02/11/2025

ALFABETIZAÇÃO, LETRAMENTO E A PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL: Contribuições para a Prática Pedagógica na Escola Pública.

Ivan Carlos Zampin;

Elza Maria Simões;

Mery Elbe Simões Ramalho;

Dulcinéia Alves Fernandes Fogari;

Maria Neuma Simões da Silva;

Márcia dos Santos.

Resumo

O presente trabalho busca analisar as relações entre alfabetização, letramento e a atuação da Psicopedagogia Institucional no contexto da escola pública, discutindo as interfaces entre teoria e prática e o papel do psicopedagogo na mediação dos processos de aprendizagem. O estudo parte da compreensão de que a alfabetização e o letramento não se limitam à decodificação de signos linguísticos, mas envolvem a inserção cultural e social dos sujeitos em práticas comunicativas significativas. A Psicopedagogia Institucional, por sua vez, surge como um campo interdisciplinar de intervenção e reflexão sobre os processos de ensino-aprendizagem, auxiliando o corpo docente a compreender as dificuldades de aprendizagem e a promover práticas inclusivas. A pesquisa adota abordagem qualitativa, utilizando observações em escolas municipais (EMEFs), entrevistas semiestruturadas com professores e análise documental de planos de ensino e registros pedagógicos. Os resultados evidenciam a relevância da atuação psicopedagógica na prevenção do fracasso escolar, no fortalecimento das práticas alfabetizadoras e no desenvolvimento de metodologias que integrem cognição, emoção e linguagem.

Palavras-chave: Alfabetização; Letramento; Psicopedagogia Institucional; Educação Pública; Aprendizagem.

1. Introdução

A alfabetização e o letramento representam, na história da educação brasileira, desafios permanentes e fundamentais, constituindo-se como eixos estruturantes para a efetivação do direito à aprendizagem e para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática (SOARES, 2017). Ambos estão no cerne do direito à educação e refletem o compromisso da escola com a formação integral e cidadã dos sujeitos, sendo instrumentos essenciais para a participação social, o exercício da cidadania plena e a emancipação intelectual dos indivíduos. No entanto, a persistência do analfabetismo funcional, as desigualdades regionais e as práticas pedagógicas descontextualizadas ainda limitam a eficácia das políticas públicas educacionais e o alcance das aprendizagens significativas, perpetuando um ciclo de exclusão que precisa ser urgentemente rompido (BRASIL, 2018).

Os altos índices de distorção idade-série e os resultados sistematicamente aquém do esperado em avaliações nacionais e internacionais revelam uma lacuna profunda entre o direito formal à educação e a garantia real de que todas as crianças dominem as competências de leitura e escrita necessárias para sua vida pessoal e profissional (INEP, 2019). Este cenário complexo e multifacetado exige uma abordagem que vá além das explicações simplistas que tendem a culpar exclusivamente o aluno, sua família ou seu contexto socioeconômico pelas dificuldades de aprendizagem. É preciso lançar um olhar investigativo sobre a própria instituição escolar, seus métodos, sua cultura e suas práticas pedagógicas (FERNANDÉZ, 1991).

Neste contexto desafiador, a Psicopedagogia Institucional, ao articular de forma interdependente aspectos cognitivos, afetivos e sociais, torna-se uma área estratégica e imprescindível para a análise crítica e a transformação dos processos de ensino e aprendizagem, principalmente no campo da alfabetização (BOSSA, 2007). Seu olhar diagnóstico e interventivo permite compreender os obstáculos que emergem não apenas do aluno, mas também das práticas docentes, da organização curricular e da cultura institucional, identificando os nós críticos que impedem a efetivação de uma alfabetização de qualidade para todos.

A atuação do psicopedagogo institucional, portanto, não se restringe a um caráter remediativo ou clínico dentro da escola. Pelo contrário, seu papel é essencialmente preventivo, formativo e transformador (SCOZ, 2014). Assim, o psicopedagogo atua como mediador e formador, colaborando na construção de estratégias pedagógicas mais coerentes com as necessidades reais dos aprendizes, assessorando os professores no planejamento de sequências didáticas que integrem a aquisição do sistema de escrita às práticas sociais de leitura e escrita, e ajudando a construir um ambiente educacional acolhedor, desafiador e estimulante. Sua intervenção favorece a criação de uma cultura colaborativa na escola, onde a reflexão sobre os processos de ensinar e aprender se torna uma prática coletiva e constante.

Este estudo, portanto, propõe uma reflexão teórico-prática aprofundada sobre a integração sinérgica entre alfabetização, letramento e Psicopedagogia Institucional, buscando identificar caminhos viáveis e eficazes para uma educação pública que promova não apenas o domínio mecânico da leitura e da escrita, mas o desenvolvimento integral do educando, incluindo seu pensamento crítico, sua criatividade e sua autonomia intelectual (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999). A premissa central que orienta esta investigação é a de que a superação dos desafios históricos da alfabetização no Brasil passa, necessariamente, pela incorporação de um olhar psicopedagógico sobre o cotidiano escolar, capaz de decifrar as múltiplas dimensões envolvidas no ato de aprender e de ensinar (WEISS, 2019). Ao situar esta discussão no contexto específico da escola pública, este trabalho almeja contribuir para a construção de referenciais que auxiliem educadores, gestores e formuladores de políticas públicas na tarefa urgente de garantir a todas as crianças o direito fundamental de se apropriarem da linguagem escrita, não como um código a ser decifrado, mas como uma ferramenta de liberdade, expressão e transformação de suas próprias histórias e de sua realidade social (FREIRE, 1989).

2. Referenciais Teóricos

O debate sobre alfabetização e letramento perpassa diversas concepções teóricas e históricas. Segundo Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1999), o processo de construção da escrita é resultado da interação da criança com o sistema linguístico, e não mera memorização. Essa perspectiva construtivista enfatiza o papel ativo do aprendiz, que elabora hipóteses e avança cognitivamente por meio da experimentação e da mediação pedagógica.

Em Vygotsky (1998), por sua vez, ao propor o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), defende que o aprendizado adequadamente mediado estimula funções psicológicas superiores e possibilita avanços que o aluno não realizaria sozinho. A alfabetização, nessa perspectiva, é um processo de internalização de instrumentos culturais mediados pelo outro especialmente o professor.

Segundo, Saviani (2008), ao discutir a Pedagogia Histórico-Crítica, reforça que o ato educativo deve ser intencional e direcionado à apropriação dos conhecimentos historicamente acumulados, superando práticas espontaneístas ou fragmentadas. Já Libâneo (2012) ressalta a importância da didática como ciência mediadora entre teoria e prática, defendendo que o ensino deve ser planejado com base em objetivos formativos, e não apenas instrucionais.

Em comum, Tardif (2002) e Perrenoud (2000) contribuem com a discussão sobre o saber docente, enfatizando que o professor constrói seu conhecimento a partir da prática, da reflexão e da interação com seus pares. Assim, o trabalho psicopedagógico institucional deve se articular à formação continuada dos professores, promovendo espaços de reflexão coletiva. A Psicopedagogia Institucional, conforme Bossa (2000) e Visca (1991), não se restringe ao atendimento clínico do aluno com dificuldades, mas atua dentro da instituição escolar como mediadora entre os diversos agentes do processo educativo, buscando compreender as dinâmicas de ensino-aprendizagem e propor intervenções que promovam o desenvolvimento global do estudante.

3. Metodologia

A presente pesquisa adota abordagem qualitativa e exploratória, fundamentada na pesquisa-ação, segundo Thiollent (2011), por permitir a reflexão crítica e transformadora das práticas pedagógicas no contexto escolar. O campo empírico da investigação abrangeu três EMEFs (Escolas Municipais de Ensino Fundamental) da rede pública do Estado de São Paulo, no período de março a agosto de 2025. Participaram do estudo 15 professores alfabetizadores, 3 coordenadores pedagógicos e 2 psicopedagogas institucionais.

Os instrumentos utilizados foram:

  • Entrevistas semiestruturadas com professores e psicopedagogas, para compreender as concepções de alfabetização, letramento e aprendizagem;
  • Observações em sala de aula, com registro em diário de campo;
  • Análise documental de planejamentos, relatórios pedagógicos e projetos de intervenção.

Os dados foram organizados e interpretados a partir da Análise de Conteúdo (Bardin, 2011), em categorias emergentes relacionadas a questões típicas tais como: práticas alfabetizadoras, mediação psicopedagógica, desafios institucionais e impactos na aprendizagem.

4. Desenvolvimento

O desenvolvimento da presente pesquisa revela que a alfabetização e o letramento, quando compreendidos como processos complexos e multidimensionais, exigem do educador muito mais do que a simples aplicação de métodos ou técnicas. Eles demandam uma leitura sensível da realidade escolar, uma escuta ativa das crianças e um olhar atento para as condições sociais e emocionais que interferem diretamente no aprender. Durante as observações empíricas realizadas nas escolas públicas localizadas em municípios de São Paulo, foi possível constatar que grande parte das dificuldades de alfabetização estava associada à ausência de práticas pedagógicas significativas, à carência de materiais contextualizados e à falta de apoio psicopedagógico sistemático.

Nos registros feitos em diário de campo, foi perceptível que, em muitas turmas de 1º e 2º anos do Ensino Fundamental, os alunos demonstravam pouca motivação e baixo envolvimento nas atividades de leitura e escrita. Essa desmotivação estava frequentemente relacionada à forma tradicional com que os conteúdos eram apresentados, ou seja, cópias extensas, exercícios mecânicos e pouca conexão com o cotidiano. Essa realidade reforça as críticas de Saviani (2008), que denuncia a permanência de práticas pedagógicas reprodutivistas nas escolas públicas, marcadas por um ensino descontextualizado e pouco reflexivo. Para o autor, é necessário um ensino que promova a apropriação consciente do conhecimento historicamente produzido, e não apenas a memorização de símbolos linguísticos.

Foi nesse contexto que a atuação da Psicopedagogia Institucional se mostrou fundamental. As psicopedagogas das escolas observadas desempenharam um papel de mediadoras, não apenas intervindo nas dificuldades específicas de aprendizagem, mas ajudando os docentes a compreenderem as origens dessas dificuldades. Inspiradas em Vygotsky (1998), elas trabalharam com a noção de Zona de Desenvolvimento Proximal, propondo atividades colaborativas que respeitavam o ritmo de cada aluno, mas que também desafiavam suas potencialidades cognitivas. Assim, os alunos puderam avançar com o apoio de pares e professores, num processo de aprendizagem mediada e dialógica.

A psicopedagogia, em sua vertente institucional, não se limita ao atendimento individual de alunos com defasagens, mas se insere como uma estratégia coletiva de reflexão sobre as práticas de ensino. Bossa (2000) destaca que o papel do psicopedagogo é favorecer um ambiente escolar que estimule o prazer de aprender, ajudando os professores a perceberem que as dificuldades cognitivas podem estar ligadas a questões afetivas, emocionais e culturais. Nesse sentido, a escuta e o diálogo se tornaram ferramentas essenciais para repensar o processo de alfabetização.

Durante a pesquisa, constatou-se que a implementação de práticas de letramento nas escolas trouxe resultados positivos. Uma das EMEFs desenvolveu o projeto “Leitura Viva”, voltado à leitura compartilhada de histórias e à produção coletiva de textos curtos, como bilhetes, convites e pequenas narrativas. Essa abordagem, alinhada às concepções de Ferreiro (1999) e Soares (2017), mostrou que o contato frequente com textos reais e socialmente significativos desperta o interesse dos alunos e amplia sua compreensão sobre a função da escrita. Ao mesmo tempo, fortalece sua autoconfiança, pois eles percebem que são capazes de comunicar-se por meio da linguagem escrita.

A atuação psicopedagógica contribuiu também para que os professores revisitassem suas concepções sobre ensino e aprendizagem. Reuniões pedagógicas conduzidas pelas psicopedagogas, inspiradas nas reflexões de Perrenoud (2000) e Tardif (2002), estimularam os docentes a pensarem sobre suas práticas, suas crenças e suas dificuldades profissionais. O diálogo coletivo possibilitou a construção de novas estratégias pedagógicas e a ressignificação do papel do professor como mediador do conhecimento. Essa perspectiva formativa, segundo Libâneo (2012), é essencial para que o educador se torne um sujeito reflexivo, capaz de compreender o processo educativo como prática social intencional e transformadora.

Outro aspecto relevante observado foi a influência do ambiente escolar na aprendizagem. Muitas escolas públicas ainda apresentam salas superlotadas, poucos recursos didáticos e ausência de espaços adequados para o trabalho psicopedagógico. Apesar das dificuldades estruturais, as experiências relatadas mostraram que o compromisso coletivo da equipe escolar pode superar parte dessas limitações. Projetos interdisciplinares, leituras compartilhadas e momentos de mediação afetiva entre professores e alunos criaram um clima de pertencimento e confiança, fundamental para o desenvolvimento das competências leitoras e escritoras.

Os depoimentos das professoras entrevistadas também reforçaram a importância do vínculo afetivo. Para muitas delas, o maior desafio não está apenas em ensinar a ler e escrever, mas em motivar o aluno a acreditar que é capaz de aprender. Essa dimensão emocional da aprendizagem é destacada por Piaget (1971), ao afirmar que o conhecimento se constrói na interação entre ação e afeto, e que o erro deve ser compreendido como parte do processo de construção cognitiva. Assim, as atividades de leitura e escrita passaram a ser tratadas não como obrigação, mas como descoberta, o que transformou significativamente o engajamento dos alunos.

Os resultados da análise documental dos projetos pedagógicos das escolas mostraram que, após a inserção de ações psicopedagógicas e de práticas de letramento contextualizadas, houve um aumento perceptível na participação dos alunos em atividades orais, dramatizações e produções textuais. Esse avanço foi acompanhado de um fortalecimento da relação entre escola e família, uma vez que as psicopedagogas promoveram encontros com os responsáveis para discutir estratégias de apoio à aprendizagem no lar.

Do ponto de vista teórico, é possível afirmar que a convergência entre alfabetização, letramento e Psicopedagogia Institucional cria uma ponte entre as dimensões cognitiva, afetiva e social do aprender. Saviani (2008) chama essa relação de articulação entre o “saber elaborado” e o “saber vivido”, destacando que a escola deve ser o espaço em que o conhecimento científico se torna acessível à experiência cotidiana do aluno. Quando a alfabetização é pensada como prática social e a psicopedagogia atua como mediadora desse processo, o aprendizado ganha sentido e transforma-se em instrumento de emancipação.

Por outro lado, os desafios permanecem grandes. As políticas públicas de alfabetização, embora avancem na retórica da inclusão, ainda carecem de condições concretas de implementação. A presença de psicopedagogos nas escolas públicas ainda é insuficiente, e a formação inicial dos professores muitas vezes não contempla os fundamentos da psicopedagogia e da neurociência da aprendizagem. Essa lacuna reforça a necessidade de formação continuada e de redes de apoio pedagógico que sustentem o trabalho docente no cotidiano.

A integração entre a teoria e a prática foi um dos pontos mais evidentes nos resultados desta pesquisa. As escolas que conseguiram articular o conhecimento teórico da psicopedagogia com a prática alfabetizadora apresentaram maior progresso na aprendizagem dos alunos e maior satisfação entre os professores. Essa constatação dialoga com as ideias de Tardif (2002), para quem o saber docente é um saber prático, construído na experiência, mas sustentado pela reflexão teórica e pela troca entre pares.

Em síntese, o desenvolvimento deste estudo demonstra que a alfabetização e o letramento, quando mediados pela Psicopedagogia Institucional, tornam-se práticas educativas mais significativas, contextualizadas e transformadoras. As experiências vivenciadas nas EMEFs analisadas mostram que a presença de um olhar psicopedagógico favorece não apenas o sucesso escolar, mas também o desenvolvimento integral do aluno, resgatando o prazer de aprender, o valor da linguagem e o papel da escola como espaço de construção do conhecimento e da cidadania.

5. Análise e Discussão

A análise dos resultados obtidos revela que a articulação entre alfabetização, letramento e Psicopedagogia Institucional representa um avanço significativo no enfrentamento das dificuldades de aprendizagem presentes nas escolas públicas. Essa integração permitiu compreender que o processo de aprender a ler e escrever não se limita à decodificação de símbolos, mas envolve dimensões cognitivas, afetivas, sociais e culturais profundamente interligadas. A Psicopedagogia Institucional, ao propor uma leitura ampliada dos fenômenos educativos, ajuda a romper com práticas pedagógicas fragmentadas, convidando a escola a refletir sobre seus próprios modos de ensinar e avaliar.

As práticas observadas nas EMEFs analisadas demonstraram que o trabalho interdisciplinar e o acompanhamento psicopedagógico contínuo produzem mudanças concretas na dinâmica de sala de aula. A introdução de metodologias baseadas no diálogo, na ludicidade e na mediação contribuiu para transformar a relação dos alunos com o conhecimento, conforme apontam as reflexões de Vygotsky (1998) sobre a importância da interação social e da mediação simbólica no desenvolvimento das funções superiores. Essa mediação favoreceu o fortalecimento da autonomia e da autoconfiança dos estudantes, elementos essenciais para o avanço da alfabetização e do letramento.

A presença de psicopedagogos nas escolas também colaborou para o desenvolvimento profissional docente. Como observa Tardif (2002), o professor constrói seu saber na prática, mas essa prática precisa ser constantemente revisitada à luz da teoria e da reflexão coletiva. As reuniões e formações organizadas pelas equipes psicopedagógicas possibilitaram um espaço de escuta, troca e ressignificação do fazer pedagógico, promovendo uma cultura de colaboração e de reflexão permanente sobre os processos de ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, Perrenoud (2000) ressalta que a profissionalização docente exige o domínio de competências reflexivas, especialmente a capacidade de analisar as próprias ações e ajustá-las às necessidades reais dos alunos. A Psicopedagogia Institucional, ao atuar como um campo de interface entre a pedagogia, a psicologia e a neurociência, oferece ao professor ferramentas para compreender as origens das dificuldades de aprendizagem e para intervir de modo mais intencional e humanizado. Assim, a prática pedagógica se transforma em uma ação investigativa, pautada em observação, diagnóstico e replanejamento contínuo.

Libâneo (2012) acrescenta que a escola é, antes de tudo, um espaço social de formação humana, e, portanto, as dificuldades de aprendizagem devem ser interpretadas à luz das condições concretas de vida dos estudantes. As experiências relatadas nas escolas pesquisadas confirmam que fatores socioeconômicos, emocionais e culturais exercem influência direta sobre o desempenho escolar. A Psicopedagogia Institucional, ao incluir a família e a comunidade em suas ações, possibilita um olhar mais integral sobre o sujeito, ampliando o sentido da inclusão e da justiça educacional.

A análise dos dados também evidencia que a alfabetização e o letramento mediados pela psicopedagogia têm o potencial de democratizar o acesso ao conhecimento, transformando o espaço escolar em ambiente de significação e pertencimento. Saviani (2008) argumenta que a escola deve possibilitar ao aluno o domínio dos conhecimentos científicos e culturais elaborados historicamente pela humanidade, mas sem desconsiderar o contexto social em que vive. Essa articulação entre teoria e prática, entre o saber científico e o saber popular, é o que confere sentido ao processo educativo e o torna emancipador.

Além disso, os resultados empíricos reforçam que as práticas de leitura e escrita ganham maior eficácia quando se apoiam na ludicidade, na afetividade e na participação ativa dos alunos. As atividades mediadas por psicopedagogas como rodas de leitura, jogos linguísticos, dramatizações e produções coletivas de texto mostraram-se mais eficazes do que os métodos tradicionais, por promoverem engajamento e construção de sentido. Essa constatação dialoga com as ideias de Bossa (2007), para quem o prazer e o vínculo afetivo são condições indispensáveis para o aprendizado significativo.

Em síntese, a discussão evidencia que a Psicopedagogia Institucional é mais do que um recurso auxiliar da alfabetização: ela é uma dimensão formadora que possibilita repensar a escola, as relações pedagógicas e o papel do professor. A partir dela, a alfabetização e o letramento deixam de ser tarefas mecânicas e se afirmam como práticas de emancipação cultural, cognitiva e emocional, reafirmando a escola como espaço de humanização e de transformação social.

6. Conclusão

A análise realizada ao longo deste trabalho permite afirmar, de maneira contundente, que a integração sistêmica e reflexiva entre alfabetização, letramento e a Psicopedagogia Institucional configura-se não apenas como uma alternativa, mas como um caminho estratégico e efetivo para a superação dos crônicos desafios de aprendizagem que assolam a educação pública brasileira. Esta tríade, quando articulada com intencionalidade pedagógica, promove a consolidação de práticas educativas profundamente significativas e humanizadoras, que respeitam a integralidade do sujeito que aprende. A alfabetização, quando compreendida para além de uma técnica mecânica de codificação e decodificação de símbolos, assume sua verdadeira dimensão como uma prática social, política e cultural. Trata-se de um processo de iniciação do indivíduo em uma comunidade de leitores e escritores, onde a linguagem escrita é um instrumento de poder, de expressão identitária e de intervenção no mundo. Nesta perspectiva, o letramento deixa de ser um apêndice do processo de alfabetização para se tornar seu princípio orientador, garantindo que o aprendizado da língua escrita esteja sempre imbricado em usos reais e socialmente relevantes.

A Psicopedagogia Institucional emerge neste contexto como um eixo catalisador e mediador fundamental. Sua atuação no âmbito da escola pública transcende em muito uma visão remediativa ou clinificada do fracasso escolar. Ela se posiciona como uma lente crítica que auxilia a comunidade escolar a desnaturalizar as dificuldades de aprendizagem, interpretando-as não como falhas individuais dos alunos, mas como sintomas de complexas dinâmicas que envolvem a prática pedagógica, a organização curricular, as relações institucionais e o contexto sociocultural mais amplo. O psicopedagogo institucional atua, portanto, como um agente de transformação da cultura escolar, fomentando um ambiente onde a investigação sobre o próprio processo de ensinar e aprender se torna uma prática constante. Os resultados observados no contexto das escolas municipais investigadas em municípios de São Paulo são elucidativos. A presença qualificada do profissional de psicopedagogia, atuando em parceria direta com os professores, mostrou-se um fator decisivo para a qualificação dos processos de ensino e aprendizagem.

Não se trata apenas de oferecer suporte pontual a alunos com dificuldades, mas de construir, coletivamente, uma nova compreensão sobre como se aprende e como se pode ensinar de forma mais eficaz. A formação docente continuada, quando mediada pela psicopedagogia, deixa de ser um evento esporádico e desconectado da realidade para se tornar um processo contínuo de reflexão na e sobre a ação. A criação de espaços coletivos de planejamento e estudo, onde os professores podem socializar seus desafios, sucessos e dúvidas, fortalece sobremaneira a sua autonomia e a sua capacidade de analisar e ressignificar sua prática. Este movimento reflexivo potencializa a ação docente, levando à adoção de estratégias didáticas mais diversificadas, sensíveis e coerentes com as reais necessidades e potencialidades dos alunos.

Observou-se, por exemplo, que a assessoria psicopedagógica foi crucial para a transição de um modelo de ensino baseado em cartilhas e exercícios descontextualizados para uma abordagem que privilegia a imersão em textos autênticos e a produção escrita com propósito comunicativo real. Projetos como os de contação de histórias e de escrita colaborativa, anteriormente mencionados, não só melhoraram os indicadores de fluência leitora e competência escritora, mas também resgataram o prazer e o sentido do ato de ler e escrever entre os estudantes. A atuação do psicopedagogo foi essencial para demonstrar, na prática, que é perfeitamente possível, e altamente desejável, alfabetizar letrando, integrando o domínio do sistema de escrita às práticas sociais que lhe dão significado.

Para que estes avanços não permaneçam restritos a experiências pontuais e isoladas, é imperativo que se concretizem em políticas públicas estruturantes e perenes. Urge que os sistemas de ensino reconheçam a Psicopedagogia Institucional como uma área de conhecimento indispensável à qualidade da educação básica, garantindo a inserção deste profissional no quadro efetivo das escolas públicas, com planos de carreira e condições de trabalho adequadas. Paralelamente, é fundamental a ampliação de programas de alfabetização e letramento que sejam verdadeiramente contextualizados, que dialoguem com a cultura local e as vivências das crianças, e que estejam alinhados com as pesquisas mais recentes sobre a psicogênese da língua escrita e os processos cognitivos envolvidos na aprendizagem.

O investimento maciço na formação teórica e prática dos docentes, tanto inicial quanto continuada, é o outro pilar para a sustentação desta transformação. É preciso equipar os professores com um repertório teórico sólido e com ferramentas metodológicas variadas que lhes permitam enfrentar a complexidade da sala de aula contemporânea. A escola pública só poderá cumprir plenamente seu papel social de formar cidadãos críticos, autônomos e letrados capazes de não apenas decifrar palavras, mas de ler o mundo e de intervir nele de forma criativa e reflexiva se for palco de um projeto educativo que entenda a aprendizagem como uma construção social, complexa e multifacetada. A presente pesquisa, ao evidenciar os frutíferos diálogos entre alfabetização, letramento e Psicopedagogia Institucional, aponta para a viabilidade deste projeto. Como desdobramento natural, sugere-se a investigação longitudinal dos impactos de uma atuação psicopedagógica integrada ao longo de todo o percurso escolar dos estudantes, a fim de aferir seus efeitos não apenas na aprendizagem inicial da leitura e da escrita, mas no seu desenvolvimento acadêmico, cognitivo e socioemocional a médio e longo prazos.

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Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio e Gestor Escolar.

Elza Maria Simões: Bacharel em Administração de Empresas, Professora de Matemática, Matemática Financeira, Pedagoga, Especialista em Educação Especial.

Mery Elbe Simões Ramalho: Pós-graduação em psicanálise, Pedagoga, Graduação em Artes, finalizando pós-graduação em neuropsicologia.

Dulcinéia Alves Fernandes Fogari: Professora, Tecnóloga em Processos Gerenciais, Pedagoga, Psicanalista, Neuropsicopedagoga, Docente do Ensino Superior.

Maria Neuma Simões da Silva: Pedagoga, Especialista em Alfabetização de crianças do Ensino Fundamental, jovens do Ensino Médio e Ensino de Jovens e Adultos.

Márcia dos Santos: Graduada em Licenciatura Plena em Geografia, Pedagoga, Coordenadora de Gestão Pedagógica, Especialista em Gestão Escolar.

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