18/09/2017

Aluna surda passa por primeira banca da USP toda traduzida em língua de sinais

Apaixonada por livros, Natália Francisca Frazão, de 32 anos, tinha como meta estudar na Universidade de São Paulo (USP). Surda desde que nasceu, a jovem viu o sonho se tornar realidade ao encarar uma pós-graduação e receber, no último dia 4 de setembro, o título de mestre em educação pela USP, em Ribeirão Preto (SP). O feito, inédito na universidade, foi registrado em uma banca totalmente traduzida em libras (língua brasileira de sinais).

Formada em administração de empresas por uma faculdade particular da capital paulista, Natália escolheu a área de educação para ajudar na inclusão e acessibilidade de surdos no ambiente acadêmico. “Esse é o meu maior objetivo”, disse a jovem, em conversa que sua mãe, Nilza Neto Frazão, traduziu para a reportagem a partir da linguagem de libras, que pratica com a filha. “Quero ajudar outros surdos a trilhar um caminho de sucesso, de prosperidade e fazer com que eles tenham acesso ao mundo como qualquer outra pessoa”, explica a jovem, reforçando seus planos para o futuro. “Quero ser professora universitária e me preparar para o doutorado. ”

        Nilza teve rubéola durante a gravidez e suspeitou que isso traria consequências para o bebê . Hoje, orgulhosa, lembra as dificuldades enfrentadas pela filha até alcançar esse objetivo: “Você não imagina para mim, como mãe, a vitória que é. Quando ela dizia que queria ser professora, eu falava: ‘Mas como ser professora se você não consegue falar’. Ela continuava: ‘Eu vou ser professora’. E hoje esse objetivo dela está aí, ela conseguiu. Então, aquele momento da banca examinadora foi quando conseguimos realizar esse sonho”.

A descoberta da doença não foi fácil, conta: “Quando Natália tinha seis meses, eu descobri que ela era surda. A surdez dela é profunda e ela não escuta nada. No começo é um desespero até você imaginar aonde vai buscar ajuda e como que você vai alfabetizar”.

Luta – O tempo passou e, mesmo após experiências que preocuparam a mãe, não só na fase da alfabetização, como na passagem pelo ensino médio, Natália chegou até a universidade, ultrapassando dificuldades que iam desde a falta de intérpretes até a busca de recursos que a permitissem interagir e avançar como os demais estudantes. “Ela sempre gostou de estudar, de ler, sempre visou a USP”, relata Nilza. “Ela falava para mim: ‘Eu vou estudar na USP e vou fazer pós-graduação voltada a educação’. ”

Assim, Natália conquistou uma vaga na USP. Lá, buscou o campus de Ribeirão Preto e localizou a professora Ana Cláudia Lodi – fonoaudióloga, ligada aos processos de aprendizagem e linguística, nos quais se inclui o estudo de libras. Desse momento até a fase final da pesquisa, o trabalho entre as duas foi marcado por grande parceria. “A Natália lia bem, me falava em libras, ela discorria sobre conceitos, me contava sobre o que estava acontecendo, o estudo dela, eu passava para o português e voltava pra ela, pra garantir que eu tinha aprendido a ideia, para, então, a gente dar seguimento no texto”, explica a orientadora.

Nesse processo, ainda foi preciso que a instituição regularizasse a contratação de um intérprete para que Natália pudesse assistir às aulas. Ela mesma conta que foi necessário acionar a justiça para ter seu direito garantido. “É importante mostrar que a Natália é a primeira da USP, mas já temos surdos e doutores desde 1998”, atenta Ana Cláudia. “Sempre que tem um surdo na pós-graduação, um surdo na graduação, ele terá um tradutor de libras fazendo exatamente esse papel. Então, eu acho que as federais estão muito mais à frente do que as estaduais paulistas neste sentido. ”

Banca – A avaliação da banca examinadora ao trabalho de Natália foi complexa. Durante mais de quatro horas e com auxílio de duas intérpretes, os sinais da estudante foram traduzidos para que a banca e a plateia entendessem, pois havia no local amigos e convidados da jovem que também eram surdos. Da mesma forma, a fala dos professores era transformada em libras para que Natália pudesse argumentar.

A dissertação do trabalho de Natália aborda as lutas sociais estabelecidas pela Associação de Surdos de São Paulo (ASSP) e contou com entrevistas feitas com fundadores e membros da instituição – todos surdos. O material colhido em campo, em libras, juntamente às referências bibliográficas, foi finalizado em texto escrito.

Para a mãe da jovem, todos esses marcos legais representaram, na prática, a oportunidade para que a filha não desistisse de seguir com seus planos. “Lá trás, quando descobri que ela era surda, a minha preocupação era de ela conseguir aprender a ler”, lembra. “Eu nem imaginava uma faculdade naquele momento, mas ela foi descobrindo o mundo dela. ”

Assessoria de Comunicação Social - MEC (15.09.2017)

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