar em si como seu povo. Ele lhes diz que voltar ao trabalho após a depressão unirá a nação. O trabalho deve unir as pessoas, e não dividi-las.
Juventude
O documentário mostra o acampamento de saudáveis e alegres jovens seguidores do Partido Nazista. A associação da pureza e da higiene é sugerida pelas imagens dos rapazes banhando-se. As atividades dos jovens Nazistas são sinais de unidade e propósito, pois o fantasma da Depressão ainda assombra a Alemanha e muitos jovens estão desempregados. Esta ideia de que Hitler e os Nazistas podem liderar o país para fora da Depressão renova o propósito nacional.
Encerramento
Hitler adentra no recinto pelos fundos, aparentando emergir dentre as pessoas. As legiões de Nazistas marcham carregando estandartes com os nomes de suas cidades. Hitler promete ao povo que o novo Estado criado pelos Nazistas se perpetuará por mil anos e os jovens o levarão após os velhos terem enfraquecido. Hess encerra com a exaltação de Hitler, pronunciando que "Hitler é o partido, Hitler é Alemanha e a Alemanha é Hitler”. O povo começa a entoar canções nazistas. A câmera focaliza a grande Suástica acima de Hitler e o filme termina com a marcha do povo que carrega estes símbolos.
Da técnica: o ângulo certo
As câmeras de Riefenstahl estão sempre se movendo. Há uma sensação de movimento e de que as palavras de Hitler estão sendo levadas a todos. A imagem sobrevoa milhares e enfatiza a caminhada de três solitárias figuras através de um espaço vazio, numa comovente cena desses três líderes do Partido homenageando os mortos em batalhas. O movimento orquestrado e coreografado das massas ao redor do líder é enfatizado. Há também a concretização dos símbolos Nazistas, por onde quer que a câmera aponte A impressão transmitida é de um grupo de seguidores fiéis. Hitler é sempre mostrado de forma majestosa: por ângulos; pela iluminação que ilustra sua “áurea”; pelo sol tocando sua face. Sobre o assunto, Alcir Lenharo (1986, p. 59-60) cita as palavras de Gregor e Patalas:
A câmara apanha, em angulações estáticas e simétricas, as insígnias das tropas formadas em gigantescos blocos. Em tomadas de baixo, ascendendo pelos mastros das bandeiras, sublinha as dimensões colossais do congresso. Travellings ao longo das formações militares acentuam a rigorosa ordem. Só Hitler percorre o longo espaço vazio entre as formações do exército. Elevado acima deles à altura de uma casa, domina o ambiente desde o palanque. Não é mais possível distinguir se a câmera apanhou uma parada militar real ou se tudo foi apenas encenado para ela. O verdadeiro congresso do partido realizou-se somente no cinema: o filme criou o congresso. (Apud Nazário, op. Cit., p. 51)
Em suma, o documentário é a pregação das ideias e valores do Fascismo na Alemanha Nazista. Arquitetado de maneira que chega impressionar e entusiasmar os que assistem, e de certa forma até procura incitar os de fora a tomar parte deste grande movimento – assim como as mais de 1350 longas metragens produzidas ao longo dos 12 anos em que perdurou o regime nazista, sempre na busca de enaltecer o Partido e com o intuito de estimular “a grande maioria da população Alemã a participar da experiência Nazista.” (PEREIRA, 2003, pg. 111). E mesmo a derrota nazista não barra a arte do nacionalismo. “A intenção era vencer pela arte o que havia sido impossível na realidade história” (PEREIRA, 2003, p.116-117).
REFERÊNCIA
Discurso perante o Reichstag em 23 de março de 1933 in HITLER, Adolf. A Jovem Alemanha quer trabalho e paz – Discursos do Chanceler Adolf Hitler, Guia da Nova Alemanha. Berlim: Imprensa e Casa Editora Liebheit & Thiesen, 1933, pp. 15-19
Filme: “OTriunfo da Vontade” (Leni Rienfestahl, 1936. Alem.)
LENHARO, Alcir. “O Triunfo da Vontade”. SP: Ática, 1994.
PAXTON, Robert. O. A Anatomia do Fascismo. RJ: Paz e Terra, 2007, capítulo 8 - “O que é o fascismo?”, pp. 335-361.
PEREIRA, Wagner Pinheiro. “Cinema e propaganda política no fascismo,nazismo, salazarismo e franquismo”. Revista História Questões & Debates, vol 38, n.o, 2003 (disponível em: http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs2/index.php/historia/article/viewArticle/2716, no e-mail do curso e no Xerox).
[1] KRACAUER, S. De Caligari a Hitler: uma história psicológica do cinema alemão. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1988. op. cit., p. 342
² LEISER, E. “Deutschland erwache!” Propaganda im Film des Dritten Reiches. Berlim: Rowohlt, 1968