A Intencionalidade na Fenomenologia de Husserl: Diálogos Transdisciplinares com as Geociências e a Geografia.
Ivan Carlos Zampin;
Resumo
Este artigo realiza uma investigação transdisciplinar aprofundada sobre as interfaces entre a fenomenologia de Edmund Husserl, as geociências e a geografia, situando este diálogo no contexto da história da filosofia e da epistemologia contemporânea. Partindo do conceito fundamental de intencionalidade “consciência de algo” (Bewusstsein von etwas), examina-se como a revolução fenomenológica oferece bases epistemológicas para superar as dicotomias tradicionais nas ciências da Terra. A metodologia combina análise hermenêutica dos textos husserlianos com estudos de caso concretos em geomorfologia, climatologia e gestão ambiental, articulando a estrutura noético-noemática com conceitos fundamentais das geociências, como paisagem, território e sistema ambiental. Demonstra-se que a fenomenologia não fornece apenas um instrumental crítico para compensar os fundamentos das ciências da Terra, mas também oferece caminhos metodológicos para pesquisas aplicadas. Conclui-se pela emergência de um novo paradigma de compreensão ambiental que integra dimensões objetivas e subjetivas da experiência do espaço, configurando uma epistemologia ambiental fenomenológica.
Palavras-chave: Fenomenologia; Epistemologia; Geociências; Geografia; Intencionalidade; História da Filosofia.
1. Introdução
1.1. A Crise das Ciências e o Diálogo Interdisciplinar
O final do século XIX e o início do XX representam um período de intensa transformação epistemológica que afetou tanto as ciências naturais quanto as humanas. A fenomenologia de Edmund Husserl emerge neste contexto como resposta à crise dos fundamentos que atingiram especificamente as ciências da Terra. Como observa Husserl (1996, p. 15), "a crise das ciências europeias manifesta-se como esquecimento do “mundo da vida” (Lebenswelt), base última de toda experiência científica". Esta constatação husserliana não se limitava a uma crítica epistemológica abstrata, mas apontava para uma alienação crescente entre o conhecimento técnico-científico e as experiências concretas que lhe dão significado.
Nas geociências, esta crítica adquire relevância especial. As disciplinas que estudaram a Terra, ou seja: geografia, geologia e climatologia, oscilaram historicamente entre um objetivismo positivista, que pretendia descrever a realidade natural "tal como ela é", independentemente do observador, e um subjetivismo interpretativo que, em sua forma radical, arriscava cair no relativismo. A fenomenologia propõe uma superação dessa oposição binária, recolocando o sujeito como coparticipante ativo da constituição de sentido do mundo natural. Como reforça Morin (2001, p. 87), "todo conhecimento é ao mesmo tempo tradução e construção; ele participa da realidade que descreve". Esta participação ativa do sujeito no processo de conhecimento não significa abandonar o rigor científico, mas antes reconhecer que a objetividade científica é sempre correlativa a uma subjetividade transcendental que a constitui.
A geografia, especificamente, sempre envolveu o desafio de articular dimensões naturais e humanas do espaço. Christofoletti (1980, p. 23) afirma que "a geografia situa-se na interface entre ciências naturais e humanas, exigindo constante reflexão epistemológica sobre seus fundamentos". Essa posição interfacial, longe de ser uma fragilidade, constitui a riqueza e a especificidade do olhar geográfico, que se torna especialmente fecundo quando em diálogo com a fenomenologia. Esta fertilidade cruzada permite compreender o espaço geográfico não como palco estático onde se desenrolam fenômenos naturais e humanos, mas como vivência intencional constantemente reconfigurada pelas práticas sociais e pelas percepções dos diferentes atores que o habitam e o transformam.
O conceito de intencionalidade, reformulado por Husserl a partir de Brentano, indica que "toda consciência é consciência de algo" (HUSSERL, 1988, p. 89), estabelecendo uma correlação essencial entre o ato de conhecer e o objeto conhecido. Esta estrutura intencional não é apenas uma característica psicológica da consciência, mas a condição transcendental de possibilidade de todo conhecimento. Esse princípio confere ao conhecimento geográfico uma dimensão ética e perceptiva fundamental, ou seja: conhecer a Terra é, simultaneamente, refletir-se nela como sujeito encarnado e histórico. Como observa Merleau-Ponty (1994, p. 15), "o mundo não é aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo".
A crise diagnosticada por Husserl manifestava-se nas geociências por meio de uma crescente fragmentação do conhecimento e de uma tecnificação que, embora trouxesse avanços incontestáveis do ponto de vista operacional, frequentemente perdia de vista as questões de sentido. O geógrafo, o geólogo, o climatologista viam-se progressivamente enclausurados em especializações estanques, incapazes de dialogar entre si e com a sociedade mais ampla. A fenomenologia oferece aqui a possibilidade de uma "volta às coisas mesmas" que não é retorno ingênuo a um suposto dado imediato, mas acesso ao mundo tal como se dá na experiência vivida, antes de sua elaboração teórica.
Esta abordagem permite resgatar a unidade do saber sobre a Terra, articulando saberes científicos e saberes tradicionais, conhecimentos técnicos e experiências vividas. Como argumenta Ab’Sáber (2003, p. 17), "a compreensão dos domínios naturais exige não apenas análise de variáveis físicas, mas também a consideração das diferentes formas de apropriação e percepção do território". A paisagem, conceito central da geografia, revela-se assim como realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, material e simbólica, natural e cultural.
O diálogo entre fenomenologia e geociências não é, portanto, mero exercício acadêmico, porém, necessidade premente face aos desafios ambientais contemporâneos. A crise ecológica, com suas múltiplas dimensões, exige um saber capaz de integrar abordagens quantitativas e qualitativas, análises objetivas e reflexões sobre os valores que orientam nossa relação com a Terra. A fenomenologia, ao insistir na radical interdependência entre sujeito e mundo, oferece as bases para uma ecologia profundamente humana, que reconhece nossa responsabilidade face ao planeta que habitamos e transformamos.
Neste contexto, o conceito husserliano de Lebenswelt - o mundo da vida pré-científico onde se fundam todas as construções teóricas, revela-se de especial fecundidade. As categorias científicas com que descrevemos o ambiente, assim: bacias hidrográficas, domínios morfoclimáticos, ecossistemas, remetem, em última instância, a experiências vividas de um mundo que nos é comum. Recuperar esta dimensão originária não significa abandonar o rigor científico, mas antes reconhecer seu fundamento último e sua finalidade humana.
2. Referencial Teórico e Metodológico
2.1 Fundamentos Histórico-Filosóficos
A fenomenologia surge num contexto de esgotamento do idealismo alemão e da ascensão do positivismo científico. Husserl buscou uma terceira via, herdeira da filosofia transcendental kantiana, mas crítica de seus limites. Como aponta Heidegger (2005, p. 56), “a fenomenologia inaugura uma nova forma de pensar o ser, a partir da abertura do mundo vívido”. Essa abertura é o que permite integrar a experiência sensível e a estrutura conceitual no mesmo horizonte de sentido.
A crítica husserliana ao psicologismo, desenvolvida nos Prolegômenos, à Lógica dura (1900), rejeita a redução do pensamento a estados mentais e propõe o retorno “às coisas mesmas” (zu den Sachen selbst). Esse retorno orienta a observação geográfica, que não pode ser mera coleta de dados, mas deve implicar uma época sobre os pressupostos de objetividade. Segundo Gadamer (1997, p. 44), “compreender é sempre um ato de fusão de horizontes”, o que, aplicado às geociências, significa refletir a pluralidade de modos de aparecer do real.
2.2 Metodologia Fenomenológica Aplicada
A pesquisa adota uma abordagem qualitativa e interpretativa, fundamentada na hermenêutica fenomenológica. Foram analisados textos de Husserl, Merleau-Ponty, Heidegger e comentaristas contemporâneos, cruzados com estudos empíricos sobre paisagem e percepção ambiental. Inspiramo-nos em Thompson (2015), que propõe a “entrevista fenomenológica” e a “caminhada fenomenológica” como meios de captar a imigração rica da experiência ambiental.
Essa metodologia foi articulada à teoria dos sistemas abertos de Bertalanffy (1973), associando a totalidade sistêmica da Terra à totalidade da consciência. A pesquisa anexa, ainda, o princípio da complexidade de Morin (2001), “que entende o conhecimento como processo auto-organizado e inseparável de seu contexto”.
3. Desenvolvimento
3.1. Diálogos Epistemológicos entre Fenomenologia e Geociências
O conceito de paisagem, em Bertrand (1972, p. 15), pode ser relido à luz da intencionalidade husserliana, ou seja, “a paisagem resultado da iluminação entre sistemas ecológicos e sistemas antrópicos”. Assim, a paisagem não é uma entidade objetiva nem mera representação, mas um campo intencional de significações.
A teoria geral dos sistemas (BERTALANFFY, 1973) aproxima-se dessa perspectiva ao conceber as características naturais como totalidades dinâmicas. Gondolo (1999, p. 78) observa que “a fenomenologia e a teoria dos sistemas convergem ao superar visões mecanicistas da realidade”. Essa convergência se torna visível em análises ambientais que incorporam percepção, ética e política territorial.
Merleau-Ponty (1999) reforça que “o corpo é nosso meio de ter um mundo”, ideia essencial para compreender como o geógrafo ou geocientista se relaciona sensorialmente com o espaço. Assim, a experiência da montanha, do rio ou do clima envolve tanto a dimensão empírica quanto a afetiva e histórica da consciência.
Na climatologia, Monteiro (1976) afirma que o clima é também “vivência”, pois as condições atmosféricas se traduzem em sentimentos e percepções corporais. Essa noção de “clima vívido” encontra eco na estrutura noético-noemática de Husserl, em que o específico é sempre algo para alguém, num contexto temporal e cultural específico.
A intencionalidade, segundo Forghieri (2002, p. 15), “é o ato de definir sentido, a saída de si em direção ao mundo que tem significado para o sujeito”. Essa reciprocidade entre consciência e mundo reforça o papel do pesquisador como parte das características, e não como mero observador externo. Schutz (1979) complementa: “toda experiência social é mediada por horizontes de sentido compartilhado”, o que implica que as políticas geográficas devem ser compreensivas e dialógicas. Ferreira (2016) observa que “a geografia humanista recoloca o sujeito no centro do espaço, integrando o vívido e o científico”.
Monteiro (1976) e, Gondolo (1999) “demonstram que, nos estudos ambientais, o olhar fenomenológico amplia a definição do espaço, da mensuração empírica à compreensão da significação. Castro (2014) propõe incluir as descrições passivas na análise fenomenológica, registrando como dimensões culturais e históricas moldam o foco da atenção geográfica. Essa ampliação da fenomenologia da teoria da percepção ambiental, mostrando que a experiência geográfica é seletiva, voltada para conscientes e inconscientes.
4. Resultados e Discussão
Uma investigação mais recente revelou que a fenomenologia oferece às geociências um quadro reflexivo capaz de integrar o ambiente vívido e o ambiente modelado, estabelecendo uma ponte entre a experiência sensível imediata e as construções teóricas que dela derivam. Hazard (2022, p. 34), argumenta que a fenomenologia ajuda a "reconstruir os caminhos do sentido intersubjetivo do espaço científico", confirmando que compreender a Terra é, antes de tudo, compreender o modo como ela aparece à consciência. Esta perspectiva implica reconhecer que os modelos científicos, por mais sofisticados que sejam, não substituem a riqueza da experiência direta, mas antes nela se fundamentam e a ela devem retornar para validar seu significado humano.
A intencionalidade, longe de ser um conceito abstrato, revela-se, assim, como operador metodológico concreto para a pesquisa em geociências. Como demonstram estudos empíricos recentes em geomorfologia, a percepção das formas de relevo não é mero registro passivo de dados sensoriais, mas atividade constituinte de sentido que envolve memória, expectativa e contexto cultural. Esta compreensão permite superar a visão instrumental do espaço como simples recurso ou obstáculo, recuperando sua dimensão existencial como horizonte de possibilidades para a ação humana.
Em estudos contemporâneos, observa-se que a intencionalidade também reforça a interdisciplinaridade ao revelar como diferentes ciências da Terra correspondem a diferentes modos de "visar" o mesmo objeto. A geologia, a climatologia e a ecologia, por exemplo, não estudam realidades distintas, mas antes constituem diferentes perspectivas intencionais sobre a mesma realidade terrestre. Esta compreensão favorece o diálogo entre disciplinas, não como justaposição forçada, mas como articulação coerente de olhares complementares.
A relação entre observador e ambiente, como propõe Morin (2001, p. 92), revela um laço ético profundo: “ao conhecer o mundo, transformamo-nos reciprocamente”. Esta percepção sugere que pensar o espaço e o sistema ambiental não é apenas medir características objetivas, mas tomar posição diante delas, assumindo a responsabilidade pelos significados que atribuímos e pelas intervenções que realizamos. A ciência ambiental deixa assim de ser atividade neutra para tornar-se prática reflexiva inserida num contexto de valores.
Portanto, a fenomenologia aplicada à geografia e às geociências propõe uma virada epistemológica radical, ou seja, substituir o paradigma positivista da neutralidade pela hermenêutica da responsabilidade. Nesta nova perspectiva, o sujeito da experiência passa a ser também o sujeito da ética, responsável pelo modo como descreve e intervém no mundo. Como argumenta Jonas (2006, p. 45), "o poder transformador da técnica moderna exige uma ética da responsabilidade que leve em conta os efeitos de longo prazo de nossas ações sobre o planeta".
Esta virada implica reconceitualizar noções fundamentais das geociências. A paisagem, por exemplo, deixa de ser objeto mensurável para tornar-se "texto" a ser interpretado, palco de histórias entrelaçadas de transformação natural e ação humana. O território revela-se não como dado físico, mas como construção simbólica continuamente negociada através de práticas sociais. O sistema ambiental aparece como rede de significados tanto quanto de fluxos materiais.
A aplicação desta perspectiva mostra-se particularmente urgente face aos desafios das mudanças climáticas. Compreender o aquecimento global exige não apenas dominar complexos modelos climáticos, mas também interpretar como diferentes sociedades percebem, significam e respondem a estas transformações. A fenomenologia oferece aqui o instrumental para articular dados científicos com experiências vividas, evitando tanto o tecnocratismo alienado quanto o catastrofismo impotente.
O conceito husserliano de "mundo da vida" (Lebenswelt) adquire assim atualidade renovada como instância crítica face à crescente virtualização do conhecimento ambiental. Os sistemas de informação geográfica, sensoriamento remoto e modelagem computacional, embora ferramentas poderosas, não podem substituir o conhecimento direto do território que emerge do habitar efetivo. A fenomenologia lembra-nos que toda mediação técnica pressupõe uma experiência imediata que lhe dá sentido último.
Nesta perspectiva, a educação ambiental transforma-se radicalmente. De transmissão de informações, passa a cultivo da atenção às próprias experiências do ambiente. Exercícios de descrição fenomenológica do cheiro da terra após a chuva, da textura das rochas, da qualidade da luz em diferentes estações, desenvolvem uma sensibilidade ecológica que fundamenta eticamente o conhecimento técnico.
A fenomenologia convida assim as geociências a uma autorreflexão crítica sobre seus próprios pressupostos e finalidades. Que mundo construímos através de nossas descrições científicas? Que relações com a Terra favorecem nossas categorias analíticas? Que sujeito e que sociedade pressupõem nossas práticas de conhecimento? Estas questões, longe de desqualificar o saber científico, aprofundam seu significado e ampliam seu alcance social.
Deste diálogo entre fenomenologia e geociências emerge uma visão do saber ambiental como prática simultaneamente rigorosa e reflexiva, técnica e hermenêutica, objetiva e ética. Um saber capaz de honrar tanto a complexidade dos sistemas terrestres quanto a profundidade da experiência humana, contribuindo assim para uma relação mais sábia e responsável com o planeta que nos acolhe.
5. Conclusão
A integração entre a fenomenologia husserliana e o campo das geociências representa um horizonte promissor para o pensamento científico do século XXI. O diálogo entre filosofia e geografia evidencia que compreender o mundo natural requer uma revisão epistemológica mais profunda, capaz de incluir a subjetividade e a intencionalidade no cerne da produção do conhecimento. Husserl, ao propor uma ciência rigorosa das essências, não apenas superou o psicologismo e o positivismo, mas abriu caminhos para reinterpretar o papel do sujeito como participante ativo na constituição do real. Nesse sentido, a fenomenologia encontra na geografia um campo fecundo para aplicação de seus princípios, redefinindo o espaço, a paisagem e o ambiente como dimensões inseparáveis da experiência humana.
A noção de Lebenswelt (mundo da vida) apresenta-se, neste contexto, como chave de leitura para compensar as bases das ciências da Terra. Tal conceito, ao se contrapor à abstração tecnocientífica, reintroduz o sujeito, o corpo e a experiência sensível como dimensões fundantes do saber geográfico. Assim, compreender a Terra não é apenas analisar dados e processos, mas refletir-se como parte integrante de um mundo compartilhado e vívido. Essa perspectiva exige que o pesquisador reoriente sua postura, abandonando a neutralidade observacional e assumindo uma atitude fenomenológica de abertura às preferências.
A intencionalidade, enquanto articulação entre consciência e mundo, torna-se um princípio metodológico para o estudo do espaço. No contexto das geociências, ela permite revelar que cada mapa, modelo ou teoria, reflete um modo específico de direcionamento da consciência, uma forma particular de expressar o mundo. Dessa forma, toda ciência da Terra é também uma hermenêutica do vívido, uma interpretação do modo como o planeta se manifesta à experiência humana. Essa ideia reconfigura o papel do pesquisador, ou seja, de um observador externo, ele passa a ser um coautor do sentido produzido sobre o ambiente.
Os desdobramentos dessa reconfiguração são amplos. A fenomenologia fornece subsídios para uma ética ambiental fundada na intersubjetividade e na corresponsabilidade. Ao compreender o espaço como horizonte comum da experiência, supera-se a cisão entre natureza e cultura e inauguram-se caminhos para práticas científicas colaborativas, inclusivas e sustentáveis. Na pesquisa ambiental contemporânea, tal postura se traduz na valorização de saberes locais, na incorporação das percepções comunitárias e na ampliação da noção de racionalidade científica para abarcar dimensões simbólicas, afetivas e históricas.
Dessa forma, o método fenomenológico contribui não apenas para o rigor epistemológico das ciências da Terra, mas também para sua humanização. Ele estimula o reconhecimento do planeta como um “corpo vivo” em constante processo de auto-organização e ressignificação, no qual os seres humanos desempenham papel ético e cognitivo simultâneo. Aplicada à geografia, essa visão permite acolher as multiplicidades de sentido do espaço, transformando-o de objeto de estudo em território de encontro.
A nova proposta epistemológica a partir da fenomenologia é, portanto, relacional, sensível e crítica. Ela rompe com a lógica da fragmentação e propõe a integração entre teoria e prática, ciência e vida. Por isso, não se trata de um retorno romântico à subjetividade, mas de uma manutenção racional ampliada que permite o caráter situacional de todo conhecimento. A aparência, no contexto geocientífico, é mais do que um dado físico é, uma presença significativa que convoca a consciência a um ato de compreensão.
Em síntese, o diálogo entre a fenomenologia e as ciências da Terra permite conceber uma epistemologia ecológica integradora, onde o pensamento é inseparável da vida, e onde o espaço é compreendido como expressão de relações múltiplas e dinâmicas. Assim, a fenomenologia se consolida como um paradigma de reconciliação entre, mente e matéria, ciência e experiência, sujeito e mundo. Pensar fenomenologicamente o ambiente é, acima de tudo, redescobrir o sentido de habitar a Terra em sua profundidade ontológica e ética.
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Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor em Geografia, (Organização do Espaço), Graduado em Filosofia, Pesquisador, Docente no Ensino Superior, Ensino Fundamental, Médio, Especialista em Gestão Escolar e Gestão Pública.
Endereço para acessar este currículo: http://lattes.cnpq.br/2342324641763252