25/11/2019

A Indisciplina dos Alunos da Educação Básica Nas Aulas de Educação Física de Professores Iniciantes Na Carreira Docente

A INDISCIPLINA DOS ALUNOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE PROFESSORES INICIANTES NA CARREIRA DOCENTE

 

INDISCIPLINE OF STUDENTS OF BASIC EDUCATION IN THE AULAS OF PHYSICAL EDUCATION OF BEGINNERS TEACHERS IN THE TEACHING CAREER

 

Hugo Norberto Krug [1]

Universidade Federal de Santa Maria

Rodrigo de Rosso Krug [2]

Universidade de Cruz Alta

 

RESUMO: Este estudo objetivou analisar as percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul (Brasil), sobre a indisciplina dos alunos da Educação Básica nas aulas de Educação Física (EF). Caracterizamos o estudo como uma pesquisa qualitativa, descritiva e estudo de caso. O instrumento de pesquisa foi um questionário, tendo a interpretação das informações coletadas por meio da análise de conteúdo. Participaram cinco professores de EF iniciantes na carreira docente da referida rede de ensino e cidade. A partir das percepções dos professores estudados constatamos que: 1) os conceitos de indisciplina citados foram ‘atos praticados pelos alunos que vão contra as normas estabelecidas pela escola e pelo professor’, ‘atos praticados pelos alunos que prejudicam o andamento da aula e/ou o aprendizado’ e ‘atos de falta de respeito dos alunos com o professor e/ou colegas’; 2) as causas da indisciplina dos alunos citadas foram ‘a família dos alunos’, ‘a sociedade atual desajustada’ e ‘a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas nas aulas’; 3) as consequências da indisciplina dos alunos foram ‘a perda do controle da turma pelo professor’, ‘a geração de mais agressões entre os alunos’, ‘atrapalha o andamento da aula’, ‘prejudica o aprendizado dos alunos’ e ‘a perda ou diminuição da motivação do professor em ensinar os alunos’; e, 4) os procedimentos para tratar os alunos indisciplinados foram ‘prescrevendo as regras das aulas’, ‘encaminhando os alunos para a direção’, ‘dialogando com os alunos’, ‘tentando refletir com os alunos para compreender as causas’ e ‘não sei como fazer’. Concluímos que necessitamos desenvolver uma discussão permanente sobre essa temática para que possamos viabilizar alternativas para esse entrave pedagógico, que tanto limita a busca de uma EF de melhor qualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Educação Física. Professores Iniciantes. Indisciplina.

 

ABSTRACT: This study aimed to analyze the perceptions of beginners teachers in the teaching career on the public teaching network of a city in the interior of the State of Rio Grande do Sul (Brazil), about the indiscipline of students of Basic Education in Physical Education (PE) classes. We characterize the study as a qualitative reserach, descriptive and case study. The research instrument was a questionnaire, having the interpretation of the information collected through of the content analysis. Participated five PE teachers beginners in the teaching career of this refeer teaching network. From of the studied teachers' perceptions we found that: 1) the concepts of indiscipline cited were ‘acts practiced by students that go against the norms established by the school and by the teacher', 'acts practiced by the students that harm the progress of the class and/or learning' and 'acts of disrespect of students with the teacher and/or colleagues'; 2) the causes of indiscipline of the students cited were 'the student's family', 'current society misaligned' and 'the lack of interest of students in the activities proposed in class'; 3) the consequences of indiscipline students were 'the loss of control of the class by the teacher', 'the generation of more aggression among students', 'bother the class progress', 'harms the student learning' and 'the loss or decreased of the teacher motivation in teaching the students'; and, 4) the procedures to treat the undisciplined students were 'prescribing the rules of class', 'directing the students to the management', 'dialoguing with the students', 'trying to reflect with the students to understand the causes' and 'do not know how to make'. We conclude that we need to develop a permanent discussion about this thematic from that we to make feasible alternatives for this pedagogical obstacle, that both limits the search of a PE of better quality.

KEYWORDS: Physical Education. Beginners Teachers. Indiscipline.

 

1- AS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

De acordo com Santos et al. (2016, p.32), “estudos sobre o início da docência [em Educação Física] vêm ganhando espaço nos últimos anos” [inserção nossa], fato esse, possivelmente, consequência, segundo Marcelo Garcia (2010), de que esse é um período de tensões e aprendizagens intensas em ambientes geralmente desconhecidos e durante o qual, os professores iniciantes devem adquirir conhecimento profissional, além de conseguirem manter o equilíbrio emocional.

Já Huberman (1995) salienta que a fase de início da docência/carreira dura até três anos de magistério e a descreve como um período potencialmente problemático, pois o professor iniciante passa a se deparar com experiências que podem traumatizar e/ou entusiasmar, podendo ocasionar o abandono da profissão e/ou a confirmação do ser professor.

Dessa forma, Ilha e Krug (2016, p.199) destacam que “geralmente, os docentes iniciantes [em Educação Física] passam por dificuldades no período de entrada na docência, seja por fatores mais diretamente ligados ao ensino ou por aspectos externos, considerando que ambos possuem grande influência sobre o professor e o seu trabalho” [inserção nossa].

Então, no sentido de apontar as dificuldades/problemas/dilemas dos professores de Educação Física (EF) iniciantes citamos alguns estudos (BERNARDI et al., 2009; ILHA; KRUG, 2012; KRUG; KRUG; ILHA, 2013; ILHA; KRUG, 2016) que apontam a ‘indisciplina dos alunos’ como uma das principais dificuldades/problemas/dilemas dos professores de EF iniciantes, que prejudicam o bom andamento das aulas de EF na Educação Básica (EB).

Assim, sobre a indisciplina dos alunos, Mattos e Mattos (2001) dizem que esses não são mais dóceis, cooperativos como antes. Já Aquino (1996a) afirma que, há muito tempo, os distúrbios disciplinares deixaram de ser um evento esporádico e particular no cotidiano das escolas brasileiras, para se tornarem, talvez, um dos maiores obstáculos pedagógicos dos dias mais recentes. Ressalta que a maioria dos educadores não sabe como interpretar e administrar o ato indisciplinado. Para Jesus (1999), a indisciplina dos alunos integra todos os comportamentos e atitudes perturbadoras, inviabilizando o trabalho que o professor deseja desenvolver. Também, em tempos atuais, Sousa et al. (2016, p.578) colocam que “[a] indisciplina dos alunos continua sendo um fenômeno que ocupa lugar de destaque no ambiente escolar, sendo vivenciada de forma intensa por todos que fazem parte da instituição escolar [...]”.

Nesse direcionamento de cenário, a escuta e a problematização das percepções de professores de EF iniciantes na carreira docente ‘sobre a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF’, podem apontar dimensões importantes a serem consideradas em suas práticas pedagógicas, melhorando a atuação profissional.

Logo, torna-se necessário desenvolvermos estudos e/ou pesquisas que venham tratar dessa questão, pois, segundo Jesus (1999), é importante à análise da indisciplina na escola, já que esta se constitui no principal fator de stress dos professores.

Assim, embasando-nos nas premissas anteriormente mencionadas, formulamos a seguinte questão problemática norteadora desta investigação: quais são as percepções de professores iniciantes na carreira docente sobre a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF? Então, a partir dessa indagação colocada, o objetivo geral da investigação foi analisar as percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do Rio Grande do Sul-RS (Brasil), sobre a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF.

Para facilitar o cumprimento do objetivo geral, desmembramos-o nos seguintes objetivos específicos: 1) analisar o conceito de indisciplina nas percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil); 2) analisar as causas da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF nas percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil); 3) analisar as consequências da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF nas percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil); e, 4) analisar como devem ser tratados os alunos da EB considerados indisciplinados nas aulas de EF nas percepções de professores iniciantes na carreira docente da rede pública de ensino, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil).

A justificativa para a realização desta investigação tem como suporte Aquino (1996a) que destaca que, pesquisas sobre a indisciplina são relevantes, pois essa afeta a convivência de professores e alunos influenciando em dificuldades na prática pedagógica dos professores e, além disso, segundo Moura e Prodócimo (2017, p.49), “[...] o tema ainda é tratado como um tabu em muitas escolas, que evitam discussões sobre essa questão entre os educandos e os educadores”.

 

2- OS PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Em relação aos procedimentos metodológicos, caracterizamos a investigação como uma pesquisa qualitativa, descritiva e estudo de caso. Para Godoy (1995), a pesquisa qualitativa possui quatro características principais: a) tem o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador como instrumento fundamental; b) tem o caráter descritivo; c) tem o significado que as pessoas dão as coisas e à sua vida, como uma preocupação do investigador; e, d) tem o enfoque indutivo. Ressalta que o ambiente natural é um elemento significativo para a interpretação dos fenômenos sociais que envolvem os participantes da pesquisa, pois possibilita a descoberta de comportamentos e elementos que constituem o cotidiano dos investigados. Já Fazenda (1989) destaca que na pesquisa qualitativa a descrição é de situações, pessoas ou acontecimentos em que todos os aspectos da realidade são importantes. Godoy (1995) coloca que o estudo de caso visa proporcionar um exame detalhado de um ambiente, de um simples sujeito ou de uma situação em particular.

Assim, nesta investigação, o caso estudado referiu-se aos professores de EF iniciantes na EB de uma rede de ensino pública, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil) e a indisciplina de seus alunos.

O instrumento utilizado para coletar as informações foi o questionário de Krug e Krug (2014, p.4), o qual contém quatro perguntas abertas. São elas: “1) na sua percepção, qual é o conceito de indisciplina? 2) Na sua percepção, quais são as causas da indisciplina dos alunos nas aulas de EF? 3) na sua percepção, quais são as consequências da indisciplina dos alunos nas aulas de EF? 4) na sua percepção, como o professor deve tratar os alunos indisciplinados?” Assim, essas questões que compuseram o questionário estão relacionadas com os objetivos específicos desta investigação. A respeito do uso do questionário nos fundamentamos em Triviños (1987, p.137) que diz que, mesmo sendo “[...] de emprego usual no trabalho positivista, também o podemos utilizar na pesquisa qualitativa”.

As informações coletadas pelo questionário foram interpretadas pela análise de conteúdo que, segundo Turato (2003), possui os seguintes procedimentos básicos: a leitura flutuante, o agrupamento de respostas e a categorização. Para Moraes (1999), categorização é um procedimento de agrupar dados, considerando a parte comum existente entre eles. Classifica-se por semelhança ou analogia, segundo critérios previamente estabelecidos ou definidos no processo. Esse mesmo autor destaca que a unidade de significado (unidade de análise, unidade de registro) é o elemento unitário de conteúdo, pois toda categorização necessita definir o elemento ou indivíduo unitário a ser classificado. Ressalta que as unidades podem ser tanto as palavras, frases, temas ou mesmo os documentos na sua forma integral. Complementa ainda que a decisão sobre o que será a unidade é dependente da natureza do problema, dos objetivos da pesquisa e do tipo de materiais a serem analisados.

Participaram da investigação cinco professores de EF iniciantes na EB, sendo dois do sexo masculino e três do sexo feminino, de uma rede de ensino pública, de uma cidade do interior do Estado do RS (Brasil). Entretanto, o sexo dos colaboradores não foi objeto deste estudo. Já a faixa etária dos colaboradores variou de vinte à vinte e oito anos. Convém ressaltar que consideramos iniciantes aqueles que possuíam até três anos de docência na escola, conforme Huberman (1995). A escolha dos participantes aconteceu de forma intencional, sendo a disponibilidade dos mesmos o fator determinante para ser considerado colaborador da pesquisa. Consideramos necessário destacar que esses cinco professores de EF eram os únicos iniciantes das redes de ensino e cidade estudadas. Quanto aos aspectos éticos vinculados às pesquisas científicas, destacamos que todos os envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e suas identidades foram preservadas.

 

3- OS RESULTADOS E AS DISCUSSÕES

Os resultados e as discussões desta investigação foram orientados e explicitados pelos seus objetivos específicos, pois esses representaram as categorias de análise. Essa decisão está em consonância com o que afirmam Minayo; Deslandes e Gomes (2007) de que as categorias de análise são rubricas ou classes que reúnem um grupo de elementos gerados a partir da pesquisa de campo, sob um título genérico. Entretanto, destacam que a categorização pode ser construída, tanto previamente, quanto pode surgir como resultado da análise do material de pesquisa. Nesta investigação tivemos as categorias de análise construídas previamente.

Assim a seguir, apresentamos o que expuseram os professores iniciantes estudados, sobre a indisciplina dos alunos nas aulas de EF na EB.

 

3.1- Os conceitos de indisciplina nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados

Nessa categoria de análise, achamos importante mencionarmos Luft (2000) que coloca que, conceito significa a compreensão que alguém tem de uma palavra; noção, concepção, ideia. Assim, para esta investigação, consideramos conceito a compreensão que o professor de EF iniciante na carreira docente tem sobre a indisciplina. Nesse sentido, emergiram ‘três unidades de significados’ descritas na sequência a seguir.

A primeira e principal unidade de significado manifestada foi ‘atos praticados pelos alunos que vão contra as normas estabelecidas pela escola e pelo professor’ (três citações). Em se tratando dessa unidade, citamos Parrat-Dayan (2008, p.21) que diz que a indisciplina, enquanto um conflito de sala de aula caracteriza-se “pela quebra de regra e pela falta de limites, como por exemplo; falar durante as aulas o tempo todo, não levar material necessário, ficar em pé, interromper o professor, gritar, andar pela sala, jogar papeizinhos nos colegas e no professor, dentre outras atitudes que dificultam o trabalho dos docentes de ministrarem suas aulas com mais qualidade. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘não respeitar as regras básicas e mínimas da escola’ foi um dos conceitos de indisciplina nas percepções de acadêmicos de EF em situação de Estágio Curricular Supervisionado (ECS) nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AIEF), de uma universidade pública da região sul do Brasil. Entretanto, Oliveira (2015) caracteriza esse tipo de conceito como indisciplina regimentar que é aquela que rompe com regras para a organização do ambiente escolar, pois num ambiente complexo, como as escolas, onde circulam inúmeras e diferentes pessoas no dia a dia, são necessárias regras que possibilitem uma organização do tempo e do espaço condizente com o objetivo da aprendizagem. “A indisciplina regimentar trata das transgressões. Aborda a ruptura das regras justas e necessárias para a boa organização dos trabalhos na escola [...]” (OLIVEIRA, 2015, p.90).

A segunda unidade de significado manifestada foi ‘atos praticados pelos alunos que prejudicam o andamento da aula e/ou o aprendizado’ (uma citação). Essa unidade pode ser apoiada em Moura e Prodócimo (2017, p.49) que dizem que a indisciplina “[...] é um fenômeno existente nas escolas que cria enormes dificuldades para os docentes e alunos. Atrapalha sensivelmente a evolução das aulas, [...] prejudicando [...] o processo ensino-aprendizagem”. Esse fato está em consonância com o estudo efetivado por Krug e Krug (2014) que constataram que ‘o comportamento do aluno que prejudica o andamento da aula e/ou aprendizagem’ foi um dos conceitos de indisciplina nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil. Entretanto, Oliveira (2015) caracteriza esse tipo de conceito como indisciplina curricular que refere-se ao rompimento do contrato pedagógico prejudicando o desenvolvimento da aula e a aprendizagem escolar, ou seja, quando o aluno desrespeita regras interferindo negativamente na aprendizagem própria ou de seus pares.

Outra unidade de significado manifestada, a terceira e última, foi ‘atos de falta de respeito dos alunos com o professor e/ou colegas’ (uma citação). A respeito dessa unidade, apontamos Moura e Prodócimo (2017) que destacam que a indisciplina demonstra a falta de respeito dos alunos em aula, prejudicando as relações interpessoais. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘a falta de respeito dos alunos com o professor e colegas’ foi um dos conceitos de indisciplina nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil. Entretanto, Oliveira (2015) caracteriza esse tipo de conceito como indisciplina social ou incivilidade, que acontece nas escolas por meio do rompimento do que se espera ser uma conduta social, por meio de atitudes inadequadas ao local ou ao momento. “[...] caracteriza-se pela incivilidade, ou seja, à ruptura das regras sociais, do que é esperado de uma ‘boa educação’ [...]” (OLIVEIRA, 2015, p.89).

Assim, esses foram os conceitos de indisciplina nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Diante desse fato, podemos constatar que os conceitos de indisciplina dos professores de EF iniciantes na carreira docente estudados são muito parecidos (três do total de três) com os conceitos de acadêmicos de Licenciatura de EF em situação de ECS nos AIEF obtidos pelo estudo de Krug e Krug (2014), intitulado ‘Indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física’. Consequentemente, podemos inferir que, os conceitos de indisciplina entre professores de EF iniciantes na EB e acadêmicos de EF em situação de ECS são semelhantes. Entretanto, a respeito do conceito de indisciplina, Rego (1996) destaca que existe uma falta de clareza e consenso a respeito do significado do termo indisciplina, sendo que a maior parte das análises parece expressar as marcas de um discurso fortemente impregnado pelos dogmas e mitos do senso comum. Ressalta que os conceitos de indisciplina estão longe de serem consensuais, não só pela complexidade, mas também pela multiplicidade de interpretações que o tema encerra. Ainda, segundo Rego (1996), o conceito de indisciplina, como toda criação cultural, não é estático, uniforme, nem tampouco universal. Ele se relaciona com o conjunto de valores e expectativas que variam ao longo da história, entre as diferentes culturas e numa mesma sociedade. Também no plano individual a palavra indisciplina pode ter diferentes sentidos que dependerão das vivências de cada sujeito e do contexto em que foram aplicadas. Nesse sentido, para exemplificarmos, citamos dois autores que possuem conceitos diferentes. Para Luft (2000), indisciplina é todo o procedimento, ato ou dito contrário à disciplina que leva à desordem, à desobediência, à rebelião. Sendo assim, indisciplinado é aquele que se insurge contra a disciplina. Já Taille (1996) ressalta que se definirmos disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, a indisciplina poderá se traduzir de duas formas: a) a revolta contra essas normas, que traduz-se por uma forma de desobediência insolente; e, b) o desconhecimento delas, que traduz-se pelo caos dos comportamentos, pela desorganização das relações.

Ao realizarmos uma análise geral, sobre as percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, constatamos que a totalidade (três do total de três) dos conceitos de indisciplina manifestados está diretamente ‘ligada à fatores internos à ação pedagógica do professor’ (‘atos praticados pelos alunos que vão contra as normas estabelecidas pela escola e pelo professor’, ‘atos praticados pelos alunos que prejudicam o andamento da aula e/ou o aprendizado’ e ‘atos de falta de respeito dos alunos com o professor e/ou colegas’), sendo que não foi manifestado nenhum conceito diretamente ‘ligado à fatores externos à ação pedagógica do professor’. A partir dessas constatações, podemos inferir que os professores de EF iniciantes na EB estudados possuem uma percepção de que o conceito de indisciplina é ‘totalmente’ relacionado à sua ação pedagógica na aula de EF, ou melhor, mais precisamente aos alunos. Nesse sentido, é importante citarmos Aquino (1996b, p.48-49) que diz que:

 

Ora, não é possível assumir que a indisciplina se refira ao aluno exclusivamente, tratando-se de um problema de cunho psicológico/moral. Também não é possível creditá-la totalmente à estruturação escolar e suas circunstâncias sócio-históricas. Muito menos atribuir a responsabilidade às ações do professor, tornando-a um problema de cunho essencialmente didático-pedagógico. À nosso ver, a indisciplina configura como um fenômeno transversal a estas unidades conceituais (professor/aluno/escola) quando tomadas isoladamente como recortes do pensamento. Ou melhor, indisciplina é mais um dos efeitos do entre pedagógico, mais uma das vicissitudes da relação professor-aluno [...] (grifo do autor).

 

Dessa forma, consideramos que os professores de EF iniciantes na EB estudados precisam ter uma visão mais ampla de conceito de indisciplina.

 

3.2- As causas da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados

Nessa categoria de análise, achamos necessário citarmos Luft (2000) que diz que, causa significa o que faz com que algo exista ou aconteça; origem, motivo, razão. Assim, para esta investigação, consideramos causa aquilo que origina a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF. Nesse sentido, emergiram ‘três unidades de significados’, as quais foram elencadas a seguir.

A primeira e principal unidade de significado destacada foi ‘a família dos alunos’ (três citações). Relativamente a essa unidade, nos reportamos a Sousa et al. (2016, p.581) que destacam que a família tem responsabilidades enquanto causadora da indisciplina dos alunos na sala de aula, pois, os professores acreditam que a mesma “constituí o berço da educação, devido passar mais tempo com o indivíduo e serem responsáveis pelos valores éticos e morais”. Já Silva (2008 apud SOUSA et al., 2016) coloca que a família e a escola, são duas instituições diretamente ligadas ao ser humano em desenvolvimento, por isso carece interferir de maneira positiva, buscando pontos fundamentais que se efetive este ser de maneira saudável na sociedade presente. Segundo Rego (1996), muitos educadores atribuem a culpa pelo comportamento indisciplinado do aluno à educação recebida na família, assim como à dissolução do modelo nuclear familiar. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘os desajustes familiares’ foi uma das causas da indisciplina dos alunos nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

A sociedade atual desajustada’ (uma citação) foi a segunda unidade de significado destacada. Quanto a essa unidade, nos referimos à Rego (1996), que destaca que, muito frequentemente, os educadores vêem a indisciplina como um sinal dos tempos modernos, revelando saudade das práticas escolares e sociais de outrora, que não davam margem à desobediência e inquietação por parte das crianças e adolescentes. É comum verem a indisciplina como reflexo da pobreza e da violência presente de um modo geral na sociedade e fomentada, de modo particular, nos meios de comunicação, especialmente a TV. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘os desajustes sociais’ foi uma das causas da indisciplina dos alunos nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Outra unidade de significado destacada, a terceira e última, foi ‘a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas nas aulas’ (uma citação). Sobre essa unidade, citamos Rego (1996) que diz que, alguns educadores parecem compreender que a manifestação de maior ou menor indisciplina no cotidiano escolar está relacionada aos traços de personalidade de cada aluno. Já Canfield et al. (1998) colocam que a diminuição do interesse do aluno pelas aulas de EF é devido à prática pedagógica do professor, onde predominam a falta de diversificação e inadequação dos conteúdos, marcados pelo desinteresse do professor. Nesse sentido, os autores ressaltam que é responsabilidade do professor de EF despertar o interesse dos alunos para que esses sintam prazer e vejam horizontes na prática de atividades físicas. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas na aula’ foi uma das causas da indisciplina dos alunos nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Assim, essas foram as causas da indisciplina dos alunos nas aulas de EF nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Diante desse fato, podemos constatar que as causas da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF, nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, são muito parecidas (três do total de três) com as causas da indisciplina dos alunos da EB nas percepções de acadêmicos de Licenciatura em EF em situação de ECS nos AIEF obtidos pelo estudo de Krug e Krug (2014). Consequentemente, podemos inferir que as causas da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF entre professores de EF iniciantes na EB e acadêmicos de EF em situação de ECS são semelhantes. Nesse sentido, mencionamos Rego (1996) que afirma que, no cotidiano escolar, os educadores, aturdidos e perplexos com o fenômeno da indisciplina, tentam buscar, ainda que de modo impreciso e pouco aprofundado, explicações para a existência de tal manifestação.

Ao efetuarmos uma análise geral, sobre as percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, constatamos que dois terços (duas do total de três) das causas da indisciplina dos alunos nas aulas de EF estão diretamente ‘ligados à fatores externos à ação pedagógica dos professores’ (‘a família dos alunos’ e ‘a sociedade atual desajustada’) e um terço (uma do total de três) está diretamente ‘ligado à fator interno à ação pedagógica do professor’ (‘a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas nas aulas’). Esse achado está em consonância com o manifestado por Rego (1996) de que, na visão de muitos educadores, os determinantes da indisciplina são fatores extra-escolares, e assim, a solução para o problema da indisciplina não estaria ao alcance dos professores. Para Garcia (1999), as causas para a indisciplina podem ser: a) externas à escola, que envolvem a influência dos meios de comunicação, a violência social e os problemas no ambiente familiar; e, b) internas à escola, que são representadas pelo ambiente escolar, as condições de ensino-aprendizagem, os modos de relacionamento humano, o perfil dos alunos e sua capacidade de se adaptar aos esquemas da escola.

A partir dessas constatações, podemos inferir que os professores de EF iniciantes na EB estudados possuem uma percepção de que os causadores da indisciplina dos alunos estão ‘distantes’ de sua ação intervencionista na aula de EF. Para Rego (1996), essa posição precisa ser revista, já que as explicações, mitos e crenças sobre o fenômeno da indisciplina na aula difundidos no meio educacional, além de acarretar preocupantes implicações à prática pedagógica, se embasam em pressupostos preconceituosos, superados e equivocados sobre as bases psicológicas, biológicas e culturais envolvidas na formação de cada pessoa.

 

3.3- As consequências da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados

Nessa categoria de análise, apontamos como essencial nos reportarmos a Luft (2000) que afirma que, consequência significa algo produzido por uma causa; efeito, resultado. Assim, para esta investigação, consideramos consequência o efeito da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF. Nesse sentido, emergiram ‘cinco unidades de significados’, as quais foram apresentadas a seguir.

A perda do controle da turma pelo professor’ (uma citação) foi uma das unidades de significados manifestada. Em relação a essa unidade, nos reportamos à Quadros et al. (2015) que colocam que o controle/domínio da classe de alunos é uma das preocupações pedagógicas dos professores de EF iniciantes na EB e que a indisciplina dos alunos é um problema que, geralmente, leva a perda do controle/domínio da turma pelos professores. Esse fato está em consonância com a investigação de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘a perda do controle da aula pelo professor’ foi uma das consequências da indisciplina nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Outra unidade de significado manifestada foi ‘a geração de mais agressões entre os alunos’ (uma citação). Essa unidade, pode ser apoiada em Krug (2002, p.31) que coloca que, “[e]studos apontam com frequência a vasta gama de comportamentos agressivos em aula de Educação Física. Tal situação apresenta forte interferência no processo de ensino-aprendizagem e favorece um desequilíbrio no ambiente educacional”. O autor ainda destaca que os comportamentos agressivos são ações cuja intenção é causar dano ou ansiedade nos outros, incluindo bater, chutar, destruir a propriedade, discutir, depreciar e atacar verbalmente outras pessoas e resistir a pedidos. Esse fato está em consonância com a pesquisa de Krug e Krug (2014) que constataram que ‘a geração de mais agressões entre os alunos’ foi uma das consequências da indisciplina nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Também outra unidade de significado manifestada foi ‘atrapalha o andamento da aula’ (uma citação). A respeito dessa unidade, apontamos Moura e Prodócimo (2017, p.49) que afirma que, a indisciplina dos alunos “[a]trapalha sensivelmente a evolução das aulas [...]”. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que uma das consequências da indisciplina dos alunos foi que essa ‘atrapalha o andamento das atividades da aula’ nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil.

Mais uma unidade de significado manifestada foi ‘prejudica o aprendizado dos alunos’ (uma citação). Essa unidade pode ser embasada em Sousa et al. (2016, p.578) que dizem que, “[o] aluno diante de seus atos de indisciplina é o mais prejudicado dentro do processo ensino-aprendizagem, diante do barulho e da movimentação, o conteúdo não é aproveitado de forma significativa, ficando assim algumas lacunas na troca de conhecimento realizada em sala de aula”. Esse fato está em consonância com o estudo de Krug e Krug (2014) que constataram que, nas percepções de acadêmicos de EF em situação de ECS nos AIEF, de uma universidade pública da região sul do Brasil, uma das consequências da indisciplina dos alunos foi que essa ‘atrapalha/interfere na aprendizagem dos alunos’.

Perda ou diminuição da motivação do professor em ensinar os alunos’ (uma citação) foi mais uma das unidades de significados manifestada. A respeito dessa unidade, nos reportamos a Sousa et al. (2016, p.578) que afirmam que, o problema da indisciplina dos alunos na sala de aula “se torna mais agravante quando os próprios docentes perdem a motivação pela sua profissão, por não aguentarem, alguns alunos, os quais, não respeitam ninguém, não tem limites e não querem obedecer nenhum tipo de regra”. Já Andrade e Cardoso (2012) colocam que a indisciplina dos alunos tem contribuído para o alto grau de incidência de transtornos psicológicos nos docentes, como ansiedade, estresse, dentre outros, levando até mesmo à chamada Síndrome de Burnout, causada por pressões e expectativas em torno desses profissionais, e que pode acarretar em afastamentos, licenças, abandonos da profissão, precarização do ambiente de trabalho e adoecimento mental. Convém ressaltar que essa consequência da indisciplina dos alunos não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Assim, essas foram as consequências da indisciplina dos alunos nas aulas de EF nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Frente a esse fato, podemos constatar que as consequências da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF, nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, são muito parecidas (quatro do total de cinco) com as consequências da indisciplina dos alunos da EB nas percepções de acadêmicos de Licenciatura em EF em situação de ECS nos AIEF obtidos pelo estudo de Krug e Krug (2014), intitulado ‘Indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física’. Consequentemente, podemos inferir que as consequências da indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF entre professores de EF iniciantes na EB e acadêmicos de EF em situação de ECS são semelhantes.

Ao fazermos uma análise geral, sobre as percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, constatamos que a totalidade (cinco do total de cinco) das consequências da indisciplina dos alunos nas aulas de EF está diretamente ‘ligada à fatores internos à ação pedagógica dos professores’ (‘a perda do controle da turma pelo professor’, ‘a geração de mais agressões entre os alunos’, ‘atrapalha o andamento da aula’, ‘prejudica o aprendizado dos alunos’ e ‘a perda ou diminuição da motivação do professor em ensinar os alunos’), sendo que não foi percebida nenhuma consequência diretamente ‘ligada à fatores externos à ação pedagógica do professor’. Esse fato está em consonância com o manifestado por Taille (1996), que afirma que a indisciplina dos alunos tem diversas consequências para o processo ensino-aprendizagem. Destaca que a disciplina é boa porque, sem ela, há poucas chances de se levar à bom termo um processo de ensino-aprendizagem. A partir dessas constatações, podemos inferir que os professores de EF iniciantes na EB estudados possuem a percepção de que as consequências da indisciplina dos alunos incidem ‘totalmente’ sobre a sua ação pedagógica na aula de EF.

 

3.4- Como tratar os alunos da EB indisciplinados nas aulas de EF nas percepções dos professores EF iniciantes na EB estudados

Nessa categoria de análise, concluímos como prioritário destacarmos Luft (2000) que aponta que, tratamento significa ação ou efeito do tratar(-se); trato. Assim, para esta investigação, consideramos tratamento a forma, isto é, o trato que os professores iniciantes estudados dão aos alunos da EB indisciplinados nas aulas de EF. Nesse sentido, emergiram ‘cinco unidades de significados’, as quais foram descriminadas a seguir.

Uma das unidades de significados apontada foi ‘prescrevendo as regras das aulas’ (uma citação). Quanto a essa unidade de significado, nos dirigimos a Moura e Prodócimo (2017) que destacam que as regras apresentadas podem ser compreendidas de maneiras diferentes pelos alunos e professores. Salienta que, muitas vezes, essas regras já estão prontas na escola e são impostas, e que apresentam um excesso de proibições. Ressalta que a partir dessa situação pode surgir rebelião às regras. Convém ressaltar que essa forma de como tratar os alunos indisciplinados não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Outra unidade de significado manifestada foi ‘encaminhando os alunos para a direção’ (uma citação). Essa unidade pode ser apoiada em Braz et al. (2013) que também encontraram essa forma dos professores enfrentarem a indisciplina dos alunos nas aulas. Já Alves (2002) diz que é frequente a transferência das causas e resolução dos problemas que muitos educadores fazem para outras instâncias. Entretanto, Moura e Prodócimo (2017, p.60) destacam que uma das formas negativas no trato da indisciplina escolar “é a transferência do problema educacional para outras esferas e profissionais que não estão diretamente envolvidos com a instituição escolar [...]” No entanto, outros autores como Brito e Santos (2009 apud MOURA; PRODÓCIMO, 2017) propõem, em casos de violência, o apoio de outros profissionais para tentar solucionar o problema. Ainda Moura e Prodócimo (2017, p.61) afirmam que “[o] auxílio de outros profissionais é benéfico para dar suporte ao docente [...]. A questão problemática é que os educadores deveriam mediar os conflitos de indisciplina ocorridos nas escolas e não transferir à outros profissionais exacerbadamente ‘terceirizando’ suas responsabilidades”. Vale lembrar que essa forma de como tratar os alunos indisciplinados não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Também outra unidade de significado manifestada foi ‘dialogando com os alunos’ (uma citação). A respeito dessa unidade, apontamos Moura e Prodócimo (2017, p.59) que possuem o seguinte posicionamento:

 

[p]ara a formação humana, autônoma e cidadã é necessário ampliar os espaços de discussão democrática, em que todos os segmentos das escolas possam participar da elaboração e implantação de documentos e projetos, opinando, trazendo o seu ponto de vista e se sentindo integrante da instituição, assim criaremos um sentimento de pertencimento e envolvimento escolar, bem como tornará um ambiente mais aberto e consequentemente mais agradável e prazeroso [...].

 

Já Frederico (2001) afirma que a rediscussão das regras deverá ocorrer sempre que essas perderem o seu sentido ou começarem a atrapalhar o desenvolvimento do grupo. Consideramos pertinente destacarmos que esta forma de como tratar os alunos indisciplinados não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Mais outra unidade de significado manifestada foi ‘tentando refletir com os alunos para compreender as causas’ (uma citação). Essa unidade pode ser embasada em Siqueira (2003) que diz que um professor deve refletir sobre sua postura/metodologia e suas práticas educativas para estimular seus alunos. Talvez essas mudanças possam ser mais eficazes. Isso porque eles agiriam evitando a indisciplina, não apenas atuando quando ela já está presente. Convém destacarmos que essa forma de como tratar os alunos indisciplinados não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Não sei como fazer’ (uma citação) foi mais uma unidade de significado manifestada. Relativamente a essa unidade, mencionamos Valle e Zamberlan (1996 apud KRUG, 2002) que destacam que, os problemas disciplinares no cotidiano escolar constituem-se em questões constantes que os professores não conseguem lidar. Esse tipo de resposta à como tratar os alunos indisciplinados ou à como não tratar, não aparece no estudo de Krug e Krug (2014).

Assim, essas foram as formas de como tratar a indisciplina dos alunos nas aulas de EF nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados. Diante desse fato, podemos constatar que as formas de como tratar a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF, nas percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, são totalmente diferentes (cinco do total de cinco) com as formas de tratar a indisciplina dos alunos da EB nas percepções de acadêmicos de Licenciatura em EF em situação de ECS nos AIEF obtidos pelo estudo de Krug e Krug (2014). Consequentemente, podemos inferir que, as formas de tratar a indisciplina dos alunos da EB nas aulas de EF entre professores de EF iniciantes na EB e acadêmicos de EF em situação de ECS são totalmente diferentes. Entretanto, chamamos à atenção para Gonçalves (1992) que diz que grande parte dos professores apresenta, em certos períodos da profissão, características, sentimentos, atitudes, posições e escolhas semelhantes, mas, ressaltamos que não necessariamente iguais.

Ao elaborarmos uma análise geral, sobre as percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados, constatamos que dois quintos (duas do total de cinco) das formas de tratar a indisciplina dos alunos nas aulas de EF estão diretamente ‘ligados à fatores externos à ação pedagógica dos professores’ (‘encaminhando os alunos para a direção’ e ‘não sei como fazer’) e três quintos (três do total de cinco) estão diretamente ‘ligados à fatores internos à ação pedagógica do professor’ (‘prescrevendo as regras das aulas’, ‘dialogando com os alunos’ e ‘tentando refletir com os alunos para compreender as causas’). Assim, no direcionamento desse achado, citamos Jesus (1999), que especificamente, no que diz respeito à gestão da indisciplina dos alunos, recomenda que são necessárias medidas ao nível sócio-político, ao nível da escola e ao nível da relação pedagógica do professor. Entre as medidas do professor estão: a) manter-se sempre calmo, sereno e seguro; b) ser flexível, desde que coerente, na sua forma de atuação; c) evitar confrontos desnecessários, sendo mais tolerante; d) não se distanciar dos alunos indisciplinados; e) tendo em conta que os comportamentos de indisciplina também podem ser aprendidos, enfatizar os aspectos positivos do comportamento e da aprendizagem dos alunos; f) fazer com que os alunos voltem a acreditar que podem vir a alcançar resultados escolares positivos; g) delegar funções de ‘assistente’ ao líder informal da turma, responsabilizando-o inclusivamente pela gestão do comportamento dos colegas; h) separar os alunos que perturbam; i) repreender os alunos em particular e apenas quando tal atitude é efetivamente necessária; j) identificar os casos de alunos com problemas familiares e tentar contribuir para a resolução de tais problemas; e, k) estabelecer contratos (gestão de contingências) que identifiquem os comportamentos a corrigir pelos alunos, no sentido de os responsabilizar e de os levar a desenvolver uma ‘disciplina interior’ ou ‘autodisciplina’. O autor destaca ainda que, cada professor deve procurar aprender a partir da própria experiência, sendo coerente consigo mesmo. Fundamentalmente, se o professor quer ser respeitado pelos seus alunos, tem que ele próprio respeitar-se e apreciar as suas qualidades pessoais e profissionais. Assim, uma das regras que o professor deve ter em conta é tentar analisar o seu próprio comportamento face às situações de autoconhecimento e aperfeiçoamento progressivo.   

 

4- AS CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela análise das informações obtidas temos a destacar as seguintes percepções dos professores de EF iniciantes na EB estudados: a) quanto ao conceito de indisciplina constatamos que foram apontadas ‘três unidades de significados’: 1ª) ‘atos praticados pelos alunos que vão contra as normas estabelecidas pela escola e pelo professor’; 2ª) ‘atos praticados pelos alunos que prejudicam o andamento da aula e/ou o aprendizado’; e, 3ª) ‘atos de falta de respeito dos alunos com o professor e/ou colegas’; b) quanto às causas da indisciplina dos alunos constatamos que foram apontadas ‘três unidades de significados’: 1ª) ‘a família dos alunos’; 2ª) ‘a sociedade atual desajustada’; e, 3ª) ‘a falta de interesse dos alunos pelas atividades propostas nas aulas’; c) quanto às consequências da indisciplina dos alunos constatamos que foram apontadas ‘cinco unidades de significados’: 1ª) ‘a perda do controle da turma pelo professor’; 2ª) ‘a geração de mais agressões entre os alunos’; 3ª) ‘atrapalha o andamento da aula’; 4ª) ‘prejudica o aprendizado do aluno’; e, 5ª) ‘perda ou diminuição da motivação do professor em ensinar o aluno’; e, d) quanto à como tratar os alunos indisciplinados constatamos que foram apontadas ‘cinco unidades de significados’: 1ª) ‘prescrevendo as regras das aulas’; 2ª) ‘encaminhando os alunos para a direção’; 3ª) ‘dialogando com os alunos’; 4ª) ‘tentando refletir com os alunos para compreender as causas’; e, 5ª) ‘não sei como fazer’.

Nesse direcionamento de conclusão, citamos Moura e Prodócimo (2017, p.49) que dizem que a indisciplina escolar “é um fenômeno existente nas escolas que cria enormes dificuldades para docentes e alunos. Atrapalha sensivelmente a evolução das aulas, prejudica as relações entre os discentes e desses com os funcionários, professores e gestores [...]”. Já Aquino (1996b) ressalta que a indisciplina dos alunos contribui, entre outros fatores, para uma precarização do ambiente escolar influenciando a prática pedagógica do professor, gerando dificuldades desses em exercer a sua profissão. Nesse sentido, também inferimos que prejudica a prática pedagógica, principalmente, dos professores de EF iniciantes na EB.  

Ainda podemos perceber neste estudo, que a questão da indisciplina dos alunos nas aulas de EF nos conduziram à muitas dúvidas e que a partir disso necessitamos desenvolver uma discussão permanente sobre essa temática para que possamos viabilizar alternativas para esse entrave pedagógico, que tanto limita a busca de uma EF de melhor qualidade e para que possamos ganhar em conhecimento, ensino e aprendizagem por parte de todos.

Outra percepção, originada neste estudo, foi que a conceituação, as causas, as consequências da indisciplina dos alunos nas aulas de EF na EB são bem parecidas entre acadêmicos de EF em situação de ECS e professores iniciantes de EF na EB, fato que nos possibilita inferirmos que seja causado pela proximidade temporal de pertencimento à profissão. Entretanto, no que diz respeito às formas de como tratar os alunos indisciplinas nas aulas de EF, acadêmicos em situação de ECS e professores de EF iniciantes na EB diferem totalmente em suas decisões, fato que nos possibilita inferir que seja resultado possivelmente pela pequena experiência temporal de exercício da profissão em favor dos professores.

Para finalizar, destacamos que é preciso considerar que este estudo fundamentou-se nas especificidades e nos contextos de uma cidade em particular e de professores de EF iniciantes na EB em específico e que os seus achados não podem ser generalizados e sim encarados como uma possibilidade de ocorrência.

 

REFERÊNCIAS

ANDRADE, P.S. de; CARDOSO, T.A. de O. Prazer e dor na docência: revisão bibliográfica sobre a Síndrome de Bornout. Revista Saúde & Sociedade, São Paulo, v.21, n.1, p.129-140, 2012.

AQUINO, J.R.G. Apresentação. In: AQUINO, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 2. ed. São Paulo: Summus, 1996a.

AQUINO, J.R.G. A desordem na relação professor-aluno: indisciplina, moralidade e conhecimento. In: AQUINO, J.R.G. (Org.). Indisciplina na escola: alternativas teóricas e práticas. 2. ed. São Paulo: Summus, 1996b.

BERNARDI, A.P. et al. O percurso profissional de professores de Educação Física Escolar de Santa Maria (RS): a fase de entrada na carreira docente. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, XVI., III., 2009, Salvador. Anais, Salvador: UFBA, 2009.

BRAZ, C. do S. et al. Indisciplina na sala de aula: a visão de alunos e professores. Revista DiversaPrática, Uberlândia, v.1, n.2, p.112-135, 1. sem. 2013.

CANFIELD, M. de S. et al. Os alunos gostam das aulas de Educação Física? In: PEREIRA, F.M. (Org.). Educação Física: textos do XV Simpósio Nacional de Ginástica. Pelotas: ESEF/UFPEL, 1995.

FAZENDA, I. (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. São Paulo: Cortez, 1989.

FREDERICO, T.R. A prática disciplinar no ensino fundamental e o estatuto da criança e do adolescente, 2001. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2001.

GARCIA, J. Indisciplina na escola: uma revisão sobre a dimensão preventiva. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.95, p.101-108, 1999.

GODOY, A.S. Pesquisa qualitativa: tipos fundamentais. Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.35, n.3, p.20-29, mai./jun. 1995.

GONÇALVES, J.A. A carreira dos professores do ensino primário. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1992.

HUBERMAN, M. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2. ed. Porto: Porto Editora, 1995.

ILHA, F.R. da S.; KRUG, H.N. Os dilemas da docência de professores iniciantes de Educação Física Escolar. In: CONGRESO INTERNACIONAL SOBRE PROFESORADO PRINCIPIANTE E INSERCIÓN PROFESIONAL E LA DOCENCIA, III., 2012, Santiago do Chile. Atas, Santiago do Chile: Universidad Autonoma de Chile, 2012.

ILHA, F.R. da S.; KRUG, H.N. O professor iniciante e a Educação Física Escolar: desafios que se somam. In: CONCEIÇÃO, V.J.S. da; FRASSON, J.S. (Orgs.). Textos e contextos sobre o trabalho do professor de Educação Física no início da docência. Porto Alegre: Sulina, 2016.

JESUS, S.N. de. Como prevenir e resolver o stress dos professores e a indisciplina dos alunos? Lisboa: ASA, 1999.

KRUG, H.N. A agressividade na Educação Física Escolar. In: KRUG, H.N. (Org.). Cadernos de Ensino, Pesquisa e Extensão do CE/UFSM – Educação Física Escolar: Temas Polêmicos. Santa Maria: CE/UFSM, 2002.

KRUG, H.N.; KRUG, R. de R.; ILHA, F.R. da S. Professores iniciantes em Educação Física Escolar: os seus dilemas e sua gestão. Revista Quaestio, Sorocaba, v.15, n.2, p.315-337, dez. 2013.

KRUG, R. de R.; KRUG, H.N. Indisciplina dos alunos nas aulas de Educação Física. Revista Psicopedagogia On Line, São Paulo, p.1-10, out. 2014.

LUFT, C.P. MiniDicionário Luft. São Paulo: Ática/Scipione, 2000.

Assine

Assine gratuitamente nossa revista e receba por email as novidades semanais.

×
Assine

Está com alguma dúvida? Quer fazer alguma sugestão para nós? Então, fale conosco pelo formulário abaixo.

×