14/02/2017

A HORA DO CONTO E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO FORMATIVO E HISTÓRICO-CULTURAL

A HORA DO CONTO E SUAS REPERCUSSÕES NO PROCESSO FORMATIVO E HISTÓRICO-CULTURAL

 

Josiani Ristof Nieto – Discente do curso de Pedagogia pelo Centro Universitário La Salle – UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: josinhapr@gmail.com.br

Silvana Ferreira Pereira - Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Universitário La Salle, Canoas, RS. E-mail: silvana.fpereira@gmail.com

Elaine Conte - Doutora em Educação pela UFRGS. Professora e Pesquisadora do PPG em Educação do UNILASALLE, Canoas, RS. E-mail: elaine.conte@unilasalle.edu.br

 

RESUMO: Este artigo apresenta uma reflexão teórica que auxilia no entendimento de como o sujeito constitui sua identidade pessoal e social através da ação narrativa no processo formativo. Trata-se de entender quais as repercussões da hora do conto na vida das pessoas no âmbito pessoal, familiar, escolar, como possibilidade de integração de todas as criações humanas e tecnológicas. A problemática aborda e questiona até que ponto as histórias contadas formam a nossa própria identidade e o (auto) reconhecimento diante da pluralidade de experiências humanas. Fazendo uso de leituras e textos sobre o assunto, busca-se compreender os sentidos e significados da hora do conto no processo formativo e histórico-cultural, trazendo um recorte para o contexto atual. Defende-se a importância de preservar as histórias intergeracionais que marcam o processo formativo e histórico-cultural para favorecer aprendizagens evolutivas e sociais.

Palavras-chave: Hora do conto. Família. Escolas. Formação cultural.

THE TIME OF THE TALE AND THEIR REPERCUSSIONS IN THE FORMATIVE AND HISTORICAL-CULTURAL PROCESS

ABSTRACT: This article presents a theoretical reflection that assists in the understanding of how the subject constitutes his identity in the world through narrative action in the training process. It is a question of understanding the repercussions of the time of the story in the life of the people in the personal, familiar, school environment, as a possibility of integration of all human and technological creations. The problematic addresses and questions the extent to which the stories told form our own identity and (self) recognition before human plurality of human experiences. Making use of readings and texts on the subject, it is sought to understand the meanings and meanings of the time of the story in the formative process and historical-cultural, bringing a clipping to the current context. It is defended the importance of preserving the intergenerational histories that mark the formative and historical-cultural process to favor evolutionary and social.

Keywords: Story time. Family. Schools. Cultural training.

  1. Introdução

            Este artigo visa compreender de que forma os sujeitos estabelecem relações histórico-culturais por meio de narrativas e histórias no mundo, abordando a questão da hora do conto. A arte da contação de histórias é uma arte da criação humana, que permite a própria manutenção da tradição cultural das sociedades (desde as culturas primitivas), servindo como um artefato de transmissão de conhecimentos, costumes, crenças, etnias, religiões, valores morais, éticos, estéticos, históricos, culturais e sociais. Na educação, a atividade de contar histórias marcadamente definida como a hora do conto é utilizada como um recurso do professor em sala de aula, para o desenvolvimento do ato de narrar e experimentar histórias diferentes, de momentos reais ou virtuais, oportunizando aflorar a multiplicidade de sentidos dos textos em vários contextos. Realidades estas que favorecem atitudes de se colocar no lugar do outro e pensar como atitude narrativa da conversação humana, estabelecida na relação educador-educando-mundo das histórias.

              Essa pesquisa é de cunho qualitativo, tendo como base a pesquisa bibliográfica e exploratória, que se caracteriza pela leitura, interpretação e compreensão do tema, mapeando o estado de arte por meio de autores que falam sobre a questão da hora do conto. Aqui se destaca a importância de entender os sentidos e significados da hora do conto na formação humana, como forma de ressignificar os processos de ensinar e aprender no contexto vital dos cidadãos. Esta pesquisa propõe e colabora com o entendimento da formação pedagógica, seja pela descrição e compreensão das experiências vividas, que dão sentido ao que aprendem e ensinam no contexto escolar, principalmente por levar em consideração os educandos, na relação com os colegas, os professores e o conhecimento, em várias dimensões da racionalidade humana, que englobam as práticas diárias (sociais, econômicas, históricas, políticas, afetivas e biográficas).

                No caso específico deste trabalho, buscamos compreender como as pessoas atribuem sentidos e produzem significados sobre o mundo, por meio das interações e comunicações cotidianas, da experiência pedagógica de contar histórias (SANTOS, 2002). A contação de histórias é uma maneira de narrar experiências (narrativas de si e do mundo) entre os sujeitos e comunidades engajados no mundo em transformação. As histórias surgem de lembranças narradas ligadas aos espaços que compartilham experiências, e de levantar aquelas questões que com frequência recairiam no esquecimento se não fossem tornadas audíveis as vozes de quem as profere, reconta, revive. Em todos os momentos do processo formativo novas experiências coletivas, com as histórias e a literatura, favorecem a interpretação das vivências pessoais (referem-se à identidade e à subjetividade) e socioculturais da humanidade.

Certamente que novos significados são adquiridos pela interação do conhecimento com os conceitos aprendidos e proposições recontadas por meio de narrativas. Daí a possibilidade de compreender a humanidade por meio da escuta sensível, que encontra no outro com quem compartilhamos histórias, valores, emoções e conhecimentos, a experiência formadora de mundos. Com as histórias (re)contadas é possível uma articulação entre tempos, formas de vida, sensibilidades, afetividades e ações com as questões socioculturais.

2. Concepções e perspectivas teóricas

             Tudo indica que entender a história e a narração de quem a profere, é compreender o passado e projetar novas relações com o mundo. Por isso, a narrativa de histórias abre possibilidades de construir a si mesmo no mundo, bem como mobiliza novas correlações de histórias, desde as antigas histórias contadas nos ambientes familiares, nas escolas, na formação histórico-cultural, para ressignificá-las com as tecnologias, a fim de manter essas histórias vivas nos dias de hoje.

Há muitos e muitos anos, ainda quando a vida amanhecia no planeta, o Homem já narrava. Primeiro, falava de seu cotidiano: seus hábitos e seus revezes. Depois, em determinado momento, sentiu necessidade de dar conta de acontecimentos que escapavam a seu entendimento racional. Precisava encontrar explicações tanto para fenômenos da natureza quanto para o fato de ser quem era e estar onde estava. Assim concebeu então, um conto maravilhoso que, com seus elementos mágicos, explicava o que a razão desconhecia (CHEOLA, 2006, p.47).

            As histórias fazem parte das experiências vividas e não existem por acaso. Cada história traz um contexto, uma historicidade, uma alteridade (condição ética e política que inexiste sem o outro), tem uma dimensão moral, algo que nos transmite alguma mensagem e nos incita ao diálogo com as tradições. Todas as histórias geram algum impacto nas pessoas. Assim, se a história é boa ou ruim irá depender da forma como ela é expressa, problematizada e de que ângulo aprendemos a ver os fatos ali narrados, tendo também um caráter reflexivo. Historicamente, somos mobilizados pela linguagem na convivência e relação com o outro, com a natureza e com o mundo. Esta motivação em apropriar-se do mundo pela linguagem inicia desde as primeiras histórias contadas na infância.

           Segundo Schneid (2008), da oralidade à escrita as histórias viajaram e permanecem, carregadas pelas palavras, magia e poeticidade, nos revelando um mundo de onde emerge o conhecimento da alma e do sentir. Nos séculos que antecederam ao século XVII, as crianças eram tratadas como adultos e não havia uma literatura adequada a sua faixa etária, muitas vezes, preconizando o processo de descobertas e acabando com a fantasia e a imaginação das mesmas, já que sabiam tudo o que um adulto deveria saber. Em meados dos séculos XVII e XVIII, com a exaltação da burguesia, finalmente a infância é vista como parte importante na vida das pessoas. A partir desse período, passa-se a dividir o que pertence a cada fase de desenvolvimento da vida humana, inclusive em relação às histórias. E a escola teve uma participação ativa para que essa mudança de fato acontecesse. Essa separação foi pensada para que os filhos dos burgueses pudessem ter acesso a histórias voltadas para crianças. Somente no século XVIII é que as histórias foram consideradas importantes no ensino.

             A arte de narrar histórias é muito antiga, pois sem as narrativas não saberíamos o que aconteceu no passado, cada documento, livros, entre outros. A transmissão dessas narrativas é o que impulsiona cada dia mais a continuar o processo de contação de histórias, quanto mais falamos, lemos, escutamos ou recontamos, mais temos vontade de reconhecer o passado e contextualizar os atuais processos sociais.

[...] em virtude dessa relação que se tem com a palavra, nas sociedades africanas a mentira é considerada uma lepra moral. Quem falta com a palavra rompe com a unidade sagrada, reflexo da unidade cósmica, criando assim a desarmonia em si e em torno de si (MATOS, 2005, p.13).

                 A palavra e o gesto são os meios de transmissão das histórias, portanto, tem essa conotação do sagrado, de algo que se torna história, uma vez que a palavra dita não tem mais como apagá-la. Então, assim como nos contos, nas lendas, na vida real também podemos ter histórias com finais nem tão bons, mas devemos ser verdadeiros, sensíveis e intensos na hora de contá-las. No momento do seu surgimento não se pensava no contexto em que a história estava inserida, mas usavam-se as histórias como um momento de descontração e lazer.

Enquanto diverte a criança, o conto de fadas a esclarece sobre si mesma e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão e diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança (BETTELHEIM, 2004, p. 20).

            A maneira de narrar a experiência e a própria identidade[1] varia ao longo da história humana. Por isso, não sabemos precisamente em que momento surgiram as histórias, o que conseguimos afirmar é que esse processo de contação de histórias é bem antigo, vem desde as pinturas rupestres, as narrativas mitológicas, sendo que as primeiras histórias escritas tinham enfoque na bíblia.

Percebemos então que os mitos podem ser considerados uma narrativa histórica, já que em sumo os mitos descrevem os diversos acontecimentos e algumas vezes dramáticas, irrupções do sagrado do que realmente fundamenta o mundo e o converte no que ele é hoje (ELIADE, 1993, p.11).

            As histórias narrativas eram formas de explicar e compreender o mundo, atribuindo sentidos ao existir, como uma função mediadora do homem com o mundo. Com o auxílio da narração de si próprio ou da experiência no mundo, o sujeito tem a possibilidade de construir novas histórias narrativas, que requerem a existência do estar com os outros. Hannah Arendt (1989) defendia que só a condição humana traz a capacidade de comunicar (pelo discurso e pela ação) as próprias diferenças de si mesmo no mundo, pois a pluralidade é intrínseca a ação permanente com a qual desenvolvemos aprendizagens evolutivas. “É com palavras e atos que nos inserimos no mundo humano” (ARENDT, 1989, p. 189). A narrativa evidenciada na palavra falada ou descrita historicamente permite ao sujeito se identificar com o outro na práxis vital, anunciar a sua ação e projetar-se no mundo.

Na ação e no discurso, os homens mostram quem são, revelam ativamente suas identidades pessoais e singulares, e assim apresentam-se no mundo humano, enquanto suas identidades físicas são reveladas, sem qualquer atividade própria, na conformação singular do corpo e no som singular da voz. Esta revelação de “quem”, em contraposição “o quê” alguém é – os dons, qualidades, talentos e defeitos que alguém pode exibir ou ocultar – está implícita em tudo o que se diz ou faz. Só no completo silêncio e na total passividade pode alguém ocultar quem é. (ARENDT, 1989, p. 192).

                 As histórias contadas são possíveis quando as pessoas estão convivendo em diálogo com as outras, pois só podemos criar vínculos quando estabelecemos uma comunicação no agir político (de abertura ao diferente), em um espaço coletivo (interdependente da presença dos outros para ratificar a própria identidade). A complexidade que envolve a leitura e a escrita enriquece a ação narrativa do mundo, visto que a formação de crianças e adultos passa pela tradição cultural de ouvir e contar histórias, como um caminho de descobertas e de socialização de experiências humanas.

Na escola, com as crianças, basta pegar um livro nas mãos e todos já vão se aconchegando para ouvir a história. Algumas crianças não se contêm; conforme a narrativa se desenvolve seus corpos se inquietam, suspiros e gemidos são ouvidos e muitas, muitas vezes, não conseguem deixar de interromper para expressar sua indignação ou contentamento diante do que é narrado. (ZANELLA, 2010, p. 77).

                    No entanto, a arte de contar histórias vai além dos espaços escolares. Na verdade, onde há o desejo de alguém expressar a sua experiência vivida, e outra pessoa querendo ouvi-la, estarão concretizadas as condições de possibilidade, ou seja, o lugar propício à contação de histórias (que têm e fazem sentido para a vida humana). O resultado da narrativa entusiasma e provoca novos sentimentos e questionamentos tanto para aquele que conta como para aquele que se dispõe a ouvir, a compartilhar vivências e conhecimentos. Manter as histórias vivas na memória das pessoas é atribuir sentido à própria vida humana e poder ressignificá-las pela linguagem. Mas como podemos despertar para novas narrativas, acontecimentos, mitos, lendas, fábulas e contos, se esquecemos de contar histórias na escola? Não é de hoje que podemos perceber esse processo, basta que recordemos desde a nossa infância até os dias atuais quantas histórias já escutamos. Quais eram suas fontes? (pais, avós, padres, pastores, professores, televisão, redes sociais, Internet, literatura infantil, poesia, suspense, ficção?). Entre tantos recortes narrativos, quais mais marcaram nossa história?

              É muito raro encontrar pessoas que nunca escutaram histórias sejam elas tristes, felizes, baseadas na vida real ou na ficção científica. Somos seres de histórias coletivas, de linguagens e somos transformados por elas. “Essa travessia por entre aquilo que é interdeterminado e perigoso é exposta quando os sujeitos se dão em leitura por meio de suas narrativas, portanto, eles próprios são textos, textos-vida”. (ZANELLA, 2010, p. 84). Ao analisar os artigos, teses e outras pesquisas (entrevistas e experiências concretas[2]), podemos observar que a hora do conto é algo que mantém viva a nossa própria tradição cultural de experiência educativa. Histórias nos constituem como narradores de si e do mundo e são inevitáveis para toda e qualquer pessoa, pois ao viver já estamos construindo uma história e através dela fazemos as conexões com o restante do mundo. O que muda é a forma como cada pessoa vê, recebe, analisa e transmite o que entendeu, portanto, não se pode deixar de revisar e ressignificar as histórias visto que traduzem as singularidades e diferenças da própria humanidade.

Por meio da oralidade dos contadores tradicionais, sociedades inteiras perpetuavam e transmitiam costumes, valores e organização social a gerações posteriores. Os contos orais ampliavam a consciência humana, permitindo aos indivíduos o conhecimento do universo e de si mesmos. Ao orientar o desenvolvimento humano, tornou-se possível a modificação do ambiente no qual estavam inseridos, consolidando a evolução dos seres. (SILVA, 2014, p. 20).

               Os contos conseguem transmitir um pouco das pessoas que estão narrando, por isso a importância de valorizar a arte de contar histórias e compartilhar experiências e conhecimentos na formação do Pedagogo (a). Aprende-se e forma-se ao ouvir e transmitir uma história, pois assim ela torna-se uma experiência educativa compartilhada. Os professores podem tanto criar seres curiosos, leitores e narradores quanto acabar com a criatividade, a vontade de descobrir, de saber, de reconhecer, de entender o mundo. Já dizia Benjamin (1998), que a arte de narrar caminha para a troca de experiências. Parece que hoje, com as tecnologias digitais virtuais, torna-se raro o encontro com pessoas que sabem narrar histórias emocionantes ou que anunciam o desejo de ouvir e reconstruir histórias. 

              A vida em si é uma história em obra marcada por vários capítulos e conforme passamos de um capítulo para o outro passamos a ver a mesma história de maneira diferente. Isso porque, somos seres de mudança e transformação, vivemos afetados pelo meio social e pelas diferentes leituras culturais. Basta remontar que a compreensão de uma criança é diferente da compreensão de um adolescente e por aí adiante.

3. Repercussões da hora do conto na experiência educativa

             As histórias nos proporcionam grandes experiências, quando nos auxiliam a entender o mundo que nos cerca e nos apresentam novos conhecimentos, contribuindo para nos tornar melhores (o ser mais). Quando são contos ou lendas trabalham com nossa imaginação, mas ambas implicam no vínculo comunicativo e na abertura para o outro. Elas também mexem com nossas emoções nos fazendo entender ou buscar soluções para nossos conflitos subjetivos, objetivos e sociais.

Todos apreciam uma boa história, mas muita pouca gente conhece o valor real dela. Muitos que a usam para diferentes fins, como entreter, despertar a atenção ou descansar a mente, ignoram que, mesmo quando usada com estes objetivos em vista, a história é um elemento poderoso na formação do caráter daqueles que a ouvem. [...] Podemos afirmar que o valor real da história é ser instrumento educativo e deste ponto de vista, atende às necessidades humanas em todos os seus aspectos (CHAVES, 1963, p. 21).

              A comunicação oral, fundamental na contação de histórias, é formada e apresentada conforme a vivência de cada sujeito na aprendizagem em intervenção e em luta com o pensamento alheio. Assim, “o enunciado está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, os quais estão vinculados no interior de uma esfera comum da comunicação verbal” (BAKHTIN, 1992, p. 316). Por isso, a contação de histórias é uma arte que reflete as formas de expressão verbal do pensamento, como uma resposta a vivências e impressões anteriores do locutor dentro de uma dada esfera de construções verbais, proporcionando sempre interpretações renovadas das narrativas e do passado em diálogo com os interlocutores do presente. As histórias trazem o desejo de aprender e de conviver com outros, por meio da linguagem e da possibilidade de narrar e narrar-se, enquanto novos e intermináveis processos de (re)conhecer.

Muitos são os motivos que nos levam a contar histórias: o clima de alegria e interesse que elas despertam. Vários também são seus objetivos, como: formar o gosto pela leitura, divertir e estimular o desenvolvimento da imaginação, atenção, observação, memória e reflexão. (SCHNEID, 2008, p. 1).

              Tudo leva a crer que a hora do conto fortalece a experiência da arte de educar para o desenvolvimento da humanidade (desde a infância até a terceira idade) e da tradição cultural. Esta experiência pedagógica engloba a fala, a escuta, a cognição, a imaginação, a sensibilidade educativa, afetiva, divertida e também estimula a socialização e desenvolvimento da atenção e da disciplina. As histórias continuam tendo muito sucesso e influência na tradição familiar, escolar e vital. Elas continuam exercendo papel fundamental na educação e formação humana cotidiana. Nas famílias as historias continuam sendo passadas de geração em geração, mas ainda assim temos aqui um conflito que é a falta de registro das mesmas. As histórias de família surgem com muita naturalidade, porque são fatos que vivenciamos em cada dia de nossas vidas e, muitas vezes, recaem no esquecimento. Mas, também, espontaneamente contamos e transmitimos muitas de nossas histórias para várias outras pessoas, apenas lhes contando uma experiência de algo que já nos aconteceu.

Conto histórias para formar leitores; para fazer da diversidade cultural um fato; valorizar as etnias; manter a História viva; para se sentir vivo; para encantar e sensibilizar o ouvinte; para estimular o imaginário; articular o sensível; tocar o coração; alimentar o espírito; resgatar significados para a nossa existência e reativar o sagrado (BUSATTO, 2003, p. 45- 46).

                Quando vamos à igreja, não importando qual é a nossa religião, vamos até lá para escutarmos uma história, um sermão, uma conversação, que foi escrita há muitos anos atrás e que pode ser repensada na atualidade, por meio de noções como a vida solidária, a simplicidade, a honestidade, o respeito para consigo mesmo e para com o próximo, o cuidado, o valor da vida, a doação, etc. Se estes ensinamentos não fossem importantes para nosso processo histórico-cultural será que essas histórias teriam resistido ao tempo por meio da tradição? E por que alguém as teria escrito? O fato é que essas histórias fazem parte da construção de identidade, de como nos tornamos sujeitos.

Ah, como é importante para a formação de qualquer criança ouvir muitas, muitas histórias... Escutá-las é o início da aprendizagem para ser um leitor, e ser leitor é ter um caminho absolutamente infinito de descoberta e de compreensão do mundo. (ABRAMOVICH, 1993, p.16).

                Na escola surge o espaço privilegiado para as interações onde, na maioria das vezes, ocorre um compartilhar de histórias, de diferenças, de singularidades comunicativas e expressões, todas elas se integram no processo de (re)conhecer. Desde a educação infantil até as últimas séries do ensino fundamental o encantamento pelas leituras nos define leitores, apaixonados pelos mistérios, poesias e histórias. A escola deve ser um espaço onde as histórias sejam exploradas, analisadas, recontadas, comparadas, revividas, para cumprir o papel de colaborar e despertar os educandos para o mundo da literatura como base para o seu pleno desenvolvimento. Livros e histórias não foram feitos para ficarem jogados, guardados, empoeirados nas estantes das bibliotecas ou de alguma sala. Mas precisam fazer parte do nosso cotidiano como forma de habitar o mundo e conviver com as diferentes formas de ver e habitar o mundo. Os estudantes e professores tornam-se amigos, parceiros de descobertas e fantasias ao encontrarem objetivos comuns na atividade prazerosa da contação de histórias, que no momento deixa de ser um simples ato de expor a história para transformar-se em recurso de formação. É através do livro que o estudante sistematiza o conhecimento e encontra respostas para os seus problemas. Os professores devem incentivar continuamente os seus educandos, pois sem leitura não conseguiremos desenvolver seres criativos, pensantes, críticos. Os professores não imaginam os tesouros que têm em mãos, se soubessem desse poder das histórias, não fariam com que os alunos ficassem com “medo” de ler e sim os tornariam sujeitos curiosos, loucos para desvendar mais e mais, explorando as descobertas, o poder das fantasias que cada livro esconde se tomado apenas pela sua capa. Não é de hoje que temos visto a importância de conhecermos nossos estudantes, então por que não iniciamos com a valorização de suas histórias de vida? Através das autobiografias podemos mostrar ao educando sua importância na vida em sociedade e que cada vida tem um valor inestimável.

Concordamos que não seja tarefa simples a realização da Hora do Conto, vários são os fatores que dificultam sua execução: salas de aula com número excessivo de alunos, professores com um currículo extenso a ser cumprido, muitas vezes, confessando-se não leitores, o que dificulta a ampliação do repertório leitor e, consequentemente, a escolha da história a ser narrada. Ademais, a falta de orientação e a formação adequada para o trabalho com a contação de histórias em séries iniciais contribuem para esta realidade.  (SILVA, 2014, p. 23).

             Ainda que os professores tentem trazer as histórias para a sala, podemos perceber que eles esbarram em alguns percalços como a falta um espaço adequado, os livros descontextualizados ou desinteressantes, com histórias anestesiadas, abstratas e sem graça, a formação de professores que não valoriza as especificidades da arte de contar histórias que exige a capacidade de entonar e mudar a voz, fazer pausas, gestos, expressões, etc., a superlotação das salas de aula, a falta de professores com formação na área, o desinteresse pelos livros que é uma questão sociocultural, entre outros problemas. Portanto, não podemos deixar apenas sobre os ombros dos professores a culpa pela falta de momentos para a leitura ou a hora do conto como aqui chamamos, mas a escola também tem a responsabilidade de exigir do governo o acesso aos bens culturais e cumprir com os seus deveres.

             A cultura e a sociedade passam por constantes transformações e com as histórias isso não é diferente. Cabe aos professores buscar novos recursos para tornar a hora do conto um momento mais ativo, participativo e instigante ao pensar. Os materiais podem variar do simples livro ilustrado, até mesmo aos fantoches, teatros (que são bem aceitos por quase toda as faixas etárias) entre outros, a partir do momento em que as histórias acompanham a cultura e a transformação social, os benefícios são amplos.

            As novas tecnologias mudam as nossas relações com o mundo e as formas de ver e contar histórias. Não apenas no meio escolar, mas em nosso dia a dia a internet tem tornado cada vez mais fácil o alcance das informações, dos conhecimentos da tradição cultural. Nosso acesso a sites, blogs e outros ambientes de pesquisa, como por exemplo, o Google, nos permite que busquemos qualquer informação a qualquer hora. “A internet é uma mídia que facilita a motivação dos alunos pelas novidades e pelas possibilidades de pesquisa que oferece” (MORAN, 2000, p. 53). Por meio da internet podemos buscar vídeos, histórias mitológicas diversas e animadas com áudio e imagens tridimensionais.

                  As histórias contadas também estão presentes na TV, DVD, rádios. Para ilustrar, podemos identificar os enredos de novelas como histórias fictícias que prendem nossa atenção por estarem organizadas em pequenos capítulos que aguçam nossa curiosidade e despertam para problemáticas diversas. Os DVD’s tem o poder de guardar dentro de um simples objeto histórias que marcam a vida das crianças, quem nunca teve um DVD ou nunca assistiu a um? Não faz muito tempo que era comum ver longas filas nas locadoras para saciar o desejo da humanidade em conhecer as histórias que os DVD’s carregavam, mas com as novas tecnologias isso pode ser baixado instantaneamente por aplicativos como Utorrent.

               Atualmente, vemos longas filas nas seções de cinema, cada vez que é lançado um novo filme, queremos logo descobrir qual é a história que está por trás daquele título que nos chamou a atenção. Ao lermos ou ao escutarmos alguém comentar algo sobre alguma história aguçamos nossa curiosidade. Esse é o processo cultural pelo qual nós estamos passando. Mas, a educação precisa ir além da dimensão passiva, receptora ou mercadológica da cultura que requer do outro uma postura receptiva, de simples expectador de um filme ou de uma novela. A sala de aula é um ambiente de atores sociais, um espaço propício para a expressão, a contação de histórias e a reconstrução de novos sentidos.

A escola é uma instituição mais tradicional que inovadora. A cultura escolar tem resistido bravamente às mudanças. Os modelos de ensino focados no professor continuam predominando, apesar dos avanços teóricos em busca de mudanças do foco do ensino para o de aprendizagem. Tudo isto nos mostra que não será fácil mudar esta cultura escolar tradicional, que as inovações serão mais lentas, que muitas instituições reproduzirão no virtual o modelo centralizador no conteúdo e no professor do ensino presencial. (MORAN, 2000, p. 2).

                 Para finalizar, ressaltamos a importância de termos professores bem preparados nas escolas para darem conta dessa tão árdua tarefa, que é a arte de educar no sentido de transformar a si mesmo, de se dedicar e emprestar sua voz para transmitir as narrativas que muitas vezes farão a diferença na vida dos estudantes.

4. Considerações finais

             As histórias ainda não estão se extinguindo, mas para isso inclusive as tecnologias precisam ser repensadas e revistas para democratizar e atender a todos os cidadãos, para que haja o acesso às narrativas nas suas mais diferentes formas e linguagens. Esta tecnologia não consegue substituir o contato e a interação entre as pessoas, os contextos e as principais literaturas e estranhamentos da vida concreta. Portanto, a escola deve mobilizar para novas histórias contadas e recriadas no processo da educação, pois como observamos as histórias estão vivas e à disposição em vários dispositivos tecnológicos, o que falta para termos momentos de hora do conto com mais frequência é o encontro solidário para compartilhar boas histórias. A escola cobra do governo e os professores cobram das escolas, os estudantes e as famílias cobram dos professores e por aí vai. O que realmente importa é que não deixemos de oportunizar aos que estiverem ao nosso redor e nas salas de aula uma história bem contada e contextualizada.

             Como mencionamos anteriormente, a cultura e a sociedade passam por constantes mudanças, e as histórias são parte deste cenário. Elas vão se moldando e atualizando a cultura onde se inserem. Sendo assim, torna-se necessário que a educação, a religião e as famílias também se modernizem e utilizem as narrativas como oportunidade de (re)conhecer, desvendar e transformar. As histórias só deixarão de existir no momento em que nós, seres humanos, negligenciarmos o outro e anularmos as suas histórias e, consequentemente, a nossa própria experiência existencial. Assim, podemos concluir, afirmando que as histórias realmente mudam e marcam a vida das pessoas, no âmbito escolar, familiar, religioso e cultural. Todo e qualquer ser que tenha contato com uma história acaba sendo “contagiado”, mudando a sua existência e a experiência dos outros através dessa história.

REFERÊNCIAS

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BAKHTIN, Mikhail. Estética de Criação Verbal. Trad. Maria Ermontina G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

BENJAMIN, Walter. O narrador. In: BENJAMIN, W. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Ática, 1998.

BETTELHEIM. Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

BUSATTO, Cléo. Contar e encantar – pequenos segredos da narrativa. Petrópolis: Vozes, 2003.

CHAVES, Otília O. A arte de contar histórias. 3. ed. Rio de Janeiro: Confederação Evangélica do Brasil, 1963.

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MATOS, Gislayne Avelar. A palavra do contador de histórias: sua dimensão

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MORAN, José Manuel et al.. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 6. ed. Campinas: Papirus, 2000.

PEREIRA, Bernadete Terezinha; FREITAS, Maria do Carmo Duarte. O Uso das Tecnologias da Informação e Comunicação na Prática Pedagógica da Escola. PORTAL DIA A DIA EDUCAÇÃO, 2009.

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 SCHNEID, Jucelma Terezinha Neves. Hora do conto: uma experiência maravilhosa. Anais... Congresso Internacional de Leitura e Literatura Infantil e Juvenil. PUCRS, 2008.

SILVA, Valéria Santos da.  A Hora do Conto no cotidiano escolar: reflexões sobre o ler e o contar na rotina de duas professoras dos anos iniciais. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Tecnologia. Presidente Prudente, 2014. 166 f.

ZANELLA, Mariangela Polacchini. Leitura, leitura de leitores e leituraleitores: texto e espaço e narrativa. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biociências de Rio Claro. Rio Claro, 2010. 156 f.

 


[1] A identidade narrativa é uma categoria da ação, que integra as dimensões normativa, valorativa e descritiva. A visão de si e do mundo, que o sujeito da narrativa traz em sua experiência, é persuasiva, não é eticamente neutra, pois integra e carrega uma leitura (visão) de mundo.

[2] Dentre essas experiências podemos citar o filme “O contador de histórias” (2009), uma produção brasileira, com direção de Luiz Villaça, que conta a história baseada em fatos reais de Roberto, ex-menino em situação de rua – fruto da FEBEM. Hoje, Pedagogo, mestre pela Unicamp e Pós-Graduado pela PUC. Eleito um dos dez maiores contadores de histórias da atualidade. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=XXGPAFp3PC0 . Acesso em: 24 nov. 2016.

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