Acusação de racismo faz autora tirar livro `Peppa` de circulação
A autora Silvana Rando decidiu neste mês tirar de circulação seu livro `Peppa`, lançado em 2009 pela Brinque-Book. A decisão foi tomada após a obra ser acusada de ter elementos racistas. No livro, Silvana conta a história de uma menina de cabelos crespos que decide fazer um alisamento e depois desiste da mudança ao se ver impedida de brincar para conseguir manter o visual.
Silvana é autora de mais de 10 livros e já ilustrou mais de 40 obras. Em 2011 foi vencedora do Prêmio Jabuti com `Gildo`, na categoria ilustração de livro infantil. Já a obra Peppa foi eleita um dos 30 livros do ano pela Revista Crescer em 2010.
Peppa virou alvo de contestação sobretudo a partir de abril do ano passado, quando a youtuber, empresária de moda e ativista Ana Paula Xongani fez um vídeo no qual apresentava uma resenha com muitas críticas ao livro. `Quando vi o livro fiquei horrorizada`, disse Ana Paula. `Todas as páginas deste livro têm um problema. É um livro extremamente racista`, acusa Ana Paula.
Nos vídeos, Ana Paula Xongani diz que a obra é adotada pela rede municipal de ensino de São Paulo e que entrou em contato para cobrar que ele fosse tirada de circulação. Procurada pelo G1, a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Educação (SME) informou que nunca comprou o livro para o acervo das escolas da rede.
Os ativistas apontam, entre outros, trechos com elementos questionáveis:
• Peppa `arrasta` geladeira e outros itens com seu cabelo, `resistente como fios de aço`.
• A mãe de Peppa usa um alicate para cortar os fios
• A cabeleireira quebra pentes e usa uma furadeira com serra no cabelo de Peppa após 16 horas e quarenta e oito minutos no trabalho de alisamento
• A frase final é criticada por, na visão dos críticos, trazer a oposição entre se encaixar no padrão e encontrar a felicidade: `Lá se foi o cabelão liso e sedoso de Peppa...`.
`Que informação a gente está passando para essas crianças? Que seus cabelos são ruins e complicados de tratar? Já Peppa tem que escolher, ter os cabelos lisos e sedosos ou ela vai brincar. Isso é um absurdo, a gente está cerceando a liberdade de brincar com a sua beleza natural`, afirma a ativista.
Liberdade de ser criança
Antes de decidir tirar o livro de circulação, Silvana argumentou que sua intenção era justamente questionar o custo de seguir padrões. E que se inspirou em uma amiga de origem asiática que tinha os cabelos crespos.
`O livro em questão fala da vaidade exagerada na infância, de trocar a liberdade de ser criança pelos padrões de beleza (...) O preço que pagamos por tentarmos entrar num molde que não nos pertence. Gostar de como somos é tão maravilhoso que quis deixar isso num livro para as crianças`, argumentou Silvana.
Ainda após o post com explicações, Silvana ainda continuou recebendo críticas e acabou reavaliando a decisão de manter a publicação.
`Depois de ler e reler a opinião de todos a respeito do meu livro Peppa, gostaria de afirmar que se existe a chance de uma única criança se ofender com seu conteúdo, prefiro que o livro deixe de existir, pois só assim meu trabalho fará sentido.` - Silvana Rando
`Pedi à editora Brinque-Book recolher o livro com certa urgência. Meu pedido foi aceito e as providências já estão sendo tomadas. Peço desculpa para aqueles que se ofenderam com o livro, e esclareço que essa nunca foi a minha intenção, muito pelo contrário`, escreveu a autora.
Repercussões contra e a favor à retirada do livro
Depois do anúncio de retirada da obra de circulação, ativistas e a própria youtuber celebraram a decisão (veja no vídeo abaixo).
A atriz Samara Felippo, que mantém um canal no YouTube no qual fala sobre cabelos cacheados a partir da experiência com suas duas filhas, foi uma dos que fez uma reavaliação da obra. `Cada livro que leio com minhas filhas me atento a saber que história esta sendo contada. Como irá chegar até elas. Comprei o `Peppa` e de primeira achei fofo, lúdico e `tudo bem`, apenas uma história de aceitação`, avaliou Samara.
`Mas através do meu canal #muitoalemdecachos (gratidão) fui carinhosamente alertada sobre, como para os negros o racismo está sutilmente manifestado ali. E não!!! Talvez a autora nem tenha tido NENHUMA intenção, ela quis apenas passar a mensagem positiva de aceitação e não imposição de um `padrão`, mas ela é branca. Nossa visão é outra. Retirei do meu vídeo e não recomendo a leitura`, escreveu Samara Felippo.
Escritores repudiam a censura
No meio literário, diversas vozes se levantaram em defesa da autora e contra a censura. Entre os que se pronunciaram está o autor Ilan Brenman. `O livro fala de uma menina de cabelo crespo incrivelmente forte, inspirado numa amiga da autora. Minha filha pequena que tem cabelo crespo amava esse livro, é um livro que fortalece as crianças e não as rebaixam`, afirma o autor.
`Peppa é um livro que exalta a identidade infantil, fala de uma jornada de busca por identidade e com muito humor (pecado mortal hoje ter humor). A blogueira fez uma leitura rasa e enviesada da obra da Silvana. É a mesma leitura pobre e rasa que fizeram do livro do José Maura Brant o acusando de estímulo ao incesto. Se não pararmos com isso agora será um pandemônio literário`, afirma Brenman.
`Os livros produzem ruídos, incômodos, sensações e pensamentos. Precisamos fortalecer as crianças com livros que criem imunidade simbólica. O que estamos fazendo é uma eugenia literária` - Brenman.