05/10/2020

A Linguistica No Ensino de Língua Portuguesa

A LINGUÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Walbe Tavares de Oliveira

Este artigo reflete acerca das contribuições/implicações dos postulados da Linguística Contemporânea para o Ensino de Língua Portuguesa, mais especificamente, abordando as alterações que ocorrem na metodologia de ensino dessa disciplina em virtude dos reflexos das investigações linguísticas. Segundo Bezerra (2010, p. 39), "tradicionalmente, o ensino de Língua Portuguesa no Brasil se volta para a exploração da Gramática Normativa, em sua perspectiva prescritiva (quando se impõe um conjunto de regras a ser seguido)." Enxergando dessa forma, o ensino de Língua Portuguesa foi norteado por uma concepção puramente normativa, concedendo primazia ao padrão culto da língua, modelo homogêneo, monolítico e uniforme. Com base nessa concepção de ensino, priorizava-se a abordagem de exercícios de análise e de classificação de termos da Gramática Normativa, a partir de frases soltas, isoladas e descontextualizadas. Entretanto, pode-se perceber que há trabalhos, sobretudo a partir de 1980,  que vem procurado discutir o modo como se processa o ensino de Língua Portuguesa no Brasil e apontam para algumas questões de nível conceitual e metodológico. Nessa perspectiva, percebe-se que a década de 80 foi palco da eclosão de diversos estudos da Linguística Contemporânea, estudos da Corrente Funcionalista, da Linguística de Texto, da Análise do Discurso, da Pragmática, da Sociolinguística, entre outros. Todos esses estudos ocasionaram mudanças significativas nos parâmetros norteadores do ensino dessa disciplina e, por conseguinte, na prática pedagógica do Ensino de Língua Portuguesa. Sobre isso, SANTOS, 2002, p.30-31, nos diz que: "Passou-se, assim, a prescrever que a aprendizagem da leitura e da escrita deveria ocorrer em condições concretas de produção textual. Desloca-se o eixo do ensino voltado para a memorização de regras da gramática de prestígio e nomenclaturas". Nessa pesquisa, percebe-se que o trabalho normativo da gramática vem dando espaço ao trabalho mais contextualizado da Língua Portuguesa valorizando a língua em todos os seus aspectos comunicativos.

PALAVRAS-CHAVE: Linguística, Ensino, Língua Portuguesa.

1 INTRODUÇÃO

O ensino da Língua Portuguesa vem, nos últimos anos, passando por diversas modificações. Uma dessas modificações mais notáveis diz respeito ao uso do texto e do contexto enquanto objetos de ensino/unidade, conforme sinaliza Santos (2007, p. 787). É nesse cenário que se fala em Gramática Contextualizada e/ou Análise Linguística, por meio das quais o tratamento dado aos conteúdos dessa disciplina passa a ser abordado a partir de situações reais de comunicação, o que leva para a sala de aula o ensino contextualizado da gramática. Partindo desse pressuposto, surge, agora uma abordagem de cunho contextual que aborda termos da gramática inseridos em uma situação comunicativa, ou seja, a fala dos mais diversos atores sociais por intermédio de inúmeros gêneros textuais escritos ou imagéticos; charges, quadrinhos, tirinhas, entre tantos outros.

"Desloca-se, assim, o eixo do ensino voltado para a memorização de regras e nomenclaturas da gramática de prestígio, para um ensino cuja finalidade é o desenvolvimento da competência linguístico-textual, isto é, o desenvolvimento da capacidade de produzir e interpretar textos em contextos sócio-históricos verdadeiramente constituídos" (SANTOS, 2002, p. 31). Nesse sentido, a Linguística contribuiu para uma nova compreensão do que é ensino de Língua Portuguesa. O que, por sua vez, ocasionou diversas alterações no objeto e, acima de tudo, na metodologia de ensino dessa disciplina, na medida em que a atenção está sendo direcionada para os aspectos discursivos da linguagem em prol do real valor: A comunicação.

Este artigo problematiza as relações entre o ensino de Língua Portuguesa e a Linguística em uma das principais teorias que é a Análise Linguística, uma teoria que aos poucos vem conquistando os docentes. A variação linguística é um fenômeno que acontece com a língua e pode ser compreendida por intermédio das variações históricas e regionais. Na língua Portuguesa a linguística leva o aluno a lidar com diferentes situações na língua desenvolvendo as habilidades e competências necessárias para os tornarem reflexivos, sendo leitores e escritores críticos e adequados para produzirem, por exemplo, textos orais ou escritos.

2 A LINGUÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

 

            Em meio a tantos estudos sobre Linguística que nos permeiam nas últimas décadas e fazendo um paralelo aos métodos tradicionais de ensino da Língua Portuguesa que resistem até dias hodiernos, há uma indagação recorrente de grande parte dos profissionais de letras no Brasil: De que forma a Linguística contribui para o ensino da Língua Portuguesa?

            A essa pergunta, como resposta, e há inúmeras contribuições, pode-se dizer de maneira genérica que a grande contribuição da Linguística moderna para o profissional de letras é instigar a um conhecimento mais estruturado, científico e profundo sobre como a língua é constituída e sobre como ela funciona enquanto instrumento de comunicação com uma dimensão social e histórica que é mesmo constitutiva da língua. O professor que domina esse conhecimento tem melhores condições de decidir o que é pertinente trabalhar com os seus alunos e como estruturar as atividades que os ajudem a atingir um maior domínio da língua e a ter uma maior e melhor competência comunicativa.

2.1 EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA

A linguagem, assim como seus recursos expressivos podem ser incorporados por qualquer pessoa em qualquer fase da vida, mas quando se trata da reflexão sobre esses usos e da ampliação de domínios de linguagem para situações específicas de interação social, a intervenção formal e sistematizada no conhecimento que se tem sobre a língua é de fundamental importância. Essa intervenção no saber linguístico do indivíduo deve ter como princípio o respeito ao conhecimento linguístico que ele traz consigo e apresentar possibilidades de ampliação de sua competência comunicativa. Vasconcelos (2009) compreende que é pressuposto da educação linguística um tratamento escolar cientificamente embasado. Segundo a autora, é necessário ao professor escolher uma vertente linguística para se aprofundar e, a partir de seus princípios e procedimentos, descrever a Língua Portuguesa. Corroborando com essa compreensão, Pessoa 

(2007) defende que o trabalho com educação linguística deve considerar como legítimos os usos das linguagens nas diversas situações sócio-comunicativas, sejam elas cotidianas e mais particulares, sejam aquelas institucionalizadas, públicas ou mais elaboradas. A pesquisadora sugere que o professor adote a concepção de língua e de linguagem defendida por Bakhtin para o trabalho com educação linguística em que a língua seja instrumento de interação entre os homens.

Também se sustentando nos estudos bakhtinianos, Souza (2009, p.104) assume essa concepção para o trabalho com a linguagem, entendendo que na educação linguística formal: “o aluno apropria-se de conhecimentos e conceitos que ainda não domina, a fim de melhorar o seu desempenho linguístico.” Um trabalho que não se resume ao ensino de regras e definições gramaticais, mas na incorporação de recursos linguísticos para o aprimoramento textual e discursivo de produções orais e escritas dos alunos, o que significa abdicar da noção de neutralidade da linguagem e da compreensão dos conteúdos como imutáveis e fixos, como verdades já prontas. Conduzir o ensino de Língua Portuguesa segundo a concepção interacionista, pressupõe, para o trabalho com educação linguística, atividades contínuas que extrapolem as instâncias formais de educação.

2.2 LINGUÍSTICA, ENSINO E A VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO PRÉVIO

Como o ensino da língua portuguesa destina-se a preparar o aluno para lidar com a linguagem e suas diversas situações de uso e manifestações comunicativas, inclusive a estética, cabe ao professor, após o aluno ter domínio da língua materna, conduzir ao acesso das demais áreas do conhecimento.

O desenvolvimento do saber linguístico implica, leitura compreensiva e críticas de textos diversos: produção escrita em linguagem padrão; análise e manipulação da organização estrutural da língua e percepção das diferentes linguagens como forma de compreensão do mundo, contudo esse desenvolvimento não pode deixar de ser trabalhado em contexto com o conhecimento prévio do aluno, inclusive com levando em consideração a diversidade vocabular dos estudantes, sejam elas sociais, geográficas, históricas ou quaisquer outras.

Para que o planejamento se desenvolva e sejam alcançados os objetivos, esse deve estar inserido na realidade do alunado, assim como, a linguagem também esteja ao alcance desse público, outrossim que sua cultura linguística esteja sendo valorizada. Piaget (1995) afirma que o meio social é muito importante para assimilação cognitiva e o aluno só alcança a acomodação, ou seja, a fixação do conteúdo se estiver motivado, interessado verdadeiramente na aula, quer por motivos profissionais, quer por motivos pessoais. De outra forma, o aluno irá decorar somente a matéria para uma prova, por exemplo, e em seguida irá esquecer.

Assim, cabe ao profissional a orientação do “bom uso” linguístico intensificando uma reflexão cotidiana sobre a linguagem de cada aluno, observando e mantendo as relações entre uso dessa linguagem e atividades de análise linguísticas e de explicitação da gramática. Como também aplicações distintas das variantes linguísticas, com valores e funções de uso adequado, visto que não há comunidades, linguisticamente, homogêneas.

3 O PRECONCEITO LINGUÍSTICO

            Na obra “Preconceito Linguístico: o que é, como se faz” (1999), o professor, linguista e filólogo Marcos Bagno aborda sobre os diversos aspectos da língua, bem como o preconceito linguístico e suas implicações sociais. Segundo ele não existe uma forma “certa” ou “errada” dos usos da língua e que o preconceito linguístico, gerado pela ideia de que existe uma única língua correta (baseada na gramática normativa), colabora com a prática da exclusão social.

            Não é incomum o professor se deparar, em sala de aula, com diversas realidades linguísticas. Em uma mesma cidade, na mesma turma podem ser encontrados alunos provenientes de regiões distintas, classes sociais distintas, religiões distintas, educações domésticas distintas. Esses são apenas alguns exemplos de fatores que contribuem para variações linguísticas. Como o profissional de educação vai agir diante de tantos falares? O que o levará a definir qual o falar correto e qual o falar incorreto? A resposta a indagações como essas é uma pergunta retórica: Ao definir o correto e/ou o incorreto, o profissional será inclusivo ou excludente?

Diversas realidades requerem diversos comportamentos. Marcos Bagno nos mostra que todo juízo de valor negativo (de reprovação, de repulsa ou mesmo de desrespeito) às variedades linguísticas de menor prestígio social é preconceito linguístico. Normalmente, esse prejulgamento dirige-se às variantes mais informais e ligadas às classes sociais menos favorecidas, as quais, geralmente, têm menor acesso à educação formal ou têm acesso a um modelo educacional de qualidade deficitária.

            Ainda de acordo com Bagno, na obra Preconceito Linguístico: o que é, como se faz (1999), o preconceito linguístico deriva da construção de um padrão imposto por uma elite econômica e intelectual que considera como “erro” e, consequentemente, reprovável tudo que se diferencie desse modelo. Além disso, está intimamente ligado a outros preconceitos também muito presentes na sociedade.

            Todavia, opondo-se ao que, supostamente, acreditam aqueles que ditam “o modelo do certo”, as realidades nas mais diversas salas de aulas brasileiras não contemplam aspectos linguísticos homogêneos. Aí a necessidade de o professor conduzir planejamentos que valorizem a diversidade linguística, sobretudo em um país “plurilinguístico” como o Brasil, combatendo o preconceito linguístico.

3.1 CONSEQUÊNCIAS DO PRECONCEITO LINGUÍSTICO

Muitas são as consequências do preconceito linguístico, mas, talvez uma das mais evidentes seja a acentuação dos demais preconceitos a ele relacionados. Isso significa que o indivíduo excluído em sala de aula, por exemplo, por se utilizar de uma variedade informal da língua, crie barreiras o impedindo de expor opiniões, tirar dúvidas, enfim, expressar-se de forma oral, e, provavelmente, continuará excluído. O aluno segregado por apresentar sotaque de uma determinada região continuará sendo visto de forma estereotipada, sendo motivo de riso ou de chacota e assim por diante.

No Brasil, de forma geral, o preconceito linguístico é muito perceptível em dois âmbitos: no regional e no socioeconômico.

No primeiro caso, é comum que os agentes estejam nos grandes centros populacionais, os quais monopolizam cultura, mídia e economia, como Sudeste e Sul. As vítimas, por sua vez, normalmente, estão nas regiões consideradas pelos algozes como mais pobres ou atrasadas culturalmente (como Nordeste, Norte e Centro-Oeste). Rótulos como o de “nordestino analfabeto” ou de “goiano caipira”, infelizmente, ainda estão presentes no pensamento e no discurso de muitos brasileiros.

No segundo caso, o preconceito linguístico dirige-se da elite econômica para as classes mais pobres. Segundo o professor Bagno, muitos usam a língua como ferramenta de dominação, visto que o desconhecimento da norma-padrão, de acordo com essas pessoas, representaria um baixo nível de qualificação profissional. Por essa razão, muitas pessoas permanecem nos subempregos e com péssima remuneração. Pode-se perceber que o preconceito linguístico é um dos pilares de manutenção da divisão de classes no Brasil.

Vê-se mais uma vez que o professor é uma importante ferramenta para desconstruir a ideia velada do “linguisticamente certo e errado”. A participação de escola na propagação do princípio da adequação linguística é fundamental para o fim do preconceito linguístico.

O preconceito na língua faz com que os indivíduos se sintam humilhados ou intimidados com a possibilidade de cometer um erro de português. Bagno afirma também que a elite linguista age “Como se o fato de saber a regência ‘correta’ do verbo implicar, por exemplo, gerasse algum tipo de vantagem, de superioridade, de senha secreta para o ingresso num círculo de privilegiados”.

Até aqui não se defende que o ensino da Língua Portuguesa não seja pautado na norma culta, mas sim que não seja desprezado o conhecimento e o falar de determinadas classes. Defende-se que o planejamento seja inclusivo, que salas de aula não sejam segregadas e que alunos não sejam hostilizados por sua variação linguística. Defende-se ainda que seja valorizada a riquíssima variedade linguística do país.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As particularidades do português brasileiro, sobretudo as peculiaridades linguísticas de cada região do extenso território nacional, são de muita relevância aos estudos da linguagem e se mostram  pertinentes quando a abordagem desses estudos envolve o ensino, a educação, a utilização da língua materna na realidade dos falantes e até aplicação do português brasileiro padrão exigido pela sociedade, considerando que tal exigência emerge de uma pequena fração dessa sociedade, a qual apresenta um domínio sobre o todo.

Sem dúvida, o domínio de classes sociais, umas sobre as outras, está arraigado a fatores como poder econômico e político e exercem influências no predomínio de uma linguagem. Diante disso, torna-se imprescindivelmente importante o papel e atuação do professor em sala de aula, sobretudo à disciplina de Língua Portuguesa. E um dos principais propósitos dos estudiosos sociolinguistas brasileiros, direciona-se a explicação das diferentes formas de pronúncias existentes no Brasil, as quais se defrontam com a norma culta.

Assim, a língua é considerada um objeto histórico, possível de transformações e acompanha a evolução da humanidade em um espaço-tempo, portanto, se modifica no tempo e se diversifica no espaço. Cabe ao professor mostrar que linguagem padrão que é ensinada nas escolas não é a única conhecida como a forma correta de se comunicar.

Ao finalizar estas breves reflexões, é importante identificar a compreensão de que, quanto maior a exposição às variedades linguísticas, aos falares, e às diversidades culturais, mais lhe enriquece como pessoa sábia e de intelectual desenvolvido.

Walbe Tavares de Oliveira: Mestre em Educação. Graduado em Letras pela Universidade Castelo Branco. Graduado em Pedagogia pelo Centro Universitário Facvest. Pós-graduado em Docência do Ensino Superior; Ensino da Língua Portuguesa e Psicopedagogia com Ênfase em Educação Especial pela Faculdade São Luís. Pós-graduado em Gestão Educacional e Estudo da Linguística pelo Centro Universitário UniBF.

5 REFERÊNCIAS

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. São Paulo: Edições Loyola, 47ª ed., 1999;

BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teórico-metodológicos. In: DIONÍSIO, Ângela Paiva; MACHADO, Anna Raquel; BEZERRA, Maria Auxiliadora. (Org.). Gêneros textuais & ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2010;

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular: Brasília, 2018;

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portuguesa: 1º e 2º Ciclos. Brasília: MEC, 1997.

CEREJA, William Roberto; MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática Reflexiva: texto, semântica e interação. São Paulo: Atual, 2005;

MENDONÇA, M. Análise linguística no ensino médio: um novo olhar, um outro objeto. In: BUNZEN. C.; MENDONÇA, M. (Org.) Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 109-226;

SANTOS, Carmi Ferraz. O ensino da leitura e a formação em serviço do professor. Revista Teias, Rio de Janeiro/ RJ, ano 3, v. 05, n. jan/jun, p. 29-34, 2002;

SOUZA, E. M. F. A aula de português como instância de produção e circulação de conhecimentos linguísticos e não linguísticos. In: SOUZA, E. M. F.; CRUZ, G. F. (Orgs.) Linguagem e ensino: elementos para reflexão nas aulas de língua inglesa e língua portuguesa. Vitória da Conquista, BA: Edições UESB, 2009, p. 97-112.

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