A Inclusão Educacional em Disputa: Retrocessos e Contradições nas Políticas Brasileiras
Por - Ivan Carlos Zampin: Professor Doutor, Pesquisador, Pedagogo, Graduado em Educação Especial, Docente no Ensino Superior e na Educação Básica, Gestor Escolar, Especialista em Gestão Pública, Especialista em Psicopedagogia Institucional.
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A Educação Inclusiva no Brasil tem se configurado como um campo de intensa disputa política e conceitual, revelando tensões entre avanços legais e propostas de retrocesso que ameaçam a garantia do direito à educação para todas as pessoas, conforme estabelecido na Constituição Federal de 1988 e em tratados internacionais ratificados pelo país. O atual processo de revisão da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPI), instituída em 2008, exemplifica esta contradição ao propor medidas que, segundo analisam Mantoan (2015) e Kassar (2018), representariam um retorno ao modelo segregador, estimulando a separação entre estudantes com e sem deficiência.
A controvérsia se ampliou durante a elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), quando foram retirados trechos significativos sobre educação inclusiva que haviam sido construídos mediante contribuições de especialistas e movimentos sociais. Conforme destaca Prieto (2020), esta exclusão ocorreu paralelamente à inserção do conceito de "diferenciação curricular", criticado por pesquisadores da área como uma forma velada de discriminação que legitima práticas educacionais excludentes sob o argumento da adaptação às diferenças.
O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014 após intensos debates, já havia estabelecido um precedente preocupante ao permitir a matrícula de pessoas com deficiência em escolas especiais, em contradição com o paradigma da inclusão plena. Esta flexibilização, conforme argumentam Bueno e Souza (2017), viola o princípio fundamental da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status constitucional, que estabelece a obrigatoriedade do ensino inclusivo em todos os níveis.
O arcabouço legal brasileiro, composto por leis, decretos e resoluções, reflete esta ambivalência histórica. A Lei 9.131/95, que atribuiu ao Conselho Nacional de Educação (CNE) a competência para normatizar a educação nacional, criou as condições institucionais para atualizações como a BNCC. Este documento, embora apresente eixos estruturantes aparentemente progressistas, como, "investigação científica" e "mediação sociocultural", falha, segundo análise de Pletsch e Glat (2021), em garantir efetivamente os princípios da educação inclusiva, priorizando uma perspectiva homogeneizadora do currículo.
A contradição fundamental reside entre o discurso oficial de "redução das desigualdades educacionais" e as práticas que sustentam mecanismos de exclusão. Como demonstram estudos de Michels (2019), a ênfase na "modernização" e "atualização docente" frequentemente esconde a manutenção de estruturas que não se transformam para acolher a diversidade humana. A promessa de "habilidades para o século XXI" contrasta com propostas que negam o convívio na diversidade como aspecto fundamental da formação cidadã.
A resistência de setores educacionais às propostas de retrocesso na PNEEPI revela, conforme argumenta Nunes (2022), a consolidação de um campo teórico e prático comprometido com a superação do modelo médico-assistencialista da educação especial. Esta perspectiva, fundamentada em autores como Vygotsky (1997) e Skliar (2003), compreende a deficiência como construção social e defende a transformação dos sistemas educacionais para eliminar barreiras atitudinais, pedagógicas e arquitetônicas.
O atual momento exige, portanto, vigilância crítica frente às tentativas de flexibilização do direito à Educação Inclusiva. Como alertam as organizações de pessoas com deficiência e pesquisadores da área, qualquer retrocesso nas políticas de inclusão representaria não apenas violação de direitos constitucionais, mas também um empobrecimento democrático da sociedade brasileira, que perderia a oportunidade de se constituir como espaço genuinamente plural e acolhedor da diversidade humana.
Referências Bibliográficas
BUENO, J. G. S.; SOUZA, D. T. R. A educação especial brasileira após a LDBEN 9.394/96: história, política e desafios. Revista Brasileira de Educação, v. 22, n. 71, 2017.
KASSAR, M. C. M. Política Nacional de Educação Especial: equívocos e retrocessos na atual proposta. Revista Educação Especial, v. 31, n. 62, 2018.
MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer? São Paulo: Moderna, 2015.
MICHELS, M. H. A "nova" política nacional de educação especial: flexibilização do direito à educação, retrocessos e conservadorismo. Revista Brasileira de Política e Administração da Educação, v. 35, n. 3, 2019.
NUNES, L. R. O. P. Políticas de educação especial na perspectiva inclusiva: avanços e desafios. Cadernos de Pesquisa, v. 52, 2022.
PLETSCH, M. D.; GLAT, R. A política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva e a BNCC: contradições e desafios. Educação & Sociedade, v. 42, 2021.
PRIETO, R. G. Inclusão escolar: conquistas e desafios. São Paulo: Cortez, 2020.
SKLIAR, C. A invenção e a exclusão da alteridade "deficiente" a partir dos significados da normalidade. Educação & Realidade, v. 28, n. 2, 2003.
VYGOTSKY, L. S. Obras escogidas V: fundamentos de defectología. Madrid: Visor, 1997.