18/06/2019

A prática da Terapia Ocupacional no campo da Saúde Mental: Um relato de experiência.

Maria Laura vBrum da Cunha[1]

 

Resumo: O relatório tem como objetivo contar um pouco da vivência que se teve no Estágio Curricular, cujo proposito foicolocar em prática conhecimentos teóricos acerca da saúde mental, possibilitando as primeiras intervenções realizadas com usuários de um serviço especializado de saúde mental, em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). O estágio foi desenvolvido no CAPS Casa Vida, no município de Capão do Leão, com duração de quatro meses. Os participantes das atividades eram usuários do CAPS, e mulheres diagnosticadas com depressão usuárias da Unidade Básica de Saúde. A experiência foi muito enriquecedora, por propiciar um ensaio interdisciplinar nos colocando diretamente com a realidade da profissão.

 

Palavras- chave: Terapia Ocupacional, relatório de estagio, vivência, saúde mental, CAPS.

 

Introdução

Ao iniciar a falar dessa experiência, é preciso dizer que o campo de atuação do Terapeuta Ocupacional (TO) éextenso. Conforme definido pela American OccupationalTherapyAssociation(2014)a prática da terapia ocupacional significa o uso terapêutico de ocupações, incluindo atividades da vida cotidiana com indivíduos, grupos, populações ou organizações para apoiar a participação, desempenho e função em papéis ocupacionais, escola, local de trabalho, comunidade e outras configurações. As funções do terapeuta ocupacional visam habilitação, reabilitação e promoção da saúde e bem-estar para aqueles que têm ou estão em risco de desenvolver uma doença, lesão, doença, distúrbio, condição, deficiência, incapacidade, limitação de atividade ou restrição de participação.

    Nesse sentindo o terapeuta ocupacional trabalha tanto os aspectos físicos, cognitivos, psicossociais eemocionais do paciente, preenchendo um nicho importante na área da saúde, abordando a pessoa por inteiro, através de uma visão holística deste indivíduo. Como já foi citado,ocampo da terapia ocupacional é vasto, possibilitando transitar por varias instâncias desde a criança ao idoso por ser um campo de atuação amplo.Os Terapeutas Ocupacionais têm uma formação ampla que os proporciona habilidades e conhecimentos para trabalhar de forma colaborativa com indivíduos, grupos e comunidades que têm um comprometimento da estrutura ou função do corpo devido a uma condição de saúde, sendo objetivo principal do TO garantir o engajamento do sujeito nas mais variadas atividades e ocupações significativas para o mesmo. Após essa breve exposição sobre a função social do terapeuta ocupacional, se fará o relato da primeira inserção no campo de atuação.

      O estagio é sempre um momento tenso, pois estamos tendo os primeiros contatos com a prática, sempre gera insegurança e até mesmo certo medo. Principalmente por não sabemos como vamos ser recebidos e quem serão nossos pacientes. Para minha surpresa no primeiro contanto, assim que cheguei ao local de serviço, me encantei pelo CAPS Casa Vida, por serdiferente de qualquer outro CAPS em que já estive. É um ambiente acolhedor, colorido, caloroso, arborizado, e cheio de vida. O que favorece o trabalho nesse espaço, pois quanto mais acolhedor e agradável, mais fácil se torna a adaptação e o trabalho.

     Mas ao passo que fomos tomando conhecimento da rotina das atividades no CAPS, percebi algumas dificuldades de atuar dentro dessa instituição. Nas primeiras visitas se teve momentos tensos, talvez por haver outra profissional já atuando nesse espaço, pois o andamento dos atendimentos e as oficinas já estavam todos estruturados, e seguiam seu próprio fluxo. Tive dificuldade de me inserir e achar meu papel ali dentro, e de qual seria minha contribuição.

     Porém ao longo do estágio, essas dúvidas e inquietações foram sendo esclarecidas, sanadas. Pude ir compreendendo o fluxo, me inserindo mais naquele cotidiano, e assim fui me apropriando sobre o andamento e a rotina do local, me sentindo cada vez mais pertencente àquele espaço.O estágio é um processo importante para construção de saberem práticos. Segundo Pinheiro,

É um processo de aprendizagem indispensável a um profissional que deseja estar preparado para enfrentar os desafios de uma carreira. Está no estágio a oportunidade de assimilar a teoria e a prática, aprender as peculiaridades e "macetes" da profissão, conhecer a realidade do dia-a-dia, no que o acadêmico escolheu para exercer. À medida que o acadêmico tem contato com as tarefas que o estágio lhe proporciona, começa então a assimilar tudo aquilo que tem aprendido e até mesmo aquilo que ainda vai aprender teoricamente. Sabemos que pedagogicamente o aprendizado é muito mais eficaz quando é adquirido por meio da experiência. Temos muito mais retenção ao aprendemos na prática do que ao que aprendemos lendo ou ouvindo. O que fazemos diariamente e com frequência é absorvido com muito mais eficiência (PINHEIRO, 2008 p.1).

      Conforme comenta o auto é no estágio que se tem o encontro da teoria com a prática, sendo um momento onde se ganha mais independência para mostrar o conhecimento adquirido na academia. É através do estágio que vamos ter conhecimento do que é ser um terapeuta ocupacional, ao mesmo tempo em que é motivador, por vezes pode ser assustador.

Desenvolvimento das atividades

     As atividades foram organizadas em duplas, sendo dois dias para cada. As atividadesforam projetadas para acontecerem nas terças e quartas-feiras no período da manhã e da tarde. Sendo que às terças-feiras, juntamente com a Terapeuta Ocupacional da instituição (CAPS), foi organizado um grupo de apoio em saúde metal para mulheres que frequentavam a Unidade Básica de Saúde –UBS do município de Capão do Leão, diagnosticadas com depressão. O grupo temcomo objetivo intervir no nível primário da saúde básica a fim de evitar que as mesmas precisassem chegar ao serviço especializado (CAPS). Além de ampliar a rede de suporte dessasusuárias.

   A metodologia usada pelo grupo foi de atividades de acolhimento, escuta terapêutica, dinâmicas para socialização e autoexpressão, assim como atividades de lazer. Momento de grande aprendizado para nos estagiários, que podemos conhecer um pouco da realidade e dificuldades desses pacientes.

     Para o bom andamento do estágio, nas terças feiras também eram realizadas as reuniões de equipe, para analisarmos e discutirmos, as atividades que realizamos, tirando dúvidas, aparando arestas dos casos em andamento, projetando novos passos para as oficinas. Nesses encontros a equipe aproveitava para pensar maneiras de potencializar o tratamento dos pacientes, quando necessário.  Momento esse enriquecedor por propiciar a troca de experiência entre os colegas e profissionais da área, propiciando um conhecimento interdisciplinar que colabora para desenvolver o trabalho em equipe, além de mostrar a importância de cada profissional nesse processo.  Conforme Nascimento, “é no estágio que o aluno irá se interessar mais pela carreira e assim desenvolverá melhor sua identidade profissional. Em outros casos, desistirá da profissão ao entrar em contato com a realidade (NASCIMENTO et al., 2008, p 355-361).  É na vivencia prática que vamos tomando ciência das nossas responsabilidade e funções como terapeutas ocupacionais.

     As quartas-feiras foram reservadas para atividades nas oficinas de horta e culinária, momento que auxiliávamos os pacientes quando precisavam de suporte, para desempenhar alguma tarefa dentro da própria oficina (ou não), assim como para conversar e realizar a escuta terapêutica, acolhendo aquela pessoa. Outro momento encantador poder ouvir, dialogar e poder orientar um ser humano de forma a superar suas fragilidades, sendo uma experiência indescritível. Tenho certeza que pude aprender mais do que ensinar. Alarcão, diz que “na prática, o aluno vai entender totalmente os processos que envolvem vida, doença e morte”. (ALARCÃO; RUA, 2005). O que sem duvida entendi nesse processor de estágio.

       Paralelamente ao período de estágio, ocorreram outras atividades e eventosno CAPS, que enquanto estagiárias fomos convidadas a participar. Se pode citar: Pré-Conferência de Saúde que ocorreu no município, a realização da Gincana de Páscoa[2]; participação no dia do desafio no município, participação no XIV Mental Tchê, em São Lourenço do Sul, e atividades de lazer, como passeios, que visavam à inserção social. Todos esses eventos vieram a somar conhecimentos teóricos e práticos nesse processo de estágio, pois tanto ensinamos como aprendemos. Concorda-se com Alarcão, quando diz que o “estágio torna-se um momento motivador, de atuação e não somente observação” (ALARCÃO; RUA, 2005 p.373-382).  Foi muito motivador tanto atuar como observar nesse processo de inserção na prática.

Análise e reflexiva sobre as atividades realizadas

      Após o período de quase quatro meses inserida nesse campo de atuação, pude aprender tanto com os profissionais, mas sem duvida muito maiscom os próprios pacientes. Vi e ouvi muitas histórias de vida, convivi com muitas outras realidades tão diferentes da minha, e aprendi como ser uma terapeuta ocupacional e ser humano um pouco melhor. Olhar para o outro, compartilhar suas dores e seus problemas, nos faz sentir mais humanos. Nos leva a refletir sobre o tipo de profissional que desejamos ser. Pois, é no “estágio que se aprende a fazer. Através do fazer o estagiário ganhará certa autonomia” (cf. ALARCÃO; RUA, 2005 p.373-374).Autonomia que os poucos fomos conquistando, e a cada nova ação se conquistou a confiança dos pacientes e podemos interagir de formas mais tranquila. Com o passar do tempo fomo-nos integrando ao local e ansiedade foi diminuindo através das vivências e dos espaços de trocas e discussão sobre os diferentes casos atendidos. Períodos que serviram para ampliar nossos conhecimentos sobre diferentes processos interventivos com ajuda da equipe interdisciplinar se forma plano de tratamento mais abrange para melhor intervir junto aos pacientes e consequentemente encontrar melhores formas para ajudar essas pessoas.

      Com relação aos objetivos traçados no plano de ação[3], foi possível atingir o que foi proposto: compreender melhor a atuação e especificidade da Terapia Ocupacional dentro do CAPS. Dessa forma, o estágio nos possibilitouobservar e interagir com diferentes atores, através da ação/reflexão, sistematizando conceitos e saberes sobre nossa atuação enquanto Terapeuta Ocupacional. O posicionamento crítico sobre o que estácerto ou errado e fundamental para nos tornarmos bons profissionais.

Conclusão

    Através das atividades propostas foi possível instigar a criatividade, a imaginação e aexpressão de sentimentos e experiências pessoais e coletivas. O espaço foi utilizado para possibilitarum maior autoconhecimento, principalmente a partir dos relatos sobre as vivências dos pacientes. A busca daidentidade, e até mesmo, tentativas de afirmação de uma nova identidade foi constante em todas as conversas.Percebemos que as atividades promoveram vivências e atividades expressivas,propiciando aos pacientes a ampliação de recursos que lhe permitam lidar com questões da sua vida e deseu momento de desenvolvimento de uma maneira mais unificada, expandindo seus potenciais, tantoindividualmente como em grupo.

    Verificamos que as intervenções propiciaram aos pacientes redescobrir, através das atividades, oficinas e conversas, novaspossibilidades de reconhecimento e apreciação do outro e de si mesmo. As atividades promoveram progressivamente o fortalecimento do grupo, as oficinas estimularam a cooperação e o companheirismo entre os participantes. Ao términopercebemos um bom vínculo entre o grupo e uma forte inspiração para continuar o trabalho deoficinas.

     Conclui-se que o estágio favorece o aluno, por permitir que ele adquira novos conhecimentos para auxiliá-lo como futuro profissional. Além do que o campo estágio envolve atividades relacionadas à aprendizagem social, profissional e cultural resultantes do conhecimento de situações reais do dia-a-dia da profissão.

Referencial teórico.

ALARCAO, I. ; RUA, M. Interdisciplinaridade, estágios clínicos e desenvolvimento de competências. Texto & contexto enfermagem, v.14, n.3, p. 373-382, jul./set., 2005.

NASCIMENTO, D. T.; DIAS, M. A.; MOTA, R. D. S.; BARBERINO, L.; DURÃES, L.; SANTOS, P. A. J. D. Avaliação dos estágios extracurriculares de medicina em unidade de terapia intensiva adulto. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, v.20, n.4, p. 355-361, 2008.

PINHEIRO, A. M. A importância do estágio, 2008. Disponível em: <http://www.artigonal.com/recursos-humanos-artigos/a-importancia-do-estagio-403435.html>. Acesso em: 04 set. de 2012.

 

 

[1]Graduanda do curso de Terapia Ocupacional da UFPEL - e-mail: laurabrum.c@gmail.com

[2]Evento dentro do próprio CAPS, com uma semana de atividades específicas voltadas para isso.

[3]Documento elaborado pelas estagiárias, onde as mesmas relatam sobre expectativas e objetivos a serem atingidos dentro do serviço durante o período de estágio.

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