A Prática Pedagógica na Diversidade: Pressupostos Filosóficos para a Inclusão de Educandos com Deficiência
Resumo
O presente trabalho objetiva apresentar uma análise acerca dos pressupostos legais e filosóficos da educação inclusiva, buscando ressaltar a prática de uma reflexão filosófica e educativa para a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede pública da cidade de Manaus. Pensar numa escola inclusiva é ter em vista uma educação para todos, de qualidade, partindo do pressuposto de uma pedagogia libertadora e não uma prática compensatória, como está posto nos dias atuais. Os estudos atuais realizados na cidade de Manaus apontam um cenário que está em transformação com vistas à implementação das políticas de inclusão no contexto amazônico (MATOS, 2008; VINENTE, 2012), reconfigurando-se a escola e a formação docente. É nessa perspectiva que os dispositivos legais encontram-se respaldados em concepções filosóficas. A prática pedagógica na diversidade requer uma nova postura do educador frente aos desafios da contemporaneidade, requer mudanças de concepção e novas práticas. Neste sentido, espera-se contribuir por meio dessa reflexão para a inclusão do aluno com deficiência em todos os âmbitos.
Palavras-Chave: Diversidade; Inclusão Escolar; Políticas Públicas; Prática Pedagógica.
Abstract
This study presents an analysis about the legal and philosophical assumptions of inclusive, seeking to emphasize the practice of philosophical reflection and education for the inclusion of students with special educational needs in public in the city of Manaus. Thinking is an inclusive school aim to education for all, quality, on the assumption of a liberating pedagogy and not a compensatory practice, as is established in the present day. Current studies conducted in the city of Manaus point to a scenario that is transforming with a view to the implementation of inclusion policies in the Amazon region (Matos, 2008; VINENTE, 2012), reconfiguring the school and teacher training. It is in this perspective that the legal provisions are supported on philosophical conceptions. The pedagogical practice in diversity requires a new attitude of the educator and the challenges of contemporary times, requires design changes and new practices. In this sense, we hope to contribute to this discussion through the inclusion of students with disabilities in all areas.
Keywords: Diversity; Inclusion Education; Public Policy; Teaching Practice.
Introdução
As problemáticas a serem discutidas neste trabalho nos remetem a questionamentos importantes que tem relação intrínseca ao papel da escola enquanto formadora de sujeitos, de profissionais da educação, que sejam transformadores de uma realidade própria dos discursos estruturais e estruturantes que se inserem e emergem da atual comunidade escolar, referindo-se ao sonho da transformação dos sistemas educacionais tradicionais em sistemas educacionais inclusivos.
Nessa perspectiva, fomentar um diálogo entre a teoria e a prática, e a importância de uma fundamentação filosófica que norteia a prática pedagógica na diversidade, fez-se necessário para compreendermos as dimensões da educação inclusiva e os sujeitos envolvidos nesse processo educativo. As políticas públicas educacionais corporificam-se no cotidiano escolar, suscitando comportamentos e atitudes que apontam para uma nova postura educacional, a postura inclusiva.
A atenção educacional aos alunos com necessidades especiais associadas ou não a deficiência tem se modificado ao longo de processos históricos de transformação social, caracterizando diferentes paradigmas nas relações das sociedades com este segmento populacional. A deficiência foi inicialmente, considerada como um fenômeno metafísico, que era outrora, determinado pela possessão demoníaca, ou pela escolha divina da pessoa para “pagar” os pecados de seus semelhantes. Durante muito tempo, as pessoas com deficiências foram tratadas como personificação do mal, sendo passíveis de castigos, torturas e até mesmo da morte.
Repensar os pressupostos filosóficos para a inclusão desses educandos requer uma atitude investigativa, uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto, que contemple os aspectos legais, os movimentos sociais e a necessidade de uma organização pedagógica e física escolar apta a receber esses alunos na escola. A inclusão não pode de forma alguma, ser uma ação “irresponsável”, como tem sido visto nas escolas. Mas é necessário rever a formação dos professores, a organização física, as adequações curriculares necessárias, a construção de diversos materiais didático-pedagógicos, assim como mudança de mentalidade. Neste trabalho, traremos algumas destas reflexões que vem de encontro a um assunto da atualidade. Não podemos falar numa educação para todos, se os alunos com deficiências continuam sendo excluídos e impossibilitados de exercerem o direito de ir à escola e permanecer nela.
Este trabalho tem buscado observar a garantia da aprendizagem e do desenvolvimento dos alunos com necessidades educacionais especiais, prevendo formas de acompanhamento do processo escolar que respeitem as possibilidades de expressão do potencial dos mesmos à luz de princípios que orientam a inclusão como uma temática que historicamente faz-se fortemente presente e que vamos definindo através das práticas no cotidiano escolar. A partir de uma dimensão dialética, pensamos uma educação inclusiva como movimento histórico e na especificidade de Manaus.
1 A prática pedagógica na Diversidade
Todos os estudantes com ou sem deficiência estão inseridos num contexto histórico-cultural onde as práticas educativas discriminatórias e excludentes do atual sistema capitalista ainda são muito evidentes. Desse modo, ensinar passou a ser mais que um desafio, passou a incorporar a proposta de educar para o desenvolvimento humano e formação de sujeitos com potencialidades desenvolvidas, aptos para a inserção no mercado de trabalho.
A escola como instituição social, caracterizou-se pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi sendo legimitada nas práticas e nas políticas educacionais reprodutoras da ordem social. Atualmente, muito se fala em diversidade, em inclusão nos âmbitos social e educacional. Porém, a busca por uma escola inclusiva perpassou anos para que hoje esse direito fosse assegurado em lei, e todos os alunos com deficiência, transtornos globais e altas habilidades ou superdotação tivessem o acesso aos estabelecimentos de ensino (BRASIL, 1988, 2008, 2010, 2013).
No entanto, as práticas discriminatórias, preconceituosas e estigmatizadoras ainda encontram-se “em alta” nos dias atuais. Nesse contexto histórico-crítico, a partir do momento de democratização da escola, é evidentemente observado o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas “continuam excluindo grupos indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola”. (BRASIL, 2008, p. 1). A exclusão ainda apresenta comuns características nos processos de segregação e integração, que pressupõem a seleção e naturalizam o fracasso escolar.
Os últimos documentos legais tais como a Constituição da República Federativa do Brasil (1988), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) preconizam a inclusão educacional de alunos com deficiência em todas as escolas do país, além de assegurarem em lei o atendimento educacional especializado às crianças com as mais diversas deficiências (MATOS, 2008; VINENTE, 2012). O desafio encontra-se em formar sujeitos de conhecimento, garantindo a reflexão, a humanização e o respeito às diferenças, tendo em vista a nossa imersão na diversidade.
Pensar numa prática pedagógica na diversidade é repensar velhos e novos paradigmas, é reconhecer as pessoas como sujeitos do processo educativo, vendo-as como “capazes” de aprender e também de ensinar (DINIZ, 2007; ALVES, 2009; VINENTE, 2012). Neste sentido, a atual Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) traz o movimento mundial pela educação inclusiva como “uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discriminação”. (BRASIL, 2008, p. 1)
A formação dos profissionais da educação, segundo Magalhães (2011, p. 137) necessita “[...] ser concebida como movimento processual, dinâmico e inacabado”. Nesse sentido, não há como negarmos que precisamos de formação para lidar com as questões da educação e da diversidade, onde podemos promover o diálogo entre a Pedagogia, a Filosofia e outras ciências como saberes dinâmicos sistematizados. Faz-se necessário problematizar o papel social da escola e a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino.
Pensando nos aspectos de formação docente e em outras necessidades para a garantia do acesso de todos a uma educação de qualidade, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientação dos sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, de forma, que possa garantir (BRASIL, 2008):
- Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior;
- Atendimento educacional especializado;
- Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino;
- Formação de professores para o atendimento educacional especializado e os demais profissionais da educação para a inclusão escolar;
- Participação da família e da comunidade;
- Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e
- Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.
O atendimento pedagógico às crianças com deficiência especiais exige um trabalho sistemático no que tange a estrutura, ao espaço e principalmente à preparação da equipe, tudo para que se possa proporcionar um ambiente estimulante ao desenvolvimento das potencialidades, a integração e ao crescimento individual. Desse modo, é necessário atentarmos para o detalhe de que a educação é um processo dialético que acontece como fruto da interação entre seres humanos e entre eles e a estrutura no qual estão inseridos.
A intervenção pedagógica tem como base os estudos que abrangem a análise pedagógica e social para que se possa compreender a criança enquanto ser e suas necessidades. A partir de então devem ser levantadas estratégias para o planejamento da intervenção, que deve estar pautada no respeito às diferenças e a outros padrões estéticos e culturais. Sendo assim, se os coletivos feitos desiguais ressignificam as formas de pensá-los, somos então obrigados a discutir a implementação das políticas públicas, o papel do Estado, as funções do sistema escolar, o paradigma da inclusão social e educacional.
Sinaliza-se a necessidade de se garantir o acesso e a participação de todos, oportunidades iguais, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo e grupo social. Na Constituição Federal de 1988, é possível notar que é assumido o princípio de igualdade como pilar fundamental de uma sociedade democrática e justa, quando é afirmado que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros, residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988)
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional também deixa explícita a necessidade do acesso de todos aos sistemas educativos. A primeira instituição a garantir isso deve ser a família, pois ela é o primeiro espaço social da criança, sendo também onde o aluno constrói referências e para que seus valores sejam desenvolvidos. Para Aranha, (2004, p. 9) “a participação da família e da comunidade traz para a escola informações, críticas, sugestões e solicitações, desvelando necessidades e sinalizando rumos”. Rumos esses que devem ser tomados para que haja uma educação inclusiva de forma eficaz para a inclusão educacional.
Podemos ensinar a nossas crianças que o conceito de cidadania em sua plena abrangência engloba direitos políticos, civís, econômicos, culturais e sociais (BRASIL, 2008). Com base nisso, pode-se dizer que a exclusão ou a limitação em qualquer uma destas esferas acaba fragilizando a cidadania, e deixa de promover a justiça social, impondo situações de opressa e violência. Quando uma criança é impedida de ser matriculada na rede regular de ensino, ela está sendo privada de um direito que é assegurado em lei, e foi principalmente, conquistado por inúmeros movimentos sociais que se mobilizaram em prol de uma educação para todos.
2 Políticas públicas e o ideário inclusivo
A atenção educacional aos alunos com necessidades educacionais especiais associadas ou não a deficiência tem se modificado ao longo de processos históricos de transformação social, caracterizando diferentes paradigmas nas relações das sociedades com este segmento populacional (STAINBACK; STAINBACK, 1999; DINIZ, 2007; FIGUEIRA, 2011; MANTOAN, 2011). Neste contexto, para a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), este movimento caracteriza-se como uma ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada pela efetivação do direito de todos à educação.
Diversos Decretos, Leis e outros documentos garantem aos alunos com necessidades educacionais especiais o acesso e permanência na escola, uma educação de qualidade, bem como o uso de métodos e técnicas diversificadas nas salas comuns e de Atendimento Educacional Especializado (MAGALHÃES, 2011). Todavia, o processo de inclusão de alunos com deficiências na escola regular ainda é recente no Brasil. A inclusão tem se processado em meio a divergências e desafios que vão desde a superação de barreiras físicas e adaptações curriculares, quanto aos processos formativos de caráter inicial e continuado (MATOS, 2008; VINENTE, 2012)
A escola como instituição social se caracterizou ao longo do tempo pela visão da educação que delimitou a escolarização como privilégio de poucos, legitimando nas políticas e nas práticas educacionais a exclusão, reproduzindo a ordem social (BRASIL, 2008; FIGUEIRA, 2011; MAZOTTA, 2005). A atual mudança deste paradigma nesta área traz profundas implicações no âmbito da saúde, educação, segurança social trazendo a inclusão como processo menos estigmatizante e mais funcional. As divergências e convergências teóricas quanto à educação inclusiva/especial são as mais variadas possíveis, uma das tais baseia-se no que preconiza Martins:
[...] rigorosamente falando, não existe exclusão: existe contradição, existem vítimas de processos sociais, políticos e econômicos excludentes; existe o conflito pelo qual a vítima dos processos excludentes proclama seu inconformismo, seu mal-estar, sua revolta, sua esperança, sua força reivindicativa e sua reivindicação corrosiva. Essas reações, porque não se trata estritamente de exclusão, não se dão fora dos sistemas econômicos e dos sistemas de poder. Elas constituem o imponderável de tais sistemas, fazem parte deles ainda que os negando. As reações não ocorrem de fora para dentro; elas ocorrem no interior da realidade problemática, “dentro” da realidade que produziu os problemas que as causam. (MARTINS, 1997, p. 5)
Partindo disto, é possível verificar no que é exposto a ressignificação do processo de inclusão/exclusão como produtos desta sociedade. A própria Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008) aponta que, os sistemas de ensino universalizam o acesso, “[...] mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola” (BRASIL, 2008, p. 1). Isto não deixa de ser vinculado ao tipo e modelo de sociedade vigente, reproduzindo portanto aspectos negativos e práticas discriminatórias. Neste contexto, Cambaúva esclarece que:
[...] elegeu-se o pensamento positivista, enquanto matriz de pensamento, que como já dissemos, é uma das formas de pensamento que compõe o conteúdo original implícito no conjunto dos trabalhos acerca da E.E. (Educação Especial). Isto se dá no próprio aparecimento da E.E. enquanto instituição, na medida em que se necessita classificar, rotular indivíduos que não estão de acordo com a ordem vigente e assim encaminhá-los na vida para que possam, de uma forma ou de outra, contribuir para a ordem e progresso da sociedade em que vivem. (1988, p. 5)
A educação especial se constitui historicamente a partir de uma relação de contradição, negação e afirmação, atendendo aos indivíduos que fogem dos padrões de “normalidade”, constituídos na sociedade capitalista. Para Michels (2005), a educação especial assume a função de colaborar com a máxima do pensamento positivista (ordem e progresso), buscando adaptar os indivíduos à necessidade social ou se encarregando de “esconder” da sociedade os sujeitos que não podem ser ajustados.
Fazendo um contraponto à ideia exposta, mas concordando com esta premissa, Figueira (2011, p. 10) nos mostra que “antes mesmo do Descobrimento do Brasil [...] já havia a prática de exclusão entre os indígenas quando nascia uma criança com deformidades físicas”. Com a chegada dos jesuítas, disseminou-se o ideário religioso no Brasil, mostrando que “a própria religião, com toda sua força cultural, ao colocar o homem como ‘imagem e semelhança de Deus’, ser perfeito, inculcava a ideia da condição humana como incluindo perfeição física e mental” (MAZOTTA, 2005, p. 16). Sendo assim, as pessoas com deficiências (ou imperfeições) eram postas à margem da condição humana.
Buscando obter elementos significativos para a melhor compreensão e explicação das políticas públicas de educação especial, Mazotta (2005) desenvolveu estudos de caráter recente trazendo um panorama da história da educação especial no Brasil, bem como os entraves e contradições que foram se mostrando ao longo da história desta modalidade de ensino no Brasil. Segundo este autor, “a defesa da cidadania e do direito à educação das pessoas portadoras de deficiência é atitude muito recente em nossa sociedade” (2005, p. 15).
Neste contexto, é possível observar que ao longo dos anos diversos autores mostram através dos resultados de pesquisas a comprovação de que o Brasil além de um país desigual, é também excludente. Buscando superar este entrave, a Constituição Federal (1988) fortalece o ideário da inclusão social/escolar, trazendo no capítulo II a educação como um direito social. No capítulo III, Seção 1, Artigo 208, Inciso III, a CF assegura o Atendimento Educacional Especializado aos deficientes, preferencialmente na rede regular de ensino, trazendo uma nova perspectiva no tocante às políticas de inclusão com vistas à valorização da diversidade.
A Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais (1994), organizada pelo Governo da Espanha, em colaboração com a UNESCO, define uma política que inspira governos, organizações internacionais e nacionais e outros organismos para a efetivação do resultado desta Conferência: a Declaração de Salamanca. Este documento teve como principio fundamental a inserção de todas as crianças, independente de suas condições físicas, intelectuais, sociais e linguísticas nas escolas (ALVES, 2009). Neste contexto, a expressão “necessidades educativas especiais” é referente a todas as pessoas com dificuldades de aprendizagem num sentido mais amplo. Acerca disto, Figueira comenta:
[...] um novo conceito ganho força: a inclusão escolar e social. Antes, essas pessoas eram habilitadas ou reabilitadas para fazerem todas as coisas que as demais, sendo que por meio da integração social passavam a conviver conosco em sociedade. Agora, na inclusão social, as iniciativas são nossas, Somos nós que estamos nos preparando, criando caminhos e permitindo que elas venham conviver conosco. Por esse motivo, cada vez mais vemos crianças e pessoas com deficiências em nossas escolas, nos espaços de lazer e em todos os lugares da vida diária. E devemos estar preparados para essa convivência, aceitando as diferenças e a individualidade de cada pessoa, uma vez que o conceito de inclusão mantém este lema: todas as pessoas têm o mesmo valor. (FIGUEIRA, 2011, p. 28-29)
Com a promulgação da LDB (Lei n. 9493/96) e diversos documentos que respondem aos anseios da sociedade e da UNESCO para a inclusão (BRASIL, 1988, 1996, 2008, 2011), as políticas públicas vêm implantando-se no Brasil, com a supervisão do Ministério da Educação e demais órgãos interligados ao setor da educação. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação prevê então no artigo 59, incisos I, II e III, currículos, métodos e técnicas, bem como recursos educativos para o atendimento das necessidades educacionais especiais destes educandos, assegurando a inclusão de alunos com deficiência “preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 2010).
Em 2013, a Lei n. 12.796 traz avanços consideráveis quanto ao atendimento educacional especializado de pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2013). Partindo disso, esse serviço passa a ser transversal a todos os níveis e modalidades, oferecido preferencialmente na rede regular de ensino (VINENTE, 2012). Mesmo que o termo “preferencialmente” ainda tenha sido mantido nessa lei, o termo “portadores de necessidades especiais” é retirado da Lei de Diretrizes e Bases, indicando um público-alvo menos abrangente.
No artigo 5 dessa lei, dispõe-se que o acesso à educação básica “[...] é direito público e subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo” (BRASIL, 2013, p. 1). Esses trechos apontam o pressuposto filosófico de direito público e subjetivo, incorporando uma fundamentação calcada na necessidade de uma escola para todos.
3 Por uma Filosofia da Educação Inclusiva
A importância de uma filosofia da educação baseia-se na proximidade que ela tem com a nossa vida cotidiana. Desse modo, segundo Aranha e Martins (2009, p. 2) “se é verdade que a filosofia trabalha com conceitos, isso não significa que ela se distancia da vida”. É nesse contexto que podemos afirmar o papel importantíssimo da filosofia na educação que nos ajuda a desenvolver a percepção sobre o cotidiano, nos levando a questionar o senso comum. Dessa forma, é necessária a descoberta de novos sentidos para a existência, para as relações humanas e para a compreensão do todo.
Porém, em dias atuais ainda nota-se a resistência no que diz respeito ao processo de inclusão, talvez por nos remeter a ideia que o país tem uma dívida a ser paga imediatamente em relação aos educandos que foram excluídos ao longo dos anos por vários motivos, entre eles as necessidades/limitações e/ou dificuldades de aprendizagem. A partir daí a educação especial se organizou tradicionalmente como um atendimento especializado que substituía o ensino comum, levando a criação de instituições especializadas, escolas e classes especiais.
Com o passar do tempo esse paradigma de segregação foi perdendo forças para o ideal de inclusão (MAZZOTTA, 2005; FIGUEIRA, 2011; VINENTE, 2013). Sentiu-se a necessidade de inserir as pessoas que outrora estavam excluídas do processo educativo nas instituições de ensino, oportunizando vivências e novas experiências entre seus pares. Partindo disso, a diversidade passa a ser valorizada e os padrões homogêneos da escola tradicional passam a ser questionados.
A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na “concepção de direitos humanos”, conjugando igualdade e diferença como valores indissociáveis. Nesse contexto, é necessário notar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora do ambiente escolar. Para Figueira (2011, p. 10) é possível entendermos como foram construídos e cultuados nossos conceitos e imagens das pessoas com deficiências:
Antes mesmo do descobrimento do Brasil, em muitos relatos de historiadores e antropólogos [...] já havia a prática da exclusão entre os indígenas quando nascia uma criança com deformidades físicas. Ao nascerem, eram imediatamente rejeitadas, acreditando-se que trariam maldição para a tribo. Uma das formas de se livrar delas era abandonar os recém-nascidos nas matas ou atirá-los de montanhas e, nas atitudes mais radicais, sacrificá-los nos chamados rituais de purificação.
Essas práticas das sociedades tribais também permearam as sociedades greco-romanas e outras conhecidas desde a Idade Antiga e Medieval. No âmbito educacional, tais práticas discriminatórias não foram diferentes. As crianças com necessidades educacionais especiais não tinham acesso à escolarização, pois não podiam ficar próximos aos ditos “normais”, por acreditarem que essas crianças causavam constrangimentos e mal-estar nas outras. Por isso, “a evolução dos direitos humanos tem sido o resultado de um esforço de reflexão filosófica no sentido de definir as diversas concepções sobre o que é o ser humano e quais são os seus direitos”. (ARANHA, 2009, p. 283)
Quando nos posicionamos sobre os aspectos de uma aproximação filosófica da educação no contexto da educação inclusiva, não nos colocamos na dimensão de uma simples utopia, mas como a busca constante de algo que é possível. Acreditamos que é possível a inclusão desses alunos nos sistemas de ensino desse país, porém o desafio está posto. Os educadores tem que acreditar que uma educação efetiva e de qualidade é possível, além disso, parte do pressuposto do direito de todos à educação.
Os conceitos centrais de trabalho, cidadania, inclusão e exclusão escolar podem ser entendidos como a construção de um processo histórico que visa a mudanças de paradigmas ultrapassados para a constituição de novos paradigmas (MATOS, 2008). Para essa discussão, as referências da literatura científica e da legislação e normas brasileiras e internacionais trazem subsídios teórico-práticos para a efetivação de políticas educacionais mais abrangentes. Não podemos falar em educação inclusiva sem pensar na educação de todos. O paradigma da inclusão serve de parâmetro à gestão educacional e para a efetivação de projetos político - pedagógicos que privilegiem o respeito à diferença, numa transformação histórica para os processos de exclusão, presentes na educação brasileira.
Nesse contexto, o problema de está centrado nas condições escolares e de atuação dos professores e coordenadores pedagógicos na implementação de uma proposta educacional no paradigma da inclusão. Torna-se necessário discutir o percurso, e os percalços, que conduzem as intenções propostas nos dispositivos legais à prática escolar propriamente dita/vivida. Foram levantadas informações acerca da operacionalização do processo de inclusão do educando com deficiência. Docentes e coordenadores pedagógicos conceberam a educação inclusiva sob diferentes enfoques, com definições que ora se aproximam dos princípios de integração, ora se referiam à orientação inclusiva.
É possível verificar com base nessa reflexão, as dificuldades de implementar uma Proposta Inclusiva na Rede Municipal de Manaus, evidenciando a gravidade da situação pela falta de formação especializada e de apoio técnico no trabalho com alunos inseridos nas classes regulares (MATOS, 2008; VINENTE, 2012). Acerca disso, Figueira (2011, p. 73) afirma que:
Além das mudanças culturais, pedagógicas e de atitude, uma escola inclusiva precisará de mudanças arquitetônicas. O ambiente físico da escola, tanto de crianças com deficiência física quanto da criança com deficiências múltiplas, tem de ser mais acolhedor, com mobiliário adequado, com cadeiras, mesas, balões, bebedouros, quadros de avisos, equipamentos etc.
Contudo, para que mais mudanças ocorram, não é somente necessário fazer adequações na estrutura física da escola, mas também na estrutura pedagógica dos estabelecimentos de ensino (MATOS, 2008; VINENTE, 2012). O projeto pedagógico precisa oferecer atendimento educacional especializado paralelo às aulas regulares, dando preferência no mesmo local. A Rede Municipal de Educação de Manaus tem buscado garantir a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos com deficiência, prevendo formas de acompanhamento do processo ensino-aprendizagem que respeitem as possibilidades de expressão do potencial de cada aluno.
O ser humano deve constituir-se em centro das atenções das ciências sociais, ao analisarem os diversos cenários que se configuram no seu horizonte. As mudanças que o mundo vêm sofrendo com extrema velocidade representam um aspecto fundamental a ser considerado: desemprego estrutural, desenvolvimento desigual e exclusão são apenas algumas das contingências cada vez mais presentes na vida do cidadão e das nações.
Na escola regular, a criança e o jovem com deficiência precisam ser preparados e acompanhados no processo de inclusão pelo fato de estarem num universo diferente deles. A identidade pessoal e social é essencial para o desenvolvimento de todo indivíduo, enquanto ser humano, enquanto cidadão.
Diante disso concordamos quando Aranha (2004, p. 8) afirma que a identidade social “[...] é construída na trama das relações sociais que permeiam sua existência cotidiana. Assim, há que se esforçar para que as relações entre indivíduos se caracterizem por atitudes de respeito mútuo, representadas pela valorização de cada pessoa em sua singularidade”. É aceitando as características singulares de cada indivíduo, que a diversidade começa a ser construída.
O respeito à diversidade pode ser construído dia após dia em sala de aula, dependendo exclusivamente da interação entre discentes e docentes e das oportunidades dadas por meio de atividades que possibilitem a troca e socialização do conhecimento. O professor como mediador desse processo construtivo, pode possibilitar o diálogo, o respeito ao outro, às diferenças, o amor ao próximo, o cuidado com a natureza. É a partir disso, que construiremos uma sociedade mais justa.
Considerações Finais
Uma proposta de educação pra todos deve sensibilizar os educandos para novas formas de covivência baseadas na solidariedade e no respeito às diferenças, valores esses que são essenciais na formação de cidadãos que sejam conscientes de seus direitos e de seus deveres, além de sensíveis para rejeitarem toda forma de opressão e violência. A prática educativa deve se contrapor à violência, não admitindo a anulação de um sujeito pelo outro, mas fortalecendo cada um, na defesa de uma vida melhor para todos.
O intenso movimento mundial de defesa dos direitos das minorias, caracterizou a década de 1960, associado a críticas contundentes ao ideário do Paradigma da Institucionalização de pessoas com deficiências, determinando novos rumos às relações da sociedade com esse segmento populacional. As políticas públicas favorecem a inclusão em todos os âmbitos dessas pessoas, e na escola isso não poderia ser diferente. O acesso à escolarização, o direito ao voto, o acesso ao mercado de trabalho possibilitaram grandes mudanças na maneira de conceber e pensar a deficiência.
As práticas discriminatórias não podem mais se vistas como úteis a uma sociedade que vive em constantes mudanças. Velhos modelos e paradigmas devem ser repensados, pois mais do que nunca se evidenciou a diversidade como característica constituinte das diferentes organizações sociais e da população em diferentes contextos e lugares. A diversidade enriquece e humaniza a sociedade, quando reconhecida, respeitada e atendida em suas especificidades. Por isso, é importante que em sua prática pedagógica o educador reconheça o respeito à diversidade como fator necessário e imprescindível para as relações humanas.
O Brasil tem definido políticas públicas e criado instrumentos legais que garantem os direitos das pessoas com deficiência. Por isso, a transformação dos sistemas educacionais tem se efetivado para garantir o acesso universal à escolaridade básica e a satisfação das necessidades de aprendizagem para todos os cidadãos. Partindo disso, é delineada a ideia da necessidade de construção de espaços sociais inclusivos, ou seja, espaços sociais organizados para atender ao conjunto de características de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento.
Portanto, a inclusão educacional e social é possível e tem seus pressupostos filosóficos assegurados a partir da garantia dos direitos que outrora já foram confirmados em lei. Nossa missão como educadores é fazer valer a inclusão e possibilitar o desenvolvimento das potencialidades de cada educando, tendo em vista suas especificidades e a nossa imersão na diversidade.
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Autor: Samuel Vinente da Silva Junior